Realidade Imaginária escrita por Duda Mockingjay


Capítulo 45
Cataratas Furiosas


Notas iniciais do capítulo

Hey estou de volta com mais um cap!!
#Enjoy



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Respirei fundo o ar quente e tropical. Apesar de não ter boas lembranças dos últimos meses que passei no Brasil, os anos com minha mãe foram repletos de alegria e viagens inesquecíveis pelos lugares mais belos do país. Com certeza Foz do Iguaçu foi um deles, as famosas cataratas marcaram minha infância.

— Bem vindos ao Brasil! – Falei em português alegremente.

— Muito obrigado. – Nico respondeu em uma mistura de português com espanhol que me deixou surpresa. Ele deu de ombros despreocupado. – Espanhol e português não são tão diferentes assim.

—  Segredos sendo revelados, não é mesmo? – Cruzei os braços e Nico riu. Totó que permanecia aos nossos pés, latiu alegremente enquanto Nico o colocava no colo para poupar suas patas da areia quente.

— Isso não é tão segredo assim, todo mundo no acampamento sabe, novata! – Ele rebateu com a sobrancelha erguida e Leo concordou, o único semideus que estava entendendo a conversa.

— Será que dá para os pseudobrasileiros voltarem para o inglês? – Percy questionou e todos rimos. Meu irmão bufou e olhou a redor. – Estamos no Brasil, mas que praia é essa?

— Não é bem uma praia. – Informei caminhando para a calçada mais próxima, sendo seguida por meus amigos. – Estamos no Paraná, na parte não litorânea. Essa é uma praia artificial já que por essa parte do estado só há rios.

— É, aquilo com certeza não é o mar. – Percy apontou para a pequena porção de água que tinha o intuito de se assemelhar ao oceano, mas era bem menor.

— Mas é uma praia de qualquer forma. – Piper comentou animada encarando os banhistas com um olhar sonhador.

— Não, amor, não vamos pra praia. – Jason respondeu revirando os olhos.

— Claro que vamos! – Piper rebateu com um sorriso vitorioso. – Primeiro, Annie ainda precisa pesquisar sobre o local da próxima parte da missão. Sabemos que é no Brasil, mas o país é enorme, e nada melhor do que uma boa espreguiçadeira, sol e água de coco para ajudar nossa filha de Atena preferida a desvendar esse mistério.

— Um pouquinho de descanso depois da minha missão na Grécia não seria nada ruim. – Annie concordou com um suspiro sonhador.

— E segundo, mas não menos importante, nós temos que aproveitar esse sol! – Piper completou como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. – Vocês tem que concordar que não é sempre que temos a maravilhosa oportunidade de curtir uma praia com um sol desses.

— Realmente Apolo ficaria impressionado. – Percy comentou com a mão sob o queixo e os olhos voltados para o céu, o sol forte fazendo suas pálpebras cerrarem.

— Piper tem certeza que não está usando seu charme em nós? – Leo questionou com um sorriso desconfiado. – Porque você também está conseguindo me convencer.

— Prometo pelo rio Estige que o único charme daqui é o meu belo rosto, nada de poderes. – Ela respondeu com um sorriso inocente e os olhos piscando. – Então, o que dizem?

— Você nos convenceu, como sempre! – Jason comentou e riu para a namorada que pulou em seu pescoço com gritinhos de felicidade.

— Vamos, garotas! – Piper prendeu um braço no meu e outro no de Annie e nos puxou em direção a uma lojinha em frente à praia. – Vamos comprar nossos biquínis!

— BIQUINIS? – Os garotos exclamaram nos fazendo gargalhar e correr para loja.

Em poucos minutos saímos da loja completamente prontos para a praia. Os meninos com sungas e os corpos expostos parecendo verdadeiros modelos da Calvin Clay. Milhares de olhares se voltaram para eles instantaneamente e eu não tirava a razão, teria feito o mesmo se visse caras com corpos de deuses gregos caminhando pela praia. No caso, semideuses, mas vocês entenderam. Já eu e as garotas usávamos biquínis coloridos que deixavam bastante corpo exposto e atraíam olhares desejosos e admirados de quem passava. Até Totó ganhou um lenço no pescoço que combinava perfeitamente com meu biquíni.

—  Amaldiçoou o momento que concordei com essa ideia de praia. – Nico rosnou encarando furiosamente um cara alto e musculoso que passou e piscou para mim com um sorriso safado. Senti minhas bochechas avermelharem e Nico ficou ainda mais enfurecido. – Os biquínis tinham que ser tão minúsculos?

— Os biquínis daqui são assim, anjo. Você tá com menos roupa do que eu e recebendo milhares de olhares famintos, se não percebeu. – Respondi seriamente e encarei o corpo de Nico, frisando minhas palavras. Sua sunga negra destacava os músculos do corpo pálido, me hipnotizando no processo. – Na verdade tenho que admitir que você tá um pedaço de mal caminho, mas nem por isso estou surtando.

— Mas eu não estou acostumado a tão pouca roupa. – Nico bufou e quase rosnou para um grupo de rapazes que passavam e devoravam eu e as garotas com o olhar. Dessa vez Percy e Jason fecharam a cara e fuzilaram os rapazes também. Nico voltou os olhos para mim, me admirando detalhadamente. Estava quase para oferecer um lenço para ele limpar a baba. – Como eu ia imaginar que por baixo de toda aquela roupa você tinha esse corpo? É de matar qualquer um do coração!

— Parem de ser criança, vocês sabem que só temos olhos para vocês! – Piper concluiu lançando um beijo para Jason que sorriu abobalhado. – Agora vamos achar um lugar para Annie poder trabalhar em paz e depois curtir essa água deliciosa!

Antes que qualquer um concordasse Piper saiu andando pela areia fofa e seguimos até a garota encontrar uma barraca bem próxima a água. Annie não perdeu tempo, sentou-se na cadeira branca e seus dedos rápidos já digitavam freneticamente no laptop.

— Tudo bem, estamos na terceira parte da missão. – Annie comentou concentrada na tela, a luz multicolorida do aparelho fazendo seus olhos cinzas brilharem como prata liquida. – Apesar de já termos desvendado duas partes da profecia essa não parece mais fácil.

Onde a água grande deságua o Filho de Netuno mergulhará. – Recitei o trecho da profecia que eu já sabia de cor. Apesar do sol intenso um calafrio percorreu minha coluna e ergui um olhar preocupado para meu irmão. – O filho de Netuno. Foi assim que Percy foi chamado quando chegou no Acampamento Júpiter sem memória alguma do seu passado.

