Contagem Regressiva escrita por Beatrice


Capítulo 38
Capítulo 36: Cobras no jardim


Notas iniciais do capítulo

Oi oi

O capítulo está menor do que os anteriores, mas eu precisava postá-lo porque tenho alguns recados importantes para dar nas notas finais. Não deixem de lê-las, por favor ^^

No mais, tenham uma boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/521704/chapter/38

Jason se sentia frio e entorpecido enquanto se sentava num dos bancos vermelhos do café a duas ruas de distância do prédio. Suas mãos estavam brancas de tão geladas, e ele não conseguia focar nenhum ponto em específico. Era impossível refletir sobre o que havia acontecido poucos minutos atrás; sua cabeça já estava girando e, se tentasse, era capaz de surtar.

Ao invés de tomar o assento a sua frente, Rebeca se sentou ao seu lado, propositalmente ignorando os olhares reprovadores que os funcionários lançaram para as poças d’água que deixaram pelo caminho.

— Vão querer alguma coisa? — um deles perguntou de má vontade.

— Só um chocolate quente, por favor — pediu Rebeca, com uma careta de desculpas por encharcar o local.

A bebida do consolo para nós, Jason pensou sem ânimo. A chuva, que logo se transformara numa tempestade, continuava a cair lá fora, sem dar sinais de que pararia tão cedo.

Rebeca esticou a mão em direção à dele, mas parou antes de tocá-la, como se não tivesse certeza de que o toque seria bem-vindo. Seus lábios estavam roxos por ter sido ensopada pela água gelada.

— Quer conversar sobre isso?

Jason ficou em silêncio, sem saber como e o que responder. Queria conversar, mas não tinha ideia do que dizer. O simples trabalho de organizar as palavras em frases parecia muito esforço, no momento. Ele havia perdido totalmente o controle no terraço, mal se reconhecia nas suas ações e tinha medo do que isso significava.

Por fim, acabou dando de ombros.

Rebeca só assentiu.

— Você sabe que pode confiar em mim, não é? Para qualquer coisa.

— Eu sei — respondeu Jason imediatamente, olhando para ela. — Eu sei. Sinto muito se não foi o que pareceu. Me desculpe por não ter dito nada.

— Tudo bem, Jason. — Ela deu um pequeno sorriso para tranquilizá-lo. — Só tome cuidado para não guardar as coisas até o ponto em que elas explodem. Não precisa carregar tudo sozinho. Somos um time.

O fôlego que Jason tomou depois disso foi muito mais leve do que os anteriores. Ele mesmo esticou a mão para cobrir a distância que o separava da de Rebeca e a apertou ao ver como estava fria. Esperou que o chocolate quente fosse depositado na frente deles antes de falar de novo.

— Como você chegou até aqui?

Rebeca franziu as sobrancelhas.

— Eu tentei te ligar quando cheguei na casa e vi que não estava lá, mas o celular estava em cima da cama. Achei que algo ruim tivesse acontecido, então fui atrás da arma e também não a encontrei. Você pode imaginar o que eu comecei a pensar. — Ela deu uma risada sem humor.

— Gabriel a trouxe?

— Não. Eu o chamei, ele não apareceu. Foi Hermes quem me trouxe. Ele conseguiu te localizar depois de falar mais do que a boca permite e concordou em me ajudar.

Jason brincou com a asa da caneca, agitado.

— Na verdade, fui eu que pedi a Gabriel para não contar nada — confessou. — Por isso ele não apareceu. — Rebeca pareceu chocada. — Eu sinto muito. Não queria que você me odiasse pelo que eu ia fazer. Achei que fosse ser mais fácil assim. Eu estava errado. Pode me perdoar?

Ele tentou esconder o modo como sua voz soou vulnerável, mas sabia que Rebeca havia captado. Ela nunca deixava passar nada, assim como tinha um coração grande demais, que guardava mais amor e gentileza do que qualquer rancor.

