Contagem Regressiva escrita por Beatrice


Capítulo 36
Capítulo 34: E agora, Jason?


Notas iniciais do capítulo

Olá!

Gente do céu, eu nem sei como começar a me desculpar. Quase um século mais tarde, eu volto com uma atualização pra vocês. Esses últimos meses passaram voando, e eu não tive tempo de escrever mais nada nem pensar no que aconteceria. Então, quando comecei a escrever esse capítulo e já tinha mais de metade pronto, meu computador quebrou e eu tive que me virar para escrever no caderno e poder postar só hoje, quase um mês depois. Minhas mais sinceras desculpas, de verdade. Espero que ainda estejam comigo.

E agora, um agradecimento mais que especial ao Whit Algood que, meu Deus, recomendou Contagem Regressiva! Muuuuito obrigada mesmo, não sabe o quanto me emocionei ao ver a recomendação de um dos meus primeiros leitores ♥ É uma honra ter você aqui lendo essa história!

Desejo uma ótima leitura a todos!



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Jason parou de sentir.

O lugar em seu coração que estava repleto de dor e tristeza foi substituído por um vazio escuro e profundo, que pesava mais do que a angústia que o ocupara anteriormente.

E também estava preenchido por culpa — uma culpa que ameaçava esmagá-lo desde muito tempo. Estava com ele desde a morte da bibliotecária em Yale, desde a morte de Lionel, o assassinato de Thomas, o coma de Evangeline e, agora, Sean. Estavam nas suas costas.

E Jason não carregava Sean apenas por seu amigo ter sido levado a esse mundo por sua causa. Jason puxara o gatilho. Jason o matara olhando em seus olhos. O sangue de Sean estava em suas mãos.

Tudo havia se tornado demais, e Jason desabou nos braços de Rebeca ao vê-la em frente da mansão. Soluços sacudiram seu corpo pelo que pareceu serem horas, e ele agarrou a blusa dela e suas costas com tanta força que poderia ter rasgado. Ele afundou o rosto na curva de seu pescoço e deixou tudo sair — toda a mágoa que sentia há anos, guardada e trancafiada dentro de seu peito, veio à superfície, e Jason a deixou sair, pois não era mais forte o bastante para contê-la.

Já não era mais forte o bastante para muita coisa.

Então, acabou.

Foi como se algo estalasse dentro de si, e o pesar assumiu seus pensamentos.

Agora, mergulhado em um torpor, Jason estava parado, em pé, na sala de visitas da mansão, logo depois do hall de entrada. Carter estava apoiado em uma cadeira, os olhos fechados e de braços cruzados. Halee estava ao lado de Rebeca, trêmula mas firme, embora a expressão estivesse tão perdida quanto a de todos ali.

A casa estava silenciosa. Nenhum deles disse nada. Jason só ergueu os olhos quando viu movimento, e observou enquanto Gabriel desenhava um símbolo desconhecido na parede com o próprio sangue.

Curioso, Jason pensou. Não sabia que anjos tinham sangue.

Quase que num gesto automático, tirou o celular do bolso. Logo quando ia começar a digitar uma mensagem, estacou com a visão de seus dedos manchados de sangue. Limpou-os na camisa o melhor que pôde sem prestar muita atenção, então voltou a digitar.

— O que está fazendo? — Gabriel perguntou, gentilmente.

— Avisando Joan e os outros funcionários que não precisam mais vir por tempo indeterminado — Jason respondeu sem tirar o foco do celular.

A sala ficou em silêncio enquanto terminava. Jason largou o aparelho em cima da mesa e começou a falar.

— Montville. Ele tinha uma prima em Montville. Ela precisa saber. Precisa saber que...

— Jason... — Gabriel deu um passo a frente.

— Modifique a memória dela — ele interrompeu, sem encarar ninguém. Focalizou um ponto na parede para impedir a mente de ser distraída. — Invente uma história. Não sei o que pode fazer, mas faça. Ninguém pode saber o que aconteceu. Eu não quero mais ninguém envolvido nisso.

— O corpo...

— Darei um funeral a ele. A prima dele só não pode desconfiar de nada. Precisamos trabalhar rápido, descobrir onde Sloan e Set estão e...

