A Morte tem olhos carmesim escrita por Witches


Capítulo 4
Paradoxo




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Quando Lyanna Storm foi ao quarto de Beyond Birthday, disposta a se tornar uma vampira, ela já tinha descoberto coisas bastantes perturbadoras sobre o rapaz de olhos rubros. Matt, seu amigo/aliado/amante/informante a havia deixado a par do tamanho do problema...

Beyond fora, a décadas atrás, o criminoso mais procurado de todo o reino, quiçá do mundo. Com sua mente deturpada e intelecto superior, ele deixou uma trilha de corpos mutilados, orgias de sangue e carne que chocaram a população de Mistic Falls. Entretanto, o serial killer achou um desafiante a altura: o detetive L. Lawliet, investigador oficial do reino. Ele descobriu a identidade do assassino, reuniu provas, e a Guarda Real o caçou no intuito de levá-lo à forca.

Mas Beyond estava preparado para tudo. Em sua premeditada fuga, colocou fogo em seu próprio corpo, e se atirou de um precipício... Suicídio. Puro e simples. Na concepção doentia dele, seria o desfecho perfeito para sua vida miserável, já que que ninguém teria a capacidade de capturá-lo, sequer reconhecer seu corpo... Ele desaparecia da face da terra, uma vitória distorcida sobre seu excepcional rival... Teria sido perfeito, se não tivesse sido uma tentativa falha. O assassino, quebrado incontáveis vezes, com queimaduras de terceiro grau e mortalmente ferido, foi encontrado pela criatura mais improvável possível... Mellie, uma das últimas da raça vampira, se apiedou do jovem moribundo, e o transformou em um dos seus.

Mellie era uma vampira deveras... peculiar. Parecia tudo, menos uma criatura diabólica. Tinha cabelos cor-de-rosa, compridos e encacheados nas pontas, e olhos de um verde cristalino. Era um ser tão antigo que não podia-se calcular sua idade, embora seu rosto não aparentasse mais do que uns dessesseis anos. Talvez por puro capricho, ela tomou B para si, como seu parceiro e pretenso amante... ou quase.

Bem, então Lyanna sabia que Beyond era um serial killer... Ótimo, ela também era uma assassina.

Sabia que ele era perigoso e sádico... Tudo bem, ela não ficava atrás...

E sabia que ele tinha uma namorada mortal... Foda-se, ela não esquentava para esse tipo de detalhe...

O que a mercenária caolha não sabia era que voltar a cruzar o caminho de Beyond a levaria a um destino improvável...

Além das terras conhecidas, em um lugar onde nenhum mortal pôs os olhos, fica a Morada dos Deuses, a cidade cintilante de Lyss. Seus palácios são esculpidos em marfim, e suas ruas douradas levam ao castelo de Tehon, a Deusa-mãe, senhora da Ordem e do Caos. No meio da cidade, existe um grande espelho d'água, cercado por árvores eternamente floridas. Denominado como Lago das Eras, ele exibe o passado e o presente para os deuses que ali buscam visualizar o mundo humano. Enquanto uma certa mercenária caolha dormia agarrada a um determinado serial killer, duas divindades observavam com curiosidade.

–Acho que eu vou acrescentar um pouco de afetividade. -Declarou Allonel, o afeminado Deus do Amor, cujo rosto de traços delicados exibia um sorriso travesso.

–Meu adorado irmão, não se pode semear em terreno estéril... -Lilith, a deslumbrante Deusa da Luxúria, envolta em véus transparentes que em nada escondiam seu corpo escultural, passou os braços pela cintura de Allonel- Uma mercenária vadia e um assassino completamente perturbado... Que chances isso tem?

–A flor mais bela é aquela que desabrocha no meio das pedras, minha querida...

–Hum... -Lilith caminhou pela borda do lago, contemplando o cena com um ar pensativo- Lyanna Storm nunca experimento o amor, mas já se afundou incontáveis vezes na luxúria e na perversão... Beyond desconhece os dois... Realmente acredita que lançar suas bençãos sobre eles poderá surtir algum efeito?

–Irmãzinha... -o deus do amor abriu um sorriso- O amor é a força motriz do mundo... Ninguém pode passar pela vida sem ter a oportunidade de experimentar a doçura e a dor que ele proporciona.

Com essas palavras, Allonel assoprou um pó rosado sobre as águas do lago... E, quando Lyanna despertou, deitada sobre o peito de B, deparou com seus olhos rubros a encarando. E sentiu como se tivesse engolido uma colméia cheia de abelhas...

"Sensação bizarra... Acho que deve ser resultado da transformação.."

Beyond viu a mercenária despertar em seus braços, e sorriu espontaneamente, algo bem diferente de seu comportamento sempre calculista... Ele não sentiu o mesmo desconforto que ela, mas alguma coisa dentro dele se partiu... E algo dentro dele se agitou, insatisfeito.

