Malditos Cromossomos escrita por Felipe Arruda


Capítulo 1
Encontrando, acidentalmente, um irmão gêmeo


Notas iniciais do capítulo

Bem vindo ao início.



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Samuel estava andando pelo calçadão em baixo de um sol escaldante cercado por um transito caótico e barulhento. A camiseta preta com a estampa de uma banda de rock não muito famosa estava basicamente colando em suas costas, mas aquele era o preço que ele pagava por ter um visual descolado e alternativo.

Seus pensamentos estavam distantes e era um emaranhado de coisas sem nexos misturadas a fadiga e ao caos do transito ao seu redor. Na noite anterior, Samuel, completou dezoito anos de idade e sua adorável mãe resolveu comprar um bolo com direito a velinhas para que ele assoprasse e fizesse um pedido.

Ele teve apenas um bolo simples de chocolate branco qual dividiu com o pai e com a mãe. Ele realmente adoraria ter dado uma festa de arromba e convidado seus amigos, caso tivesse algum; e todos iriam a uma boate VIP e comemorariam da forma mais inesquecível possível, mas aquilo não rolou já que sua família tinha dinheiro apenas para manter o padrão de vida de classe média os quais pertenciam.

Samuel não ligava tanto assim para o dinheiro. Tudo bem, ele adoraria ter uma variedade maior de roupas e tênis em seu guarda-roupa, ou então ter o celular mais moderno ou os eletrônicos mais fantásticos do momento, mas ele não podia ter e então ficava apenas no desejo de que talvez um dia ele tivesse dinheiro o suficiente para comprá-los.

Mas andando a passos curtos naquele calçadão tudo o que Samuel conseguia lembrar e desejar no momento era que o pedido de aniversário feito na noite anterior se realizasse. Ao assoprar as velas em cima do bolo, ele desejou que sua vida tivesse uma mudança significativa ou que desse um giro de 360 graus.

Era perfeitamente visível o quanto ele detestava comemorar seu aniversário e tudo o que ele podia fazer era odiar o fato de que a cada ano ele ficava mais velho e que o futuro estava batendo em sua porta com uma mala cheia de responsabilidades das quais ele não sabia se daria conta.

O futuro era algo extremamente assustador para Samuel. Ele havia terminado o ensino médio no ano passado e estava assustado de mais com a possibilidade de entrar para uma faculdade. Isso o assustava porque, primeiro, ele não tinha ideia do que iria fazer e isso era algo que ele gostaria de ter certeza já que faculdade você faz para ter um emprego que pode te definir para o resto da sua vida e, segundo, ele certamente não estava a fim de fazer faculdade.

O pai de Samuel se chamava Adair e possuía uma pequena loja de pneus e acessórios de carros. O jovem havia passado o ano anterior trabalhando na pequena loja todas as tardes enquanto estudava todas as manhãs numa escola pública. No entanto, ele já se via preso dentro daquelas paredes verdes com cheiro de borracha nova num período integral por um bom tempo. Só Deus sabia o quanto Samuel detestava aquele lugar.

Tudo o que Samuel queria era viver. Era não ter correntes em seus punhos e poder tomar conta de qualquer decisão que ousasse ter. Ele queria viajar o mundo de carona ou então entrar num carro e partir sem destino, sem rota, apenas trabalhando em cidades esquecidas para por gasolina no carro e seguir viagem. Ele adoraria morar na praia, acender uma fogueira e dormir olhando as estrelas, mas seus pais teriam um ataque se soubessem que aquilo se passava na cabeça de Samuel.

— Droga – murmurou ele enquanto andava pelo calçadão. Era hora de pique o que significava que todas as pessoas andavam com pressa falando em seus celulares ou simplesmente olhando para o próprio nariz a fim de chegar logo em algum lugar.

O garoto alto olhou para a cafeteria a alguns metros de distância e decidiu parar ali para tomar um refrigerante bem gelado. O calor escaldante de Foz do Iguaçu num mês de fevereiro era basicamente uma amostra grátis do inferno.

A cafeteria era grande e bem iluminada com palmeiras e árvores grandes ao seu redor. As mesas eram redondas de madeira e envernizada. As pessoas que se encontravam ali usavam roupas caras e confortáveis, e riam enquanto conversavam. Samuel passou por entre uma das mesas onde uma menina tirava uma foto de um salgado no prato com um copo de suco ao lado.