— Nem me lembre disso. – Percy bufou e pousou as mãos sobre os ombros de Annie como se ao menos lembrar do tempo que ficou distante dela doesse tanto que ele precisasse ter certeza de que ela estava ali, ao seu lado. Annie inclinou a cabeça e beijou a mão dele carinhosamente. Os olhos amorosos de meu irmão desviaram para os meus e ele suspirou, acenando. – Mas você está certa, essa parte da missão parece ser sobre mim.

— Mas a parte “onde a água grande deságua” não ajuda muito. – Jason falou e bagunçou os cabelos loiros ansiosamente. – Principalmente em uma cidade que não tem mar.

— Não tem mar... – Divaguei encarando a praia ao redor, ansiando entrar naquelas águas turbulentas e nas ondas que quebravam na areia. E então a solução clareou minha mente. – Não tem mar, mas tem rio!

— Bem, cisne, rio tem deságue, mas todas as regiões do Brasil são repletas de rios. – Nico comentou brincando distraidamente com um dos cachos de meu cabelo enquanto se esparramava na cadeira ao lado da minha. – Levaríamos dias, quem sabe semanas, para investigar todos os rios.

— Não se formos direto na fonte de um enorme deságue. – Falei com um sorriso vitorioso que deixou meus amigos confusos. Revirei os olhos e peguei o laptop de Annie digitando com precisão. – Um deságue tão grande que virou até atração turística!

Cliquei em uma das diversas pesquisas online sobre as Cataratas do Iguaçu e voltei o laptop para meus amigos. Logo todos entenderam e Annie aprofundou a pesquisa, pousando o aparelho novamente no colo e digitando ainda mais rápido, se é que isso era possível!

— Faz todo sentindo! – A loira exclamou e arregalou os olhos ao encontrar algo em suas pesquisas. – Além disso “Iguaçu” significa água grande na língua nativa dos índios. Com certeza estamos no lugar certo.

— Não exatamente no lugar. – Rebati com um suspiro e passei o protetor solar para Nico que me encarou confuso. Revirei os olhos e sorri ficando de costas para ele e tirando o cabelo do caminho. Pude ver o filho de Hades corando levemente antes de colocar uma quantidade generosa de protetor na mão e começar a distribuir pelas minhas costas. Senti minha pele arrepiar com o toque, mas me concentrei e encarei Annie. – Não estamos tão próximos de Foz do Iguaçu, quanto tempo para chegarmos lá?

— As cataratas ficam alguns quilômetros a leste de onde estamos. – Ela ergueu os olhos e fixou em um ponto invisível, com certeza deixando sua mente brilhante trabalhar a mil. – Eu estimo que levaríamos de quatro a cinco horas para chegar lá.

  - E quando chegarmos lá? – Percy questionou para ninguém em especial, seus temores vindo à tona por alguns segundos. – O que eu devo fazer?

— Isso nenhum de nós sabe ao certo, Cabeça de Algas. – Annie respondeu e apertou a mão de meu irmão com carinho, deixando os olhos pousarem sobre os deles com determinação. – Mas estaremos com você para enfrentar qualquer coisa!

Percy sorriu e beijou a namorada apaixonadamente o que fez Leo grunhir e todos nós rimos. Piper se ergueu da cadeira em um pulo, o corpo repleto de protetor solar e os olhos cobertos pelos óculos de sol.

— Já que temos um plano, então é hora de curti a praia! – E saiu em disparada para o mar puxando Jason no processo. O garoto revirou os olhos, mas seguiu a namorada com um sorriso.

— E eu vou curtir a praia do jeito Gostoso pra Dedéu e deixar de ser a vela do grupo por umas boas horas. – O filho de Hefesto piscou para uma garota morena que passava e o encarava descaradamente. Ele correu na direção dela, arranhando o ‘portunhol’. – Que passa, gatinha?

— Eu pretendo ficar torrando no sol. – Annie anunciou, colocando o laptop de lado e se inclinando na espreguiçadeira branca. – Se o sol do Brasil não bronzear minha palidez, nenhum sol vai! Me acompanha, Percy?

— Eu te amo Sabidinha, mas tenho que dispensar. – Percy beijou a cabeça de Annie e levantou da cadeira, pousando os óculos de sol na ponta do nariz e me encarando com um sorriso brincalhão. – Quem topa voley de praia?

Eu ergui a mão animada e me surpreendi ao ver Nico erguer a mão ao meu lado. Logo Percy estava caminhando de volta para a loja, pronto para comprar a melhor bola de praia do local. Ri abertamente da alegria inocente de meu irmão. Apesar de tudo que passou na vida ainda preservava a sua essência alegre e descontraída e eu queria proteger isso nele a todo custo. O sol forte brilhava e queimava levemente minha pele protegida pelo protetor e suspirei satisfeita. Se não estivéssemos ali por causa de uma missão suicida poderia jurar que era apenas uma adolescente mortal curtindo uma praia com o amor da minha vida. E por falar nele, Nico permanecia ao meu lado, seus olhos analisando a praia com tranquilidade enquanto uma mão pousava em minhas costas distraidamente e a outra acariciava o pelo de Totó que permanecia esparramado sobre uma cadeira de praia, dormindo tranquilamente.

— Agora só falta você passar protetor solar, senhor di Angelo!

— Eu não preciso de protetor. – Ele deu de ombros e me encarou com um sorriso de lado. – Controlo as sombras, esqueceu?

— Mas não controla o sol! – Peguei o tubo de protetor e despejei sobre minha mão, passando nos braços e costas de Nico enquanto ele reclamava. – Vamos lá bebezão, não é tão ruim assim.

— Realmente... – Ele respondeu pensativo enquanto eu passava protetor em seu peito musculoso, minhas mãos fazendo movimentos lentos e alternados propositalmente. Minhas mãos desceram pelo abdômen definido chegando a barra da sunga e ouvi Nico suspirar, meu corpo aquecendo com o simples som de sua respiração. – Me lembre de nunca mais reclamar quando você quiser passar protetor em mim.

Ri e Nico abriu um sorriso, fechando os olhos e curtindo meus movimentos.

— Não vou te deixar esquecer. – Murmurei e subi as mãos pelo corpo dele, subindo pelo pescoço. Despejei mais protetor em uma das mãos e ri em antecipação. – Nunca mais.

E passei a mão repleta de protetor no cabelo dele, os fios escuros ficando pintados de branco e totalmente arrepiados como se tivesse acabado de levar um susto daqueles. Nico abriu os olhos de repente e passou a mãos na cabeça, os dedos se sujando completamente de protetor. Suas sobrancelhas quase se sujaram também de tão perto que elas ficaram dos cabelos quando ele arregalou os olhos.

— Swan!