— Está perdoado — ela disse, e Jason não pôde evitar a onda de alívio que sentiu. — Eu sei que as coisas são complicadas para se colocar em palavras.

Ele assentiu, ainda processando os fatos dessa noite. Tomou um gole do chocolate quente e agradeceu a temperatura da caneca.

— Eu falei com a minha mãe, antes — contou de repente. Rebeca o esperou continuar. — Com a minha irmã também. Ela ficou toda feliz por me ver e não parou de falar. Me lembrou um certo alguém.

Jason falou brincando e, dessa vez, o sorriso que Rebeca abriu e a risada que o acompanhou foram genuínos.

— Sua irmã parece ser incrível — ela comentou, empurrando de leve seu ombro.

— Parece, sim — concordou, voltando a ficar sério. — Minha mãe disse uma coisa… Eu-eu não sei bem o que pensar, mas ela pediu desculpas por tudo. Parecia sincera; disse que queria reatar os laços. Mas que não precisa ser agora, nem logo. Só quando eu quiser.

Rebeca ainda sorria de forma particular quando respondeu.

— Ela está certa. Só depende de você, Jason. Talvez haja algo que possa ser resgatado entre vocês, e também há sua irmã. Não é tarde demais para tentar.

Ele remexeu na caneca por uns segundos, ponderando as palavras.

— Nem depois do que eu fiz hoje?

— Não, Jason — disse Rebeca gentilmente. — O caminho é longo e não vai ser tão fácil ou rápido quanto se quer, mas, se estiver disposto a trilhá-lo, o final valerá a pena.

Foi fácil confiar naquelas palavras, assim como fora em todas as outras vezes em que Rebeca havia o assegurado de algo. Ele sabia que ainda tinha muito o que compensá-la por mentir e esconder coisas dela não só hoje, como todas as outras vezes. Mas Jason estava disposto a lutar por isso; por isso, e por sua família, e pela Fênix. Contanto que tivesse o apoio dela e de seus amigos, ele continuaria de pé.

Eles passaram ainda mais algum tempo no bistrô e, com um pouco de esforço, Jason terminou de narrar tudo o que ouvira do pai. Era estranho como falar e ter alguém para ouvir mudava o peso que carregava — não o retirava, mas compartilhava.

Quando terminaram o chocolate quente, Rebeca pagou com dinheiro e eles se levantaram. A chuva estava diminuindo, e eles precisavam voltar para Allentown da forma mais rápida que conseguiam: chamando Gabriel para transportá-los. Afinal, não tinham nenhum meio de locomoção em Chicago, e Jason havia deixado sua carteira na casa.

— É melhor fazermos isso onde ninguém veja — sugeriu Rebeca quando saíram do bistrô, abraçando o próprio corpo para se esquentar. — Não vamos arriscar as pessoas verem um anjo aparecer do nada.

Jason concordou, e eles seguiram pelas ruas cinzentas — ainda movimentadas, apesar do clima — até fazer uma curva para um bairro mais calmo. A nuca de Jason se arrepiou com um pressentimento, e ele olhou para trás de repente.

Nada.

Rebeca também parou, os olhos percorrendo os arredores. Uma risadinha fina, infantil, chegou até seus ouvidos, atravessando o ar junto com o vento e se dissolvendo como um eco. Todos os músculos no corpo de Jason ficaram em alerta.

— Vamos sair daqui logo — ele disse, apressando o passo.

O vento esfriou, assim como as gotas de chuva que ainda caíam. A combinação fez com que Jason sentisse como se agulhas geladas tocassem seus braços e seu rosto, e seus dentes castanholaram sem controle. Eles acabavam de virar uma rua para entrar em um beco e chamar Gabriel quando o ar se tornou denso e carregado por pontos negros.

— Sabem qual é a graça da ausência da Fênix? — uma terceira voz perguntou, em um timbre grosso e ao mesmo tempo fluido, como se não pertencesse a alguém.

Jason e Rebeca pararam, não por vontade própria. A voz os fez congelar no lugar. Uma sombra escura os rodeou, surgindo do chão, das paredes, do céu, concentrando-se em um ponto na entrada do beco.

