Contagem Regressiva escrita por Beatrice


Capítulo 8
Capítulo 7: Sombras


Notas iniciais do capítulo

A pedidos, esse capítulo ficou um pouquinho maior do que os anteriores, mas mesmo assim espero que não tenha ficado cansativo. Obrigada a todos que estão comentando, acompanhando e favoritaram *u*
Boa leitura!



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“O tempo está passando”

Aquelas palavras não deixaram a mente de Jason pelo resto da semana, e ele acreditava que nunca deixariam. Não conseguiu pregar os olhos depois do sonho; revirou-se na cama por horas até quase adormecer, apenas para que as imagens voltassem e ele ficasse desperto novamente.

Por doze anos tentou decifrar o que os sonhos significavam e não obteve sucesso, então duvidava de que o momento seria agora. Mesmo assim, aquela frase o perturbou, pois era a primeira mudança durante tanto tempo. Ainda mais por tê-la ouvido um dia antes de seu aniversário de vinte e quatro anos.

Seria algo relacionado a ele? Se sim, por que o aviso no sonho em que sempre a mesma pessoa era morta? Já fazia certo tempo desde que Jason começara a duvidar de que tudo aquilo era uma questão maior do que imaginava, que não envolvia somente ele e a garota.

Já passava do meio-dia. Como não conseguiria dormir e nenhuma luz viria até ele enquanto estivesse deitado, levantou-se e foi até o banheiro. Ao olhar para o espelho, não viu os próprios números, que deveriam marcar as horas até sua morte. Nunca os havia visto, nem no dia em que fora salvo de ser atropelado pelo ônibus. O porquê disso era apenas mais uma pergunta que o atormentava.

Foi até a cozinha pegar alguma coisa para comer quando ouviu um chiado. A sala ficava logo ao lado, e bastou olhar para trás para ver a televisão ligada com interferência. Não se lembrava de ter ido até lá. De qualquer forma, pegou o controle e apertou o botão para desligar, e a tela ficou preta de novo.

No entanto, ao se virar para voltar à cozinha, ouviu o chiado recomeçar.

– Fala sério – Jason resmungou enquanto desconectava o cabo da tomada. A televisão finalmente apagou, mas ele não pôde evitar olhar em volta só por garantia.

Quando se sentou para tomar café da manhã, pensou no que faria. Era seu aniversário, não queria ficar no apartamento. Já passara tempo demais preso, e comemorar junto ao seu avô de setenta anos não era exatamente empolgante.

Seu celular tocou avisando a chegada de uma mensagem. Era Sean lhe mandando parabéns. Jason agradeceu e aproveitou para perguntar como estavam as coisas na casa de sua prima com o novo emprego. Conversaram por um bom tempo para pôr o assunto em dia e, ao terminar, Jason visualizou o nome acima do de Sean na lista de chamada. Uma ideia lhe ocorreu.

Meia hora mais tarde, estava dirigindo até o prédio de Rebeca calçando tênis, bermuda e camiseta; não a avisou de sua ida, porque queria surpreendê-la como ela fez ao aparecer em sua porta há alguns meses. Parou em uma floricultura no caminho. Não era a melhor coisa do mundo, mas poderia servir.

Estacionou o carro em frente ao prédio antigo e saiu para chamar o elevador. Tinha visto o número do andar no dia anterior, mas não sabia o apartamento. Por isso, bateu em duas portas antes de achar a correta.

Uma mulher de pele escura, um pouco acima do peso e beirando os quarenta anos a abriu, com os cabelos envoltos em um lenço laranja e cheia de colares e braceletes tilintando. Ela o analisou de cima a baixo com um olhar crítico.

– Posso ajudar?

– Hã... Rebeca McKulen está? – perguntou Jason, sem jeito.

Os lábios da mulher se esticaram em um sorriso.

– Claro que está! E você seria?

– Jason. Sou um amigo dela de Yale. – Ele olhou para as próprias mãos, que seguravam o buquê de flores, e percebeu tarde demais que suas palavras não combinaram.

