Realidade Imaginária escrita por Duda Mockingjay


Capítulo 46
Uma oferta tentadora... para uma não leitora!


Notas iniciais do capítulo

Hey jujubas!! Quem é vivo sempre aparece!!
Como vcs estão de quarentena? Eu estou focada na fic tentando escrever o máximo de caps que puder pra vcs ♥
Além de ta escrevendo outras fics tbm que logo logo serão postadas viu!
Sem mais delongas,
Let's go!



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— Estamos na Austrália. Especificamente sobre Uluru: O monólito do azar!

 

 

Uluru, Austrália – 17:36

— Não poderia ter um nome um pouco mais... amistoso? – Leo murmurou, cansado, ainda deitado sobre o solo arenoso.

Encarei a paisagem quase desértica. Os efeitos da viagem já ficavam mais fracos nos outros que também se erguiam para analisar o ambiente. O sol era forte apesar de estar perto de se pôr, dando à grande rocha a meus pés um tom avermelhado como sangue. Espantei os pensamentos mórbidos, divagando se esse era o motivo para o apelido tão agourento do monólito.

— Na verdade ele é mais conhecido apenas como monte Uluru. O azar é apenas se você levar um pedaço dele para casa. – Piper falou com um sorriso como se lesse meus pensamentos. – Ou ao menos é o que o povo aborígene que vive na região diz. Provavelmente para que ninguém macule a rocha já que ela é sagrada para os indígenas daqui. Quando vim com meu pai há alguns anos eu tentei levar um pedaço como suvenir, mas o guia informou que vários dos turistas que levaram um pedaço devolveram dias depois informando que traziam azar.

Encarei o solo vermelho com cautela redobrada enquanto Leo saltou do chão como se tivesse levado um choque, fazendo todos rirem. Senti Nico se aproximar, rodeando minha cintura com os braços e me puxando para perto. Suspirei involuntariamente com o contato.

— Com a nossa sorte uma hora ou outra iríamos parar no monólito do azar. – Nico comentou com a cabeça sobre a minha. – Mas e agora?

— Nico di Angelo fazendo piada! – Leo arregalou os olhos, a mão sobre o peito teatralmente. – O que o amor faz com uma pessoa....

Ouvi Nico bufar e segurei a risada, meus olhos desviando para Annie que já abria o laptop e digitava freneticamente, as sobrancelhas franzidas em concentração.

— Mas além da fama de dar azar o Uluru também é conhecido pela mudança de cor que acontece durante o dia por causa dos minerais na rocha. – Piper informou e se calou por um tempo, refletindo. – Se não me engano o próximo trecho da profecia diz....

E o Herói Perdido entre as cores da rocha se se encontrará. – Annie recitou com um sorriso surgindo nos lábios secos. – Exato, Piper. A próxima etapa da missão deve ter relação com essa variação de cor do monte Uluru e pelo que pesquisei a rocha permanece vermelho-sangue até o pôr do sol quando passa a ter tons de violeta devido à baixa incidência de luz.

— Bem, estamos prestes a descobrir. – Jason informou apontando para o horizonte onde o sol acabava de ser pôr completamente.

Alguns segundos se passaram, um silêncio apreensivo inundando o ambiente. Então um brilho tímido iluminou a rocha, de início tão claro que mal passava de um lampejo até crescer e tomar todo o monólito com uma luz violeta. Como se o pôr de sol de segundos atrás tivesse tomado a rocha vermelha e roubado sua cor. Era uma visão bela e impressionante! Mas minha admiração durou pouco pois quando o tom violeta desceu do topo da rocha e atingiu o solo, deixando todo o monte brilhando, um símbolo surgiu no ar a poucos metros de nós.

Um raio.

Todos os olhares se voltaram para Jason, mas eu apenas suspirei, percebendo o que deveria ter sido óbvio para mim desde o início.

— Mas é claro! – Encarei o símbolo novamente pinçando o nariz com a ponta dos dedos. – O Herói Perdido. Como não percebi antes?

— O que? – Nico se afastou apenas o suficiente para me encarar nos olhos, confuso. – O que você deveria ter percebido antes?

— No livro O Herói Perdido é onde o Jason aparece pela primeira vez. O livro é focado basicamente nele. Ele é o Herói Perdido do título, na missão não seria diferente.

Mal terminei de falar quando o símbolo de Júpiter explodiu em luz e caiu sobre o solo violeta como uma chuva azul. Em vez de sumir os resquícios de brilho azul se uniram no solo e dispararam pela rocha passando por nossos pés e seguindo para a beirada do monte como uma serpente fluorescente. Jason seguiu a luz sendo seguido por nós. Cheguei na beirada da rocha no exato momento que a luz sumiu pela lateral, dentro de uma caverna escavada no próprio monólito.

Todos ficaram em silêncio enquanto Jason se erguia lançando sua moeda dourada no ar. Uma lança dourada e afiada surgiu no lugar e ele encarou a todos com ar solene, os olhos pousando enfim em Piper com carinho. A filha de Afrodite não se importou com nada ao redor e correu em direção ao namorado, se lançando nos braços dele e beijando seus lábios com paixão e necessidade.

— Volte para mim, ok? – Ela falou baixinho, os olhos encarando os de Jason com determinação.

— Sempre. – Ele sussurrou de volta com um sorriso sincero e a abraçou mais uma vez.

Senti um arrepio me percorrer lembrando de Nico entrando naquela caverna escura sem saber quando ou como sairia de lá. Lembrei de meu coração angustiado e me perguntei se Piper estaria sentindo o mesmo naquele momento. Nico pareceu saber o que se passava na minha cabeça pois se aproximou passando as mãos quentes por meus braços com carinho.

— Então, me desejem sorte. – Jason falou com um sorriso corajoso.

Todos murmuraram um ‘boa sorte’ enquanto Jason prendia a lança na lateral do monte e descia calmamente, os pés se prendendo nas reentrâncias da rocha com habilidade enquanto prendia a lança a medida que avançava. Em poucos minutos ele sumiu na caverna com um último olhar para cima, provavelmente para a Piper ansiosa que deixou para trás.