Rindo abertamente corri em disparada para o mar, escapando por pouco de suas mãos meladas. Mergulhei em um salto e nadei alguns metros para o fundo. Quando ergui a cabeça, respirando apressadamente, olhei ao redor procurando algum sinal de Nico, mas ele havia sumido.

— Anjo?

Nada. Estava prestes a voltar para a areia quando senti algo me puxando para baixo. Por instinto fiz a água do mar trabalhar a meu favor, me puxando de volta para cima até sentir uma mão forte se prendendo embaixo de meus joelhos e outra apertando minhas costas e logo me vi no colo de Nico que me encarava bufando, os cabelos voltando ao normal com o protetor sendo levado pela água, mas deixando resquícios de branco no rosto dele. Tentei segurar o riso, mas foi impossível.

— Então você achou engraçado? – Ele questionou e eu acenei concordando, ainda rindo desesperadamente. Ele me ajeitou em seus braços sem me soltar e ergueu uma sobrancelha em desafio. – Vamos ver se acha graça nisso!

Suas mãos se movimentaram em meu corpo freneticamente e não contive a explosão de gargalhadas que me arrebatou.

— Não! Cócegas, não!

Nico não parou e me soltou apenas para ter acesso livre ao meu pescoço e minha barriga, aumentando as cócegas enquanto eu me debatia descontroladamente. Respirei fundo e tentei me concentrar apesar da enorme distração. Rapidamente prendi minhas pernas na cintura de Nico e segurei suas mãos para baixo, meus olhos focando nos seus enquanto nossas respirações aceleradas se misturavam.

— Tudo bem, agora estamos quites. – Respondi com um sorriso cansado e soltei as mãos de Nico lentamente, mas ele não voltou às cócegas. Na verdade prendeu seus dedos firmemente em minhas coxas, me puxando para mais perto de seu corpo involuntariamente. Contive um gemido.

— Estaremos quites quando eu disser que estamos quites. – Ele respondeu desafiador e acabou com a distância entre nós, seus lábios macios encontrando com os meus de forma faminta e desesperada.

Prendi meus braços ao redor de seu pescoço e ele elevou meu corpo ainda mais fazendo meu pescoço ficar na altura de sua boca. Ele se aproveitou da situação, seus lábios molhados deixando beijos e mordidas na pele sensível e meus suspiros fazendo o corpo dele arrepiar. Interrompi suas carícias e voltei minha boca para a sua novamente, ansiando por mais de seu sabor. Sua língua dançava com a minha e ele interrompeu o beijo a contragosto quando o ar se fez necessário. Eu me sentia no topo do Monte Everest, completamente sem ar e totalmente zonza. Minha respiração voltou aos poucos enquanto Nico me descia lentamente de seus braços, a areia fina e a água agitada tirando o resto de equilíbrio que eu possuía.

— Agora estamos quites. – Nico respondeu segurando minha cintura para me firmar no lugar, seu sorriso safado e suas pupilas ainda dilatadas me fazendo suspirar. – E eu estou totalmente ferrado.

— Porque? – Questionei confusa pousando minhas mãos no peito dele enquanto ele tirava o cabelo molhado de meu rosto, seus olhos negros tão brilhantes quanto ônix.

— Porque você é meu vício e ficar longe de você, do seu corpo, dos seus beijos, é como morrer por dentro. – Ele confessou de forma tão sincera e espontânea que me tirou o ar. – A medida que avançamos na missão meu coração se aperta ao lembrar daquela última estrofe. Eu não posso... eu não vou te perder!

— Não podemos prever o futuro, mas eu lutarei ao máximo para permanecer ao seu lado. – Segurei o rosto de Nico em minhas mãos e ele fechou os olhos como se memorizasse o toque. – Para te manter seguro. Não vou deixar nada acontecer com você.

— Eu não me importo se algo acontecer comigo contanto que você continue segura.

— Que pena para você que eu penso o mesmo – Cruzei os braços com o queixo erguido. – Eu faria qualquer coisa para te manter seguro.

— Que belo casal suicida nós somos! – Nico murmurou e riu sem humor. Ele baixou os olhos para mim, suas mãos acariciando meu pescoço. – Então eu protejo você e você me protege, que tal essa nova regra de namoro?

— Acho justo. – Respondi com um sorriso e puxei Nico para mais um beijo molhado no qual ele nem protestou. O mundo parava quando nos beijávamos, como seu eu fosse mandada para um universo completamente diferente e esperava que essa sensação nunca mudasse.

— Pombinhos, estão prontos para perder?

Um grito nos tirou da névoa que o beijo formou ao nosso redor. Segui o som que vinha da areia a alguns metros de nós e encarei o local, os olhos cerrados devido ao sol intenso. Ali, com a água na altura dos tornozelos e o cabelo negro esvoaçando, Percy gritava erguendo uma bola de vôlei novinha em folha.

— Então, pronto para perder, anjo? – Desafiei Nico que riu debochadamente.

— Nem em sonho. – Nico respondeu afiado, mas parou e me encarou sonhador. – A não ser que os perdedores tenham um belo prêmio de consolação, se é que você me entende.

— Quem sabe?

Nadei de volta para a margem e Nico me seguiu. Logo estávamos todos na areia, brincando e se divertindo como se não houvesse amanhã. Depois de horas jogando, os meninos ganharem de três a dois das meninas e Totó roubar a bola umas cinco vezes resolvemos seguir viagem. Com as poucas economias que eu havia juntado nos últimos dois anos alugamos um carro e caímos na estrada. Nico foi o motorista da vez enquanto os outros dormiam nos bancos traseiros e Annie lia tranquilamente no laptop. Reclinei o banco do carona e admirei a paisagem colorida, minhas mãos pousadas distraidamente sobre o cãozinho que se acomodou em meu colo. Sentia o cansaço por todo o meu corpo devido a missão anterior, mas não conseguia dormir. Preocupações e teorias inundavam minha mente, algo que vinha acontecendo frequentemente. Suspirei e senti os dedos de Nico se enroscarem nos meus, seus olhos ainda focados na estrada a frente, mas seus lábios se abriram em um sorriso acolhedor, um gesto que significou mais que qualquer palavra e eu senti meu coração aquecer pelo entendimento mútuo que compartilhávamos como se já nos conhecêssemos por anos. As horas se arrastaram lentamente, o rádio tocando músicas que me faziam recordar um passado nostálgico e bom enquanto eu traduzia as palavras para Nico. O filho de Hades parecia tão relaxado e feliz que acabou por me contagiar e no fim da viagem já estava cantando as músicas a plenos pulmões, as preocupações esquecidas ao menos por umas poucas horas. Finalmente avistamos a entrada do Parque Nacional do Iguaçu onde diversas pessoas entravam ordenadamente na trilha emoldurada por árvores enormes com o barulho das cachoeiras como uma trilha sonora natural.

