—Aonde você vai vestido assim? —escuto uma voz feminina dizer.

Me viro e vejo Letícia encostada no parapeito da porta, com um pote de sorvete em mãos e a boca completamente lambuzada, me fitando.

—Que susto pirralha! De onde você surgiu? —pergunto enquanto ajeito a gola da minha camiseta olhando para o espelho.

—Você não respondeu minha pergunta. —ela ri quando vê minha expressão e se serve de outra colherada do sorvete.

—E desde quando te devo explicações?

—Nossa! Eu só tava perguntando.

—Tô brincando maninha. —rio e passo por ela, jogando uma mecha de seu cabelo em seu rosto.

—Meu Deus! Você é tão irritante.

—Eu também te amo. E respondendo a sua pergunta, hoje é a formatura da Nanda. —digo chegando à cozinha e abrindo a geladeira.

—Ah, sim. Agora entendi. —ela abre um sorriso malicioso. —E Jennifer vai estar lá.

—Até que você é esperta, hein? —rio e termino de beber meu copo d’água.

—Espero que vocês se acertem de uma vez. —ela diz fazendo beicinho.

—É, eu também. Principalmente para que todos parem de repetir isso. —suspiro. É nesse momento que sinto o telefone vibrar no meu bolso. —Alô?

—Oi filho.

—Ah, oi pai. —abro um sorriso fraco. —Como vai?

—Estou bem. Se eu não ligar você não liga, não é?

—Desculpe, mas pra ser sincero, eu meio que esqueci. —coço a nuca e solto um riso baixo enquanto me encosto ao balcão da cozinha.

—Tudo bem. Eu entendo. —ele solta uma risada. —Michele está mandando um oi.

—Ah, mande outro pra ela.

—Você vai vir nos visitar quando?

—Em breve. Pode deixar. Eu ligo para avisar.

—Tudo bem então.

—Valeu pai. Preciso desligar.

—Okay. Apareça logo. Se cuida. Tchau!

—Tchau!

Letícia havia escutado toda a conversa em silêncio enquanto lavava a louça.

—Que evolução vocês dois, hein? —ela comenta com um sorriso no canto dos lábios.

—É verdade. —comento de má vontade, relembrando os momentos em que apenas a menção sobre meu pai me fazia perder o controle. —Eu estou indo. Vai ficar bem?

—Pelamor, Leonard! Eu já tenho 18 anos. Sei cuidar muito bem de mim mesma.

—Tudo bem então, senhorita independente. —dou um beijo rápido na testa dela. —Até mais. Mamãe vai demorar?

—Ela e Robert foram ao mercado e acho que depois iriam passar no mecânico. O carro tá dando problemas de novo, enfim. —ela deu de ombros.

Às vezes eu esquecia que agora tinha um padrasto em casa.

—O David vai vir aqui hoje? —pergunto.

—Mas quem é David? —ela me olha confusa.

—Seu namorado, eu acho. —franzo a testa.

—Meu ex-namorado. —ela revira os olhos. —A gente já terminou há quase um ano.

—Meu Deus! Quanta coisa mais eu perdi aqui? —digo exasperado. Ela então solta uma risada baixa e começa a me empurrar para fora da cozinha.

—Vá logo, Leo! —ela diz, então eu saio de casa.

Assim que saio vejo Jennifer fechar a porta da casa dela. Ela me olha e me cumprimenta de longe, com um aceno de mão e um com um sorriso sem graça. Repito o gesto, mas com um sorriso bem mais largo no rosto. Ela está realmente muito bonita, com o cabelo solto e um vestido tomara-que-caia. É impossível não encara-la e percebo que ela também me fita por um longo tempo. Até que o carro de Isaac estaciona bem em frente da casa dela. Ele então buzina e Jenn se aproxima do carro. Annie sai do carro, do lado do carona, e a abraça. É nesse momento que Isaac me vê:

—Ei Leo!

—E aí cara? —digo me aproximando da janela e batendo minha mão espalmada na dele. —Annie, Jenn. —cumprimento as duas apenas com um aceno de cabeça. Jenn responde da mesma forma e Annie se aproxima me dando um abraço apertado.

—Estava com saudades. Fui a única que você não foi visitar. —Annie diz em tom acusatório.

—Você se mudou e nenhum dos seus amigos aqui fizeram questão de me passar seu endereço. —digo na defensiva. Ela solta uma risada e sinto que estou perdoado.

—Quer uma carona? —Isaac pergunta.

—Não cara, eu ia de moto mesmo e... —começo a falar.