Que estúpida— pensou ele. Samuel realmente achava pessoas com pré-disposição para tirar fotos de comidas extremamente estúpidas.

Antes de entrar pelas portas de vidro, uma menininha de no máximo dez anos de idade parou na sua frente e pegou do chão algum acessório da boneca Barbie que ela carregava na mão. Uma mulher alta e de cabelos pretos ondulados usando uma saia e uma camiseta branca escrita I ♥ Kiss My Boyfriend segurava a menina pela mão.

— Ande Bela – disse a mulher com os olhos vidrados no celular em suas mãos. – Vamos nos atrasar para o seu curso de pintura.

A menina pegou o que seria uma coroa de plástico de sua boneca Barbie e em seguida olhou para o Samuel com curiosidade. Ela usava uma roupa rosa e tinhas os cabelos pretos caiando em cascatas pelas costas. Os olhos da garotinha eram castanhos da cor da avelã e suas bochechas rosadas eram completamente “apertáveis”.

Ela sorriu e Samuel sorriu de volta sem entender o que acontecia entre os dois naquele momento. A mulher tirou os olhos do celular e olhou para Bela e em seguida para Samuel. Ela pareceu confusa por uma fração de segundos, mas logo em seguida sorriu.

— Você trocou a camiseta bem rápido – disse ela um pouco espantada. – Desculpe mais uma vez pelo o que aconteceu. – A mulher sorriu e depois olhou para Bela. – Vamos logo querida! Estamos atrasadas! – Em seguida ela voltou a puxar a menina pelo braço e as duas partiram rumo ao calçadão.

Samuel ficou um pouco confuso com aquilo que tinha acabado de acontecer. Na certa a mulher o havia confundido com outra pessoa, mas tudo o que ele fez naquele momento foi rir da estranha.

— É cada um que me aparece – disse ele pra si mesmo. Samuel ainda estava olhando para a mulher ao longe enquanto deu dois passos para entrar pela porta da cafeteria. Sem se dar conta ele esbarrou em alguém que carregava uma lata de refrigerante nas mãos.

O esbarrão aconteceu devido ao fato de Samuel estar distraído, mas o estranho em quem esbarrou também não parecia o mais atencioso do mundo.

— Droga! – Disse o estranho. No momento do esbarrão a lata de refrigerante voou em direção ao seu peito fazendo o líquido preto manchar a camiseta branca de gola polo que ele usava. – Outra vez! – Reclamou ele.

— Desculpe! – Disse Samuel apressado. – Eu realmente não te vi!

Uma mulher da mesa ao lado havia parado para ver o que acontecia na porta da cafeteria, mas logo desviou a atenção para a criança sentada a sua frente que chorava dizendo que queria ir ao Mcdonalds.

Samuel parou para olhar para o estranho a sua frente. Ele parecia completamente familiar, mas graças aos óculos escuros que usava por cima do nariz, não conseguiu identificar quem era.

O estranho parou de resmungar sobre o refrigerante e a camiseta e olhou fixamente para Samuel.

— Impossível... – Sussurrou ele.

O estranho tirou os óculos escuros e olhou seriamente para Samuel que deixou um palavrão escapar da boca.

— Puta merda! – Disse ele. A mulher da mesa próxima desviou o olhar para Samuel, incomodada com o palavrão do garoto, mas ela logo se concentrou na criança que continuava querendo ir ao Mcdonalds.

Samuel olhou seriamente para um garoto exatamente idêntico a ele.

♦♦♦

Bruno nem se incomodava mais com a camiseta manchada de refrigerante. Há cinco minutos uma criança remelenta vestindo cor-de-rosa e carregando uma Barbie havia derrubado um copo de suco em cima dele. Ele estava na fila para pagar o refrigerante quando o pequeno vômito cor-de-rosa em forma de criança havia “acidentalmente” derrubado o Kapo de pêssego nele.

Acidente— pensou Bruno na hora. – Sei. É por isso que eu nunca terei filhos.

O garoto mal havia se recuperado da mancha alaranjada em sua camiseta polo branca e cara quando outro imbecil esbarrou nele manchando o resto de sua Ralph Lauren Brand Off.