A mulher na porta também percebeu.

– Amigo. Entendi. – Ela gargalhou. – Rebeca se deu bem dessa vez. Então você é o Jason do qual ela vive falando. Garoto, que aposta. – Ela baixou a voz até um sussurro e se aproximou dele, chamando-o com o indicador. – Vá com fé porque...

– Serena, já pode dar licença! – Rebeca apareceu na porta, empurrando a mulher com as bochechas coradas e um sorriso nervoso. Ela estava de calças de moletom e uma blusa cinza, bem diferente dos vestidos e saias que usava normalmente.

Serena se afastou dando uma risadinha, e Rebeca se apoiou no batente da porta.

– O que você está fazendo aqui?

– Vim fazer uma visita e... bem... – Jason quase não encontrou a voz para falar. – Queria chamá-la para dar uma volta.

– Sabia onde eu morava?

– Eu tive que bater nos outros apartamentos antes – admitiu ele. – As pessoas não ficaram muito felizes.

Ela riu.

– Entre. Só vou me trocar e nós podemos sair. – Acompanhou-o até a sala e apresentou as duas mulheres. – Você já conheceu a Serena, a que fala demais, e essa é Nilza.

Nilza era velha, com cabelos brancos e o rosto repleto de rugas. As duas estavam sentadas no sofá assistindo algum programa sobre natureza. Na sala e na cozinha, que não tinham parede as separando, vários incensos estavam queimando sobre as estantes, espalhando o cheiro de fumaça. Jason achou o lugar bem supersticioso, pois além das velas muitos amuletos e pequenas estátuas estavam espalhadas.

Serena deu um tapinha no braço de Nilza, que despertou de seu transe do programa.

– Olhe, ele é o menino de que a Rebeca ficou falando para nós outro dia.

Nilza estreitou os olhos, e Jason desconfiou de que ela fosse míope.

– Ele é uma graça!

Ele não soube dizer quem estava mais vermelho, ele mesmo ou Rebeca.

– Falou de mim para elas, é? – perguntou, rindo.

– É claro que não – ela negou, constrangida. – Há muitos Jasons no mundo, eu poderia estar falando sobre qualquer um. – Sorriu e apontou para as flores que segurava. – Um buquê?

– Ah, para você. – Ele o esticou.

Rebeca pegou o maço de flores e foi buscar um vaso para colocá-las.

– Você é das antigas, não é? Eu gosto disso. Espere aqui, eu já volto.

Ele assentiu, e ela sumiu atrás de uma porta no corredor. O apartamento, como o prédio em si, não era grande. Jason conseguiu ver mais duas portas além daquela no corredor, provavelmente outro quarto e o banheiro, mais a sala e a cozinha.

Rebeca retornou alguns minutos depois, trajando um vestido, coturnos e uma jaqueta preta. Tinha prendido os cabelos loiros em um coque, e estava com os óculos de lentes grossas.

– Vamos?

Jason sorriu.

– Bom encontro! – gritou Serena quando já estavam fechando a porta. – Tenham juízo, não façam nada que eu não faria. Ou façam, mas com precaução. Não temos condições de alimentar uma quarta boca aqui em casa...

– Tchau, Serena! – Rebeca bateu a porta. – Ela é meio doida assim mesmo, não leve para o pessoal. – Guardou as chaves na bolsa. – Então, algum motivo especial para sairmos hoje?

– Não sei se é especial, mas é meu aniversário – disse Jason.

Ela parou.

– Como eu não sabia disso?

– Acho que eu não contei.

– Isso não é informação para ser guardada – reclamou Rebeca. Em seguida, abraçou-o. – Feliz aniversário. Vinte e quatro anos é uma idade que merece comemoração. Podemos comprar um bolo depois.

– Não é necessário – ele negou. – Nunca tive um bolo antes, não precisa se preocupar.