Daquele dia em diante, não passou um dia sem que Lyanna visse Beyond... Ele sempre aparecia do nada, com um maço de cigarros ou uma garrafa de vodka. E, quando ele não invadia seu quarto (pois ele simplesmente passara a achar desnecessário bater na porta) era a caolha que acabava no quarto dele por algum motivo trivial... Se a "namorada" de Beyond tinha conhecimento dessa estranha ligação, não se fazia ideia, pois ela nunca vira a vampira, e também não parecia disposta a perguntar por onde andava...

Durante as horas que eles passavam juntos, Lyanna o abordava com piadinhas lascivas. B respondia na mesma moeda, mas eles não passavam disso... O assassino lhe falava de seu medo infantil e irracional de duendes, e a mercenária ria... E cada vez mais eles se sentiam iguais. Eram duas almas completamente destruídas, doentias, sem nada mais a perder...

Nascia uma sutil dependência...

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Um céu estrelado enfeitava aquela noite fria, onde uma dupla de vampiros passeava pelas ruas da cidade baixa, depois de terem saciado a sede com dois mendigos. Lyanna ria de alguma bobagem que B dissera, enquanto eles passavam na frente a um bordel. Uma prostituta com os seios a mostra acenou para o vampiro, e ele de imediato desviou o olhar.

–O que foi? -a mercenária achou graça na atitude dele- Ela é bonita... Não gostou do que viu?

O assassino coçou o nariz, de forma constrangida.

–Eu não estou habituado a este tipo de coisa.

–Affs... vai me dizer que nunca viu sua namorada nua?

–Já, mas... -ele pigarreou e mordeu a unha do indicador- Esqueça...

–Ah, me conte... -Lyanna parou na frente dele com um sorriso travesso- O que há? Sua amante imortal é ruim de cama?

–Eu sou virgem... -ele resmungou, ligeiramente aborrecido, caminhando devagar.

–VOCÊ É O QUE? -ela achou que era mais uma de suas piadinhas, mas quando viu a cara dele, comprovou que o rapaz não estava brincando. E desatou a rir- Não... Sério?

–Sério. -B colocou as mãos nos bolsos, andando de sua forma habitual, com a coluna curvada e a expressão quase impassível- Por que eu mentiria sobre isso?

–Não sei, ué... Mas me parece tão surreal... -a mercenária reabriu o seu bom e velho sorriso depravado- Eu poderia resolver isso, sabe?

Ele sorriu de uma forma estranha.

–Eu sou muito inocente ainda...

Lyanna olhou para o céu estrelado, reprimindo uma gargalhada. Era uma noite magnífica, sem dúvida.

–Um serial killer, psicopata e torturador, que teme duendes imaginários, ama geleia de morango e se diz inocente. Você é um paradoxo, Beyond Birthday... E isso é o que mais gosto em você.

Ela se calou de imediato, tomando conta do que dissera... Quando fora que aquele rapaz de olhos escarlates e hábitos estranhos se tornara tão importante? Em que ponto ele se transformara num vício mais forte que a nicotina, o álcool, ou o sangue? Aquilo a perturbou imensamente... Se apegar emocionalmente a alguém era desrespeitar suas regras, era ir contra tudo o que aprendera no acampamento mercenário.

Isso significava uma coisa...

Era hora de partir.

Beyond não respondeu as palavras dela, talvez porque tenha reparado no seu desconforto, ou simplesmente porque a surpresa o tenha deixado sem palavras. Sim, ele percebera a mensagem subliminar no que ela dissera... Uma parte dele se alegrou... A outra gritou de ódio...

De uma forma quase instintiva, B segurou a mão de Lyanna. Se fosse a algumas horas atrás, a mercenária teria passado o braço por seu pescoço e caminhado abraçada com ele, como tinham feito outras vezes... Mas, naquele momento, ela simplesmente se soltou, pinçando um cigarro do maço em seu bolso e o acendendo. Tragou longamente, soltando a fumaça devagar, e depois voltou seu cintilante olho azul para o assassino.

–Eu tenho que lhe dizer que devo partir em breve...

–Hein? –B tomou um susto- Partir? Para onde?

“Não faço ideia... Só preciso ficar longe de ti...” –ela balançou a cabeça sutilmente e respondeu:

–Preciso resolver algumas coisas...

–E você voltará logo, não? –havia uma pitada de esperança na voz de Beyond...

–Claro. –ela forçou um sorriso- “Nunca mais me verá, querido B... Nunca mais sentirei seu doce cheiro de morango ou rirei de suas esquisitices... Por Carnage, estou ficando clichê...”

Beyond a encarou por alguns instantes, como se tentasse ver por trás da máscara de indiferença de Lyanna... Mas não pode decifrar o olhar impassível de sua acompanhante... E foi em um silêncio perturbador que eles retornaram a hospedaria, se despedindo em meias palavras e indo cada um para o seu quarto.

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Quando Beyond invadiu o quarto de Lyanna no dia seguinte, encontrou mais garravas de bebida vazias do que de costume... Mas isso não foi o que lhe chamou mais a atenção. Sobre a cama, havia uma mochila cheia, a espada e as armas da mercenária. O quarto parecia diferente, e logo ele descobriu o porquê: além das garrafas, não havia mais nada espalhado. Tudo fora devidamente recolhido e guardado...

Ela estava de partida.

