Imagens do Inconsciente escrita por Marcela Melo


Capítulo 27
Capítulo 27




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Era tarde demais.

Samantha voltou para casa, lavou mais de uma vez as canecas e as guardou. Laura ainda mexia em algumas coisas quando ela entrou no quarto.

— Onde esteve?

— Estava preparando um café. — Percebeu que sua voz saíra desesperada, tentou se conter, mesmo sabendo que a amiga já havia percebido. — Vou tomar banho, ainda estou molhada.

— Ok. Água quente da esquerda. Pode usar a banheira se quiser e relaxar, parece tensa.

Samantha não disse nada. Pegou suas coisas e saiu. Experimentava o medo e a culpa brigando com a indiferença. Talvez Luan fosse inocente. Agora, toda aquela certeza que sabia exatamente todos os rostos de todos os envolvidos diretamente em sua sina, desaparecera e esse fora seu erro.

Mas ele pode estar mentindo. Samantha lembrava bem de todos os que estavam naquela noite, Luan era um deles. Não lhe ocorreu que ele estivesse impedindo alguém. E mesmo que tenha tentado, ele falhou e isso o coloca no banco dos réus.

Os olhos azuis de Samantha estavam vermelhos por causa das lágrimas que rolavam incessantes. Se sentia prisioneira dos seus atos. Uma parte dela ainda queria esquecer tudo isso e voltar sua vida comum. Abandonara seus amigos. Fazia tempos que não conversava com Luana ou com Amanda. Não ia mais aos museus. Nem ao cinema. Não passava horas na biblioteca.

Ficava vagando sem rumo com uma ideia fixa de vingança que lhe roubava a razão e, vez por outra cismava de perseguir Leonardo. Ele estava distante e, mesmo sem querer, Samantha admitia que gostava dele por perto, fingindo que se importava. Ou talvez nem estivesse fingindo, mas para ela não fazia mais sentido.

Samantha olhava para um ponto qualquer da cerâmica, branca. A meia luz deixava uma paz superficial no lugar, somados ao silêncio quase que absoluto que fazia ali. A banheira estava ligada para manter a água em movimento continuo e aquecida. Samantha encostou-se em um canto, apoiou a cabeça e, depois de algum tempo chorando e lutando com seus pensamentos, adormeceu.

E sonhou.

Samantha corria descalço pela neve, vestida com um short jeans e uma blusa clara de mangas longas. Um capuz cobria sua cabeça deixando parte dos seus cabelos encobrindo seu rosto. Nevava. Em um canto sóbrio Leonardo e Laura se beijavam e riam enquanto ela passava correndo ainda mais. Em outro canto Luan estava em seu carro, com os olhos abertos, morto. Mais adiante seus pais estavam presos, porém com uma garrafa de champanhe em uma das mãos e taças em outras. Samantha corria em círculos e via mais de uma vez a mesma cena. Mais uma vez... mais outra... e já não corria. Caminhava com as mãos no bolso da blusa. A cabeça baixa impedia de ver seus olhos, mas havia um sorriso em seus lábios. Leonardo estava sozinho e Laura caída no chão com seu sangue escorrendo na neve. Seus pais continuavam presos, porém ao invés de champanhe tinha as mãos algemadas, estavam sujos e com aspecto de mendigos. Luan estava rolando montanha abaixo e seu carro explodia, logo após Samantha passar... alguém batia em uma porta.

— Samantha... — Alguém a gritava, em seu sonho. Ouvia uma voz lhe chamando ao longe. —Samantha...

Samantha acordou assustada. Onde estava? Laura chamava à porta e batia.

— Um momento, já vou.

— Está tudo bem? Estou lhe chamando há algum tempo.

— Sim, só cochilei aqui. — Samantha vestiu o roupão e abriu a porta. Laura sorria.

— Sua dorminhoca, pensei que tinha se afogado na banheira. Tem umas três horas que está aí dentro.

— Isso justifica porque estou toda enrugada. — Samantha sorria. – Essa banheira é realmente relaxante.