P.O.V. Jason

Meus pés tocaram o solo arenoso da caverna com um baque suave. Minha respiração estava acelerada pela descida e pelo calor infernal. Transformei a lança em moeda novamente encarando a escuridão a frente, tão sinistra quanto um portal para o mundo inferior. Um arrepio percorreu minha espinha. Apesar de já ter enfrentado tanto, aquela missão parecia diferente, mais mortal que todas as outras principalmente por estarem enfrentando alguém completamente desconhecido e eu chegava a temer, imaginando se seria aquele o desafio final para mim. Então um sorriso despontou em minha mente e olhos castanhos tão amorosos que faziam meu coração palpitar.

Piper.

Era por ela que eu lutava e havia jurado que voltaria. E eu nunca, nunca quebrava uma promessa feita para minha garota. Encarei a moeda dourada, girando-a entre os dedos, e lancei no ar. A espada que voltou para minha mão acomodou-se de forma familiar em minha palma e ergui os olhos para o breu a frente.

Um passo.

Por meus amigos.

Dois passos.

Por Piper.

Três passos.

Pelo mundo.

Eu enfrentaria qualquer desafio por eles. Por ela.

Então me perdi na escuridão desconhecida.

P.O.V Duda

Fazia mais de meia hora que Jason sumira pela caverna e exatamente o mesmo tempo que Piper caminhava sem parar enquanto murmurava em francês, mesmo depois de vários avisos que fazer um buraco em um monólito do azar não ia ajudar em nada. Todos os outros estavam jogados pelo solo poeirento, ainda exaustos da luta nas cataratas. Leo estava praticamente dormindo, a cabeça repousada no chão e os cabelos castanhos manchados de vermelho. Anne e Percy conversavam baixinho, as vezes rindo e as vezes se beijando. Eu ainda me encantava com o relacionamento deles, a química, o amor. Meus lábios se curvaram em um sorriso, feliz pelo meu irmão e por aquele momento de paz em meio a tempestade desastrosa que era a missão. Senti dedos delicados subindo pela minha coluna, acariciando, explorando e me fazendo suspirar.

— Uma dracma pelos seus pensamentos. – Nico sussurrou em meu ouvido, seu corpo tão próximo ao meu que fazia meu coração palpitar.

— Apenas admirando o casal modelo. – Inclinei a cabeça na direção de Percy e Annie que agora admiravam as estrelas, Annie apontando uma constelação que Percy tentava desvendar. – Tanta alegria, tanta paz apesar de terem passado por duas guerras e agora estarem metidos até o pescoço nessa missão infernal. Não entendo....

— Eu sim. – Nico falou em um suspiro, a voz tão suave que me fez encarar seu rosto. Ele sorriu, um sorriso brilhante e cheio de dentes. – A paz, a alegria.... eu vi Percy procurar por isso, lutar por isso a cada missão, cada Guerra. Então ele descobriu que era a Annie, esse era o segredo. A paz, a alegria, o amor, tudo era ela. Contanto que ela estivesse ali, ao lado dele, ele teria tudo. Não importavam as guerras, nem o próprio Tártaro conseguiu destruir a bondade e a felicidade dele porque ela estava lá.

Eu sentia minha respiração presa na garganta a cada palavra do filho de Hades, seus olhos tão intensos sobre mim que faziam minha pele queimar. Eu estava derretendo e suas mãos em meu corpo eram a única coisa que me mantinha inteira. Ele ergueu uma das mãos lentamente, os dedos fazendo cócegas em meu braço, a palma chegando em minha bochecha e erguendo meu queixo.

— E eu acho... acho que agora entendo – Ele falou tão baixo como se contasse um segredo apenas para mim, como se quisesse que as palavras inundassem meu corpo e ficassem gravadas no meu coração como uma tatuagem. – Porque você... você é a minha paz.

E eu agradeci a todos os deuses por estar sentada, por meus joelhos tremidos estarem sob meu corpo, pela poeira fina que entrava em meus olhos e disfarçava as lágrimas que ardiam em meus olhos pelas palavras do garoto a minha frente. Senti meus dentes mordendo os lábios, controlando o tremor, e meu coração acelerar como se eu tivesse corrido uma maratona. Nico sorriu, os olhos negros brilhando como se houvessem roubado uma parte das estrelas acima de nós. Ele se aproximou tão lentamente como se quisesse me desafiar, me provocar, me deixar no limite. Ele não entendia que, em relação a ele, eu já vivia no limite. E eu estava totalmente pronta para puxa-lo pelo colarinho daquela camisa preta e tirar aquele sorriso presunçoso dos seus lábios com os meus até algo chamar minha atenção. De início era apenas um som tão distante que pensei estar imaginado coisas. Então o som se aproximou e logo pude discernir: bater de asas. Asas enormes. O sorriso de Nico sumiu de repente quando seus olhos encararam o horizonte às minhas costas, as sobrancelhas negras franzidas. Senti meu corpo vibrar e antes de virar para encarar o que todos agora observavam um simples e tenebroso pensamento veio a minha mente, diante de toda a calmaria que nos rodeava até aquele momento.

Onde estavam os monstros?

Ou melhor, onde estava o portal infernal que nos perseguiu em cada ponto da missão?

E quando virei em direção ao som estrondoso que se elevava percebi que a resposta de minha pergunta caiu de paraquedas em meu colo. Me ergui em um salto quando uma legião de monstros surgiu em meu campo de visão. Eram tantos que o céu estrelado parecia ter sido coberto por uma camada de piche, uma negritude que engolia as estrelas como um buraco negro. E se aproximava cada vez mais.

— Harpias. – Percy rugiu já tirando a caneta do bolso, os olhos verdes escuros e ferozes.

— Acho que essas não vieram para limpar nossa bagunça... – Leo comentou ironicamente, mas não havia diversão em seus olhos. Ele limpava a poeira dos cabelos rebeldes enquanto mantinha uma mão sobre o cinto, pronto para tirar uma arma dali a qualquer momento.

Meu coração se apertava contra as costelas, meus dentes trincados. Eram muitos, muitos mais do que os que enfrentamos na Itália ou no Brasil. O outro problema: não sabia onde estava o portal. Eu não tinha dúvidas de que havia um em algum lugar por ali, com certeza era para onde as harpias voavam, mas se elas nos vissem e descessem para a batalha eu nunca descobriria onde estava o portal. E eu começava a perceber que cada parte da missão, cada local que parávamos, tinha esse propósito: destruir o portal.