— Os visitantes das cataratas só podem chegar a uma certa distância das águas e ficam em torno de dez metros de altura da base do deságue. – Annie relatou e me encarou com os lábios presos entre os dentes, os pensamentos se transformando em palavras freneticamente enquanto Percy, Piper, Leo e Jason despertavam com sua voz eufórica. – Se a missão de Percy for como as outras duas, se esse for o padrão, ele precisa estar mais próximo das águas para que tenha acesso à sua provação particular como eu e Nico tivemos.

— Ou seja, precisamos pegar um atalho. – Completei encarando o trânsito a frente.

Nico conduzia o carro pela fila de automóveis, os dedos impacientes batucando no volante enquanto eu via famílias felizes sendo conduzidas pelos diversos guias do local. Eu tinha dez anos quando visitei o lugar pela primeira vez e lembro de ficar próxima de minha mãe a todo momento com medo de me perder naquele lugar enorme. Engoli em seco ao pensar em sair da trilha e seguir por um caminho desconhecido no meio da floresta densa. O medo de me perder não era nada comparado a apreensão de encontrar algo pelo caminho, com a minha sorte dos últimos dias isso era mais do que provável. Espantei os pensamentos quando Nico finalmente atravessou o arco de entrada e estacionou.

— Temos que ficar separados, ao menos alguns metros. Fingir que não nos conhecemos. – Jason opinou, suas sobrancelhas franzidas em concentração. – Vai ser suspeito se entrarmos todos juntos por um caminho diferente, vão perceber com certeza.

— Jason está certo. – Piper acenou em concordância e apontou para mim e Annie. – Eu e as garotas saímos do carro primeiro e nos misturamos a um grupo de turistas. Alguns minutos depois os garotos saem. Vamos tentar entrar na floresta em pontos diferentes da trilha, porém não tão distantes para não nos perdermos uns dos outros.

Todos concordaram. Nico desligou o carro, deixando a chave no porta luvas. Eu e as garotas saímos, conversando despreocupadamente enquanto nos misturávamos no grupo mais próximo. O grupo tinha em torno de vinte turistas, todos fotografando a paisagem com animação e admiração. Observei ao redor, as folhas nos topos das grandes árvores faziam uma cobertura natural, protegendo do sol forte enquanto o canto de pássaros era ouvido no meio da vegetação. Sorri, lembrando de minha mãe me explicando a qual pássaro pertencia cada umas das canções e que árvores cresciam ao nosso redor. Suspirei sentindo a lembrança me aquecer e olhei para trás, aliviada ao perceber a cabeleira negra e olhos verdes do meu irmão a alguns metros de nós. Annie chamou minha atenção, inclinando a cabeça discretamente para a direita. Acenei e aos poucos me afastei do grupo e logo me vi fora da trilha, rodeada por árvores em todas as direções. Tirei Totó que estava escondido na minha mochila enquanto o cãozinho reclamava das péssimas condições de transporte.

— Ninguém mandou você vir de penetra na missão, não é mesmo? – Rebati para o cão que bufou.

 Logo Annie e Piper surgiram no meio da floresta, alguns metros de onde eu estava. Encaramos ao redor, buscando um caminho alternativo para as cataratas até ouvir o barulho de passos em nossa direção. Senti meu corpo retesar e encarei o local de onde o som vinha, aliviada ao ver os garotos surgirem do meio das árvores. Nico caminhou em minha direção e bagunçou meus cabelos carinhosamente enquanto Totó brincava com o cadarço de seus tênis. Annie tomou a dianteira e seguimos silenciosamente, passos lentos e cautelosos, ouvidos atentos a qualquer mínimo som. Logo o canto dos pássaros foi abafado pelo som forte e gutural da água, as cataratas mais próximas a cada passo. Aos poucos as árvores foram sumindo dando lugar a pedras enormes repletas de musgos e ergui os olhos para as grandes cachoeiras que desabavam no rio abaixo. Contornamos as pedras até chegar a beira da água esverdeada. Percy respirou fundo e encarou Annie, ela prendeu os lábios entre os dentes e ergueu o queixo, um claro esforço para se mostrar forte, e abraçou meu irmão. Pude ouvir sussurros entre eles, Percy se afastou apenas o suficiente para admirar os olhos de Annie e beijou seus lábios com paixão. Eles finalizaram o beijo rapidamente e Percy seguiu em minha direção, me puxando para um abraço apertado e um beijo carinhoso em minha testa.

— Se cuide e não faça nada que eu não faria.- Falei com a voz já embargada. Percy me encarou com um sorriso e revirou os olhos.

— Não fazer nada que você não faria é uma garantia de me manter vivo já que você tem umas tendências meio suicidas. Mas eu vou me cuidar. – Ele piscou para mim e encarou Nico com um semblante brincalhão. -  Nico controle essa garota enquanto eu não estiver. Você também, Totó!

— Pode deixar. – Nico riu e apertou a mão de Percy e Totó latiu como se concordasse. Bufei para os três e encarei Nico com os olhos cerrados.

Logo todos haviam se despedido. Percy entrou no rio, a água aos poucos cobrindo suas pernas e quando chegou na altura da cintura ele mergulhou e nadou velozmente em direção a uma das cachoeiras. Ele emergiu e olhou ao redor, mas nada havia acontecido. Ele nos encarou e deu de ombros, estava a centímetros da queda d’água e quando esticou a mãos em direção ao turbilhão, a água que tocou seus dedos começou a brilhar. O verde se tornou azul celeste e o fio de luz subiu pela cachoeira se unindo alguns metros acima da cabeça de Percy formando um símbolo: Um tridente. O chão começou a tremer, me equilibrei sobre a pedra escorregadia com dificuldade, mas não tirei os olhos da cachoeira que aos poucos se abria revelando uma passagem para o completo breu. Pude ver Percy hesitar alguns segundos, mas logo mergulhou e atravessou a passagem que se fechou às suas costas, selando meu irmão em um local perigoso e desconhecido como uma múmia em uma pirâmide.

