—Você tem algum compromisso pra essa noite, Jenn? —escuto a voz de Castiel me perguntar enquanto recolho e guardo todos os meus papéis dentro de uma pasta.

Somos os últimos na sala de aula, e eu, como sempre, estou aqui, lutando contra meu próprio material e minha desorganização. Ele agilmente tira os papéis de minha mão e os separa por ordem alfabética, os colocando dentro de minha pasta e me entregando.

—Obrigada. —abro um sorriso agradecido. Penduro minha bolsa sobre meu ombro e saímos juntos, andando pelos corredores quase vazios da faculdade. —O que você dizia?

—Se você vai fazer algo mais tarde. Tem um filme bem legal nos cinemas, e eu preciso de companhia. Queria saber se você está livre e se gostaria de ir comigo? —ele pergunta quase que timidamente. Depois de Isaac e Ethan, Castiel era um dos meus únicos amigos do sexo masculino que eu não havia tido nenhum tipo de envolvimento amoroso, e queria que as coisas continuassem assim. Mas pelo visto, esse desejo não era partilhado por ele.

Ele fora o único que foi simpático comigo no meu primeiro período de faculdade. Apesar de ser completamente desorganizada com folhas e horários, eu era extremamente perfeccionista e responsável com prazos de entrega de tarefas e trabalhos escolares. No que me faltava, Castiel me complementava e então de cara formamos uma dupla, praticamente inseparável. Ele tinha intensos olhos castanhos e o cabelo de mesma cor, liso. Às vezes seu sorriso torto fazia meu coração parar, porque me lembrava demais uma outra pessoa.

—Eu adoraria. Mas... —começo a dizer.

—Você sempre tem um “mas”. —ele revira os olhos e, em seguida, solta uma risada baixa. —É só um cinema, Jenn. Vá pelo filme, ou pela nossa amizade. Não precisa ser nada mais que uma saída entre amigos, eu te prometo. —e a forma como ele diz me faz sentir quase culpada se negasse.

—Podemos adiar essa saída pra amanhã? —pergunto. —Eu já tinha marcado um negócio com três amigas minhas. Você conhece uma delas, a Annie. Aquela loira que fala sem parar. —espero ele confirmar com um aceno de cabeça antes de prosseguir. —Então, ela vai se casar.

—Sério isso? —ele pergunta surpreso. Eu nunca havia comentado isso com ele?

—Sim. Com Isaac. Nosso amigo desde o colegial. —rio. —Enfim, ela queria ajuda com os últimos preparativos e eu prometi que iria. Tenho que ser uma boa madrinha. —digo quase suplicante. Não era inteiramente mentira. Annie realmente queria marcar uma saída comigo, Nanda e Patrícia. E havia coisas do casamento por organizar. Por que não poderia ser hoje? Assim eu podia me preparar psicologicamente para o encontro com Castiel.

—Tudo bem, Jenny. Eu entendo. —ele sorri.

—Você é um anjo, Cas. —retribuo o sorriso.

—É o que dizem. —ele ri dando de ombros e para ao meu lado. Já estamos do lado de fora, em frente à faculdade. —Então eu te vejo amanhã. —o tom dele parece realmente ansioso enquanto ele me encara. Ele me dá um beijo rápido na bochecha e partimos em direções opostas.

Vou andando pelas ruas movimentadas, observando as vitrines das lojas e as pessoas que passam por mim. Resolvo dar uma rápida passada no mercado pra comprar umas coisinhas, e assim que saio, resolvo ligar para Annie.

—Alô?

—Oi Annabella.

—Meu Deus! Não me chama assim! Parece até minha mãe quando vamos iniciar uma discussão. —solto uma risada. —O que você quer?

—Nossa, quanto bom humor! Depois quer me chamar de Miss Simpatia.

—Diz logo o que você quer. —ela resmunga. —Não acredito que você me acordou apenas pra tirar uma com a minha cara.

—Ainda tá de pé aquela nossa saída? —pergunto enquanto vasculho minha bolsa à procura da chave, e tento equilibrar o telefone sobre minha bochecha e meu ombro.

—Eu, você, Nanda e Paty? —ela pergunta com a voz desconfiada. Ela sabia que eu estava aprontando alguma coisa.

—Exatamente. —sorrio.

—Claro, é só marcar. —ela parece realmente animada.

—E que tal hoje? —pergunta deixando evidente minha dúvida.

—Assim de última hora? —ela pergunta incrédula.

—Ah!, Annie. Por favor. —imploro baixinho e fazendo beicinho, mesmo tendo consciência de que ela não poderia ver.

—Eu não sei, Jenn. Teria que resolver algumas coisas hoje... E já ligou para as outras meninas?

—Eu tenho umas coisinhas pra te contar. Sobre aquele garoto da faculdade... —deixo a frase incompleta, para deixar um suspense a mais e tenho que morder os lábios pra evitar uma risada. —E podemos também ver os últimos detalhes do casamento.

