A Morte tem olhos carmesim escrita por Witches


Capítulo 10
Companheiro indesejado


Notas iniciais do capítulo

Então, para aqueles que acharam que nunca mais teriam notícias do Beyond e Lyanna...
Se enganaram!
Pois estamos de volta, e dessa vez viemos para ficar!! Depois de séculos, as autoras relapsas aqui resolveram voltar ao projeto e levá-lo até o fim :v
Enfim, espero que aproveitem a leitura ♥



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Era um par de olhos desiguais que fitavam-no do outro lado do portão, sem expressão alguma, como era de praxe… como esperado de Nymeria Lindberg, não haveriam perguntas. Beyond sabia muito bem disso, assim como que não encontraria consolo por parte dela. Lady Nym era incapaz de consolar, e não suportaria ser consolada, também. Talvez isso fosse, no entanto, bastante conveniente. Aceitou-o em seu castelo sem fazer perguntas, entabulando uma conversa logo após, como se nada houvesse acontecido.

Na saleta onde costumavam se encontrar, ele pode notar a diferença logo de cara. A um canto havia um amontoado de vestidos velhos e rasgados, embolados para servir de cama para Yullie, a cadela de pelo branco, e seus cinco filhotes. Nym pareceu reparar que o olhar dele demorara-se demais naquele local, pois logo resmungou, na sua voz quase sem entonação:

— Teve crias semana passada… deveria ter me dito que ela estava prenha.

— Ahn… eu não sabia. Mas olha pelo lado bom, eles são bonitinhos, e dão algum trabalho às suas roupas velhas.

— E ganem o dia inteiro. — Ela levou os dedos à testa, franzindo-a suavemente. — O barulho é irritante.

Com aquelas palavras frias, Beyond pensou na probabilidade de Nym tê-los jogado na rua assim que nasceram. O fato de não ter feito tal coisa mostrava que ela não era tão ruim – ou insensível – quanto se pensava.

— Hum… seu marido aceitou isso numa boa? — Não soube exatamente o porquê de ter perguntado isso, talvez porque anteriormente a cachorra dormiria ao lado de Nym na cama. Não que o dito cujo de fato pernoitasse no castelo com frequência, mas pareceria óbvio que em algum momento ele teria de voltar… não é?

— Que marido?

— O seu… você sabe… Alguma-coisa-que-começa-com-A.

— Azin. — Nymeria disse, com uma frieza ainda maior que o normal. Hum… aquilo não parecia bom sinal. Beyond sabia que não deveria perguntar certo tipo de coisa para aquela mulher que praticamente se tornara uma irmã de consideração (meio estranho… veja bem, ele “namorava” com a meia irmã dela). — Ele não era meu marido.

— Mas vocês viviam juntos e dormiam na mesma cama… você disse era?

— Sim, eu disse. — e aquela parte do assunto morreu ali, aparentemente. — Tu vives junto à Ratazana Caolha e dormes com ela, olhando por esse ângulo ambos são casados também. Muito embora, me pareça claro que ela não possa usá-lo como brinquedo sexual.

— Ei, isso foi cruel, irmãzinha. — Beyond protestou, agarrando a bochecha de Nym e apertando entre seus dedos indicador e médio. Ele ouviu o nítido estalo de sua língua, e complementou antes que a mulher o respondesse com alguma de suas habituais grosserias. — Além disso, você não deveria falar assim dela.

— Diz isso como se ela não falasse coisas similares de mim, quando está contigo.

Ah, ela falava… claro, Lyanna era muito menos sutil ao usar suas palavras para descrever Nym. Beyond pensou por alguns segundos, sobre algumas coisas que ele lembrara… sobre coisas que vira na mente de Ly. Ele perguntou-se se tomar partido dizendo o que achava da situação faria alguma diferença. Então achou melhor não se intrometer.

Afinal, ele não poderia voltar para Ly por algum tempo, seria péssimo brigar com Nymeria também. As necessidades de estar com ambas eram totalmente diferentes, mas permanecer com a moça de olhos desiguais era preferível do que vagar sozinho por ai…

Não que ele se sentisse muito só nos últimos dias. Sua companhia apenas não era muito… saudável.

— De qualquer forma você parece um pouco cansada. — Dessa vez, ele passou a brincar com os fios prateados de cabelo que desciam de sua cabeça. Não saberia dizer a razão para achá-los tão interessantes de se mexer. Eles apenas eram lisos, macios e muito confortáveis entre seus dedos.

— Voltei de uma viagem a poucas horas, Dancer cuidou dos cães enquanto eu estava fora. — uma pausa. — Não ouse fazer nenhum tipo de nó.

