Contagem Regressiva escrita por Beatrice


Capítulo 35
Capítulo 33: Golpe de misericórdia


Notas iniciais do capítulo

Olá a todos!

Como dito, aqui está a continuação do capítulo passado. Está um pouquinho mais longa do que o normal, mas juro que vale a pena ler. Erhm, eu acho. O capítulo está repleto de acontecimentos e é bem intenso para todo mundo, em todas as cenas. Eu realmente espero que gostem dele e comentem comigo no final para eu saber o que acharam *-*

Então, peguem os potes de sorvete, o chocolate e os lenços - é tudo o que posso aconselhar.

Boa leitura!



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Um peso parecia comprimir o peito de Rebeca, impedindo-a de respirar. Estava tão apavorada que suas mãos nem tremiam mais. Ela encarava Set sem piscar, imóvel e muda.

Ele se aprumou para fitá-la diretamente, ainda com o sorriso nos lábios. Seus cabelos negros e compridos estavam presos em um rabo de cavalo perfeito.

— Também sou conhecido por Senhor dos Céus do Norte, se for mais familiar a você — ele comentou. — Já deve ter ouvido falar de mim, sim? Dono das areias do deserto, deus do caos, da violência, das tempestades, etc, etc. Hein?

Rebeca não conseguiu responder.

— Não estou ouvindo você falar! — Set vociferou, a boca se contorcendo em um esgar.

Uma força invisível a acertou em cheio, lançando-a de costas no chão. Rebeca grunhiu e abraçou o corpo dolorido, tossindo.

— Agora, me responda — Set pediu de forma mansa, o sorriso de volta. — Você me conhece?

— Sim — Rebeca forçou a voz a sair. Set era irmão do deus egípcio Osíris, deus dos mortos, e havia uma rixa de eras entre eles, uma vez que Set queria o trono do Submundo. Dessa briga surgira uma das lendas mais conhecidas da mitologia egípcia: a batalha entre Set e Hórus, deus da guerra, em que Set lhe arrancara um olho, e o que lhe restara ficara conhecido por Olho de Hórus, um símbolo poderoso.

Set assentiu, satisfeito. Rebeca não era capaz de olhá-lo diretamente. Era como encarar uma fogueira de perto: uma hora, os olhos doíam. Set tinha uma expressão alucinada, sedenta, que não precisava de muito para ser assustadora.

— Que bom — disse. — Eu também sei quem você é. Você é uma ladra que quer ser a Fênix.

— Eu não quero ser a Fênix — Rebeca soltou.

— Então o que está fazendo aqui?

— Você sequestrou minha amiga.

— Era só para te atrair. — Set deu de ombros. — Funcionou, pelo jeito. Sloan tinha razão.

Rebeca se esforçou para levantar. Suas costelas doíam pelo golpe, mas ao menos isso a ajudara a voltar a respirar. Agora só precisava sair dali e torcer para Halee já estar do fora do prédio. Além de esperar que nenhum funcionário aparecesse para ver o que estava acontecendo. Ela não tinha dúvidas de que Set se livraria deles num segundo.

— Então você trabalha para Sloan? — ela perguntou para ganhar tempo. Vasculhou com os olhos as paredes para procurar a saída mais rápida. Infelizmente, estavam em um corredor sem escapatória.

Set estalou a língua.

— Trabalhar é um péssimo modo de dizer. Não gosto de anjos. Eu a ajudei em algumas coisinhas enquanto não conseguia encontrar você, mas agora isso acabou. Uma pena os serpopardos terem morrido tão rápido.

Rebeca começou a dar alguns passos para trás, mas uma pressão no pescoço a fez ofegar.

— Aonde está indo? — Set perguntou. — Ainda não terminamos de conversar.

Ele aliviou o aperto e Rebeca cambaleou.

— O que você quer?

— O escaravelho. E você. — Set sorriu. — Não é nada pessoal, mas não posso deixar você viva por aí quando pode ser a Fênix. A última coisa que eu quero é a restauração da ordem. Então, onde está?