P.O.V. Percy

As águas esverdeadas do rio dificultavam minha visão. Nadei mais alguns metros e emergi espantando a água dos olhos para encarar uma grande caverna que se estendia logo atrás das cataratas que havia se fechado às minhas costas. A escuridão era quase total, interrompida apenas pela leve luz do sol de fim de tarde que atravessava a queda d’água com dificuldade. Saí da água pousando sobre o chão pedregoso e áspero, sequei meu corpo e caminhei em frente. A caverna era longa como um poço sem fundo, à medida que caminhava sentia a luz da entrada sumindo enquanto o breu me engolia. O silêncio era uma camada pesada sobre o local, tão intenso que poderia ser palpável e me assustei quando até mesmo o som das cataratas sumiu de repente. Aquele lugar era magia pura e senti um arrepio de ansiedade me percorrer, a expectativa do desconhecido fazendo minha pulsação acelerar. Um barulho a frente interrompeu meus passos, era mínimo como um leve arrastar de pés, mas no silêncio tumular soou como um trovão. Retirei a caneta do bolso, os olhos cerrados e atentos a qualquer movimento, e senti o peso de Contra Corrente em minha mão. A luz repentina da espada me fez piscar freneticamente para ajustar a visão. Quando abri os olhos senti meu sangue gelar e tropecei para trás. A minha frente alguém havia surgido como se formado pela própria escuridão. Corpo esguio, cabelos dourados, olhos azuis, sorriso perverso.

E uma cicatriz que se estendia do olho aos lábios como uma fenda brutal na pele pálida.

Senti minhas pernas falharem e arregalei os olhos, meus lábios formando um nome que não pronunciava há anos.

— Luke Castellan?

P.O.V. Duda

Suspirei pelo que pareceu a milésima vez enquanto encarava a queda d’água sentada sobre a rocha lisa, meus pés fazendo ondas no rio enquanto se movimentavam impacientes. Fazia dez minutos que Percy sumira através da coluna de água deixando apenas os tênis para trás e uma Annabeth prestes a formar um buraco no chão de tanto andar em círculos.

— Annie furar as pedras com seu calcanhar não vai fazer o Percy voltar mais depressa. – Nico comentou revirando os olhos, recostado em uma rocha próximo a mim.

—  Não de forma tão sarcástica. – Encarei Nico incisivamente que ergueu os ombros como se desculpando. – Mas concordo com Nico. Também estou preocupada, mas meu irmão sabe se cuidar. Ele é o Percy Jackson!

— Eu sei. Eu só.... preciso manter minha cabeça ocupada e minhas pernas em movimento. – Annie falou tudo em um só fôlego, desfazendo e refazendo o rabo de cavalo com impaciência.

Todos voltaram ao silêncio, apenas os passos de Annie e as cataratas bombardeando o rio preenchiam o local com o cair da noite.

— Tem algo estranho. – Jason comentou com o cenho franzido encarando o local minuciosamente. – Em todos os locais que fomos desde o início da missão havia hordas de monstros a espreita saindo daqueles portais dourados, mas aqui até agora nada. Está tudo calmo demais.

 Aquilo atingiu a todos ao mesmo tempo. O clima tenso se estendeu enquanto nós olhávamos ao redor como se um monstro pudesse pular das árvores a qualquer momento, mas o silêncio ainda era profundo. Segundos se tornaram minutos, mas nada mudou. Então um som entre as folhas vez todos empunharem suas armas até Totó pular do meio da floresta com um pedaço de graveto na boca, o rabo balançando animadamente.

— Esse cachorro ainda vai matar a gente do coração! - Leo resmungou e voltou a lançar pedras na água para se distrair.

Piper cantarolava baixo enquanto Nico lançava o graveto para Totó pegar e Annie voltava a andar de um lado para o outro.

Até um movimento na água chamar minha atenção.

Franzi as sobrancelhas acreditando que a pedra de Leo caíra bem longe do esperado. Até que a movimentação se repetiu, agora mais próximo como uma pequena onda turvando as águas escuras do rio. Um peixe? Não, a movimentação seguinte foi maior e pareceu se estender na água como uma linha. Uma cobra, quem sabe? Arregalei os olhos quando várias tremulações surgiram em pontos distintos do rio. Adiantei os pés para fora d’água, sem tirar os olhos das ondulações que aumentavam cada vez mais.

— Hã, pessoal acho que tem alguma coisa na água......

Uma mão negra com garras se projetando surgiu da água e se prendeu em minha perna. Antes que eu pudesse reagir a mão voltou para a água me levando consigo com tanta facilidade, como se meu corpo não passasse de uma folha de papel. No último segundo consegui prender os dedos na rocha lisa que eu estava sentada, meus braços fazendo um esforço sobrenatural para me levar de volta à terra. Eu sabia que aquela batalha estava perdida, mas me negava a ceder. Ergui os olhos e vi Nico se lançar em minha direção desesperado, a mão estendida o máximo que ele podia. Tentei erguer um braço e senti os dedos de Nico rasparem nos meus antes da mão sob a água puxar minha perna com mais força fazendo meus dedos fracos escorregarem da pedra e meu corpo ser lançado na escuridão gelada do rio.

P.O.V. Percy

— Luke?

O garoto a minha frente alargou o sorriso, a cicatriz se repuxando na face.

— Perseu Jackson. – A voz dele era rouca e grave, mais adulta do que Percy se lembrava apesar de o garoto a sua frente não ter mais de 17 anos. – Há quanto tempo, não é?

— Eu sei que você não é real, apenas uma miragem para minha provação. – Eu rebatei ferozmente afastando dos pensamentos a última visão que tivera de Luke há anos atrás. – Então que tal começarmos logo com isso?

— Tão incisivo! – Luke debochou manipulando uma adaga dourada entre os dedos longos e finos. – Não me recordo desse seu lado.

— O que tenho que fazer para terminar essa missão? – Percy ignorou o sarcasmo de Luke e apertou o punho da espada se preparando para o pior.

— Isso é bem simples. – Luke deu de ombros e estalou os dedos.

O som percorreu a caverna e num piscar de olhos estávamos em um ambiente totalmente diferente. O vento gélido ficou ainda mais furioso e a minha frente um grande cânion se estendia até muito além da visão. A fenda no chão pedregoso terminava em um precipício muitos metros abaixo e pelos sons de urros e rugidos que vinham de lá, as pedras pontiagudas do fundo eram o menor dos problemas. Voltei os olhos para Luke, confuso. Apesar de eu ser um cabeça de algas, ele não explicou tão bem assim o que eu teria de fazer. O loiro apenas manteve o sorriso no rosto e se aproximou da borda do precipício. Entre os dois lados da fenda se estendia uma ponte de madeira, tão precária que poderia estar ali por séculos.

— A sua missão, Percy, é uma escolha trivial.

Ele apontou para a ponte com floreios exagerados. Aproximei-me receoso e cerrei os olhos tentando ver a extensão da ponte até focar em um ponto no meio, há alguns metros de mim. Senti minha garganta travar e o coração despencar até os pés. O ponto era uma pessoa. Na verdade, duas. Arregalei os olhos com o sangue gelando em minhas veias ao reconhecer os longos cabelos dourados e corpo esguio em um lado da ponte enquanto do outro repousava uma morena com os cachos castanhos açoitando o rosto ferozmente.

