A Morte tem olhos carmesim escrita por Witches


Capítulo 3
O tempo está queimando


Notas iniciais do capítulo

Depois de muito tempo, voltando à ativa...
A falta de tempo e inspiração foi tratada com sucesso!
Boa leitura, meus queridos vampiros :v



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–E porque esperar? –ele passou o braço pela cintura de Lyanna, puxando-a para perto de si- A não ser que você esteja com medo...

–Medo? –a mercenária achou graça, fitando-o com indiferença- Eu não tenho medo de nada.

–Excelente. –ele afastou os cabelos prateados dela, deixando seu pescoço exposto- Prometo que não vai doer... muito.

Com essas palavras, Beyond deixou os caninos crescerem, e os cravou no pescoço de Lyanna. A princípio, a única coisa que ela sentiu foi uma pontada aguda, e o sangue quente escorrendo por seu pescoço... Mas, de repente, o ar deixou seus pulmões. Ela sufocou enquanto seu corpo parecia que ia entrar em combustão instantânea, cada célula queimando como se tivessem injetado ácido sulfúrico em suas veias. O coração acelerou, como se fosse estourar no peito, até que, subitamente, parou. O corpo da mercenária ficou mole, e ela mergulhou na inconsciência, desfalecendo nos braços de Beyond...

Capítulo 3

O tempo está queimando

Beyond não se lembrava qual fora a última vez que transformara alguém em vampiro. Na verdade, nem ao menos se lembrava se houvera essa vez... talvez porque não fosse algo tão realmente relevante. Não era para ele.

Interessante era ressaltar que para Beyond o tempo não possuía qualquer sustância, e o rapaz passava pelo tempo assim como este passava por ele: sem deixar marcas.

A juventude eterna de um vampiro, ao psicológico complexo de uma criança.

Uma criança muito estranha.

Lyanna estava gelada em seus braços, ele sentia. E ele não poderia checar seu pulso – até porque seria muito estranho, depois de ter o veneno em suas veias, seu coração continuar batendo e ele então se encontraria mais perdido que seu estado atual -, mas nem ao menos sua respiração ele sentia bater em seu rosto, mesmo quando aproximou o rosto do dela até encostar seus narizes, mesmo quando ele a deitou em seu colo e a sacudiu pelos ombros sem dizer absolutamente nada, o silêncio da respiração dela e o esvair da dele. O brilho de seu olhar e o olho azul dela escondido, congelado...

― Ly ― ele chamou.

E o tempo passou. Mais uma vez, sem significar nada para ele. E para ela, fazendo todo o efeito. Lyanna tossiu, tossiu e tossiu. A visão completamente embaçada, cheia de cubinhos pretos, uma tontura infernal, um suor frio lhe encharcando as poucas roupas, a respiração falhando em um arfo longo, o peito ardendo como se estivesse sendo queimado por dentro...

Com dificuldade, ela divisou uma boca. Um nariz. E dois olhos cor-de-sangue encarando-a de um modo que ela não conseguiu decifrar, até porque seu cérebro ardia como se estivesse eletrocutando seus nervos...

Era uma mistura de sensações que a faziam sentir-se tão ruim que ela preferia voltar a desmaiar e só acordar quando tudo passasse. Porém, ao invés disso, ela escutou uma voz, que começou longínqua, e logo depois rebombou em seus ouvidos...

― Hey, você está viva. ― a empolgação na voz dele era tanta que Lyanna achou que ele usaria suas próprias mãos para mata-la ali. Mas tudo o que ela sentiu foram duas mãos ajudarem-na a se sentar, o seu quadril ainda em cima de um colo quente.

― Seja bem vinda, querida.

E ela visou o sorriso estranho dele... mais uma vez...

E apenas num segundo, a mercenária soube que nada fora um sonho, nada fora tão louco que não poderia ter sido verdade, e soube que se chamaria de vampira, soube que não era mais a Lyanna de antes; soube que sua vida mudara.

Mas tudo se esvaiu de sua cabeça quando ela sentiu a garganta formigar. E logo depois incendiar. Queimar como se ela tivesse engolido ácido sulfúrico. Ela consequentemente agarrou os ombros de Beyond, o olhar assustado no dele, franzido.

― Minha garganta... ― ela murmurou com dificuldade. ― Estou com sede.

Muita sede. Por Carnage, muita sede.

― Oh... eu já devia presumir que isso aconteceria. Sabe, eu quase posso sentir esse desconforto novamente quando... hey.