— É o fato de as leis que valiam antes não valerem mais agora. — As palavras pareceram vir do centro da sombra, que tomava uma forma vagamente parecida a de um humano, mas sem nenhum rosto. O que seriam seus pés estavam fundidos ao chão, como parte dele, e linhas se estenderam pelo pavimento até alcançar os pés de Jason.

— Quem é você? — Rebeca perguntou com dificuldade. Jason colocou parte do corpo na frente dela numa tentativa de protegê-la, mas só o esforço de mover as pernas o deixou ofegante.

— Andras — ele respondeu, a insinuação de um sorriso na voz.

Mais do que nunca, Jason soube que precisavam ir embora. Já havia visto aquele nome em uma das muitas pesquisas que fizera para saber com o que estavam lidando: era um demônio, um dos espíritos demoníacos de Salomão. Se bem se lembrava, era conhecido por incitar ira e discórdia nos humanos, o que, muitas vezes, levava à guerra, e por isso era invocado por líderes militares.

— Mais demônios como eu estão acordando — Andras avisou, e era claro que ele estava se divertindo apesar de não possuir feições claras. — Antigos feitiços estão sendo quebrados. Vocês não estão mais a salvo, crianças. Nenhum lugar está. A mansão? O apartamento dos Kent? New Haven? Não mais. É só uma questão de tempo.

Jason não viu quando Rebeca havia pegado a arma, mas ouviu o clique que o gatilho fez ao ser disparado. Carter colocara um silenciador no revólver há alguns dias; foi provavelmente o único motivo pelo qual não ficou surdo na hora, o cano estando tão perto de seu ouvido.

Como em câmera lenta, ele viu a bala fazer o caminho até o centro da sombra, deixando atrás de si um pequeno rastro de pólvora. Dois olhos completamente brancos piscaram na escuridão, mas Andras não se moveu. O ponto em que a bala acertaria se abriu, dando vista ao outro lado do beco, e ela o atravessou de forma inofensiva para atingir o asfalto com um baque suave.

— Quanta ingenuidade — Andras disse, sua risada reverberando pelas paredes de tijolos. — É uma pena que eu ainda não tenha formado um corpo totalmente meu, ou eu os mataria agora mesmo.

Sua imagem tremulou, e se tornou uma que já lhes era terrivelmente familiar, de cabelos cinza e um dente de ouro brilhante: Ares. Ele teve tempo de erguer o fuzil e mirar, e, por puro reflexo, Jason se colocou na frente para impedi-lo de machucar Rebeca — então, seu corpo se dissolveu novamente, dessa vez formando um que eles não conheciam.

O homem carregava uma kopesh, uma lâmina egípcia curvada; um de seus olhos era prateado, o outro, dourado. Ele deu um passo à frente quando percebeu onde estava, mas durou apenas um momento antes que a figura se transformasse uma última vez.

O chinês que os encarou tinha uma barba longa e pontuda, e seu elmo lançava sombras sobre seus olhos. Ele mantinha a lança que segurava em uma mão rente ao corpo, em um gesto que não significava ameaça.

— Há cobras em seu jardim — o deus disse, em um tom de aviso. Não era amigável, mas também não se parecia em nada com a voz de Andras, muito menos a de Ares. Era como se ele estivesse apenas estabelecendo um fato. — Os monstros e demônios estão se preparando para guerra. Vocês têm de agir rápido.

Jason abriu a boca para perguntar, mas não teve oportunidade. O chinês assentiu uma vez para Rebeca e se desintegrou em uma nuvem vermelha, que desapareceu em questão de segundos, carregada pelo vento.

A chuva havia parado de cair há minutos; o frio que Jason sentia não tinha nada a ver com estar molhado até os ossos. Ele podia se mover normalmente de novo, mas parecia impossível com o temor que as palavras que ouvira lhe causaram.