— Annie! Duda!

Preparei-me para correr, nada mais importava naquele momento, até sentir dedos firmes se prendendo em meu pulso esquerdo. Rosnei para Luke com os olhos em chamas enquanto ele me segurava despreocupadamente.

— Calma herói. – Ele debochou e me segurei para não quebrar sua cara naquele momento. – Como pode ver a ponte não é das melhores e mal suporta o peso das duas.

Como se confirmando as palavras dele a ponte rangeu e pude ver um pedaço da corda gasta se partindo, o som esganiçado fazendo meu coração acelerar em preocupação.

— Portanto você terá que escolher quem salvar. – Luke finalizou soltando meu pulso lentamente. – Sua irmã ou o amor de sua vida. Boa sorte!

Ele se afastou alguns passos do precipício, os braços cruzados e o sorriso afiado nos lábios. Eu daria tudo para jogá-lo do penhasco, mas não tinha tempo a perder. Encarei a ponte que balançava debilmente pelo vento forte.

Eu não conseguiria escolher, não poderia.

Não iria!

Suspirei e transformei Contra Corrente em caneta, guardando-a no bolso novamente. Aproximei-me da ponte e coloquei um pé na madeira instável. A ponte rangeu mais uma vez, cerrei os dentes esperando o som tenebroso da corda se partindo, mas nada aconteceu. Cuidadosamente comecei a caminhada pesarosa. A cada rangido eu parava e esperava, mas tudo estava indo bem, me dando esperança de que salvaria as duas. Parte da minha consciência ainda gritava que aquilo era apenas uma ilusão, as duas estavam bem do outro lado das cataratas, mas aquilo parecia tão distante e confuso como um sonho e aquele momento era como a realidade nua e crua. Eu simplesmente não conseguia mais discernir o que era verdade e o que era delírio pela mágica da missão. Por via das dúvidas, prossegui a caminhada e logo me vi no meio da ponte, entre as duas garotas mais importantes da minha vida. Expirei pesadamente contendo a vontade de abraçá-las e dizer que estava tudo bem.

Tudo ainda estava muito mal.

Alternei o olhar entre elas, a dúvida excruciante de qual libertar primeiro. Então percebi Annie forçando um dos braços e logo ele estava livre, sem pensar mais alcancei as cordas em suas pernas enquanto ela cuidava do outro braço. Com o trabalho dividido, Annie se viu livre em poucos minutos e me encarou com os olhos marejados e aliviados. Sem palavras, assenti e beijei sua testa, ajudando-a a levantar e seguir para o outro lado da ponte. Seus passos faziam a ponte ranger, mas não havia mais tempo de me preocupar com isso. Encarei Duda que forçava os braços como Annie, mas não teve sucesso em libertar nenhum deles. Ela bufava irritada quando me lancei em sua direção desfazendo os nós que prendiam as pernas. Comemorei internamente quando as cordas das pernas se soltaram e caíram no precipício abaixo por entre os espaços da madeira.

Mas celebrei cedo demais.

Duda ainda lutava com a cordas em seus braços quando o som da ponte ecoou mais alto, impossível de ignorar. Ergui os olhos depressa na direção que Annie seguira. Ela acabara de chegar em terra firme quando as cordas fracas de um lado da ponte se romperam. Arregalei os olhos, minha pulsação se elevando em segundos ao ver o vento furioso virar a ponte para o lado no exato momento que consegui soltar os braços de Duda. A ponte virou em noventa graus, eu e minha irmã escorregamos sem controle para a borda enquanto os gritos desesperados de Annie eram ouvidos ao longe. No último momento consegui fincar a mão entre as madeiras da ponte e fiquei completamente pendurado, as pernas balançando fragilmente no espaço sem fim. Duda não teve tempo suficiente de se prender à ponte, suas mãos escaparam e logo ela caiu no vazio....

Ou quase.

Desesperado, estiquei meu corpo e prendi seu pulso com minha mão livre a tempo de amparar sua queda. O movimento brusco fez o resto de ponte ranger mais uma vez e pude ver o outro lado da ponte, ainda preso no penhasco, começar a se quebrar. Usando toda minha força ergui a mão que segurava Duda até que ela pudesse prender seus dedos na madeira assim como eu. Respirei fundo, os pulmões e braços ardendo como inferno.

Mais um rangido. Mais um pedaço de corda quebrando.

Eu não conseguiria salvá-la.

A não ser....

Suspirei e encarei Duda intensamente, memorizando seu rosto com uma devoção fraternal imensa. Ela respirava fundo, as bochechas vermelhas pelo esforço enquanto o cabelo se prendia nos lábios involuntariamente.

Eu nunca imaginei que teria um novo irmão além de Tyson, principalmente pela quantidade de problema que isso acarretaria para todo o Olimpo. Mas estava feliz por mais uma quebra de acordo de meu pai. Apesar dos poucos meses de convivência, não conseguiria mais me ver sem minha irmã. Determinada, forte, corajosa. Nunca sentira tanto orgulho de alguém como sentia dela e sua felicidade era a coisa mais importante para mim.

E era exatamente por isso que pensar no que eu estava prestes a fazer não me trazia nada além de paz e certeza.

— Duda, eu te amo. – Sussurrei através do barulho do vento. – Nunca esqueça disso.

— Eu sei, irmãozinho. – Ela sorriu com dificuldade pela posição nada confortável e encarei a ponte que perdia mais uma corda. Se o peso não diminuísse em poucos segundos não existiria mais ponte alguma. Duda focou em meus olhos ansiosos e ficou séria, o sorriso se perdendo aos poucos. – Percy?

— Pelos deuses, porque é tão difícil? – Reclamei já sentindo a lágrimas salgadas invadindo meus olhos.

— Não, Percy! – Duda gemeu com os olhos marejados e tentou segurar meu braço, mas o balançar da ponte caindo aos pedaços fez com que ela voltasse a mão para a madeira xingando angustiada. – Você não pode fazer isso. Annie tá te esperando do outro lado e eu preciso de você aqui! A gente consegue!

Ela começou a se mover em direção à borda onde Annie esperava, as mãos se movimentando o mais rápido possível para sustentar o peso do corpo. A ponte rangeu mais uma vez.

Era agora ou nunca.

E eu estava pronto para sacrificar a mim mesmo.

— Adeus, pequena sereia.

Então abri as mãos e caí, deixando meu corpo ser tomado pelo céu e o ar, pela sensação agridoce da liberdade. Ouvi o grito sufocado de Duda e o clamor de Annie mais ao longe, mas eles sumiram a medida que sentia o fundo se aproximar assim como os sons dos monstros famintos.