— Fiquem todos em posição. – Percy gritou para nós. Apenas dez metros nos separavam do batalhão aéreo. – Precisamos mantê-las ocupadas enquanto Jason volta, depois seguimos para o próximo local da missão.

— Não, elas não podem nos ver. – Murmurei comigo mesma encarando o céu sem tocar em minha pulseira. Vi Nico me encarar em confusão, a espada negra pronta para o ataque. – Precisam seguir para o portal.

— Swam o que você tá fazendo? – Nico vociferou, me encarando alarmado e preocupado. – Precisa pegar suas armas, agora!

E mesmo enquanto eu tirava a pulseira, deslocando o tridente e vendo-o se transformar em minha espada prateada continuava recitando as palavras como um mantra. Elas não podem nos ver, eu pensava, precisam ir pro portal. Cinco metros nos separavam. As palavras ainda enchiam minha boca como uma oração para qualquer deus que pudesse me ouvir. Tudo bem, pedir que nenhuma delas nos visse era demais, mas eu precisava que ao menos alguma delas seguisse em frente, direto para o portal. Ao menos uma delas, murmurei com convicção no momento que transformei minha pulseira em escudo.

E o inferno chegou à terra.

O som de asas se misturou ao grito agudo das harpias que agora desciam rasante em nossa direção. Senti os dedos de Nico acariciando meu braço uma última vez antes de um dos monstros parar em nossa frente e ser destruído em segundos pela espada de Nico que atravessou seu corpo com facilidade. Pó negro impregnou meu rosto enquanto mais harpias desciam sobre o monólito. Mantive minhas costas coladas às de Nico enquanto minha espada cantava sobre corpos e mais corpos, destroçando asas ou decepando cabeças. Eu e Nico parecíamos dançar uma coreografia só nossa, como se tivéssemos nascido para aquilo. Senti a mochila em minhas costas se mexer e suspirei aliviada ao ouvir um ganido baixo, provavelmente Nico enfiara Totó ali por segurança e eu agradeceria a ele mais tarde.

De relance vi Leo e seu martelo dourado abrindo caminho por entre um aglomerado de monstros que pulava sobre ele. Piper cortava harpias com katropis com uma habilidade invejável, desviando de ataques com facilidade. Percy e Annie também lutavam com as costas coladas, os movimentos tão sincronizados e mortais que os monstros não tinham nenhuma chance de escapatória. Mas todos se cansariam em algum momento pois as harpias não paravam de chegar. Apesar de tentar manter a concentração na luta desviei os olhos ao perceber uma das harpias seguindo para a lateral do monólito, como se houvesse algo bem mais importante que a batalha.

Ela chamaria reforços. E só havia uma forma de fazer isso.

— Swan! – Nico gritou meu nome apesar de eu estar bem ao seu lado e logo entendi porque. As garras de uma das harpias estavam a centímetros do meu rosto no momento que rolei no chão e Nico enfiou sua espada pela cabeça da criatura. Pó negro cobriu o rosto e cabelo do filho de Hades que me encarou furioso, me puxando do chão com um simples movimento. – Se concentra! Onde você tava com a cabeça, cisne?

— Eu... – Ergui os olhos ao ver a harpia desertora sumir atrás do monólito. Encarei Nico. – Preciso sair da batalha e encontrar o portal.

— Que portal? – Nico questionou confuso enquanto destruía uma harpia que surgiu as minhas costas. Então seus olhos pareceram se iluminar. – Oh, o portal. Tem certeza que há algum aqui?

— Bem, não pode ser coincidência que havia uma em cada local que paramos. – Comentei cética, uma sobrancelha erguida no momento que decepei o monstro que estava prestes a atacar Nico. – E não pode ser coincidência que uma das harpias sumiu por trás do monólito há poucos segundos. 

Nico parecia lutar consigo mesmo enquanto enfrentava mais duas harpias. Quando matei uma delas e Nico, a outra, ele me encarou com um suspiro e entrelaçou os dedos nos meus por segundos.

— Apenas se cuide, ok?

Acenei uma afirmação quando desenlacei nossas mãos e sorri com mais confiança do que eu realmente sentia.

— Eu sempre vou voltar para você. – Pisquei já me afastando e vendo os olhos de Nico brilharem apesar da poeira que rodeava a batalha. – Sempre.

— E para sempre. – Ouvi sua voz no momento que me virei e corri por entre os monstros fazendo uma oração silenciosa para que meus amigos saíssem são e salvos daquela carnificina.

Depois de matar meia dúzia de monstros que se cruzaram meu caminho cheguei à lateral do monólito, a mesma por onde a harpia desertora havia sumido. Cerrei os olhos analisando a rocha maciça em busca de algum sinal até perceber no canto a minha direta, aproximadamente seis metros de onde eu estava, a entrada de uma caverna. E uma luz dourada era cuspida para fora como um dragão soltando fogo. Sorri e saltei prendendo minha espada na lateral da rocha e escorregando, a arma deixando um sulco irregular no arenito vermelho. Não tinha tempo para escalar como Jason fizera, aquela harpia provavelmente já conseguira reforços e eu não podia deixá-los sair daquela caverna. Acelerei ainda mais, forçando meu corpo para baixo até chegar ao lado da entrada da caverna. Enfiei os pés na rocha, freando bruscamente a descida e sentindo meus tênis queimarem, e saltei para o lado me equilibrando precariamente na boca da caverna. Minha respiração falhava, suor escorria por minha testa, mas forcei minhas pernas a prosseguirem. A caverna era funda e a luz dourada iluminava-a como um sol. Depois de alguns passos sofridos ouvi sons alguns metros a frente e me escondi atrás de uma rocha no momento que a harpia saía do portal dourado com dois manticores a tira colo. Respirei fundo, firmando a espada e o escudo nas mãos.

Minha única chance era um ataque surpresa.