Rebeca balançou a cabeça em negação. Não podia entregar o escaravelho. Seu estômago estava contorcido. Como iria sair dali sem morrer? Não era nada contra um deus, e o feitiço que Hermes lhe passara estava longe, em sua bolsa em Allentown. Pela segunda vez, praguejou mentalmente por ter chegado desarmada.

— Não, você não está entendendo — Set explicou, dando uma risada curta. — Isso não é uma escolha. Eu quero o meu escaravelho, agora. Talvez meus carregadores não tenham conseguido pegá-lo, mas eu sou um deus. Eu pego o que quero.

A última palavra pareceu um latido, e seus olhos queimaram. Rebeca pulou para trás por instinto.

No instante seguinte, estava sendo prensada contra a parede, a mão de Set que não carregava o was em seu pescoço, apertando. Ela tentou afastá-lo, mas era como lutar com uma muralha.

— Sua amiga pode estar a salvo, mas sabe quem não está? — Set segredou em seu rosto. Seu hálito era seco e quente, como o ar do deserto. — O seu namoradinho. Ele acabou de chegar ao galpão e acha que vai conseguir salvar o amigo, mas não tem nem ideia do que o aguarda.

Set gargalhou, um som tão terrível quanto o sorriso.

Rebeca arregalou os olhos, fazendo força para respirar o tanto quanto o aperto permitia.

— O acordo... — arquejou.

Set fez uma careta, como se ela fosse idiota, e sacudiu seu queixo.

— Você não achou mesmo que era verdade? Não tem acordo nenhum, Rebeca! Eu mandei meu bichinho atrás deles. — Set pareceu orgulhoso de si mesmo. — E quando ele caça alguém, não tem como pará-lo até conseguir o que quer. E o que ele quer é matar.

Rebeca engasgou, lutando contra o aperto de ferro do deus. Jason, eu tenho que avisar Jason.

— Sean vai morrer de qualquer jeito — declarou Set. — O próximo será Jason. Depois, o médico. Não tem como deter isso.

Desesperada, Rebeca fincou as unhas no antebraço descoberto de Set. Não soube se fez algum estrago ou não, mas ele fez um ruído descontente e puxou sua cabeça para frente antes de chocá-la na parede mais uma vez.

Sua cabeça estalou e o mundo rodou com a dor. Rebeca inspirou, apenas para descobrir que Set não a tinha soltado. Lágrimas involuntárias se acumularam nos cantos de seus olhos.

— Set — ela sufocou. — Por favor...

— Por favor o quê? — ele pressionou.

Rebeca não enxergava muita coisa além de um borrão.

— Se eu d-der o escaravelho... você deixa o Sean ir?

Set sorriu.

— Não. Vou matar o garoto de qualquer jeito. E quero meu escaravelho. Diga-me onde ele está, rápido, ou vou matar você e descubro sozinho.

A visão de Rebeca escureceu, e ela achou que fosse desmaiar. Suas pernas estavam leves; a única coisa que a sustentava era a mão de Set, e ela havia usado sua última cartada.

— Não... Por favor, não faça isso...

— Por que não? Eu ganharia de uma forma ou de outra. Assim posso me divertir mais.

— Set, não — Rebeca implorou. Ela se debateu, chutando e socando a esmo, o que só fez a dor no pescoço e na cabeça aumentar. Sua mão voou até o bolso da calça e pegou o celular, mas Set o bateu na parede e o quebrou antes que ela pudesse pensar em usá-lo de fato.

— Você está sendo uma garota muito teimosa — Set disse. — Eu não gosto de pessoas que não me respeitam. Vou perguntar pela última vez: onde está o escaravelho?

Rebeca não responderia, mesmo se quisesse. Seu corpo estava cedendo, sem ar.