– Nunca teve um bolo antes? É exatamente por isso que vai ter um hoje. – Eles chegaram ao carro e entraram. – E não adianta recusar, Jason Kent. Vai ser o seu presente.

– Sua companhia é o meu presente – disse Jason antes de pensar. Seus pais eram muito ocupados com o trabalho para fazer festas para ele quando criança, então o máximo que faziam era lhe dar um brinquedo novo e uns tapinhas na cabeça de consolação. Ter Rebeca ao seu lado era um presente enorme. – Pensei em irmos para a praia, se não se importar – falou, mudando de assunto.

– Não, vai ser ótimo.

Eles ficaram em silêncio por uma parte do caminho.

– Como você acabou morando com Serena e Nilza? – Jason resolveu perguntar.

– É uma longa história. Eu morava no Maine antes de vir para cá estudar, então minha família é de lá. Como nós não conseguimos bancar uma casa só para mim, eu procurei por um lugar para dividir o aluguel e comecei a trabalhar, além da bolsa na faculdade. Foi assim que encontrei as duas.

– E todos aqueles incensos?

– Elas têm as manias delas. – Rebeca riu. – Basicamente o único lugar que não cheira a fumaça é meu quarto. Serena faz os amuletos e estátuas para vender, e Nilza é muito supersticiosa e diz que tem uma ligação com essas coisas. Vai saber o que ela quer dizer com isso.

A praia já podia ser vista ao longe. Havia vento naquele sábado, mas mesmo assim as ruas estavam mais cheias por causa do sol alto.

– Uma coisa que eu notei foi que você disse que esse também é seu último ano na faculdade, mas o curso de Arquitetura dura cinco anos – disse Jason. – O que fez durante um ano?

– Tirei para descansar – Rebeca respondeu de forma simples. – O que foi? O Ensino Médio foi cansativo, e eu ainda não tinha me decidido sobre o que fazer da vida. Além disso, precisei de alguns meses para organizar a mudança.

– Certo, faz sentido. Mas ainda não me conformo em como você conseguiu uma bolsa completa em Yale.

– Eu só estudei até ter um colapso nervoso. É brincadeira, mas chegou bem perto disso. E você, o que fez por um ano?

– Eu morava em Chicago, também tive que organizar a mudança. – Porém, ao contrário de Rebeca, ele pagava a faculdade (ou melhor, seu avô pagava). Não havia tido oportunidade para fazer a prova de bolsa por ingressar muito tarde e seria pedir muito após falsificar os documentos de que já estudava anteriormente.

Ele estacionou do outro lado da rua que ficava a praia e os dois saíram. Pararam para comprar um sorvete antes de continuar a caminhada.

– Sabe, acho que eu devia me desculpar com você – disse Rebeca após uns segundos. – Eu fico te pressionando com todas as minhas perguntas e não devia fazer isso.

– Não precisa se desculpar, eu entendo. Também faria perguntas se fosse você.

Jason ficava agitado em lugares mais cheios como aquela praia. Eram muitos números mudando constantemente e se embaralhando, e ele não conseguia se concentrar. Involuntariamente acabava prestando atenção neles e se preocupava com as pessoas. Decidiu manter os olhos no chão ou, ao menos, somente em Rebeca. Não seria tão difícil.

– Só que isso não quer dizer que o assunto acaba por aqui – avisou Rebeca. – Eu vou esperar até você me contar o que quer que seja.

– Vai esperar um bom tempo.

– Tudo bem. Eu sou uma pessoa paciente. – Ela piscou.

Ele se imaginou contando para ela que podia saber exatamente quando cada um ali iria morrer, incluindo-a. Então imaginou sua reação: o chamaria de louco, diria que estava brincando com a cara dela e depois iria embora. Era melhor não.

Eles passaram em frente a um grupo de crianças com balões. Rebeca fez uma careta.

– Uma vez eu comprei um desses e levei para brincar em casa. Meu irmão o estourou na minha cabeça. Não gosto de bexigas desde então.