— Se é! Você até perdeu aquela cara carrancuda que estava antes. Fica mais linda quando sorri. — Laura tocou os lábios de Samantha ao dizer isso, deixando-a um pouco perturbada.

— Você fez o que nesse tempo?

— Nada, despedi de Luan que resolveu ir embora e fique assistindo qualquer coisa na TV. Venha vamos preparar algo pra gente comer...

***

Leonardo estava sozinho em casa. Sua mãe fora organizar um evento, daqueles que ela fazia questão de ficar, ela mesma, a festa inteira para se assegurar que nada dê errado. Seu pai estava no escritório e Samantha havia saído bem cedo, Ele não sabia para onde. Tentara ligar no celular dela, mas só caia direto na caixa postal. Talvez estivesse com algum namorado.

Pensar nisso deixava Leonardo perturbado. Desde o início do ano Samantha estava estranha. Primeiro mudou a forma de se vestir, estava mais sombria. Tivera aquele episódio na piscina, ela estaria morta se ele não chegasse... o que estava acontecendo com sua prima e, porque ele não parava de pensar nela?

O silêncio da casa era assustador. Leonardo tentou ligar para Samantha mais uma vez, mas não conseguiu. Resolveu dar uma volta pela cidade, em um sábado de outono, talvez conseguisse um lugar tranquilo no meio dos turistas.

Ao sair, Leonardo passou pela porta do quarto de Samantha. Sabia que poderia encontrar muitas respostas do outro lado daquela porta. Hesitou por um momento, não iria gostar de ter sua privacidade invadida, mas a situação exigia o sacrifício. Experimentou a fechadura, é claro que estaria trancada.

***

Ricardo estava em seu carro, do outro lado da rua. Seu pai, Roger, queria resultados embora o jovem detetive estivesse pouco interessado em seguir dois adolescentes que queriam se pegar por ai. Seu pai o convencera entrar no caso porque Júlio Carrara era um advogado influente, poderia ajudá-lo nesse início de carreira, mas não via nada de errado ali, somente que Leonardo e Samantha se odiavam e se amavam na mesma intensidade, querendo fazer de tudo para conquistar e provocar o outro.

O detetive estava parado ali havia poucas horas, mas não vira quando Samantha saiu com Laura e Luan. Pensava que a menina estava em casa. Lia um jornal e escutava música, quando Leonardo saiu cabisbaixo. Usava uma bermuda xadrez, uma blusa escura e tênis. Caminhava em direção a orla da praia e não percebeu que havia um carro o seguindo.

Leonardo passou no Starbucks e depois encontrou-se com algumas garotas em um quiosque de Copacabana. Percebia que o garoto, apesar de manter a cordialidade, estava tentando manter todas as meninas afastadas de si. Uma delas percebeu a rejeição indagando-o:

— Leonardo, o que está havendo com você? Já há algum tempo que não é o mesmo. Sempre desviando, sempre escapando. Não participa mais de nada e afasta todos seus amigos. Onde está Pedro? Ou Igor... Brigou com Luan. Onde está o Felipe, Leo. Porque tem afastado todos?

— Está me culpando pelo que aconteceu com Felipe? O Luan que não fala mais comigo, acho que porque peguei a Laura e todo mundo muda, Alice, amadurece... talvez devesse experimentar também, acho que já é tempo.

— Você não é mais a mesma pessoa e, acredite, vai perder todos os seus amigos antes de se dar conta disso. Tudo o que faz é ficar atrás daquela esquisita da sua prima e, o mais engraçado, é que ela não dá a mínima para você. Só você não percebe, Leonardo, está sozinho. Ninguém te atura mais.

— Será? Alice! Será que sou eu que estou sozinho? Não sou eu que estou mendigando sua atenção, garota. Não sou eu que estou em uma crise de ciúme sem pé nem cabeça. Cada dia que passa percebo que vocês todos, todos, estão escondendo algo de mim. Desde a festa. Vocês, meu tio, meus melhores amigos, que não sei se são mais tão amigos assim, Samantha... todos vocês estão vivendo sob uma nuvem de fumaça tentando ocultar algo. Não são tão amigos quanto pensam e, não preciso de pessoas como vocês. — Leonardo gritava. Alice ficara assustada a ver a reação do amigo e se afastara um pouco, temendo o que acabara de provocar. Quando ele se calou ela tentou se aproximar, mas Leonardo a empurrou e saiu, sozinho.