— Todos eles são relacionados à guerra — murmurou Rebeca. Jason se virou para olhá-la. — O egípcio era Hórus; a lenda diz que ele perdeu um olho lutando contra Set. O chinês era Guan Yu; ele também é deus da guerra e pode ser sanguinário, mas gosta da paz. Talvez tenha tentado nos avisar.

Jason piscou.

— Sobre cobras no jardim? Não faz nenhum sentido. Se não podemos confiar nem em nós mesmos, em quem vamos confiar?

Rebeca manteve o olhar baixo, mas suas mãos estavam agitadas, em um gesto que indicava que estava pensando. Por um momento, Jason achou que ela estivesse encarando o colar que ganharam de Serena e, quando ela tornou a olhá-lo, quase pôde ver o instante em que ela encaixou as peças do quebra-cabeça.

— Jason… — ela disse, a voz cheia de medo. — Quem é que nós conhecemos que tem todos os meios para nos enganar? Quem é que controla rotas e conhece feitiços raros? Quem só aparece quando é conveniente?

Jason inclinou a cabeça, sem seguir direito o que ela queria dizer. Ele estava perdendo alguma informação no meio do caminho, sabia, mas não conseguia encontrá-la.

O único em quem podia pensar era… Gabriel. Mas essa alternativa era cruel demais até para a situação; era mais fácil recusá-la e ignorá-la do que dizer em voz alta.

— Jason, o homem que seu pai descreveu — Rebeca continuou em voz baixa, os olhos marejados. — Ele disse que carregava uma espécie de bastão. Com o que parecia ser cobras. — Ela engoliu em seco. — Como um caduceu?

O chão poderia ter se aberto sob seus pés, e a sensação seria a mesma.

— Ah, meu Deus — Jason sussurrou quando entendeu. — Hermes.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então gente, vamos aos recados né haha (dessa vez não garanto que serão bons)

1 - Como vocês já devem ter percebido, alguns capítulos são mais parados do que outros, e por isso a história pode parecer lenta de vez em quando. Isso porque eu gosto de trabalhar mais os personagens e o desenvolvimento deles do que correr com o enredo em si; por esse motivo, há tantas cenas em que eles conversam sobre o que aconteceu, refletem, etc. Eu peço desculpas se isso incomoda alguém hahaha mas o meu estilo de escrita é assim (pra quem me conhece, todas as minhas histórias seguem esse perfil). Eu acho legal mostrar como os personagens lidam com diferentes situações, então não estranhem se encontrarem pontos de vista além dos do Jason.

2 - Completando o número 1, eu gostaria de dizer que, considerando tudo, a história vai andar bastante a partir daqui. Já passamos da metade, e eu terminei de planejar o restante dos capítulos; provavelmente serão em torno de mais 18, contando com epílogo. Então, aguardem muitas revelações e fechamento de pontas soltas.

3 - E último aviso, e o pior deles. Eu já disse várias vezes e repito: não pretendo desistir de Contagem Regressiva, nem de nenhuma história que comecei. Porém, eu estou com um bloqueio criativo enorme desde o começo do ano, e estou sem tempo nenhum para escrever por vários motivos, sem contar algumas coisas pessoais que andam me desmotivando demais. Dito isso, eu não sei quando vou conseguir postar o próximo capítulo de CR. Vou dar prioridade a ela, já que é a mais antiga e já está planejada, mas não posso fazer promessas quanto a prazos. Sinto muito a quem gosta de acompanhar, mas às vezes a gente tem que tirar um tempo para nós mesmos para pôr a cabeça em ordem. Espero que possam entender ♥ Agradeço muito o apoio de quem seguiu até aqui, vocês são incríveis.

De qualquer forma, eu vou ficar muito feliz se alguém quiser me dizer o que achou desse capítulo, ou da história inteira, ou o que espera/quer que aconteça nos próximos. Estou sempre aberta a sugestões e críticas construtivas!

Beijos a todos e até algum dia! Minha caixa de mensagens está sempre disponível se quiserem conversar o/



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Contagem Regressiva" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.