E ainda assim o sentimento de dever cumprido era maior que tudo.

Fechei os olhos esperando pacientemente pelas pedras pontiagudas e os dentes afiados dos monstros prontos para me estraçalhar, mas nada aconteceu. Quando abri os olhos o céu havia sumido, substituído por um teto pedregoso e irregular e logo senti o chão em minhas costas, uma bancada forte que tirou o ar de meus pulmões, mas não mortal como era de se esperar de uma queda de vários quilômetros. Ergui o corpo gemendo e olhei ao redor, a escuridão interrompida por uma fresta de luz e o chão áspero aos meus pés. Eu estava de volta à caverna. A minha frente Luke permanecia de pé, me encarando com um sorriso menos perverso e mais orgulhoso. Estranho.

— Um sacrifício foi exigido e um sacrifício foi feito.

Luke falou, mas a voz era diferente, imponente e estrondosa como onda contra as rochas. Diante dos meus olhos o corpo de Luke se desfez em fumaça e em seu lugar surgiu um corpo maior e mais musculoso, vestido com bermuda florida e camisa havaiana laranja, os cabelos pretos molhados enquanto um sorriso se escondia por trás da barba espessa.

A única coisa que o diferenciava de um surfista comum era o tridente prateado enorme que pendia ameaçadoramente de sua mão direita.

— Pai?

Poseidon alargou o sorriso e me puxou para um abraço apertado.

— Filho, sempre soube que você conseguiria. – Ele me largou e encarou meus olhos seriamente, a mão pesada apoiada sobre meu ombro. – Sua lealdade é seu defeito fatal ao mesmo tempo que é sua qualidade mais preciosa. Nunca perca isso, mas lembre-se que nem sempre a decisão é nossa sobre o que ou quem sacrificar. Apenas aprenda a sentir essa mesma paz e dever cumprido sendo a escolha sua ou não.

Assenti, apesar de suas palavras confusas. Num piscar de olhos um livro mediano e com a capa em letras douradas surgiu nas mãos dele. Ele me entregou com cautela e encarei as palavras do título com curiosidade. O Filho de Netuno em letras douradas caprichadas. Ergui os olhos e sorri, aliviado e cansado.

— Obrigado, pai.

— Tenho orgulho de você, filho, e sei que salvarão a todos!

Como sempre?, pensei e crispei os lábios apenas concordando.

— Mande um abraço pra sua irmã quando ela estiver sã e salva!

 Sã e salva?

Arregalei os olhos e sem perder tempo pulei de volta no rio no exato momento que a queda d’água voltou a abrir para me dar passagem. Nadei mais depressa, o livro bem preso contra meu peito, enquanto pensava em que nova confusão Duda tinha se metido e como eu faria Nico pagar por não ter protegido-a.

Até atravessar as cataratas e ver a cena que se desenrolava sobre as rochas na margem do rio. Mais de uma dúzia de fúrias atacavam meus amigos que já pareciam cansados enquanto mais delas saíam do rio. Suspirei e acelerei ainda mais o nado, pronto para entrar na batalha enquanto minha mente apenas repetia:

E pensar que eu achei a caverna ruim....

P.O.V. Duda

Minutos se passaram enquanto a criatura, que eu suspeitava ser uma fúria pelo corpo esguio e negro e as garras avantajadas, me arrastava rio a dentro. De repente o rio negro foi preenchido por uma luz intensa e dourada que me fez enxergar todos os peixes e plantas que passavam por mim. Com dificuldade virei os olhos para a onde a fúria me levava e qual não foi minha surpresa ao ver um portal dourado no fundo do rio. Diferente dos outros portais que tive de lutar para chegar próximo o bastante, este era exatamente o destino da fúria. Sorri comigo mesma e me mantive quieta, como uma boa prisioneira.

Do portal saía três monstros no momento que minha captora chegou próximo o suficiente. Encarei meu anel de íbis e senti minha cabeça girar e meu corpo ser tomado pela energia desconhecida. Como das outras vezes meus movimentos seguintes não pareciam realmente meus, eu parecia uma espectadora de minha própria mente, mas deixei meu alter ego tomar o controle e logo pronunciei a palavra mágica para fazer o portal ir pro espaço.

— TADMIR!

O portal brilhou instável e explodiu em cristais de luz sendo contido pela água, mas ainda assim matando dois monstros no processo, para minha felicidade. Senti minha mente voltando ao lugar no exato momento em que meu corpo foi lançado de volta pelo caminho que a fúria me levara. Girei na água até finalmente parar e seguir nadando em máxima velocidade de volta para meus amigos. Senti um movimento próximo e desviei para baixo no momento que uma das duas fúrias restante se lançou em minha direção. Ergui a mão e a água, obedecendo meu comando, envolveu a fúria violentamente fazendo-a rodopiar pela água esverdeada e lançando-a quilômetros na direção contrária a minha. Antes que pudesse voltar ao meu caminho a segunda fúria apareceu de repente, suas garras talhando um arranhão profundo em meu ombro esquerdo. Gemi e bati as pernas me afastando o máximo possível. No momento que ela nadou novamente em minha direção ergui a mão e a água começou a invadir seu corpo. O Nariz achatado e a boca cheia de dentes foram inundados pela água doce e logo seu corpo expeliu o excesso de água pelos ouvidos pontudos enquanto a fúria caia imóvel no fundo do rio, afogada de dentro pra fora.

Suspirei sentindo o arranhão arder, o corte fora tão profundo que nem mesmo a água conseguia cicatrizá-lo. Eu precisava de ambrosia e rápido. Forcei meus pés a nadarem tendo apenas um braço para ajudar no processo. Ergui a cabeça para a superfície e agradeci aos céus pela explosão ter me lançado mais próxima da margem do rio do que eu esperava. Ali, sobre as rochas lisas, Leo matava a fúria restante, seu fogo incinerando a criatura com um último grito amedrontador. Cheguei às rochas utilizando toda a força que ainda existia em meu corpo e apoiei o braço bom para me erguer. Senti-o vacilar devido o cansaço, mas antes que desse de cara na pedra as mãos de Nico circundaram minha cintura e ele elevou meu corpo como se eu fosse a coisa mais leve do mundo.

— Swan? – Nico me ergueu nos braços, sua voz tão desesperada quanto seus olhos demonstravam. – Swan! Fala comigo!

— Se você parar de gritar, quem sabe. – Murmurei e forcei um sorriso apesar de meu ombro arder feito inferno.