Set encostou o was em seu ombro, e a dor foi tão intensa que teria gritado se pudesse. Seus ouvidos pareceram estourar, a visão se tingiu de vermelho e ela sentiu que estava caindo, caindo de verdade, pois a pressão em seu pescoço sumira. Quando deu por si, estava no chão, de joelhos, em frente a uma pilha de escombros da parede oposta.

Os ouvidos de Rebeca tiniam. Set estava ao seu lado, em pé, ao mesmo tempo surpreso e irritado. Ela seguiu seu olhar e mal acreditou no que viu; poderia ser muito bem uma alucinação se já não estivesse acostumada a surpresas.

Havia três novos indivíduos: um homem com cabeça de crocodilo, uma mulher com asas cintilantes e outro homem com a cabeça de um leão feroz.

— Muito bem, Set — disse a mulher. — Vemos que encontrou a menina. Vamos cuidar dela agora.

O som que saiu da garganta de Set foi como um rosnado. Ele se virou para Rebeca, atordoada no chão, e ladrou:

— Sua estúpida! Não deveria ter tirado o colar!

“Toda criatura sobrenatural do mundo irá atrás de você”, Gabriel avisara.

Rebeca estremeceu. Ficou calada diante da ira de Set, e olhou para a parede derrubada... Uma saída. Ela podia ver o campus do outro lado.

Só precisava passar pelos outros três deuses que estavam contra ela.

— Afastem-se — avisou Set, colocando-se entre Rebeca e os outros. — Ela é minha.

— Set, não se iluda — disse o homem com a cabeça de crocodilo. — Não quer perder outra luta.

O chão começou a tremer e rachar. Uma linha se estendeu da porta do auditório até a grama do campus, formando uma rachadura imensa. Rebeca se apoiou nos escombros para se levantar, aproveitando a distração. Sua cabeça rodava, e o ar que chegava aos seus pulmões era gelado demais depois de ter sido privada dele.

Qualquer ideia de fugir sem ser notada desapareceu quando Set passou o antebraço por seu pescoço e a trouxe para perto, prendendo-a. Não teve como ser rápida o suficiente para escapar; mal conseguia se equilibrar sobre os próprios pés.

— Rebeca é minha — Set repetiu. — Vão embora ou vão se arrepender.

— Entregue-a para nós, Set. — O homem com cabeça de leão esticou a mão como se Rebeca fosse um objeto. — Não pode lutar contra três de nós.

— Quer apostar? — Set desafiou.

Rebeca não queria, porque era a sua vida que estava em jogo ali, servindo de disputa. Ela não era algo a ser disputado. E Set era um dos deuses mais poderosos dos egípcios.

Aparentemente, contudo, os outros queriam apostar, sim. A parede atrás de Set também desabou com um movimento das mãos da mulher, e ele teve de desviar, levando Rebeca junto. Os alarmes do prédio soaram, fazendo a cabeça de Rebeca latejar.

Set ergueu o was e um círculo de fogo surgiu ao redor dos três deuses, cobrindo-os. A mulher alçou voo e atacou Set, lançando um raio de energia em sua direção. Ele foi forçado a largar Rebeca para se defender, empurrando-a para o lado. Ela cambaleou e caiu sobre um quadrado de cimento da parede, cerrando os olhos para se concentrar no que estava acontecendo.

Os alarmes continuavam soando, ensurdecedores, e o corredor havia se transformado em uma batalha etérea, cheia de luzes e sons. Ela não pôde distinguir quem era quem por um momento. Set havia perdido a forma humana do rosto, que agora era a cabeça de um animal parecido a um tamanduá, e os quatro deuses estavam maiores do que o natural.

Era agora ou nunca, Rebeca percebeu. Se não fugisse enquanto estavam ocupados, não fugiria mais.

Ela usou os braços para dar impulso e se erguer e disparou em uma corrida até a abertura pelo campus. Set notou o movimento, tirou os deuses do caminho com um estampido e correu atrás dela.

Gabriel — Rebeca arfou assim que seu pé tocou a grama.