Jason começou a andar, mas a voz de Carter o parou.

— Não, Jason. — Ele não havia se mexido, mas agora o fitava com compaixão, e Jason se sentiu irritado. — Não vai fazer bem a ninguém se exaurir mais ainda hoje. Você precisa descansar.

— O que eu preciso fazer é pôr um fim a isso — Jason rebateu, lutando contra as lágrimas que queimaram seus olhos de novo e odiando o modo como sua voz soou.

— Nós descobriremos um modo juntos — prometeu Gabriel. — Mas não há mais nada a se fazer. Vá, tome um banho, durma. Você precisa se cuidar.

O lábio de Jason tremeu.

— Eu não posso. Eu... Eu devo isso a Sean. É minha culpa.

— Jason — outra pessoa chamou, e ele apertou os olhos com força antes de se obrigar a encará-la.

Jason olhou para Rebeca esperando encontrar pena em seu olhar, pois assim teria motivos para ficar com raiva, mas tudo o que viu foi o que, no fundo, sabia que veria: um olhar completamente aberto e entregue, que dizia estou aqui por você e pegue o que precisar, e que o desarmou mais do que qualquer outra coisa faria.

— Eles estão certos. — Rebeca se aproximou com cuidado, como se tivesse medo de assustá-lo para longe, e falou baixo, pouco mais que um sussurro. — Por favor, não faça nada arriscado. Descanse. Você precisa se cuidar.

Rebeca pegou sua mão entre as suas duas e a colocou sobre o peito, segurando-a perto do coração.

Por favor.

Seus olhos também estavam molhados, e ela não desviou o olhar nem por um segundo. Jason sentiu vontade de cair de joelhos ali mesmo, novamente, como fizera do lado de fora. Você não merece esse toque, disse uma vozinha no fundo de sua mente, que vivia gritando sobre culpa na mesma altura do estouro da arma quando puxara o gatilho.

Ainda assim, ele permitiu que Rebeca segurasse sua mão por mais um momento, e absorveu as palavras dela, antes de assentir uma única vez.

Mancando por causa da queda na fábrica abandonada, Jason tomou o caminho para fora da sala, evitando os olhares que sabia estarem sobre ele. Devagar, subiu as escadas até o segundo andar e foi até o quarto que retomara assim que chegara à mansão. Fechou a porta, mas não a trancou. Em seguida, despiu-se da roupa, jogando as peças ensanguentadas em um canto, e foi até o banheiro.

O espelho acima da pia refletiu olhos vermelhos e injetados. Havia marcas vermelhas em seu rosto, e os cabelos estavam bagunçados e espetados onde ele havia puxado na esperança de recuperar o controle do próprio corpo. Uma marca de queimadura pela saliva ácida do sha se destacava em sua pele pálida.

Tudo voltou violentamente quando ele olhou para baixo, para as mãos, e as encontrou cobertas de sangue. Ligou a torneira e colocou as palmas embaixo da água corrente. Começou a esfregar, vendo a água se transformar de translúcida para um vermelho profundo e nauseante. Seu estômago se contorceu, e ele não parou de esfregar, desesperadamente querendo apagar todos os traços da noite. Talvez, se apagasse as provas físicas do que havia acontecido, a dor pararia. Talvez ele fosse capaz de respirar de novo.

Jason não parou de esfregar, nem quando a visão tornou a ficar embaçada por causa das lágrimas e não conseguia mais ver o sangue sendo lavado. Foi só depois de piscar várias vezes para se recompor que percebeu que o sangue que escorria não era mais o de Sean: ele mesmo havia cortado as mãos com as unhas na tentativa de se livrar do fantasma.

Jason tentou estabilizar a respiração antes de jogar água fria no rosto. Desligou a torneira, enxugou as mãos machucadas na toalha e voltou ao quarto. Não tinha forças para cuidar daquilo agora; apenas vestiu uma calça de moletom e se jogou na cama, por baixo dos cobertores.

Por um instante, perguntou-se como seria se não acordasse mais.

~

 

Rebeca sabia que havia um limite para o que alguém pode aguentar.