Agora Bruno estava sentado numa das mesas do lado de fora da cafeteria o mais distante possível da porta de entrada. Ele certamente surtaria com mais alguém derrubando coisas nele.

A sua frente estava o imbecil olhando fixamente para ele e parecendo impaciente.

— Qual o seu nome? – Perguntou Bruno.

— Samuel Almeida. – Respondeu ele.

Então o imbecil tem um nome.— Pensou Bruno arqueando uma sobrancelha. Ele havia recolocado os óculos escuros, pois o reflexo da rua fazia seus olhos arderem.

— E o seu? – Perguntou Samuel.

— Bruno – disse ele soltando um suspiro de tédio, mas não ousou tirar os olhos do garoto idêntico a ele respirando pesado a sua frente.

Uma garota de cabelo preto com as pontas pintadas de rosa e usando um jeans justo e uma camiseta azul escuro com o slogan da cafeteria se aproximou.

— Vocês vão querer alguma coisa? – Seu tom de voz era doce e ela era baixa e magra. – Oh! – Deixou escapar quando ela percebeu os dois garotos idênticos a sua frente.

Samuel sorriu. Já Bruno gostaria de entender o motivo das pontas rosa no cabelo. Será que ela não consegue ver o quanto esse cabelo está ridículo?— Pensou ele.

— Me deixe adivinhar – disse a garota – você é o filho exemplar – disse ela apontando para o Bruno. – E você deve ser a ovelha negra da família. – Ela apontou para Samuel.

Samuel soltou um risinho.

— Não nos julgue irmã – disse ele levantando as mãos para o alto como alguém que se rende.

Bruno não estava achando nada daquilo engraçado. Ele estava em conflito com a descoberta do seu “possível irmão gêmeo” e aquela garota cafona estava atrapalhando sua tentativa de compreender as coisas.

— Eu quero um refrigerante – disse Samuel.

— Para que? – Perguntou Bruno. – Vai derrubar ele em mim de novo? – Samuel não respondeu nada. Bruno olhou para a garçonete. – Você tem pernas lindas, querida, vamos vê-la em ação. – Ele fez um sinal com os dedos para que ela se retirasse, e assim ela fez um pouco constrangida.

Samuel olhou para ele com um sinal de reprovação, mas Bruno estava decidido a ignorar qualquer coisa que não lhe desse uma resposta.

— Quantos anos você tem? – Perguntou Bruno voltando com o interrogatório.

— Dezoito – respondeu seu sósia.

Aquilo era estranho.

— Eu tenho dezessete. – Disse Bruno. – Fiz no dia onze do mês passado.

— Eu fiz dezoito ontem. – Falou Samuel parecendo intrigado com aquilo também.

Um momento de silêncio pairou entre a mesa deles e tudo o que se ouvia era o tráfico insano ao redor. Bruno aproveitou o silêncio para analisar Samuel. O rosto dele era idêntico ao seu, mas ele tinha esse ar responsável nos olhos. As roupas que ele usava eram terríveis e feias, de um mau gosto estremo o que só podia significar que ele era pobre.

— Isso é insano – disse Samuel – minha mãe não teve gêmeos.

A garota com as pontas rosa no cabelo voltou com um refrigerante e um copo em cima de uma bandeja. A conversa entre eles se aquietou por alguns segundos.

— Sabe – disse ela – como a mãe de vocês reconhece os dois? – Ela colocou o copo na mesa e sorriu. – Se eu tivesse uma irmã idêntica a mim eu fingiria ser ela e faria uma bagunça.

A garçonete saiu e sorriu. Bruno manteve os olhos fixos naquela garota até que ela sumiu de seu campo de visão. Uma brisa de vento soprou em seu rosto o que amenizou em cinco por cento aquele calor escaldante.

— Genial... – Sussurrou ele.

Samuel deu um gole no refrigerante com vontade.

— O que é genial? – Perguntou ele com a lata de Pepsi ainda nas mãos.

Bruno estava com uma chama pulsante em seus olhos. Ele havia acabado de ter uma ideia brilhante para descobrir algumas respostas sobre a aparência deles dois.

— Nós vamos trocar de lugar – disse Bruno. Samuel olhou para ele e arqueou a boca para falar algo, mas Bruno o interrompeu. – Eu acho que sei como descobrir se nós somos irmãos gêmeos.

 


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Notas finais do capítulo

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