O anjo estava na sua frente em menos de um segundo. Ele lhe deu a mão, que ela prontamente segurou.

— Não! — Set berrou.

O antebraço de Rebeca queimou quando ele a agarrou com toda a força que tinha, Rebeca gritou, o mundo virou de ponta cabeça, monstros de todos os tipos apareceram no campus, e a próxima coisa que Rebeca viu foi o jardim da mansão de Lionel.


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Jason se colocou na frente de Sean de forma protetora, formando um escudo entre ele e a besta que os observava.

Carter arrumou a mira quando o animal saiu das sombras. Tinha o tamanho de um cavalo, mas assemelhava-se a um cão de caça ou um chacal, o corpo delgado e patas tão compridas quanto, coberto por pelos vermelhos e negros. Sua cauda era longa e bifurcada, com pontas rígidas; as orelhas triangulares eram estreitas na base e mais amplas no topo, girando para captar qualquer som. O pior traço era o focinho: alongado e curvado como o de um tamanduá, mostrando dentes afiados ao rosnar.

Um sha, Jason reconheceu das pesquisas que fizera. Se estivesse correto, aquele era o animal Set, que só respondia ao próprio mestre. Tinha de tirar Sean e Carter dali.

— Não façam movimentos bruscos — disse, empurrando Sean de leve para trás. — Carter, me dê a arma. Eu atiro enquanto vocês vão para a escada.

— Não, eu tenho uma boa mira daqui — ele contestou.

O sha avançou alguns passos, rosnando, em posição de ataque. Sua cauda se remexia de um lado para o outro.

— Não vai funcionar — Jason avisou. — Atirar nele seria o mesmo que atirar em um deus. Podemos no máximo atrasá-lo. Vocês precisam ir.

A besta não desgrudava os olhos de Sean, meio oculto pelo corpo de Jason.

Carter atirou.

O estouro do tiro fez os três se sobressaltarem, mas a bala sequer arranhou o ombro do animal. Tudo o que fez foi incitá-lo a atacar. Ele arreganhou os dentes, babando, e pulou com as garras estendidas.

Jason teve tempo de empurrar Carter e Sean para longe antes de ser atingido. O peso da fera o esmagou no chão e suas patas quase quebraram seus ombros; Jason sentiu o metal abaixo de si afundar com o impacto, prestes a ceder. Sua lanterna voou das mãos.

O ar expulso dos pulmões, Jason lutou para afastar o focinho da fera que tentava mordê-lo. Agarrou seu pescoço, empurrando para longe, mas era pesado e forte demais. Uma de suas patas prendia suas pernas, imobilizando-o. Jason manteve o rosto o mais distante possível de seus dentes. Conseguia sentir o bafo de podridão vindo da baba da coisa a cada rosnado e latido que dava ao impulsionar as mãos de Jason para baixo, para o pescoço.

Jason ouviu mais sons de tiros, mas o sha não se abalou. Jason estava começando a ficar sem forças nos braços; tudo piorou quando o sha deixou cair saliva em sua pele, no espaço entre o ombro e o pescoço, e ele gritou com a dor da queimadura.

O peso em seu corpo sumiu de repente, antecedido pelo ganido do animal. Sean o havia atingido com um pedaço de cano enferrujado e o jogado para o lado. Carter puxou Jason para levantá-lo, e ele cambaleou, tonto.

— Vão, vão, corram! — Obrigou-os a recuar para a escada, mais empurrando do que guiando.

O sha se recuperou. Rosnando, saltou e se colocou entre os três e a saída, deslizando as patas pelo metal. Jason se pôs na frente de Carter e Sean mais uma vez, agarrou o pedaço de cano das mãos do amigo e se preparou para lutar. Quando o animal saltou novamente para atacar, contudo, não foi preciso. O chão rangeu, tremeu e desabou sob seus pés.