Ela sabia que havia um ponto em que as paredes que você erguia para se proteger do exterior e manter o interior escondido desmoronavam. Era o ponto em que você percebia que não sabia o que fazer, que não podia fazer, que tudo perdia o sentido.

Rebeca sabia, porque já atingira esse limite.

Havia sido de uma vez, como uma pancada que a deixara sem rumo por mais tempo do que gostava de admitir. Viera com a prisão no Maine e a expulsão de casa, mas começara muito antes, quando ainda era criança e tinha que conviver com os gritos e atos violentos do pai, o choro escondido da mãe e a preocupação constante no rosto do irmão.

Ainda assim, viera de uma vez.

Para Jason, era algo constante. Ele estava vivendo todos os dias no limite, o corpo e a mente exaustos. Rebeca vira, desde o princípio, que havia algo de perdido nele, algo que gritava por ajuda no modo como seus olhos eram sempre expressivos e sinceros, e ela fazia o possível para ajudar.

Agora, porém, ela tinha a sensação de que ele estava além do alcance, e essa constatação a aterrorizou tanto que teve de fechar os olhos por um segundo.

— Eu conhecia Sean — a voz embargada de Carter a despertou de seus pensamentos, e Rebeca ergueu a cabeça. O médico tinha tirado os óculos e esfregava os olhos de maneira cansada, falando mais para si mesmo do que para os outros. — Por Deus, eu conhecia aquele garoto. Cuidei dele tantas vezes.

Carter suspirou, a exaustão clara em sua voz e em como ele se apoiava na cadeira.

— E eu o vi morrer daquele modo. — Ele fitou os três restantes na sala. — Vocês não estavam lá para ver como foi. Precisamos acabar com essa história logo, antes que mais alguém se machuque. Sean era um bom garoto; ele merecia mais do que isso. E Jason e Evangeline também merecem.

Sem esperar resposta, ele se aprumou e caminhou para a porta. Esbarrou no ombro de Rebeca antes de sair e, embora ela soubesse que não foi de propósito, foi como se o peso fosse passado para as suas costas. Gabriel a olhava, mas ela não teve oportunidade de retribuir.

— Rebeca, o que está acontecendo? — Halee perguntou, agarrando seu antebraço de forma quase dolorosa.

Rebeca mordeu o lábio.

— Venha, eu vou te explicar tudo — ela disse, derrotada.

Pegou a mão de Halee e a guiou para um quarto vago no segundo andar. Levou junto uma das malas menores que havia deixado na sala, para não entrar no cômodo que dividia com Jason. Não ainda, disse a si mesma.

Ela se sentou ao lado de Halee na cama, e começou a contar. Foi mais difícil do que esperava. Falar em voz alta e fazer as coisas terem sentido foi uma tarefa quase impossível e, no final, Rebeca só torceu para que a amiga não achasse que estava maluca. Ou talvez, se achasse, seria melhor, porque então Halee não iria se envolver e sua vida voltaria ao normal.

— Puta merda — Halee sussurrou assim que acabou de ouvir. Seus olhos estavam arregalados, e ela olhou para Rebeca. — Você não está brincando?

Rebeca balançou a cabeça.

— Caramba, Rebeca. No que foi que você se meteu?

— Eu também não sei — ela disse de forma honesta.

Rebeca viu a agitação em seu rosto, e Halee de repente estava de pé, indo e voltando pelo quarto.

— Isso é... É por isso que você foi embora de New Haven sem explicação? — Esperou até Rebeca assentir. — Eu tentei falar com Serena, mas ela só me disse que você tinha decidido de última hora. Todo esse tempo que você não atendeu as minhas ligações... Rebeca, por que não me contou antes?

— Porque eu não queria te envolver! — Ela também se levantou. — Olhe o que aconteceu no momento em que descobriram onde te encontrar. Eu não vou colocá-la em perigo, Halee. Você, não.

— Ótimo. — Halee cruzou os braços e ergueu o queixo. — Porque eu também não vou deixar você correr perigo sozinha.

— O quê?

— Eu vou ficar.

— Não!

Rebeca quase gritou, mas a simples afirmação fez seu sangue gelar. Como poderia pedir para que Halee ficasse depois do que acabara de acontecer? Quanto mais longe estivesse de tudo isso, mais segura ela estaria.