Ela saíra do colo dele, cambaleara, esquecendo da tontura e do suor, agarrando a garrafa de vodka pela metade, esquecendo os copos, virando-a de uma vez.

E virou mais uma vez. Não parou. Sua garganta gelou. Mas quando o álcool esgotou-se, a garganta voltou a queimar, desta vez ainda mais forte...

Ela pigarreou, ajoelhou-se no chão para devolver a garrafa à mesa, tossiu seco.

― Hã, hã... bem, você não achou mesmo que isso se satisfaria, achou? Acalme-se, Ly... basta apenas...

Ele ergueu o pulso à altura do rosto, seus olhos fixos na mercenária, os caninos crescendo e suas veias dilatando na incrível transparência na palidez de seu braço.

E Lyanna apenas pôde sentir o cheiro. Deuses, aquele cheiro nunca lhe parecera bom sinal...

Mas daquela vez era diferente.

Lyanna rastejou, engatinhou como um bebê sedento, os lábios molhados entreabertos, o bafo de álcool desejando. Ajoelhando-se à frente de onde Beyond estava sentado, ela visou o sangue manchar seu pulso, sua veia rasgada do lado de fora. Umedeceu os lábios com a língua.

― Você vai ver que não é tão ruim assim... ― Beyond sussurrou, abrindo-lhe um sorriso que parecia amigável, estendendo o ferimento para ela...

E foi rápido quando os caninos dela cresceram e Silêncio Sangrento – agora ela pensava mais ao fundo sobre aquele nome – fincou sua boca bem ali, chupou como um inseto faz, como um sanguessuga necessita, com tanta vontade que Beyond murmurou um “Ai” minúsculo quando ela lhe mordeu a pele e continuou sugando o que já não mais existia ali...

― Pare agora! ― B exclamou, e empurrou-a. Ela se afastou, arfando baixo, limpando os cantos da boca, sentindo o gosto ferroso...

― Seu sangue... não parece tão amargo quanto o é... ― ela disse num embargo, voltando o olho azul para ele.

A garganta queimava de uma forma sútil agora.

― Porque não é puro, e você sente isso... e ainda sente sede. Sede demais para esperar.

Ele se levantou, puxou-a pelo braço.

― Mas que... como assim?! Onde diabos pensa que está me levando, Beyond?!

― Para o que você precisa. Apenas venha comigo.

E eles saíram do quarto, passaram pelo corredor...

Era óbvio que ela não deveria se deixar levar por ele. Era óbvio que aquilo poderia ser perigoso. Mas àquela altura, o que ela realmente poderia classificar como perigoso? Havia aceitado a proposta de um cara estranho que fora pedir açúcar e se revelara vampiro...

E ela jamais poderia deixar de dizer esse absurdo para si mesma. O seu absurdo.

Mas foi antes de descer as escadarias que Lyanna percebeu que aquilo era mais perigoso do que ela imaginava...

E por algum motivo ela gostava disso.

― É melhor que se segure em mim.

― Por quê?

― Você não vai querer se perder no meio do caminho, vai? São cento e dois quilômetros para uma boa caça...

Foi tanto que ela não conseguira assimila direito, e apenas perguntou:

― Cento e dois quilômetros? Então precisaremos de...

― Exatamente. Das pernas.

Segurando a mão dela fortemente, eles ambos sumiram num faixo de luz...

Correr daquele modo era incrível. As candeias que iluminavam a cidade naquela noite eram apenas tarjas flutuantes de luminância, as pessoas pareciam paradas no tempo, lentas demais, e o vento batia em seu rosto tão fortemente, mas era como se ela já fosse acostumada a isso há um longo tempo, pois seus olhos sequer lacrimejavam... O tempo. Ele passou rápido.

E quando se viram estavam dentro de uma casa. Sim, dentro de uma casa. Haviam entrado pela janela, a janela do segundo andar; ela havia visto tudo perfeitamente, e tudo acontecera numa facilidade e simplicidade tão grande – mais do que levaria como mercenária - que ela se achava extremamente surreal...

Lyanna parou. Observou. Estava tudo escuro... ela ouvia um ronco baixo... e ela se pegou vendo uma menina dormir tranquilamente em sua cama roída por cupins, abraçando um ursinho de pelúcia. Sua visão era estranha, meio esverdeada, mas ela via. Em meio a toda escuridão, ela via. E bem até demais. Assim como Beyond, era claro. Ele dera um passo à frente, murmurara um “faça silêncio, sim?” antes de, com um pedaço de lençol, estrangular a menina. Acontecera tão puramente rápido que Lyanna mal conseguira dizer alguma coisa, e a menina já não roncava mais; apenas respirava baixo e de uma forma falha.