Jason se viu caindo em direção ao entulho no andar de baixo e não houve tempo para se preparar para a queda. A pancada o deixou zonzo, e ele sentiu o tornozelo se torcer ao cair sobre uma mesa de madeira velha. Apressou-se a olhar ao redor e viu que Carter e Sean estavam caídos ali perto, tontos e doloridos, sobre uma pilha de ferramentas e sucata.

O animal também estatelara-se com eles, mas era o que menos sofrera com o baque. Já estava se aprumando, sem nenhum arranhão, e espumava cada vez mais.

Jason se arrastou para fora da mesa, testando o peso sobre o tornozelo machucado.

— A saliva é ácida — avisou. — Não deixem que toque em vocês.

— Como vamos matá-lo? — Carter perguntou, erguendo-se.

Jason não tinha uma resposta. Ajudou Sean a se pôr de pé, percebendo a careta que fez. Ele levou uma mão à lateral do corpo, e ela voltou cheia de sangue.

Jason gelou.

— Sean...

— Não se preocupe comigo — ele interrompeu. — Faça o que tem que fazer. Eu vou ficar bem.

Jason checou seus números. Nada grave.

O sha rosnou e avançou. Eles correram para trás dos escombros, escondendo-se atrás de uma coluna de materiais sólidos que formava uma barreira. Jason puxou um armário de metal e o posicionou na frente do animal para impedir sua passagem. Ele trombou com a peça, amassando-a, e continuou colidindo com ela para tirá-la do caminho. A extremidade do armário começou a derreter com o ácido que pingava de sua boca.

— Não vai aguentar muito tempo — disse Carter, ainda apontando a arma, mesmo que soubesse de sua inutilidade.

O tornozelo de Jason latejava, o ombro ardia pelo machucado. Estavam encurralados contra uma parede; a saída ficava atrás do sha. Tinha de fazer alguma coisa.

Olhou para cima.

— Eu estou aqui! — berrou. — Sloan, eu estou aqui! Deixe meus amigos irem embora e eu fico.

Um som imediatamente invadiu o local. Parecia-se com algo se chocando com os limites da fábrica por todos os lados, um vento penoso, mas que não teve efeito algum. Depois da última vez, Jason devia ter imaginado que nenhum anjo o salvaria.

E isso ficou claro quando o sha finalmente derrubou o armário com estrondo. Ele tombou sobre Jason e Carter, que estavam mais perto, e os aprisionou. Jason estava lutando para libertar as pernas quando viu o animal passar direto por eles e atacar Sean.

Sean não teve como se defender. Estava machucado e cercado, e o animal pulou em seu peito com garras e dentes, dilacerando carne e músculos. Sangue jorrou para fora, e Sean cedeu com um urro de dor que não soou humano. O sha permaneceu em cima dele, mordendo onde alcançava e cuspindo ácido em sua pele, até que não era mais possível distinguir o que era o quê.

SEAN, NÃO!

Jason se sentiu morrer.

Sua mente ficou tão branca, em choque, que ele não teve de pensar nos próximos momentos. Não havia nada que o parasse.

Erguer e empurrar o armário foi fácil quando todo o seu ser estava tomado pelo pânico e pela angústia de assistir o melhor amigo ser estraçalhado por um monstro. Ele ignorou os protestos do próprio corpo e apanhou um pé de cabra, a primeira coisa que suas mãos alcançaram, e investiu contra o animal com toda a raiva que tinha.

O ferro atravessou pelos, pele, carne e osso e saiu do outro lado do pescoço do sha. A fera ganiu e engasgou, debatendo-se, surpresa. Jason usou o que tinha de força e arrastou para trás, para longe, afastando-a de Sean, e sacudiu o pé de cabra em todas as direções para agravar o ferimento e impossibilitá-la. Ela caiu e se encolheu, não morta, mas quieta.

Jason correu até Sean.

Carter já estava sobre ele, as mãos trabalhando freneticamente para minimizar as dores. Parte de sua pele estava cheia de bolhas e em carne viva devido ao ácido, e seu peito estava lacerado, escorrendo sangue.