— Halee, não — ela falou, mais calma. — É sério, eu não quero você aqui. Você só vai se machucar. Você ouviu o que aconteceu; como acha que eu reagiria se fosse você? Set já chegou perto demais...

— É exatamente por isso que eu quero ficar — Halee contestou. — Você não ouviu o que ele disse. Eu ouvi. — Ela fez uma pausa, e Rebeca se surpreendeu ao ver sua expressão assustada e vulnerável. — Ele ficou falando sobre como mataria você. Sobre como seria devagar e doloroso e... e sangrento...

Halee se forçou a parar, e Rebeca sentiu um calafrio percorrer sua coluna. Ela tinha descruzado os braços, e Rebeca não pôde imaginar como seria ter que ouvir aquilo se a situação fosse reversa.

— Eu sinto muito.

Halee a abraçou.

— Você ainda não sabe no que está se metendo se resolver ficar — Rebeca murmurou contra seus cabelos. Não lhe restava mais nenhuma energia para continuar discutindo. — Tem uma vida incrível te esperando fora daqui.

— Ela ainda vai estar lá quando tiver acabado — Halee respondeu, deixando o corpo relaxar.

Meia hora mais tarde, quando Halee já estava dormindo confortavelmente, Rebeca saiu do quarto, em silêncio. O corredor estava escuro, e ela se demorou em frente a porta por uns momentos, tentando organizar a mente. Sua cabeça latejava e doía pelo encontro com Set, mas havia coisas mais importantes para se preocupar agora.

— Como foi?

Rebeca olhou para a ponta da escada e encontrou Gabriel ali, esperando. Ele era apenas uma sombra contra a luz que vinha do andar de baixo, estático e tranquilo. Vê-lo lhe deu uma sensação de segurança.

— Eu contei a ela — Rebeca respondeu, indo até ele devagar. — Halee vai ficar.

Gabriel franziu as sobrancelhas.

— Posso apagar a memória dela, se quiser. Ela não precisará se lembrar de nada disso.

Rebeca negou.

— A escolha é dela — disse, baixo. Qualquer coisa mais alta seria um grito na casa submersa no silêncio e no pesar.

— Eu estou aqui para o que precisar — Gabriel prometeu. — É só pedir.

Rebeca o fitou. A exaustão estava ameaçando derrubá-la, e tudo o que conseguiu fazer foi assentir.

— Obrigada.

— Jason vai ficar bem, Rebeca — Gabriel disse, como se lesse seus pensamentos. — vocês todos vão.

Rebeca tentou sorrir, mas foi apenas um repuxar nos lábios. Ela passou por Gabriel, tocando seu braço no caminho:

— Obrigada por estar aqui.

Lá embaixo, ela procurou pela luz acesa. Encontrou Carter na cozinha, sentado à mesa com uma caneca quente entre as mãos. As lentes de seus óculos estavam embaçadas pela fumaça que subia, mas era possível ver que seus olhos não focavam nada em especial.

Rebeca ocupou a cadeira a sua frente, tentando não assustá-lo. Ele ergueu a cabeça para ela e se endireitou no assento.

— Rebeca. — Carter empurrou os óculos para cima. — Como está sua amiga?

— Bem. — Ela brincou com um fio solto na manga do casaco que usava. Suas roupas estavam todas amassadas e, com um susto, notou que alguns pontos também tinham sangue, de quando segurara Jason. — E você, como está?

Carter suspirou.

— Eu não sei. Cansado, talvez. — Ele tomou um gole de sua bebida, que ela presumiu ser chá pelo cheiro.

— Carter, eu sinto muito — disse Rebeca, com um bolo na garganta. Como eu faço isso parar? — Por tudo.

— Eu sei, Rebeca.

Ela pegou a mão dele que estava livre da caneca e apertou entre as suas. Era o máximo de conforto que podia oferecer agora.

— Eu farei tudo para que ninguém mais saia machucado. — Ela teve certeza de que ele a estava olhando ao completar: — E nós vamos acordar Evangeline. Eu te prometo isso.

~

 

Era madrugada quando Jason ouviu a porta ser aberta com cuidado.