Beyond que já havia contornado Nymeria e movia seus dedos com a clara intenção de enlaçar os fios dela uns nos outros, engoliu em seco e mudou discretamente suas mãos de lugar, acabando por formar uma trança por toda a extensão do cabelo dela. Ele rapidamente colocou a ponta de sua obra de arte na frente do rosto de Nym e apontou para ela, como quem diz: “viu, você deveria ter mais confiança em mim”. Ato que só fez com que ela erguesse uma sobrancelha.

— Fantástico.

— Não é?

— Absolutamente. — mas ela não parecia estar se referindo a trança. — Lamento não poder ficar mais tempo, creio que teremos de deixar nossa conversa para amanhã.

— Tudo bem, tudo bem.

— Você ainda lembra onde fica o quarto de hóspedes que costuma usar?

Beyond fez que sim com a cabeça. Aquela não era a primeira vez que dormia no castelo dos Lindbergs, enquanto Lyanna estivera fora, fora convidado a fazê-lo mais duas vezes. Na primeira Nymeria parecia com um pé atrás, apesar de tudo. Afinal, Beyond Birthday era um assassino… e Nym era especialista em juntar informações. Ela não saber de tal coisa seria um insulto às suas capacidades.

Como esperado, nada aconteceu no castelo, com ela ou qualquer um de seus criados, na primeira vez.

Na segunda, não houve nenhum tipo de desconfiança.

Era peculiar aquela atitude vinda de Nym, já que ela tinha sérios problemas de paranoia, advindos de inúmeras perseguições e atentados contra sua vida. Mesmo antes de tornar-se a líder dos Lindbergs, ela aprendera a desconfiar… a ter dois olhos nas costas. E a correr. Sua maneira de caminhar refletia isso, passos curtos e ágeis, como se ela estivesse eternamente fugindo de algo.

Se perguntassem a ela o porquê de ter simplesmente aceitado Beyond, independente do que ele costumava fazer em seu passado ou no presente, ele sendo um vampiro ou não… talvez nem mesmo Nymeria fosse capaz de responder. Ela simplesmente o fizera.

— Sim.

— Ótimo… Dancer provavelmente já deve ter levado alguns potes de geleia para lá.

— Ela faria mesmo isso? — Os olhos dele brilharam com a ideia, vários potes de geleia de morango, ele encontrara-os também na segunda noite que dormira lá. Após ser informado que a mocinha adotada alguns anos antes por Nym que os levara, tentara abraçá-la a todo custo. Bem… estranhamente Dancer era menos dada a abraçar desconhecidos do que Nymeria.

— Ela é do tipo que escuta atrás das paredes… — Nym revirou os olhos. — Mas ela estará de saída por hoje. Seria melhor que se arrumasse e partisse de uma vez, antes que eu mude de ideia sobre deixá-la aos cuidados de Angeline por um tempo.

Quase que de imediato, os dois ouviram passinhos apressados deixando o aposento contíguo.

— Vocês todos têm saído bastante, uau!

— Vou fingir ignorar o fato de que tu provavelmente vai passar a maior parte da noite caçando, também.

— Bobagem, eu já tomei minha cota de sangue por hoje.

— Poupe-me dos detalhes sórdidos.

— Além disso, como eu poderia fazer desfeita a um quarto cheio de geleia?

— Nunca se sabe quando pode haver duendes lá dentro.

A reação de Beyond foi encolher-se contra a poltrona na qual havia acabado de se sentar e ficar ainda mais pálido que o seu normal. O que era tão pálido a ponto de parecer um cadáver. E, o pior de tudo, era que ele não estava fingindo nem brincando. — Não diga uma coisa dessas! E se eles roubarem minhas meias? Como acha que vou dormir agora?

— Pensava que vampiros dormiam ao amanhecer.

— Não importa, eles podem me pegar quando estou acordado também!

Nymeria suspirou.

— Não tem duendes no seu quarto. — intimamente, ela estava rindo. Ora… Beyond parecia-se realmente com uma criança em algumas situações. Era engraçado de se ver, até. — Lhe garanto.

— Ah… ainda bem. — ele ficou visivelmente mais aliviado depois daquele comentário. Tome cuidado no seu também, irmãzinha.

— Farei isso. — Nym ergueu-se, deixando a trança escorregar de volta para as suas costas, então observou Beyond por cima do ombro. Ela escondeu educadamente um bocejo, atrás das mãos delicadas. — Faça companhia a Yullie, se quiser. Ela não está muito ativa por conta da amamentação, porém talvez consiga um pouco da atenção dela quando os filhotes dormirem.

— Pode deixar.