— Você pode salvá-lo? — Jason perguntou a Carter, sua última esperança.

Carter olhou para ele com pesar.

Jason entrou em negação.

— Não, não, não... — Começou a tampar os ferimentos de Sean, que respirava pesadamente, de forma desesperada, como se fosse possível colocar a carne no lugar. Suas mãos tremiam. — Não, Sean, por favor... Por favor, você tem que ficar. Tem que ficar comigo, aqui...

Antes que percebesse, estava chorando. Soluçando. Aquilo não podia estar acontecendo. Não podia. Era tudo o que ele mais temia, perder alguém por toda a confusão em que se metera. Sean não podia morrer. Não podia deixá-lo. Não assim. Não nunca.

— Ja-son — ouviu sua voz estrangulada chamar, em um claro pedido para que olhasse para ele.

Mas Jason não queria olhar. Se olhasse, veria os números, e veria a verdade. Veria a verdade de que não havia mais nada a se fazer, de que Sean estava perdido, e isso não podia permitir. Se não olhasse, não seria real.

Jason se segurou aos frangalhos da blusa de Sean como se disso dependesse sua vida também, e continuou chorando e murmurando coisas sem sentido.

— Você não pode ir — choramingou. — Você tem que ficar. Por favor...

Sean pegou sua mão. Foi um toque fraco, mas o bastante para terminar de quebrar seu coração. E Jason olhou.

Olhou para o rosto do amigo, coberto por lágrimas e sangue. Mais acima, os números estavam tão baixos... e só diminuíam, só diminuíam, só diminuíam...

— Eu sinto muito, Sean — Jason soluçou, por fim. — Eu sinto muito. Eu falhei com você. Me desculpe...

Sean tentou falar, mas só conseguiu tossir mais sangue. Ele balançou a cabeça levemente, negando, e seus dedos envolveram com mais força a mão de Jason.

— Não... — sussurrou. — Não se culpe. Eu-eu sei que não foi você.

Jason tirou os cabelos grudados em seu rosto, como havia feito há cinco anos, no hospital psiquiátrico.

“Vou voltar por você, Sean. Prometo”, fora o que dissera ao partir.

“Você também prometeu que não ia embora”.

— Eu sinto muito por não ter voltado — confessou o que queria ter dito desde quando se encontraram pela primeira vez, livres. Agora, Sean nunca mais seria livre. — Sinto muito por não ter voltado por você.

Sean deu um pequeno sorriso.

— Tudo bem. Ninguém gostaria de voltar àquele lugar.

Jason escutou a fera atrás de si ganir, mas não poderia se importar menos se ela voltasse a atacar. Tudo o que sentia era ódio e dor. Carter mantinha a cabeça baixa, em silêncio diante da cena. Jason arriscou outro olhar aos números de Sean.

Sean sofreu um espasmo e gemeu. Quando se acalmou, seus lábios se mexeram para formar palavras, mas a voz saiu baixa demais para que Jason ouvisse. Ele aproximou o ouvido de sua boca, e Sean repetiu.

Mas as palavras não fizeram sentido.

Jason não queria que fizessem.

Ele se afastou, os olhos arregalados, pálido.

— Não... — murmurou. — Não posso...

— Me mate — pediu Sean.

— Sean, não...

— Me mate, Jason — ele suplicou. — Por favor. — A próxima tosse sacudiu seu corpo inteiro, expelindo mais sangue. — D-dói muito. Eu... eu não quero mais. Dói...

Carter ergueu a cabeça para encarar Jason, que não conseguia reagir. Seu coração estava acelerado. Não podia fazer aquilo. Era pedir demais dele. Não conseguia... Como poderia matar Sean?

— Por favor, Jason — Sean implorou mais uma vez. — Por favor. Me mate.

Foi como receber um tapa, e Jason acordou. Sean estava sofrendo e seus números, ainda que baixos, demorariam para atingir o zero. Até lá, a dor seria tudo o que Sean teria. E deixá-lo agonizando era algo que, acima de tudo, de seus próprios anseios, Jason não poderia fazer. Devia isso a ele.