Sem perder mais tempo saltei da rocha rolando sobre um dos manticores e enfiando minha espada contra seu tronco peludo com um único golpe. Ele sumiu em pó no meio de um rugido. Me ergui em um salto no momento que o segundo manticore pulou em minha direção, suas garras raspando em meu braço quando me desviei para o lado. Senti uma das asas da harpia acerta minhas costelas e perdi o ar por segundos, meus joelhos ralando contra o chão. E eu parei encolhida na terra arenosa, recuperando o ar dos pulmões, um ato que a harpia tomou como desistência. Senti mais do que vi ela voar em minha direção, as garras a frente prestes a cortar minha cabeça. Rolei no último segundo, suas garras arranhando meu escudo, e chutei seu torso com toda a força. Ela rolou no chão guinchando e logo saltei sobre ela, minha espada cortando seu corpo ao meio. Menos uma. Me virei a tempo de ver o manticore restante correr contra mim. Furioso ele saltou e eu estava totalmente pronta. Minha espada refletia a luz dourada e meus dedos coçavam para que ela atravessasse o corpo da criatura. Mas, em um piscar de olhos, o monstro sumiu em pleno ar, seu corpo enorme virando pó como uma explosão espontânea. Pisquei atordoada até perceber uma sombra onde antes o monstro estava. Negra e tão espessa que poderia se materializar a qualquer momento. E uma risada ecoou.

— Impressionante, Língua Encantada. – A voz era arranhada, como se não fosse usada a um bom tempo, e tão antiga que fazia meus pelos arrepiarem. Acima de tudo era familiar, uma voz saída de um pesadelo. – Sabia que você seria um espetáculo a ser aplaudido de pé.

— Que bom que sou um divertimento para você – Cuspi as palavras com um grunhido irado, erguendo a espada contra a sombra que parecia aumentar, circundando o local como uma serpente de fumaça. – Agora porque você não se revela de vez ao invés de ficar se escondendo atrás de sombras?

— E acabar com a diversão, essa sensação mortal de mistério? – Ele riu debochado, rodeando meu corpo e causando calafrios em minha espinha. – Um pouco de suspense não faz mal a ninguém, senhorita Swan.

— Poderia ao menos revelar seu nome. – Murmurei indiferente, tentando manter minha expressão o mais neutra possível apesar de ódio e medo fervilharem dentro de mim. – Você sabe o meu e é bem irritante chama-lo apenas de Sombra Maligna.

— Nomes são fonte de poder, pequena semideusa. – Ele chiou se enroscando em meu braço. Desviei em um salto, minha espada cortando a sombra ao meio, mas sem causar nenhum dano. A sombra negra apenas se regenerou e continuou a vagar pela caverna. – De qualquer forma vim aqui apenas fazer uma oferta.

— O que? – Suspirei exasperada.

— Apesar do que dizem sou uma criatura muito generosa. – Ele se vangloriou, a voz sinistra ecoando na caverna. – É simples. Se você me seguir por aquele portal e jurar lealdade a mim não ferirei nenhum de seus preciosos amigos. Juro pelo caos primevo que deixá-los-ei vivos contanto que você me sirva.

Um silêncio pesado se instalou por segundos como um bloco de concreto entre nós.

— Uma oferta tentadora. – Falei finalmente como se pesasse minhas opções, apesar de ter feito minha escolha em apenas um segundo. Mesmo sabendo que um sacrifício pelos meus amigos era algo quase inevitável naquela missão, eu já lera livros demais para saber que um acordo daqueles com o vilão era pedir para ser enganada. Não, eu estava pronta para me sacrificar, mas no tempo certo e do meu jeito. Ergui os olhos para a sombra com um leve sorriso. – É uma pena que terei de declinar.

— Realmente uma lástima. – A sombra concordou, a voz com uma tristeza fingida. – Mas não posso negar que será muito mais divertido força-la a me servir quando tiver a cabeça de Percy Jackson em minhas mãos. Ou, quem sabe, a de Nico di Angelo.

Rugi em resposta, o ódio tomando conta do meu corpo e me fazendo queimar. Ergui a espada contra a sombra mais uma vez, cortando e lutando apesar de ser inútil. O mestre ria, se deliciando com minhas tentativas falhas.

— Foi um prazer revê-la. – Ele murmurou como se saudasse um belho amigo. Rangi os dentes, imponente enquanto via a sombra flutuar de volta para o portal. – Espero ansioso pela sua próxima, e última, visita, Língua Encantada.

Não esperei a sombra sumir por completo ao encarar meu anel de íbis e o poder tomar conta de meu corpo com todas as outras vezes com uma pequena diferença: uma parte minha ainda estava no comando de minhas ações, como se meu corpo começasse a entrar em sintonia com aquele poder estranho e sobrenatural. Senti minha pele queimar e pude ver um brilho dourado circundar meu corpo quando ergui a mão e minha voz soou amplificada na caverna.

— TADMIR!

O portal explodiu em fagulhas douradas como fogos de artifício e tarde demais percebi que estava extremamente próxima. Ergui o escudo no último segundo, o poder avassalador me jogando para a entrada da caverna como se eu não passasse de poeira. Senti o chão sob meus pés sumir de repente, meu corpo já em queda livre pela lateral do monólito. Finquei a espada na rocha, usando meus tênis já desgastados para frear o máximo possível e suspirei aliviada quando meu corpo parou com um tranco brusco. O vento frio e forte fez meu corpo balançar como uma bandeira em um mastro. Respirei fundo tentando acalmar meus batimentos, os músculos dos braços já doloridos de suspenderem meu peso. Eu não sabia como voltar para o topo do monólito e já sentia meus dedos suados e escorregadios contra o cabo da espada quando algo se desenrolou ao meu lado e um chamado soou de cima.

— Duda! – Leo gritava e percebi a corda que ele lançara em minha direção.

Suspirei aliviada e forcei meus braços a cooperarem quando prendi uma mão na corda e perigosamente lancei o escudo fazendo-o se transformar novamente na pulseira assim como a espada voltando a ser o tridente. Eu ficaria desprotegida, sem armas, mas era o preço para conseguir escalar de volta à batalha que, pelos sonos de espadas e gritos ao longe, ainda se desenrolava. Estava tão cansada que sentia meu corpo querendo falhar. Rangi os dentes e me forcei para cima. Apenas mais alguns metros, pensei enquanto meus pés faziam areia se soltar abaixo. Expirei audivelmente quando percebi que a borda estava a um braço de distância, mas quando apoiei os dedos senti garras fincadas nas articulações. A dor fez minha cabeça girar e distingui vagamente uma harpia sobre mim, gritando e pronta para fechar os dentes contra minha cabeça. Tentei forçar meu corpo a desviar para o lado, mas a dor e a exaustão acabaram com todas as conexões entre meu cérebro e o resto dos membros. Eu estava irada principalmente pela forma estúpida que eu morreria e tentava gritar para qualquer um, mas até minha voz sumira. Eu já conseguia sentir o bafo da criatura contra meu rosto quando sua cabeça se soltou do resto do corpo caindo pela lateral do monólito e não me acertando por pouco.