Nym viu Beyond fazer um movimento sutil com a mão sobre a cabeça, então endireitou o xale que usava sobre os ombros e deixou o aposento. Seu quarto era um pouco mais distante que o de hóspedes, ela precisava passar por um corredor de pedra com grandes arcos que serviam como janelas, dando-lhe visão do exterior de seus domínios. Ela divisou o vago contorno de Dancer lá em baixo, uma luz suave de lamparina iluminando-a, passando pela ponte para encontrar um comboio que a esperava do outro lado. A Lindberg ficou mais alguns segundos visualizando a garota, para ter certeza que nada de ruim poderia ocorrer com ela naquele pequeno espaço que a separava de Angeline e os que a acompanhavam. Só então retomou seu caminho em direção ao quarto.

Ela realocara Yullie e os filhotes para a saleta porque, independente do fato dela gostar da companhia da cachorra ou achar os bichinhos fofos, os latidos davam-lhe nos nervos. Em compensação, mantivera-os no lugar mais quente do castelo, com exceção dos quartos. A cadela tinha toda a liberdade de ir e vir, estava aquecida, com comida e água a disposição, e ao mesmo tempo Nym conseguia dormir… e os deuses sabiam como ela precisava de descanso naquela noite.

Nymeria atirou-se em sua cama, acomodou-se sob os lençóis e deixou que o cansaço a tomasse.

 

Ela acordou de madrugada, talvez um pouco antes do sol raiar. Por alguma razão que não soube definir muito bem, o coração estava acelerado. Talvez fosse algum tipo de pesadelo, que seu subconsciente apagara assim que abrira os olhos. Nym não se lembrara de ter sonhado, sequer… ou mesmo de ter deixado a porta de seu aposento particular entreaberta.

Ela acalmou sua respiração, seus olhos grudados na porta. Seu cérebro recusava-se a recordar-se do momento que ela entrara no próprio quarto, o que era-lhe bastante incomodo… Nymeria tendia a não demonstrar irritação com frequência, mas aqueles últimos dias estavam sendo um verdadeiro teste para seus nervos. Becos sem saída no caso Lyanna (ela, obviamente, não falara com a irmã bastarda ou Beyond sobre sua intromissão nos problemas dela), ainda desconhecia a pessoa envolvida nos atentados a sua própria vida, Edrik e sua rota misteriosa…

E essas eram apenas algumas das coisas que estava tentando resolver.

Nymeria e sua extensa lista de percalços.

Ela concentrou sua atenção no olho vermelho por um curto período de tempo, provocando nele um brilho diferente, enquanto vasculhava o quarto a procura de algo que não deveria estar lá. Não encontrando nada, a mulher pôs-se de pé, calçando-se e deixando o aposento logo em seguida.

O sono fora embora… e o dia logo nasceria, de qualquer forma. Talvez Beyond não tenha se entediado e saído… ou se fechado no quarto de hóspedes. Nymeria preferiu buscá-lo primeiro na sala, por via das dúvidas. Ela tendia a acreditar que, independente da pessoa, não devia-se sair invadindo seu quarto ou atrapalhando seu descanso, se não houvesse uma razão importante para isso.

É claro, essa pequena regra era restrita às pessoas que gostava.

Os passos ligeiros de Nym levaram-na a sala, ainda iluminada, mas vazia. Nem sinal de Beyond, de Yullie ou… dos filhotes. Ela franziu o cenho e piscou os olhos vagamente, como para ter certeza do que estava vendo.

A ausência de B ou da mãe dos cães não era uma verdadeira surpresa, mas as crias nem haviam aberto seus olhos ainda. Elas não poderiam ter ido muito longe, poderiam?

Sua respiração tornou a ficar irregular e Nymeria deu as costas aos seus vestidos velhos, saindo da sala novamente. Ela abriu a boca para chamar… a cachorra ou Beyond, tanto fazia, mas por algum motivo nenhum som saiu. Passando para o próximo ambiente, achou melhor acender uma lamparina. Haviam poucos lugares iluminados no castelo, principalmente quando poucas pessoas hospedavam-se ali… o que era recorrente. Nym não queria ter nenhuma surpresa caminhando no escuro, e estava começando a ficar com dor de cabeça, usar seu olho vermelho nesse caso seria no mínimo mais doloroso ainda.

Ela suspirou, retornando à saleta apenas para pegar a lamparina e acendê-la. Em poucos segundos, já estava pronta para atravessar qualquer passagem escura daquele castelo. Ou era isso o que imaginava…

Nymeria ficou ainda alguns bons minutos vagando pelo castelo à procura de B e seus cachorros, quando finalmente encontrou-o. Ela havia de fato parado em frente ao cômodo no qual sua banheira ficava, achando ter ouvido um som estranho, algum tipo de coisa pingando. Então, Beyond saíra apressadamente de um corredor, segurando baldes e toalhas, assim como produtos específicos para limpeza.