Carter deve ter notado a mudança em sua expressão. Jason o sentiu colocar a arma em sua mão que não segurava a de Sean e fechar seus dedos em torno dela. O metal frio mandou um arrepio por seu braço.

Inesperadamente, sua mão estava firme ao mirar o revólver para um tiro final.

— Obrigado por ser meu amigo — disse. — Desculpe não conseguir salvá-lo. Vou sempre carregá-lo comigo, Sean.

— Seja feliz, Jason.

Jason fechou os olhos ao atirar.

O disparo ecoou pela fábrica. A mão de Sean ficou mole na sua e, quando abriu os olhos, encontrou os do amigo fechado. Os números estavam apagados. Ele parecia em paz.

Mas Jason nunca teria paz enquanto não o vingasse.

Carter tocou seu ombro em um apoio mudo. Jason queria sentir raiva agora, queria sentir o ódio pela morte, queria se irritar, quebrar objetos, se vingar do mundo. Mas, no momento, tudo o que sentia era uma tristeza enorme, que lhe apertava o coração e se espalhava pelas veias como fogo líquido. Quando chegou aos olhos, queimou, e ele se viu desabando em um choro desconsolado e abraçando o corpo sem vida de Sean, trazendo-o para mais perto de si, como se assim pudesse de alguma forma e finalmente protegê-lo do mundo, da dor, do abandono.

O sha começou a uivar. Encolheu-se ainda mais e curvou as orelhas para se escudar de algum som que só ele ouvia, um apito agudo. O lamento se prolongou, e Jason abraçou mais o tronco de Sean. No momento seguinte, o animal desapareceu em uma luz vermelha.

A saída ficou descoberta e, lá fora, parada no limiar da porta, estava um anjo. As asas vermelhas, da cor dos cabelos, estavam abertas. Ela os olhava com um misto de compaixão, indiferença e curiosidade. Um olhar vazio, sério.

Jason cerrou os dentes e encarou de volta.

— Eu vou matar você, Sloan — jurou, a voz embargada e pesada de fúria. — Nem que seja a última coisa que eu faça.

Sloan endireitou o queixo.

— Ele não foi o primeiro a morrer por culpa de alguém que você conhece entregar a localização. Não se engane, Jason. Eu não sou a única com quem tem que se preocupar. Ele não era o alvo. Não me culpe por seus erros.

E ela sumiu.

Jason deixou as últimas lágrimas caírem, circundando Sean.


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A garganta de Rebeca ardia, e seu braço parecia em chamas.

Ela agarrou a jaqueta de Gabriel quando o mundo se estabilizou para se sustentar, e ele a amparou no lugar.

Jason — ela arfou, urgente. — Jason, você tem que avisar... Tem que ir atrás dele, tem que tirar todos de lá...

— Rebeca, o que está dizendo? — Gabriel perguntou.

Ela olhou para ele com os olhos molhados e aterrorizados.

— É mentira, é tudo mentira, Set não vai deixá-los sair de lá vivos, você tem que avisar...

— Set? — Gabriel repetiu, atento.

— O que está acontecendo?

Halee estava ao lado dela no segundo seguinte, mas Rebeca mal se deu tempo de agradecer ou sentir alívio por ela estar bem. Tinha de avisar Jason para tomar cuidado, tinha que ajudar a salvar Sean e Carter, mas estava sem celular e...

— Você tem que ir atrás dele! — ela gritou para Gabriel, ou tentou, pois estava rouca.

Empurrou os dois para abrir caminho para passar; iria andando até Jason se fosse preciso. Tropeçou alguns passos antes de ser parada por Gabriel.

— Gabriel, você tem que ajudar, o Jason...

Ela estancou ao ver o carro dele virando a rua e desacelerando para estacionar, e não soube como reagir.