Não se virou para olhar; sabia que era Rebeca. Ele ainda não havia conseguido dormir desde que se deitara por baixo dos cobertores, e se sentia imensamente solitário ali. A cada vez que fechava os olhos, imagens da noite passavam por suas pálpebras; ficou olhando na direção das cortinas, com o mesmo vazio de antes no peito.

Atrás de si, Jason escutou movimentos que indicavam Rebeca tirando os sapatos e a jaqueta. Um minuto depois, a cama afundou com seu peso, e ela se colocou por baixo dos cobertores. Quando passou um braço pela cintura de Jason e acomodou o rosto perto de seu ombro, de repente ele não se sentiu mais tão sozinho.

Jason esperou. Rebeca saberia que estava acordado, especialmente pelo modo como ele apertou as costas contra ela em busca de conforto.

— Você precisa se perdoar, Jason. Por tudo. — Suas palavras mornas atingiram a nuca de Jason, e ele fechou os olhos. — As coisas além do seu controle são apenas isso. Você não pode salvar todo mundo. Eu sei que é terrível. Mas você vai passar por isso. Essa é apenas uma parte da sua vida, não toda ela. Ainda há muito pelo que lutar e pelo que viver. E eu sei que você não quer morrer, mesmo que não tenha medo.

As lágrimas voltaram a queimar seus olhos, mesmo através das pálpebras fechadas. Jason engoliu em seco e apertou a mão de Rebeca.

— Eu tenho. Medo, eu quero dizer. Muito medo — ele admitiu em um sussurro. Rebeca segurou com mais força sua mão, um convite para continuar e um gesto de apoio. Então, ele falou, ainda mais baixo: — Como eu posso morrer quando não tive a chance de viver ainda?

Ele quase torceu para que Rebeca não tivesse ouvido, mas ouviu.

E era aterrorizante, mas ao mesmo tempo tirava um peso de suas costas, falar a verdade. Por quanto tempo mantivera aquilo em segredo, escondido só para si?

Muito tempo, ele sabia. Tempo demais.

— Você vai viver, Jason. Eu vou garantir isso — Rebeca o assegurou. Ela entrelaçou seus dedos e guiou suas mãos até estarem repousando sobre o peito de Jason. Ele sentiu o próprio coração batendo sob os dedos de Rebeca, como sentira o dela mais cedo. — Sente isso? — ela disse. — Você está vivo. Força, fraqueza, coragem, medo. Só significam que você é humano. É tudo parte de estar vivo. Nunca se desligue disso.

Rebeca fez uma pausa, e depositou um beijo mais do que leve em seu ombro.

— Você não precisa ser inquebrável para ser um herói.

Inquebrável, a palavra ressoou em seu crânio. Jason quis dizer o quanto já era quebrado, uma bagunça. Ele soltou uma respiração trêmula e cortada.

— Não quero ser um herói — disse. — Eu só quero ser eu.

Rebeca afagou sua mão em entendimento. Jason não estava mais inquieto; a presença dela, e o conforto de seus braços, o fez perceber o quanto precisava de paz. Se pudesse, passaria a eternidade ali.

— Isso é tudo o que eu quero de você — Rebeca respondeu.

Jason ergueu seu braço, mas ao invés de afastá-lo completamente, ele se virou dentro do abraço para encará-la. Ela havia retirado os óculos também e, não pela primeira vez, Jason se perdeu no brilho de seus olhos, a única coisa visível na escuridão do quarto. Isso, e o quanto ela se importava.

— Obrigado.

Rebeca pegou suas mãos novamente. Ao olhar para baixo, ela franziu as sobrancelhas por notar os arranhões que ele mesmo causara, tentando limpar o sangue. Contudo, ela não comentou.

— Não está nas suas mãos, Jason. Nada disso. Se quiser lutar, eu vou lutar com você. E vou lutar por você, quantas vezes forem necessárias. Você não está sozinho, e não é sua culpa. Eu estou aqui. Carter está aqui. Gabriel. Halee. Você precisa acreditar nisso.

Jason piscou uma vez, como se dissesse “estou escutando” e “vou tentar”.

Não queria fazer a pergunta agora, mas precisava saber.

— Como você superou a morte do seu irmão?

Era impossível ler o rosto de Rebeca.