― Eu sei que você é bem sorrateira, portanto há pessoas lá embaixo também. Você farejá-los o bastante para descobrir coisas e consegue ouvi-los, basta se concentrar. Consegue ouvir de seus roncos até os batimentos de seu coração. E é isso o que vai atrair você. ― ele explicou num sussurro, abrindo-lhe um sorriso que não se camuflou dela no escuro. ― Vamos dividir, então... escolha.

― Escolher? ― ela indagou. Teria ela que escolher quem matar? Bem, isso não era lá novidade. Ela observou a garota desmaiada sobre a cama... ela parecia jovem demais. Depois observou seu quarto... era velho, desarrumado... e cheio de bichinhos de pelúcia.

Infantil. Uma criança.

E ela não teve dúvida em sua resposta...

― Eu fico com os dois homens lá embaixo... deixe a menina em paz.

― Tudo bem. Você quem manda. ― fora a resposta de Beyond. ― Agora vá. Você sabe como fazer. É matar ou morrer... bem, não que isso seja novidade pra você.

Ele deu de ombros de um modo amplo. Lyanna dera as costas a ele, sorrindo de canto. Ela queria saciar sua sede. E não se importava nem um pouco com os desconhecidos lá embaixo...

Mas sorrir mais abertamente, isso ela não conseguia. E descobriria o porquê...

Quando Lyanna voltou – terminara seu lanchinho mais cedo, graças a barulhos que ouvia lá em cima – ela entendera mais nitidamente o que se passava... e arregalou seu olho azul com aquilo.

Mais bagunçado que antes o quarto estava. Os móveis estavam literalmente partidos o meio. E os ursinhos de pelúcia... rasgados, as plumas e espumas espalhadas pela cama bagunçada...

― Ora essa, sua... até quando você vai ficar assim, com essa birra... e não tomar o seu banho?! ― a voz de Beyond soava lá dentro do que deveria ser o banheiro. Barulho de água ricocheteando dentro de uma banheira de porcelana, murmúrios que não pareciam ser dele...

E logo tudo silenciou. Beyond saiu do banheiro com a blusa encharcada, as mãos também... pingando água no chão, sacudindo as mãos, ele se voltou à Ly, visou-a sentada na cama da menina, um ursinho de pelúcia na mão e um pedaço de espuma na outra, como se tentasse reconstituir o bicho...

E pensou que, mesmo com todo aquele poder nas mãos, ela era uma criatura igualmente frágil àquela menina. E ele sabia disso desde o começo.

Antes de saírem, B deixou uma carta – um bilhete que ele mesmo havia escrito, sobre a mesa do quarto da menina, debaixo do ursinho de pelúcia que Lyanna antes segurara:

“Papai, mamãe... a vida se tornou insistentemente demais para mim. Eu peço desculpas, mas eu estou partindo. Por que viver uma vida que é pintada com piedade? Por que sonhar um sonho que é contaminado com problemas? Por que incomodar incomodando? Apenas por um poema. Ou por uma carta de suicídio.

O mundo está cheio de poetas. Não precisamos de mais.

O mundo está cheio de cantores. Não precisamos de mais.

O mundo está cheio de amantes. Não precisamos de mais.

Eu amo vocês.”

E assim se fez o pretenso suicídio. E assim eles voltaram para o hotel, Lyanna meio perturbada com tudo o que vira e o que experimentara, que quando se viu estava no quarto de Beyond, sentada na cama, ao lado dele. Eles conversaram sobre sangue e sobre poema, sobre noite e sobre geleia, sobre crianças e sobre adultos...

Beyond deitara sobre um travesseiro macio, segurara uma das mãos dela, brincara de lagarta pintada.

― Você tem unhas bem grandes aí. ― ele comentou.

― Elas podem servir para muitas coisas, se quer saber. Mas por que? Você não gosta?

― Na verdade... ― ele abriu um sorriso pela primeira vez decifrável – beirava ao cinismo – e olhou-a pelo canto dos olhos... ― Eu gosto de uns arranhões nas costas, sabe... é legal.

Ela lembrou de ter rido, de ter brincado mais um pouco com as palavras com ele...

E lembrou de ter um ouvido um “boa noite, minha Ly”, quando a mercenária deitou a cabeça no peito dele, abraçou-o como se ele fosse um ursinho de pelúcia, e dormiu...


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