— Irmãzinha você já acordou…?

— Sim… — o barulho de algo pingando preencheu seus ouvidos. Nym desceu seus olhos desiguais para o que Beyond carregava, e ainda mais para baixo. Ele parecia ter se sujado em algum lugar, porque deixava uma sutil trilha de pingos escuros pelo chão…

Pingos… vermelhos?

Beyond não precisou ver nem mesmo a expressão de Nymeria para ter certeza que ela sabia… ou ao menos desconfiava do que ele tinha feito. Merda… merda, merda, merda… ele apressou-se em direção ao espaço para o banho, tentando de alguma forma bloquear o caminho de Nym, mas ela estava mais perto, e era Nymeria Lindberg.

Ela tornara-se especialista em correr.

— O que foi que tu fi… — e ela abriu a porta.

O cheiro forte de ferro preencheu o olfato de ambos. Estranhamente, a respiração deles parou ao mesmo tempo. Nym ficou parada, os olhos arregalados e a boca entreaberta, uma das mãos segurando firmemente a porta de entrada enquanto a outra subia para a frente de seus lábios.

Uma das expressões mais humana que ela já mostrara na frente dele. Choque, certo pavor, agonia… não que aquilo fosse surpreendente, dada a situação.

A banheira de Nymeria, larga e impecavelmente branca, estava repleta por sangue. Este escorria dos cadáveres de coisas que horas antes certamente seriam cães, mas era difícil ter essa impressão agora, observando-os sem sua pelagem brilhante e pendurados acima do recipiente como se fossem partes de gado em um açougue.

— Eu…

— Limpe isso.

Foi tudo o que ela disse. Nymeria afastou-se do cômodo, pálida, a garganta movendo-se como se ela refreasse a vontade de vomitar. B olhou dela para o horror na banheira, então para ela novamente, mas Nym já havia saído de seu campo de visão.

Havia um nó em seu estômago que não parecia capaz de desatar.

Remorso?

Ele tendia a ter uma compreensão lenta desse tipo de coisa. Afinal, Beyond estava acostumado a matar… desde quando era apenas um humano. Ainda que aquela pequena peça de terror não tivesse sido arquitetada por ele.

Beyond não desejara a morte dos cães, realmente, mas ele deveria simplesmente aceitar aquilo, não devia?

O nó intensificou-se.

Ele não queria deixar Nymeria zangada consigo. Ou triste, ou… decepcionada?

Perdido em pensamentos, ele esticou-se para descer os corpos e começar a limpar…

 

Beyond não demorou para encontrá-la novamente, após deixar o aposento que maculara perfeitamente limpo e levar os corpos aos jardins internos do Castelo, para enterrá-los. Encontrou-a na mesma sala, o rosto afundando no braço de uma das poltronas. Nymeria tinha uma aparência frágil por natureza, uma boneca de porcelana que poderia ser esmagada com facilidade. Seus inimigos descobririam que era mais difícil do que parecia fazê-lo… entretanto, naquele momento específico, Beyond tinha a impressão dela estar frágil internamente tanto quanto era no seu corpo físico.

Uma parte dele sentiu desconforto.

Outra riu de escárnio.

— Está feito, e… eu coloquei os túmulos no seu jardim.

Ela não respondeu de imediato. Sua cabeça demorou um tempo para erguer-se também, e havia uma vermelhidão característica em seus olhos, muito embora a expressão fria que vestira mascarasse qualquer outro indício do que estava passando em seu interior.

— Explique.

Ele poderia explicar… ele tinha todas as palavras na ponta da língua, mas não conseguiu fazer nenhuma delas sair. Por fim, contentou-se em dar de ombros, fitando o chão. Uma criança levando uma bronca… isso pareceu irritar Nymeria. O trincar de seus dentes pode não ter sido audível, mas de alguma forma chegou até ele. Talvez fosse instinto.

— Vá embora… antes que eu…

Nym não terminou a frase, mas estava implícito o que ela queria dizer. Antes que ela o expulsa-se de uma maneira desagradável… como fizera com Lyanna, no mesmo dia em que descobrira que ambas eram irmãs. Ela viu Beyond encolher-se, se afastar e deixar o cômodo, possivelmente abandonando o castelo logo após.