— Timing perfeito. – Murmurei rouca quando a cabeleira negra e espessa surgiu por trás do corpo sem cabeça da harpia. – Só lamento pelos meus dedos destroçados.

E quando meus dedos perderam as forças restantes senti as mãos de Nico se prenderem em meu pulso me içando com facilidade. Ele firmou meu corpo quando meus pés tocaram o solo e meus joelhos falharam por segundos. Seus dedos calejados arranhando meu ombro enquanto seus olhos desciam por meu corpo em busca de ferimentos. Revirei os olhos.

— Anjo estou bem. Tirando os dedos, estou perfeita – Ele desceu os dedos por meu braço passando pelo arranhão que o manticore fizera na caverna, me fazendo chiar de dor. Ele ergueu uma sobrancelha cético e eu ri desconcertada. – Os dedos e esse pequeno arranhão.

— Pequeno? – Ele indicou meu braço que sangrava sem parar e eu só percebera que ardia naquele momento, provavelmente devido a adrenalina. Nico revirou os olhos colocando uma folha de ambrosia em minha língua. – Se continuar subestimando seus ferimentos vai acabar perdendo um braço sem perceber.

Bufei pelo nariz e mordi levemente o dedo de Nico que me encarou com espanto verdadeiro, uma expressão que nunca o vira expressar. Poderia rir se uma harpia não tivesse surgido às costas deles de repente e antes que eu gritasse Nico girou com a espada, transpassando-a pelo corpo do monstro.

— Pelos deuses, fica aqui até a ambrosia fazer efeito. – Nico suplicou, os cabelos suados grudando na testa e seus olhos firmes contra os meus até que eu acenasse em concordância.

Ele suspirou aliviado e correu de volta para a batalha cortando dois monstros no caminho com uma precisão impressionante. Suspirei involuntariamente àquela visão, preocupação e desejo se misturando em meu peito. Olhei ao redor enquanto sentia a ambrosia fazer sua mágica. Meus amigos conseguiram acabar com metade dos monstros, mas muitos ainda continuavam de pé. A exaustão já era visível no movimento dos semideuses, golpes desleixados e movimentação mais lenta. E enquanto analisava a batalha, suplicando para que Jason reaparecesse logo, uma harpia se deslocou em minha direção antes que qualquer um de meus amigos pudesse perceber. O ferimento em meu braço já se curara completamente, mas meus dedos continuavam feridos e um simples movimento do polegar fez uma dor excruciante disparar por meu braço. Pegar a espada era inviável. Desviei do golpe da harpia por centímetros, rolando desajeitadamente no chão e ouvindo Totó grunhir em resposta na mochila ainda às minhas costas. Me ergui vendo mais duas harpias surgirem atrás da primeira me analisando como um almoço delicioso. Tentei me afastar até sentir o chão sumir em meu calcanhar, eu chegara ao limite do monólito. Me equilibrei lembrando do livro em minha bolsa e de como ele me salvara na missão da Grécia. Se ao menos eu pudesse ler, pensei amedrontada, se ao menos pudesse trazer o cão de Barskeville de novo...

Senti o movimento em meus dedos voltarem aos poucos, mas não rápido o suficiente. Era tarde demais. Rangendo os dentes cerrei o punho com dificuldade, pronta para lutar até a morte. Quando a primeira harpia investiu contra mim firmei os pés, os músculos tensos, e... um vulto saltou sobre ela no último segundo. Os dois rolaram no chão e o vulto negro destroçou o monstro brutalmente em questão de minutos. Meus olhos estavam arregalados quando o vulto se tornou mais visível por entre as asas da harpia. Primeiro o corpo peludo e enorme, patas longas e um rabo frenético. Então ele ergueu a cabeça encarando meus olhos com os dentes pontiagudos a mostra, sangue negro pingando junto com a saliva. Seus olhos negros me reconheceram de imediato, aliviando a expressão de fúria, e não contive o sorriso.

— Barsky!

O cão de Barskeville me saudou com um abano rápido do rabo, a língua para fora como se não passasse de um cão doméstico... com três metros de altura e um extinto assassino. Logo o cão encarou as duas harpias restantes ainda me encurralando e rosnou ensandecido. Ele saltou sobre uma delas, a boca enorme arrancando parte da asa ou que fez a criatura gritar. A harpia restante estava prestes a saltar sobre as costas descobertas de Barsky quando senti meus dedos se curarem por completo. Sem perder tempo transformei o pequeno tridente da pulseira em minha espada e ataquei as costas do monstro, rasgando seu corpo ao meio, enchendo de pó negro o pelo do cão. Barsky arrancou a cabeça de sua harpia com um latido furioso e logo depois se sentou me encarando com uma expressão tranquila amável, como se aquele não passasse de um dia comum no parque.

— Amigão, você não sabe como estou feliz em vê-lo! – Acariciei a cabeçorra dele que apenas abanou o rabo peludo, tombando a cabeça de lado. Ergui os olhos para a batalha, apertando a espada com as forças renovadas. – Vamos lá, ainda temos muito trabalho a fazer.

Com um uivo arrepiante Barsky me seguiu em direção ao coração da luta. Apesar de ainda estar exausta combati com todas as forças que me sobravam sendo amparada pelo cão quando deixava alguma harpia escapar por descuido. Pude ver Percy me encarar surpreso, principalmente ao perceber meu novo companheiro de luta enquanto Annie sorria exasperada ao reconhecer o cão que destruía as harpias com uma facilidade aterrorizante. A batalha pareceu se estender por vários minutos até o grito de Piper me chamar atenção. Ergui os olhos me preparando para ver a filha de Afrodite feriada ou pior, até entender que ela gritava um nome.

Jason.