— Eu não superei — ela disse. — Há coisas que não dá pra superar. Mas, com o tempo, se torna suportável. Não parece mais que estão apertando seu coração, e você consegue respirar como antes. A culpa diminui, até que você pode ignorá-la. E você segue em frente, porque sabe que o mundo não para e que ele não vai voltar.

Jason deixou suas palavras fazerem sentido. Nunca havia confiado em ninguém como confiava em Rebeca; ela tinha todo o poder de quebrar seu coração com uma palavra, e ele sabia que não quebraria, que não mentiria. Mas precisava de certeza.

— Promete que é mesmo suportável? — perguntou em voz fraca. — Promete que vai passar?

O sorriso que Rebeca lhe ofereceu foi triste e esperançoso.

— Eu prometo.

Com um suspiro, Jason apoiou sua testa na dela. Rebeca tocou seu rosto e limpou uma lágrima solitária com o polegar.

— Você perguntou por que eu não fui embora; por que não fiquei longe se já tinha ido. É porque eu não vou te deixar, Jason. Nunca. Não importa o que você faça, não importa o que aconteça. Eu vou ficar com você.

Sob efeito da mão de Rebeca em seu rosto e em seu cabelo, acalmando-o com carícias sutis, e a gentileza de sua voz, Jason quase adormeceu.

— Não quero pesadelos — lembrou-se de dizer.

— Você não vai ter — Rebeca lhe garantiu. — Eu vou mantê-los longe. Pode dormir, agora. Estarei aqui quanto acordar.

Jason acreditou nela. Aconchegou-se mais, e Rebeca o acolheu em um abraço. Da forma como sua cabeça estava apoiada, Jason podia escutar, realmente escutar, e sentir as batidas rítmicas e constantes do coração de Rebeca. Foi com esse som que, finalmente, adormeceu, agradecendo por ter ao menos uma coisa estável em sua vida.

~

 

De fato, não teve pesadelos. Foi um sono quieto e pesado e, quando acordou, o sol já estava alto, invadindo o quarto pelas frestas das cortinas.

E Rebeca estava ali, como prometido.

Não só no dia seguinte, mas também em todos os posteriores, ela e Carter não deixaram o seu lado. Jason achou que seria sufocante; pelo contrário, a companhia foi muito bem-vinda. Carter conversou e treinou com ele, a presença de Halee na casa era mais um ponto de energia, e Gabriel estava mais presente do que nunca.

No dia do funeral de Sean, o cemitério estava praticamente vazio. A família da prima compareceu, mas nenhum deles conhecia Jason, portanto ele não tentou uma aproximação. Assistiu, de longe, os familiares aceitarem a mentira que Gabriel plantara em suas mentes e enterrarem o rapaz que fora seu melhor amigo.

Eles nunca saberão a verdade, Jason pensou, com uma mistura de conformidade e tristeza.

E não seria melhor assim? Eles não se envolveriam querendo vingar Sean e permaneceriam seguros. Ignorantes, mas seguros. Teriam de se vingar de mim. Eu puxei o gatilho.

A ideia mandou um arrepio por seus braços. Ele deu meia-volta quando o caixão começou a ser baixado e caminhou para longe.

Será suportável, um dia, lembrou-se do que Rebeca lhe dissera e empurrou a dor para baixo da superfície.

Naquele dia, isolou-se na galeria de arte de seu avô, a enorme sala que ele mantinha apenas para sua coleção de quadros e algumas outras antiguidades: vasos, pequenas esculturas, pedras sagradas, estatuetas. Passou pela pintura sem assinatura da Fênix e sentou-se numa das cadeiras para admirar.

Jason amava arte. Amava desenhar e ver algo que idealizara ganhando vida com alguns movimentos de lápis ou tinta. Mal podia imaginar como seria ter criado todos aqueles quadros, que variavam de retratos até paisagens e cenas famosas. A galeria sempre fora seu lugar preferido da casa; costumava passar horas ali na companhia do avô, ouvindo-o contar as histórias por trás de cada pintura e cada objeto, até que as havia decorado.

Ele as repassou mentalmente, aproveitando a calma do ambiente. A falta de Lionel, porém, também se fez presente.