Lyanna, sentada na cama amarrando o cadarço de sua bota esquerda, parou o que fazia para olhar o serial killer. Ela abriu um pequeno sorriso, que não tinha nada de feliz.

–B...

–Você... já vai? Pensei que demoraria alguns dias ainda... –ele enfiou as mãos nos bolsos, tentando conter a frustração em sua voz.

–Sim, eu...

Lyanna ia arrumar uma bela desculpa... Contaria uma história qualquer para Beyond, que justificasse sua partida tão repentina... Entretanto, a coisa mais inesperada possível aconteceu naquele instante...

Na porta do quarto apareceu um rapaz.

Um tapa-olho cobria sua face, no lado oposto ao que a mercenária usava. Só que ao invés de um olho azul, ele exibia uma íris vermelha como sangue. Seus cabelos, prateados como os de Ly, emolduravam um rosto bonito, onde um sorriso intimidador se moldava... Vestia uma roupa que mesclava o estilo de um lorde e um pirata, com uma espada em seu flanco esquerdo.

Lyanna nunca o vira, mas sabia quem era.

Seu meio irmão, Edrick, renomado pirata e teoricamente herdeiro legítimo da Casa Lindberg, exilado depois de confrontar sua irmã gêmea, Nymeria. Ele fora acusado pelo assassinato de seu pai, e a irmã arrancara seu olho em combate... Desde então, o rapaz singrava os mares no comando do navio Morte Negra, espalhando caos e terror.

–Lyanna Storm... É um prazer conhecê-la finalmente, irmã... -ele se aproximou dela, e a mercenária sentiu um frio subir por sua espinha... Havia algo por trás de toda aquela cortesia e educação que a assustava, como se Edrick fosse um demônio camuflado de anjo.

–O prazer é meu. Ouvi muitas coisas a seu respeito, e alimentei uma extrema vontade de conhecê-lo pessoalmente... –ela reparou na expressão confusa de B, então os apresentou- Beyond, esse é meu meio irmão, Edrick Lindberg. Beyond se limitou a acenar brevemente com a cabeça, e o pirata fez o mesmo, voltando-se em seguida para a mercenária.

–As pessoas gostam de falar sobre mim, mas não acredite em tudo o que dizem... –ele alargou aquele sorriso psicopata- Eu não posso me demorar aqui, pois tenho que partir de imediato. Portanto, serei direto. Quero-a como integrante de minha tripulação.

Lyanna abriu a boca, mas as palavras não saíram. Por sua vez, B protestou de imediato:

–Você não pode ir com ele! Isso é um absurdo.

A caolha saiu do estado de choque e visou B com um ar perplexo:

–Porque não?

–Ela será recompensada, obviamente. –justificou Edrick, estendendo a mão para Lyanna- Não tenho tempo a perder. Você aceita ou não?

Beyond não soube lhe dar um bom motivo, então a mercenária colocou a mochila nas costas e pegou suas armas, dando a mão a Edrick.

–Irei com você.

O pirata sorriu, e puxou-a para fora do quarto, começando a caminhar pelo corredor. B foi atrás deles, protestando.

–Ly, qual é? Você não pode ir embora assim...

Ela soltou a mão de Edrick e virou-se para B. Pela primeira vez, o assassino viu tristeza nos olhos da mercenária...

–Eu... não posso ficar, B. Você nunca iria entender... –suas mãos frias seguraram o rosto dele, e ela o encarou no fundo de seus olhos escarlates- Foi indescritivelmente bom tê-lo conhecido.

–Quero que me prometa uma coisa... –aquilo parecia tão tolo e clichê que Beyond levou algum tempo para verbalizar- Quando você voltar , quero um beijo seu...

Se o coração de Lyanna ainda batesse, ela teria tido um princípio de infarto...

–Prometo. – ela respondeu, por puro instinto, sabendo que não tinha a intenção de vê-lo nunca mais. E aquilo doeu. Muito mais do que deveria...- Adeus, B...

–Vamos. –apressou Edrick, entediado com aquela ceninha- Não quero a Frota Real no meu encalço...

A mercenária o soltou, e caminhou ao lado de seu irmão, deixando um pedaço de seu coração frio e morto para trás... Beyond ficou parado no meio do corredor, estático, vendo eles se afastarem e logo sumirem pelas escadas que levavam ao térreo. E, de repente, ele percebeu que não podia deixá-la ir embora...

Não havia um motivo...

Não tinha razão...

Só a certeza de que não queria que aquela mercenária vadia e alcoólatra, de cabelos descorados e caolha partisse... Deu-se conta do quanto sentiria falta de seus sorrisos lascivos e seu cheiro de nicotina e vodka.

Logo ele, que desconhecia qualquer tipo de sentimento...

Entretanto, no segundo seguinte B descia correndo as escadas, quase se estabacando no processo. Mas eles haviam desaparecido por completo...

Correu até a entrada da hospedaria, atravessou a varanda, vasculhou em volta...

Nada...

Ninguém...

Beyond sentou no último degrau da varanda, e escondeu o rosto nas mãos... Lyanna se fora.

–Eu sou mesmo um inútil...


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