O filho de Júpiter surgiu pela lateral do monólito parecendo cansado, a respiração acelerada. Piper destruiu um monstro que já se dirigia em direção ao seu namorado e logo se ajoelhou ao lado dele, murmurando algo e o abraçando rapidamente em seguida. Apesar de estar feliz pela volta de Jason são e salvo senti um alívio maior me dominar quando percebi o que ele tinha em mãos: um livro. Ele conseguira. O loiro se ergueu, ignorando a exaustão e transformou a lança em suas mãos em uma espada dourada, entrando na batalha ferozmente. Eu já estava esgotada quando vi o último monstro ser morto pelo martelo dourado de Leo. Um silêncio absoluto tomou o lugar e eu apenas caí ajoelhada, a dor sendo ignorando pelos meus membros dormentes. Alguns arranhões simples e marcas roxas já enchiam meu corpo, mas eu apenas ri satisfeita por estar viva. Ouvi Totó choramingar às minhas costas e o libertei da mochila fazendo o cãozinho correr e pular em meu colo, lambendo meu rosto como se me parabenizasse.

— Tudo bem garoto. – Murmurei, a voz rouca e seca. – Obrigada.

Senti um movimento ao meu lado e logo vi Barsky se sentar encostando a cabeça em meu ombro, o rabo balançando freneticamente enquanto eu percebia alguns ferimentos superficiais em seu tronco e focinho. Ele apenas lambeu minha bochecha, um bafo de sangue impregnando meu nariz.

— Você também foi ótimo Barsky. – Ergui os lábios em um sorriso simples e cocei o queixo do cão monstruoso com carinho. – Obrigada.

Barsky apenas grunhiu satisfeito até erguer as orelhas pontudas de repente e rosnar para alguém que surgia a minha frente. Ergui os olhos ao ver meu grupo de amigos reunido a minha frente encarando o cão ao meu lado com certo temor. Alisei o pelo de Barsky.

— Eles são amigos. Não ataque. – Ordenei e o cão apenas continuou sentando como um guarda costas, escondendo os dentes novamente.

Percy foi o primeiro a se aproximar me abraçando forte. Logo em seguida Nico se pôs ao meu lado entrelaçando nossos dedos como se nunca mais fosse soltar e me erguendo delicadamente.

— Tá tudo bem? Vi você saindo no meio da batalha. – Percy questionou, seus olhos verdes me encarando com preocupação, suas mãos acariciando meu rosto que eu não duvidava estar cheio de ferimentos. - O que houve?

— Tive de seguir uma das harpias que me levou direito ao portal dourado. – Expliquei aceitando a ambrosia que ele me oferecia e sentindo o gosto de banana split descer por minha garganta. – Tinha que o destruir para que ela não chamasse reforços.

— Realmente aquele exército já era grande o suficiente – Piper comentou, a voz cansada, mas a expressão aliviada por estar ao lado do namorado. Ela também tinha ferimentos que começavam a cicatrizar, mas sorria bobamente encostada contra Jason que apenas a abraçava de lado como se a distância entre eles fosse insuportável.

— E não sei se teríamos conseguido sem essa ajuda extra. – Annie falou, os braços cruzados e a sobrancelha erguida na direção de Barsky que apenas inclinou a cabeça como se tentasse entender a conversa. – Acredito que esse seja o famoso cão dos Barskeville. Você o leu pra fora do livro?

— Na verdade, não. – Confessei, lembrando agora o que realmente aconteceu no calor da batalha. – Eu o li na missão da Grécia para que ele me ajudasse com alguns monstros, mas voltei-o para o livro logo em seguida. Dessa vez eu apenas pensei que seria de grande ajuda se ele aparecesse de novo, mas não deu tempo de pegar o livro para lê-lo para fora novamente. Eu apenas pensei....

— Interessante. – Annie encarou o cão negro com a mão sobre o queixo como se o estudasse. – Então você consegue trazer de volta personagens que você já leu alguma vez apenas pensando neles. Isso é fantástico!

— E muito útil. – Jason completou assentindo ainda espantado com o cão gigante ao meu lado.

— Mas a pergunta que não quer calar. – Leo indagou encarando a todos com uma cara de suspense até focar em Percy e juntar as mãos suplicando. – Podemos ficar com ele?

— Acho que nossa cota de cães para essa missão já esgotou. – Nico comentou com Totó em seu colo, o cãozinho encarando Barsky com uma fúria contida.

— Nico está certo. Nos vemos na próxima Bursky. – Acariciei o pelo do cão gigante uma última vez enquanto pensava nele voltando para seu livro.

Em um piscar de olhos ele desapareceu do meu lado sem deixar rastros e pude ouvir Nico murmurar admirado um incrível próximo ao meu ouvido. Não podia negar que também estava impressionada com a nova habilidade descoberta e me perguntava o que eu ainda desconhecia de meus poderes de Língua Encantada. Saí de meus devaneios quando ouvi a voz curiosa de Annie indagando Jason sobre sua missão.

— Como vocês eu tive que passar por uma prova ... no meu caso, de lealdade já que esse é meu defeito fatal. – Ele suspirou, os olhos fixados no vazio como se lembrasse com pavor do que passara na caverna. Percebi que aquilo era o máximo de informações que teríamos sobre sua provação. – De qualquer forma eu passei e meu pai me entregou esse livro e um aviso de que, não importasse as circunstâncias, tínhamos de nos manter juntos, todos nós. Era a única chance.

— Então que bom que tenho PhD em livros de fantasia e seus vilões nefastos. – Comentei distraidamente o que arrancou olhares confusos de todos. Suspirei – Antes que eu pudesse destruir o portal bati um papo com o Mestre que me fez uma proposta tentadora.

— Ela apareceu? – Leo arregalou os olhos enquanto guardava seu martelo de volta no cinto. – Em carne e osso?

— Não, apenas como sombra. – Bufei com os braços cruzados. – Tentei arrancar algo dele, um nome, qualquer coisa, mas não adiantou.

— E qual foi a proposta? – Ouvi Annie perguntar, seus olhos cinzas frenéticos enquanto pensava em várias possibilidades.

— Ele disse que não feriria nenhum de vocês contato que eu jurasse lealdade a ele e o servisse.

Um silêncio pesado e assustador se instalou no grupo que me encarava sem reação. Senti meu corpo ser puxado de lado e as mãos de Nico pousarem em meus ombros, os dedos presos em minha pele com um leve tremor. Seus olhos negros buscaram os meus tão angustiados que senti meu estômago revirar.

Prego, diga que não aceitou essa oferta absurda! – Seus dentes rangiam enquanto ele repetia baixinho, sem tirar os olhos de mim nem por um segundo. Prego, por favor.