Foi automático, e quase sem intenção, que Jason se lembrou das palavras de Sloan na fábrica.

“Sean não foi o primeiro a morrer porque alguém que você conhece entregou a localização.”

A imagem de Gabriel desenhando o símbolo na parede o fez franzir a testa. Ele precisou ser refeito pois Lionel estava morto e sua presença não encobria mais a casa, como Serena e Nilza encobriam o apartamento, mas...

Se a casa era protegida quando Lionel era vivo, como puderam encontrá-lo?

A resposta chegou a Jason como um soco. Alguém havia contado. Mas quem? Quem mais sabia onde Lionel morava e teria contado? Por quê?

Jason se levantou em um pulo, agitação crescendo, a mente a mil por hora, e saiu da sala.

Carter estava no hospital, com Evangeline; Halee e Rebeca haviam saído para resolver as questões do sumiço de Halee; os funcionários estavam dispensados, o que fazia da casa vazia, exceto por ele.

Jason foi até o jardim de inverno, seu segundo lugar favorito. Não era muito grande, mas era lindo. As flores estavam bem cuidadas e florescendo, as luzes artificiais complementavam a beleza do teto de vidro e lançavam nuances sobre os sofás confortáveis.

Apesar de tudo isso, Jason não teve tempo, nem calma, para admirar o local. Ele respirou fundo e disse para o ar:

— Gabriel, preciso falar com você.

— Oi, Jason. — Ele estava na sua frente em um segundo. — Como você está?

— Bem... Eu acho. — Ele hesitou. — Obrigado por toda a ajuda.

— Não há de quê. — Gabriel pareceu desconfortável. Se o balanço da perna não fosse prova suficiente, as asas foram. Elas só apareciam quando extremamente necessário, ou quando estava ansioso. — Jason, eu... sinto muito por tudo. Por Sean e por... não ter estado com você todos os anos que passou preso. Eu deveria tê-lo encontrado e libertado antes. Falhei com você. Espero que possa me perdoar.

Jason arregalou os olhos. Um pedido de desculpas era a última coisa que esperava, ainda mais dito de forma tão sincera. Gabriel não piscava, já havia notado. Isso só fazia com que seus olhos azuis ficassem mais intensos, aguardando uma reação.

Jason passara tanto tempo culpando Gabriel por tudo de errado em sua vida, guardando rancor, mas parecia sem importância agora.

— Está tudo bem — ele disse, sincero. — Eu não... não tenho raiva de você por isso. Não tem problema, Gabriel. Você está aqui agora.

— Ainda tentarei compensar — Gabriel respondeu. — Por que me chamou aqui?

— Eu tenho uma pergunta — disse, sem rodeios. — Quem contou onde meu avô morava?

A pergunta claramente o pegou de surpresa. Suas asas bateram uma vez, e Gabriel hesitou.

— Você tem que entender que, às vezes, as pessoas cometem erros. Medo e orgulho levam os humanos a decisões terríveis.

— Esse erro custou a vida do meu avô — Jason respondeu, cerrando os dentes. — Eu quero saber quem foi.

— Saber não irá levá-lo a lugar nenhum, Jason — Gabriel avisou, um timbre de quase desespero na voz. — Só trará mais dor.

— Me diga.

— Jason...

— Me diga! — Jason gritou. Precisava, tinha que saber, confirmar, não podia ficar com aquela dúvida...

Os olhos de Gabriel brilhavam com algum tipo de sentimento ao responder:

— Foi Elliot Kent. Seu pai.

Jason sentiu que estava se afogando e sendo puxado à superfície, tudo ao mesmo tempo. Havia somente um barulho branco em seus ouvidos, bloqueando qualquer pensamento que não um.

— Se quer me ajudar, me leve até ele — exigiu. — E Rebeca não pode saber de nada disso.


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Notas finais do capítulo

E então, como foi? O que acharam desse capítulo? Tive que pensar muito antes de decidir o que escrever, já que foi o mais pesado emocionalmente de toda a história até agora. Espero mesmo que tenham gostado ♥
Obrigada a todos que leram! Se puderem deixar um comentário me contando suas opiniões, eu ficarei muito agradecida!
Beijos e até o próximo ^-^



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