— Pelos deuses. – Nico suspirou aliviado e me colocou recostada em uma das rochas, fazendo-me engolir um pedaço de ambrosia que desceu com o sabor de mousse de limão pela minha garganta. – Será que o mundo nunca vai te dar uma folga? Você anda pior que o Percy em relação a ataque de monstros, e muito!

— Também adoraria saber quando vou poder curtir a parte boa de ser semideusa porque na parte ruim eu já estou expert. E dessa vez eu nem procurei o perigo, ele me encontrou sozinho! – respondi emburrada, cruzando os braços e gemendo de dor ao lembrar do ombro machucado.

Nico analisou a ferida e tirou um kit de primeiros socorros da bolsa. Enquanto a ambrosia fazia efeito o ferimento sangrava intensamente e Nico limpou o local com cuidado. Gemi quando ele limpou em um local mais sensível e fui surpreendida por uma lambida em meu rosto. Totó latiu e pulou em meu colo vindo da floresta, provavelmente escondido desde a batalha com as fúrias. Garoto esperto! Acariciei o cãozinho até lembrar.

— E por falar em Percy, ele já voltou?

— Estou aqui, pequena. – Meu irmão se aproximou com seu sorriso carinhoso e sentou ao meu lado me abraçando forte. Seu aroma de sol e mar me transmitiam calma e sorri com a cabeça recostada em seu peito, aliviada por tudo ter corrido bem. – E adoraria saber como você foi parar no fundo do rio quando eu disse expressamente para esses dois ficarem de olho em você.

Revirei os olhos e contei a rápida batalha nas águas do rio. Todos ouviram atentamente assim como quando Percy contou sobre sua parte da missão. Apertei seus dedos no momento que ele falou sobre a escolha que tinha de fazer entre mim e Annie e lhe dei um peteleco por ter sacrificado a si mesmo.

— Se aquilo fosse real e você morresse, eu te matava!

Annie acenou em concordância e todos riram.

— Se eu não tivesse feito isso eu não teria conseguido nosso passaporte para a próxima etapa da missão. – Percy respondeu com um dar de ombros e mostrou o livro com orgulho.

Era exatamente como me lembrava, as letras douradas e cursivas sobre uma capa que representava Percy saindo das águas geladas. Senti a capa e a textura do papel com reverência.

— O Filho de Netuno. – Folheei as páginas até parar na última capa onde um pedaço em branco de pergaminho antigo estava grudado assim como uma pequena frase se destacava no papel liso e imaculado. – Mais uma parte do quebra cabeça.

Entreguei o pedaço para Annie que o colocou na mochila junto com os outros e voltei os olhos para a frase, nosso transporte para a próxima parada.

— Vou sentir falta do Brasil. – Leo declarou com ar sonhador. – Praias, sol, garotas. Se não for o paraíso, é bem próximo disso.

— Quem sabe a gente não volte aqui para comemorar uma missão bem sucedida? – Falei com um sorriso, apesar de no fundo não acreditar que acabaria tudo tão bem assim, mas guardei isso para mim. – Vou mostrar para vocês praias bem maiores com mar de verdade e muitos, muitos mais biquínis pra escolher!

— Que bom que ainda está bem, bem distante disso acontecer. – Nico respondeu irritado, provavelmente se lembrando do tamanho dos biquínis. – Que tal a gente seguir em frente?

Ri abertamente, mas concordei. A ambrosia já havia curado a parte mais profunda do machucado e senti Percy despejando um pouco de água sobre a superfície do arranhão para cicatrizá-lo de vez enquanto me ajudava a ficar completamente seca. Agradeci com um sorriso e voltei os olhos para o livro. Li a pequena frase mentalmente e pigarrei.

— Todos prontos?

Meus amigos acenaram ao mesmo tempo e deixei as palavras fluírem por meus lábios como cascatas rolando através das pedras. Aquilo se tornou tão comum quanto respirar e eu já me sentia a vontade deixando meu poder de Língua Encantada fluir livremente.

E na origem do mundo os heróis encontraram as cores das rochas.

Todos já sabiam o que esperar então quando as rochas tremeram e do rio surgiu uma onda de mais de três metros vindo em nossa direção ninguém se moveu. A água despencou sobre nós, mas em vez de sermos levados para o rio fomos sugados pela magia e a água esverdeada rodopiou ao nosso redor nos transportando em um redemoinho para muito além das águas profundas do rio. Em segundos o redemoinho nos lançou em um chão quente e arenoso além de extremamente duro.

— No fim dessa missão eu vou precisar de cadeiras de rodas. – Leo comentou jogado de costas no chão, exatamente do jeito que o redemoinho lhe depositou. – Porque com certeza não terei mais coluna!

— Exagerado... – Ouvi Annie murmurar com ar de riso.

— Mas até que não estou tão enjoado. – Nico comentou surpreso soltando Totó no chão aos seus pés. Ele me olhou com um sorriso. – Acho que já estou tão acostumado quanto com as viagens nas sombras.

Revirei os olhos e dei língua para ele que me retribuiu com um beijo, me deixando corada.

— O que importa é que chegamos! – Percy suspirou, seu corpo parecendo tão cansado quanto sua voz.

— É, mas chegamos aonde? – Jason questionou com uma sobrancelha erguida olhando ao redor.

Voltei os olhos pelo lugar assim como todos. Ao nosso redor se estendia um campo coberto de areia vermelha e com algumas árvores secas pontilhando o horizonte. Abaixo de nós uma rocha vermelha e enorme se estendia por quilômetro como um pequeno monte achatado. Além disso não havia mais nada. Nenhuma cidade a vista e poucos carros passando em um auto estrada há metros de onde estávamos. Eu não fazia a menor ideia de onde fomos parar.

— Será que eu li isso certo? – Encarei o livro em minhas que já tinha se tornado uma miniatura de seu tamanho real. – É, acho que sim. Annie, alguma ideia?

— Pelo clima seco e quente e a vegetação quase desértica eu chutaria que estamos em algum país ao sul, próximo as trópicos. – Annie deixou seu modo nerd ligado e começou a falar enquanto analisava o local. – Mas não sei dizer bem qual é. Se houvesse ao menos uma cidade próxima.

— Não é necessário, eu sei exatamente onde estamos! – Piper que estava bastante calada olhando para o ambiente finalmente falou enquanto nós olhávamos para ele com surpresa e ela sorria com nostalgia. – Foi uma das melhores viagens que já fiz na vida.

Ela abriu os braços e nos encarou com seu sorriso charmoso e os olhos piscando devido o sol forte.

— Estamos na Austrália. Especificamente sobre Uluru: O monólito do azar!


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Notas finais do capítulo

Próxima parada: terra dos cangurus!
Au revoir



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