Sorri levemente e ergui uma mão para o rosto anguloso dele. Suas bochechas saltadas e a barba por fazer fazia cócegas em meus dedos e eu apenas segui com os dedos para o cabelo negro e suado que se enrolava em alguns pontos.

— Claro que não aceitei, anjo. – Ri quando seus olhos mudaram para um alívio tão profundo que seu corpo pareceu derreter, os dedos se afrouxando de meus ombros para uma carícia que arrepiou minha pele. – Não sou tão suicida a ponto de não perceber quando alguém quer me enganar. Apenas disse que não estava interessada e ele prometeu que nos veríamos de novo e que, dessa vez, seria a última.

Percy pareceu rugir com os punhos cerrados.

— Mas que audácia desse filho da...

— Sabemos que ele está errado, Percy. – Annie comentou interrompendo a fúria incontida de meu irmão enquanto entrelaçava os dedos nos dele. – Precisamos seguir e acabar logo com isso. E, como Jason disse, todos juntos.

— Isso. E como eu esperava... – Ergui a mão para Jason que me entregou o livro. Analisei a capa e as páginas com certa devoção. – O Herói Perdido.

— Acho que combina mesmo com você, cara. – Leo comentou com a feição mais séria possível.

Jason o encarou com os olhos cerrados em desafio e o moreno não conteve a risada assim como todos nós. Ainda sorrindo abri o livro na última página que, assim como outros, tinha algo escrito no rodapé e um pedaço rasgado de pergaminho.

— Mais uma parte do quebra cabeça. – Annie suspirou retirando de sua mochila os outros três pedaços de pergaminho. Eles não se encaixavam, mas o tom amarelado e as marcas vermelhas e negras eram as mesmas. – Essas marcas... elas são familiares, mas está tudo tão desconexo. Provavelmente ainda faltam peças para que ele faça total sentido.

Assenti entregando o quarto pedaço e enquanto Annie voltava a guardar tudo na bolsa fixei os olhos no pequeno texto no final do livro. Era simples e direto como todos os anteriores.

— Prontos? – Encarei os rostos ansiosos de meus amigos que apenas assentiram. Suspirei e deixei minha voz fluir pelas palavras enquanto sentia o poder me envolver. – “Em busca de paz e conforto os semideuses seguiram para a próxima etapa da missão.”

Em poucos minutos o chão do monólito começou a tremer e uma rachadura surgiu se alastrando por entre nossos pés, tomando a rocha de ponta a ponta. Vi a mão de Nico se esticar em busca da minha no mesmo instante que a rachadura se alargou formando uma fenda aberta a nossos pés, como um cânion. Caímos em queda livre e pude ver Nico agarrado a Totó com os olhos fechados antes da fenda se fechar sobre minha cabeça e a escuridão tomar conta do lugar. Ouvi os gritos abafados de meus amigos enquanto a queda se estendia até, de repente, a escuridão ser interrompida por um raio de sol e o vislumbre de prédios ao longe. O som de buzinas e conversas encheu meus ouvidos quando senti meu corpo cair de encontro a um solo macio e rolar vezes seguidas até parar. Gemi com grama entrando em minha boca e ouvi outros gemidos ecoando ao meu redor.

— Tudo bem, tenho que admitir. – Murmurei cuspindo grama e terra enquanto me sentava tentando fazer minha cabeça parar de rodar. – Dessa vez foi violento.

— Se o mestre não me matar, - Leo comentou balançando a cabeça e largado na grama tentando puxar o ar. – essas viagens vão.

— Leo! – Todos chiaram e o filho de Hefesto ergueu as mãos em rendição.

— Ok. Vocês não estão preparados para um pouco de humor negro. – O moreno bufou e ergueu a cabeça olhando ao redor. – De qualquer forma, onde a gente tá?

Ergui os olhos, piscando para a claridade enquanto focava a visão no ambiente. O local era repleto de árvores e pássaros cantando. O aroma era doce e o sol alto no céu como se ainda fosse manhã. Tentei ver um pouco mais ao longe percebendo algumas pessoas correndo em um local amplo, bancos e fontes de pedra além de brinquedos repletos de crianças.

— É um parque. – Annie falou limpando a calça e ajudando Percy que passava as mãos no cabelo negro repleto de grama. Vi Jason erguer Piper que ainda piscava confusa e senti Nico se aproximar de mim limpando o pelo de Totó. – E pela fisionomia da maioria das pessoas suspeito que estejamos em algum país da Ásia. Coreia, Japão, China...

Realmente. Ergui os olhos para as pessoas mais próximas e percebi rostos finos e a pele bem mais pálida além dos olhos mais puxados na lateral. Senti Nico pousar a mão em minha cintura deixando Totó no chão e encarei o caminho a frente, imaginando o que nos esperava além das árvores.

O parque era amplo e estava repleto de pessoas. Admirei a paisagem colorida, meus olhos brilhando depois de ver só vermelho no deserto da Austrália. Saímos do meio das árvores fingindo uma conversa animada, como se não passássemos de um grupo de mochileiros em uma viagem de férias. O rápido momento de normalidade tirou parte da tensão que vinha pesando sobre mim, apertei a mão de Nico mais forte o que o fez sorrir para mim enquanto continuamos a seguir em direção à entrada do parque. Observei um casal sentado contra a fonte de pedra no centro do parque, rindo como se nada fosse mais importante. Sorri, tantas possibilidades se atrapalhando em minha cabeça.

— Quando voltarmos para casa, il mio cigno. – Meu cisne. Nico sussurrou em meu ouvido deixando um beijo rápido em minha nuca. Suspirei admirada em como ele parecia ler minha mente com tanta facilidade. – Io prometo. Será inesquecível.

— Prometendo em italiano contra meu ouvido é golpe baixo, anjo. – Murmurei abraçando sua cintura enquanto ele sorria. – Seu italiano é meio que irresistível.

Interessante. – Ele comentou com seu sotaque vendo meu sorriso despontar. Suas mãos me apertaram ainda mais. – Porque você também é irresistível. Toda você.

Senti minha boca secar enquanto os olhos negros de Nico dilatavam, seu sorriso safado fazendo meu coração palpitar. Os lábios dele pareceram ainda mais convidativos e eu prendi meus dedos contra sua camisa sentindo os músculos por baixo se contraindo enquanto ele respirava com dificuldade. Sorri ao perceber o efeito que causava sobre ele e quase o puxei em minha direção.