Leonardo caminhou por quase trinta minutos até o hospital St. Mônica. Ricardo o seguia entediado. Enquanto andava, Leonardo pensava que Alice tinha razão, ele afastara todos os seus amigos, não era mais a pessoa que costumava ser. Não se importava mais. Mas Alice tinha razão em perceber sua solidão. Às vezes queria que tudo, simplesmente, fosse como antes.

— Por favor, qual é o horário de visitas? — Leonardo indagou a recepcionista do hospital.

— Qual paciente, senhor?

— Rafael Carrara.

A atendente o olhou fixamente. Pediu para que aguardasse enquanto realizava uma consulta no sistema. Ela parecia jovem, mas tinha expressões de quem trabalhara por horas sem descanso. Sob seus olhos negros havia olheiras fundas. Seu sorriso era amarelado e forçado e os cabelos mal cuidado. Enquanto esperava, observava as mãos inquietas e notou um potinho de amêndoas perto do telefone. Talvez a jovem fosse fumante ou precisava manter as mãos e a boca sempre ocupadas.

— Senhor! — O chamado da atendente interrompeu os pensamentos de Leonardo. — O Sr. Carrara não receberá visitas. Está em processo de transferência e, infelizmente a entrada não está autorizada.

— Pode me dizer para onde ele será levado?

— Não, não posso. Sinto muito.

— Ok. Obrigado.

Leonardo saiu com o pensamento de indagar os pais mais tarde. Estava com fome, decidiu ir ao Mc Donald’s comer alguma coisa. Mas antes, pegou um atalho por um caminho menos movimentado. Quando estava há uns três quarteirões da avenida principal parou. Esperou alguns momentos e falou, alto e claramente:

— Quem é você e por quê está me seguindo desde que saí de casa?

Ricardo não teve escolha, apesar de ter hesitado por alguns instantes. Pensara estar totalmente escondido, mas Leonardo o percebera e sabia que ele estava seguindo-o há algum tempo. Precisava de uma desculpa.

— Meu nome é Ricardo. Você é bom! — Disse sorrindo, tentando quebrar o clima.

— Se não me disser, nesse momento, porque anda me seguindo, irei chamar a polícia, senhor Ricardo.

— Calma! Eu posso explicar — Na verdade não podia. Ricardo nunca havia sido pego antes. O seu desinteresse pelo caso o fizera cometer erros que, agora, não sabia como solucionar. Pensava rápido ao passo que tentava ganhar algum tempo com Leonardo. Este estava, visivelmente, nervoso. Não iria cair na conversa de amigos, não iria ceder e deixar para lá. Talvez até visse nesta, uma oportunidade de extravasar sua raiva. Ricardo havia caído na sua própria arapuca e já imaginava o pai lhe dando bronca por isso. — Samantha. Ela me deu um fora dizendo que gostava de outra pessoa. Como sei que vocês são próximos pensei em descobrir alguma coisa... — Ricardo foi diminuindo a voz e o sorriso forçado, ao perceber que Leonardo mantia o rosto impassível e descrente.

— Samantha? Ela se envolve com manés então? — Leonardo aliviou a expressão do rosto e quase abriu um sorriso. — Se descobrir algo que envolve minha prima, pode me contar, parceiro. Aquela ali é a maior incógnita que conheço. E, se eu lhe pegar me seguindo outra vez, não serei tão legal.

— Tudo bem, Léo. — Ricardo estendeu-lhe a mão. — Me desculpe por ser um completo idiota (e por ser pego – pensava) posso lhe pagar um lanche para apagar esse episódio? Seguir você me deu fome.

— Estava pensando nisso, vamos lá então! — Leonardo completou, sorrindo. Uma companhia não lhe faria mal algum e, talvez descobrisse algo sobre os mistérios de sua prima.


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