Quando o Volvo parou em frente a onde estavam, na calçada da mansão, e desligou os faróis, a rua se silenciou. A própria cidade emudeceu pelos minutos que se seguiram, nos quais ninguém se mexeu.

O primeiro a sair do carro, do lado do volante, foi Carter. Sua expressão estava sombria, carregada, e ele não olhou ninguém nos olhos. Ficou parado na porta, encostado ao carro, e enterrou o rosto nas mãos.

Então, a porta do banco do passageiro se abriu e Jason saiu de lá. Deu a volta no carro a passos incertos e lentos, como se não suportasse o próprio peso. Suas roupas estavam encharcadas de sangue, ele mancava, e tinha um olhar tão devastado que parecia que ruiria a qualquer sopro do vento.

Os olhos de Rebeca marejaram. Não precisou que lhe dissessem o que havia acontecido.

Ela caminhou até Jason, parado na ponta da calçada. Ele a olhou e franziu as sobrancelhas, como se não a reconhecesse. Ela parou antes de tocá-lo.

— Jason...

— O que está fazendo aqui? — A dúvida estava explícita na voz de Jason.

Rebeca não entendeu.

— O quê?

— O que está fazendo aqui? — ele repetiu, no mesmo tom monótono. — Por que você voltou?

Rebeca ficou ainda mais confusa.

— Como assim? O que está dizendo? — perguntou. — Por que eu não voltaria?

Os olhos de Jason flamejaram.

— Eu quero saber por que você voltou — ele disse, duro. — Quero saber por que não foi embora, por que não ficou longe daqui, onde é seguro! Por que está aqui, Rebeca? Por que está aqui comigo? Você deveria ter ficado longe e levado Halee com você! Eu não posso te proteger!

— Jason...

— SEAN ESTÁ MORTO! — Jason explodiu. — Sean está morto! Ele morreu por minha causa!

Rebeca se aproximou.

— Não, não...

— E quer saber? — Jason passou a mão nos cabelos, perturbado, e apontou para nenhum lugar. — Ele não foi o primeiro, não foi o único. Todo mundo está morrendo! — Lágrimas se juntaram em seus olhos, mas havia mais indignação do que tristeza, formando uma expressão torturada. — Olhe ao redor, Rebeca! É tudo minha culpa. Evangeline está em coma, Carter está cego e o resto está morto! Meu avô, Thomas, aquela bibliotecária, SEAN! O sangue dele está nas minhas mãos, o de todos eles! Sean morreu, e você...

Sua voz quebrou.

Rebeca não sabia o que fazer. Jason estava à beira de um colapso, e tudo piorou quando ele viu a linha de hematomas em seu pescoço.

— Eu não posso te proteger — ele disse de novo, as lágrimas escorrendo. — Eu não posso proteger ninguém. Não posso fazer isso. Não dá mais. Não dá. Eu não consigo...

Rebeca o abraçou. Jason entregou-se ao contato completamente e desfaleceu. Seus joelhos vacilaram, e ambos caíram na grama, agachados. Jason apertava Rebeca com tanta força que as marcas de seus dedos ficariam, mas ela não se importava. Ele a estava usando de âncora, depositando sua angústia em forma de soluços que chacoalhavam todo seu corpo, e era de cortar o coração.

— O corpo dele está no meu carro — segredou, derrotado.

Rebeca afagou seus cabelos, em um gesto para que continuasse.

— Eu o matei, Rebeca — Jason chorou. — Eu o matei.


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Notas finais do capítulo

*Entregando chocolate e lenços de papel*
Será que vocês podem me perdoar algum dia?
Essas cenas foram umas das mais difíceis que eu já escrevi. Realmente sinto muito em ter matado o Sean; pelo que eu lia, vi que vocês gostavam dele, e eu também. Por isso, eu gostaria muito de saber o que acharam do capítulo, então seria muito legal que vocês comentassem. Estava super insegura para postá-lo por causa das reações.

Obrigada a todos que leram! Beijos e até o próximo ^-^



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