Jason riu e quase se engasgou com o sorvete.

– Quando eu tinha mais ou menos oito anos risquei o carro inteiro do meu tio com uma pedra porque disse que queria deixar mais bonito – contou. – Ele não ficou muito feliz.

Eles compartilharam mais histórias de crianças e riram até não poder mais. Passaram o dia na praia, e Jason sentiu como se já conhecesse Rebeca desde que nascera pela facilidade com que a conversa fluía. Ela estava sempre sorrindo não importava o que, e o vento bagunçava a franja solta de seu cabelo. Ela não perguntou mais nada sobre seu passado ou mencionou o garoto do infarto.

Quando o sol começou a se pôr, eles pararam para assistir. Um frisbee caiu aos pés de Rebeca e ela o devolveu aos adolescentes que jogaram.

– Serena e Nilza te acharam uma graça – ela comentou com Jason. – Você devia passar mais lá.

– Você concorda com elas? – ele perguntou, sem perder a chance.

Rebeca deu de ombros.

– Eu concordo que isso pode ser chamado de encontro.

O sol terminou de deslizar no horizonte, dando lugar a uma noite com poucas estrelas e sem nuvens.

– Venha, vamos comprar o seu bolo. – Rebeca o puxou pelo pulso até uma padaria na esquina. – Espere aqui – ela disse, entrando. Voltou segurando um cupcake com cobertura. – Eles não tinham um bolo de verdade, sinto muito. E nem velas. Mas mesmo se tivessem velas não teríamos fósforo ou isqueiro para acendê-las, portanto isso vai ter que servir.

Entregou o bolinho para ele, que ficou encarando-o.

– Normalmente se entrega o primeiro pedaço para a pessoa que você gosta mais – disse Rebeca. – Mas um pedaço equivale ao cupcake inteiro. Coma.

Jason abriu a boca para morder, mas Rebeca deu um tapa em sua mão, fazendo-o amassar o bolo no nariz. Ela se afastou, sem fôlego de gargalhar.

– Você não fez isso – ele falou.

Ela puxou o ar.

– Sempre quis fazer isso com alguém. – E dobrou-se de tanto dar risada.

– Vai ver só – ele avisou, e correu atrás dela até o fim da rua para esfregar o que restara do cupcake em seu rosto. Rebeca se desviou por baixo de seu braço e tropeçou em um banco.

– Tudo bem, tudo bem, espera – disse, erguendo a mão para mantê-lo longe. – Não vamos desperdiçar comida. Da próxima vez você tem sua revanche.

Jason buscou guardanapos na padaria para limpar a cara e deu o restante do bolo para ela.

– Primeiro pedaço para quem eu gosto mais, não é?

– Que bonitinho, você consegue gostar de mim mesmo depois disso.

Jason ia responder, mas foi interrompido pelas luzes dos postes, que começaram a piscar insistentemente logo acima deles. O vento aumentou de intensidade de modo brusco. Uma sombra enorme atravessou a rua, tão rápida que poderia ser confundida com uma ilusão. Mas Rebeca também vira.

– O que foi isso?

Os dois olharam ao redor. Ouviram um som como se várias páginas de papel estivessem sendo viradas ao mesmo tempo. A sombra apareceu novamente.

– Vamos embora – disse Jason. Rebeca não contestou. Eles seguiram até o carro, parado a alguns metros dali, enquanto o vento aumentava cada vez mais e fazia as folhas e os galhos das árvores balançarem.

No momento em que deu a partida, Jason podia jurar ter visto alguém atrás de uma lixeira, olhando fixa e diretamente para ele, assim como no sonho da noite passada.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acham que tudo isso significa - a sombra, as luzes piscando, a TV ligada? Gostaram da interação de Jason e Rebeca nesse capítulo? Não deixe de comentar com a sua opinião, ela é muito importante para mim e eu adoro saber o que vocês acham *-*
Beijos e até o próximo!



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