Quase.

— Hey pombinhos. – Ouvi Leo gritar e percebi que nosso grupo de amigos havia se reunido em frente a placa de entrada do parque enquanto eu Nico conversávamos mais atrás. Soltei a blusa de Nico sentindo minhas bochechas arderem e o puxei em direção ao grupo. – Odeio interromper, mas precisamos de vocês aqui. Agora!

— Não pense que terminamos isso. – Nico murmurou apenas para mim.

Ergui uma sobrancelha para ele que apenas riu parando entre nossos amigos. Annie já digitava no laptop freneticamente enquanto todos aguardavam. Leo me olhou com um sorriso brincalhão.

— Enquanto vocês namoravam descobrimos que Jason sabe ler chinês!

— Espera, o que? – Nico franziu as sobrancelhas encarando Jason que revirou os olhos.

— Sempre achei bem interessante então nos raros momentos vagos que tinha no Acampamento Júpiter eu estudava um pouco. – Ele deu de ombros. – Nada demais.

Ainda surpresa ergui os olhos ao perceber a placa de ferro antiga na entrada do parque e os símbolos em preto marcados nela, completamente inelegíveis para mim. Jason pareceu ver minha confusão.

— Estamos no Jardim Botânico de Pequim, na China. – Ele traduziu e inclinou a cabeça em direção à filha de Atena que já estava sentada na grama encarando a tela do laptop concentrada. – Annie decidiu que era um bom lugar para pesquisar onde será a próxima parte da missão.

— Certo. – Nico assentiu e encarou Annie pensativo. – Lembro que o próximo trecho da profecia falava algo sobre paz e conforto.

“Na paz e conforto o Último Olimpiano terá seu alerta”— Annie recitou sem erguer os olhos do laptop. – Mas até agora não consegui encontrar nada. E a tradução leva aos símbolos que também não ajudam muito.

— Bem, nem sempre os tradutores da internet conseguem transmitir o real sentido das palavras em chinês. Acredite, eu sei bem disso. – Jason comentou com os braços cruzados. – Paz e conforto.... Acho que a tradução real seria algo como Yu Yuan.

— É isso! – Annie comemorou virando o laptop para que todos pudessem ver o resultado de sua pesquisa. Na tela estava um jardim antigo com estruturas tipicamente chinesas. – Esse é o jardim Yu Yuan e fica apenas a uns cinco quilômetros ao norte daqui. Lá é nossa próxima parada.

Em um consentimento silencioso todos saímos do parque caminhando pelas ruas movimentadas de Pequim. Apesar de ainda estar exausta e clamando internamente por uma cama, não consegui deixar de admirar a cidade ao redor. Era tudo tão diferente, o moderno e o antigo se misturando com tanta harmonia e a cultura tão excêntrica que muitas vezes Nico tinha de me puxar para que não nos perdêssemos do grupo quando eu decidia parar para observar algo. Depois de uma hora de caminhada me encontrei diante de uma das estruturas mais bonitas e delicadas que já vira. Colunas com símbolos intricados, tendas em vermelho e marrom espalhadas ao redor e uma calmaria apesar da rua barulhenta que se estendia a frente. Era como se apenas o silêncio pudesse atravessar os portões de madeira antiga. A placa de identificação com os símbolos em vermelho parecia dançar contra o vento, pendurada por correntes. Não precisava saber chinês para entender que aquele era o local que buscávamos, a paz e o conforto pareciam ser uma parte viva daquele lugar.

— Chegamos. – Annie anunciou olhando ao redor. – Aqui é um dos pontos turísticos do local então tem bastante turistas o que é bom porque podemos nos misturar facilmente, mas ruim se aparecer algum monstro.

— Quando aparecer... – Murmurei emburrada. – Acho que é questão tempo até um deles aparecer em busca do portal.

— Primeiro, buscamos completar a parte da profecia. – Percy comentou enumerando nos dedos. – Segundo, buscamos o tal portal, se houver um aqui. Por último a gente cai fora.

— Mas o jardim é enorme. – Piper falou encarando a estrutura a frente que se estendia por todo o quarteirão. – Por onde vamos começar?

— Teremos de nos dividir assim como fizemos na Itália. – Annie sentenciou já formulando um plano. – Cada um fica responsável por uma ala do jardim. Sei que Zeus mandou ficarmos juntos, mas nesse caso temos de arriscar.

— Basta estarmos a uma mensagem de íris de distância – Jason comentou com um sorriso e uma dracma entre os dedos.

— Ok, mas o que exatamente temos que encontrar? – Leo questionou. – O trecho da profecia diz que o Último Olimpiano vai dar um aviso. Quem é esse?

— Assim como nos outros trechos da profecia, O Último Olimpiano é o título de um dos livros. – Expliquei. – Na história é descoberto que o último olimpiano é a deusa Héstia. Acho que na missão não deve ser diferente.

— Então a conclusão dessa parte da missão não depende de um de nós vencendo uma prova, mas de uma deusa aparecer pra dar um aviso? – Nico resumiu sarcasticamente, a sobrancelha erguida em descrença. – Fantástico!

— Provavelmente sim. – Dei de ombros, os lábios crispados em desgosto.

— Então fiquem preparados para qualquer sinal dessa vez. – Annie finalizou. – Focando em algo que represente Héstia.

Todos assentiram e logo estávamos dentro do jardim. A parte interna era ainda mais exuberante. Verde e rosa predominavam em meu campo de visão, um riacho corria por baixo de pontes de madeira rústicas e pequenos templos se espalhavam pelo local. Era tudo tão delicado e sagrado! Meu momento de contemplação foi interrompido quando senti Nico puxar meu braço levemente em direção à ala oeste enquanto via Percy e Annie seguindo para a ala norte e Leo, Piper e Jason para a ala leste. Consegui acenar uma última vez para Percy que sorriu e me lançou uma piscadela enquanto sumia no meio da multidão de turistas.

E, no fundo, eu apenas torcia para que aquele lugar de paz e conforto não escondesse terrores em seu interior.


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Notas finais do capítulo

Próximo cap já está quase pronto! E advinhem::::::::::::::: TEREMOS P.O.V. DO LEO!! E as Leonetes piraaam!
Espero que tenham gostado! #Comentem quero saber a opinião de vcs!! O que esperam para a missão na China?
Kisses!



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