Seus olhos fecharam-se mais uma vez. Nym escondeu o rosto com as mãos, inspirando e expirando, inspirando e expirando… seus dedos abriram-se para que pudesse enxergar através da pele, focando-se mais uma vez na pilha de vestidos surrados. Ela tinha a plena consciência que, se não tirasse aquilo dali, não teria nenhum tipo de paz de espírito. Mesmo que removesse os vestígios de que Yullie um dia existira, aquela agonia faria suas entranhas revirarem do mesmo jeito.

Bem… ela os colocara lá, nada mais justo do que ela própria resolver a situação.

Nym pôs-se de pé, sentindo certa fraqueza nas pernas, e aproximou-se do montinho, agachando-se para recolher os panos. Ela havia tirado o primeiro quando uma movimentação sutil chamou sua atenção. Suas mãos tatearam a pilha até encontrar algo duro por baixo dos tecidos, então retirou os outros para trazer para a superfície um pequeno sobrevivente.

Ele havia herdado o pelo da mãe, totalmente branco, o que ajudara-o certamente a camuflar-se nos vestidos claros que Nym havia cedido. A criaturinha também produzia um ruído muito baixo, quase inaudível, e não latia… provavelmente nascera mudo. Não era uma surpresa que houvesse passado despercebido pelo olhar de Nymeria ou o surto de Beyond. Três dos outros filhotes eram brancos também, os outros dois eram mais escuros. Além disso, não era como a própria dona do castelo reparasse por muito tempo neles. Ela não os atiraria na rua, realmente, mas também não era do tipo que ficava babando e cronometrando cada segundo de vida dos recém-nascidos.

Era muito provável que o cãozinho estivesse escondido desde o momento que B chegara ao castelo. Ou que tivesse rolado e sido soterrado antes da hora fatídica em que os cães foram tirados de sua cama. Nymeria não entendia completamente aquele pequeno milagre, mas aquilo não impediu-a de suspirar aliviada, sentindo-se um pouco… muito pouco, melhor. Ela segurou a pequena criatura nos braços e sentou-se novamente no sofá, questionando-se como deuses cuidaria daquele filhote.

— Creio que terei de comprar algum tipo de leite para dar a ti. Entretanto… não sei se poderei ficar contigo. — ela não sabia porque estava conversando com um cão que nem sequer tivera seus canais auditivos abertos ainda. — Seria perigoso… tu entendes, certo?

Aquele ruído baixo que ele produzia pareceu-lhe bastante com uma resposta.

— É… eu também não sei a razão dele ter feito isso. Desculpe.

Ela não soube bem porque estava se desculpando, também. Não era Nymeria que precisava se desculpar ali. Ela acomodou mais confortavelmente o filhote em seus braços e suspirou de desânimo.

— De que eu deveria lhe chamar…?

 

E ali estava ele, praticamente expulso pela segunda vez em menos de vinte e quatro horas. Beyond decidiu retornar para seu antigo quarto na Estalagem Ordinária, crente de que Lyanna certamente não passaria a noite por ali.

Ele não sabia muito bem o que estava errado consigo mesmo. Não fora sua ideia fazer aquilo com os cães… mas ele também não interferira. Deixara que seu corpo se guiasse por outrem, por aquela parte ainda mais sádica e psicótica do que ele costumava ser. Beyond não se importara. A culpa veio depois, após olhar para os olhos desiguais e perceber o desapontamento.

Mas aquilo poderia ter terminado muito pior…

Isso porque Nymeria seria a próxima. Ele acabou entendendo perfeitamente o plano. Matar os bichos, pegá-la em sua cama, arrastá-la até o local do ato hediondo e… fazer o mesmo com ela. Ele entendeu isso quando seu corpo rumou para o corredor, com o quarto de Nymeria sendo o próximo local a ser visitado. Sua outra mente abriu a porta, adentrou o cômodo e estendeu a mão para agarrá-la pelos cabelos…

Não…

Com Nymeria, não.

Ele tomou o controle quando as garras já estavam roçando nos fios prateados. E antes mesmo que sua presença chegasse aos sentidos alertas dela, Beyond já havia deixado o local, apressando-se em direção aos níveis inferiores… ele precisaria livrar-se dos corpos e do sangue antes que ela acordasse.

Mas ele demorou muito para encontrar os materiais necessários.

Sozinho naquele quarto não muito organizado, ele sentou-se de maneira peculiar, mordendo o polegar de maneira insistente. Beyond não sabia o que a intromissão de Lyanna havia causado dentro dele, mas… aquilo não era bom.

Aquilo era pior do que o assassino serial killer que ele fora e o maníaco que ele tornara-se, dia após dia.

O dia da morte estava chegando para todos eles… ninguém estava seguro.


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