—O quê? Aquele que conheci quando fui te buscar aquele dia? O moreno bonitão que estava carregando seus livros? Pode me dizendo tudo, a-go-ra! —ela enfatizou bem as sílabas da última palavra, como se precisasse reforçar ainda mais a urgência em sua voz. E não deu a mínima importância para minha última frase.

—Só conto se fomos sair hoje e você der um jeito de convencer as outras. —rio baixo abrindo a porta de casa e logo em seguida colocando as sacolas sobre a mesa da cozinha.

—Você com seus joguinhos pra conseguir o que quer. —escuto ela bufar. —Okay Jennifer. Ligo pra você em dez minutos. Se arrume e não se atrase. Passo aí pra te buscar. —ela diz resmungando.

—Sabia que podia contar contigo, Annie.

—Cala a boca. —ela rebate.

—Também te amo, tchau. —rio.

—Até logo. —ela então encerra a chamada.

***

—O que aconteceu aquele dia com você e Leo? —pergunta Annie me olhando de canto.

Já estávamos dentro do carro. Tínhamos tido um dia atarefado. Entre escolher cores de tecidos, estilos de convites e decidido os convidados que seriam acrescentados por último na lista. Depois passeamos pelo shopping e comemos uma pizza, acompanhada de boas risadas e palhaçadas.

Eu realmente tinha ficado impressionada de como minhas duas melhores amigas haviam recebido Patrícia como parte do grupo rapidamente. De inicio havia ficado receosa, pois Patrícia foi a responsável pela briga entre Ethan e Nanda, o que resultou no término da relação, ou não relação assumida, deles. Receio de Nanda ainda guardar algum tipo de rancor. Ou Annie, que havia a apelidado carinhosamente de “Vatrícia” quando esta era a então namorada de Leo. Às vezes, impressionava o fato de eu ter ficado amiga de Patrícia.

—Nada demais. Eu só exagerei um pouco na bebida e Leo cuidou de mim. —dei de ombros e ignorei o “como sempre” de Nanda.

—Mas você mal podia ouvir o nome dele, e agora ele foi até sua casa, cuidou de você e vocês estão tão amigos quanto antes. Que bebida milagrosa é essa? Água benta? —insiste Annie.

—Você mal podia ouvir o nome de Leo que já fechava a cara. —completou Patrícia.

—Eu não sei, gente. Só não vi motivos pra continuar fugindo dele. Somos amigos há muito tempo e não acho que um namoro de adolescência deva acabar com tudo. Não posso sacrificar todos os momentos bons por alguns ruins. —digo na defensiva.

—Temos uma verdadeira evolução de maturidade dentro deste veículo. —anuncia Nanda e todas, inclusive eu, caímos na gargalhada.

—Você pode me deixar na Editora, Annie? —pergunto.

—Tem trabalho hoje? —pergunta Patrícia.

—Só dar uma conferida em alguns documentos, nada demais. —sorrio de canto.

—E você vai ao encontro com Cas? —pergunta Nanda. Ei, só eu posso chama-lo assim!

—Acho que não haveria problemas. É uma saída de amigos, como ele mesmo disse, nada além disso. —dou de ombros enquanto as três se entreolham.

Passamos o resto do tempo em silêncio, só quebrado pelos sussurros apressados de Nanda que tentava acompanhar, sem muito sucesso, uma música de rap que tocava na rádio.

—Foi ótimo ver vocês, meus amores. —digo assim que saio do carro e fecho a porta.

—Temos que marcar outra em breve. —diz Nanda animada.

—Mas mal nos despedimos e você já está sugerindo isso. —diz Patrícia rindo.

—Mas já sinto saudades das minhas melhores amigas. —diz Nanda como se fosse uma criança.

Annie revira os olhos e faz uma cara de desgosto.

—Até mais Jenn. —diz Annie acenando e eu retribuo. Patrícia me joga um beijo no ar e Nanda pisca pra mim.

Entro no prédio rapidamente e dou boa tarde ao porteiro, assim que passo por ele.

Depois de conferir alguns documentos, xerox e planilhas, me dou por satisfeita, e termino de saborear meu copo de café lentamente. Até que me atento a uma folha que não havia visto antes. Era o formulário que o sr. Rogers havia me dito ontem, sobre o novo funcionário. Li suas qualificações e cursos. Ele realmente tinha potencial. Mas foi com um choque que reconheci o nome da instituição escolar. O mesmo que a minha. Mas choque maior foi ao ler o nome do rapaz. Antes que eu pudesse sequer reagir, fui interrompida.

—Então você é a chefe desse departamento? —escuto uma voz masculina familiar e ergo os olhos. Ele parece realmente surpreso ao me ver. —Oh, meu Deus! Como vai Jennifer? Que mundo pequeno! —ele tem um sorriso simpático nos lábios.

Não consigo responder a pergunta dele. Engulo em seco, sem conseguir compreender como a vida poderia ser traiçoeira. Estava ali a pessoa que eu jamais ousava imaginar ver novamente, não depois do término da escola. Nicolas me encarava e estendia a mão, esperando que eu aceitasse o gesto, mas dessa vez eu não poderia sair correndo, assustada, como fiz há mais de quatro anos atrás. Então estendi a minha e apertei frouxamente sua mão.