—Ah, Leo. Pare com isso. Vem com a gente! —diz Annie sorrindo pra mim.

—É cara! Tem um lugar sobrando mesmo. —diz Isaac.

Olho pra Jennifer que está parada do outro lado, abrindo a porta para entrar. Desperdiçar minha chance de ir sentado ao lado dela até lá? Só se eu fosse muito otário. Então entramos todos no carro e minutos depois Isaac para novamente, em frente à casa de Ethan. Ele olha para nós por cima do ombro e diz:

—Acho que vocês vão ter que dar uma apertadinha aí. —ele sorri. —Chega pra lá, Leo! Pra mais perto da Jenn, pro Ethan entrar desse lado.

Faço o que ele pediu e percebo o olhar venenoso que Jenn lança a ele. O ombro dela está tocando meu peito e estico meus braços pelo banco. Se ela se incomoda, não diz nada.

—O casal mais hot do momento juntinho de novo. —Annie comenta com uma risada e é acompanhada por mim e Isaac.

—Não começa Annabella! —Jenn comenta emburrada.

—A gente sempre vai ser o casal mais hot do momento, Jenn. —me inclino e sussurro no ouvido dela. Abro um sorriso quando vejo que ela se arrepiou. É no mesmo momento que Ethan entra no carro.

—Eita, a galera toda reunida de novo! —ele comenta rindo.

—Só falta a Nanda pra completar o bonde. —comenta Isaac dando partida no carro.

O resto da viagem passou rápido. Isaac colocou uma música que todos ouvíamos e gostávamos quando éramos mais novos e todos cantaram juntos. Aos poucos Jenn foi se soltando, como se minha presença ali não lhe incomodasse mais e foi como antes. Quando ainda éramos um bando de pirralhos tentando se divertir. Onde qualquer coisa era motivo de piada. Aquilo que eu já sentia tanta falta. Eu me senti como antes, e posso garantir que naquele momento, todos nós nos sentimos assim.

***

A cerimônia foi bem rápida. Na vez de Nanda, na entrega dos diplomas, todos se levantamos e batemos palmas, bem mais fortes do que até então e com direito a sonoros assovios da parte de Ethan. Depois de tudo terminado, ela vem até nós e nos agradece pela presença, abraçando um de cada vez.

—Leozinho! —ela diz na minha vez e me abraça apertado. Depois de Jennifer, Nanda era a amiga mais próxima que eu tinha. Era a pessoa que eu podia contar se precisasse desabafar ou precisasse de um conselho. Às vezes, na época que eu namorava Jenn, eu pedia sugestões de presente para ela, mesmo sabendo que Jenn e Annie eram bem mais intimas.

—Já disse o quanto esse apelido é broxante, não é? —rio e retribuo o abraço, quase a tirando do chão. Ela ri e concorda com a cabeça, depois vai cumprimentar Ethan e, em seguida, o seu namorado, Rodrigo.

Depois todos os convidados da cerimônia seguem para seus carros, em direção ao endereço de onde seria a festa de Nanda. Haveria muitos convidados, porém todos na mesma faixa etária, nenhum adolescente ou adulto fora convidado, seria apenas para os jovens mesmo e seria num grande espaço aberto.

Então chegamos à festa. Dessa vez, no carro, Jenn havia ido no canto oposto, com Ethan sentado no meio. Não me incomodei. Haveria muito tempo para conversarmos na festa.

Após algum tempo, algumas bebidas e muitas músicas depois, avisto Jennifer de longe. Ela está visivelmente bêbada e dança no meio de uma rodinha de vários garotos. Eles abrem sorrisos maliciosos toda vez que ela vai até o chão e volta. Eu nem penso muito, apenas me aproximo da cena e a puxo pelo braço, sem ser muito delicado.

—O que pensa que está fazendo? —ela pergunta com a voz alterada.

—Protegendo você de você mesma.

—Eu não preciso de proteção.

—Tem certeza disso?

Ela não me responde, apenas se afasta para o canto onde não tem mais ninguém, e eu a sigo. Penso em lhe dar outro sermão, mas paro assim que vejo o corpo dela tombar para frente. Sua pele fica pálida.

—Ei Jenn! Está tudo bem?

—Só estou um pouco enjoada. —ela diz com a voz sufocada. —Onde tem banheiro aqui?

Aponto na direção, mas vejo que ela realmente não está bem, e então apoio uma das minhas mãos em sua cintura e a levo até lá. Aos poucos, depois de jogar um pouco de água fria no rosto, a cor vai voltando ao seu rosto e me sinto mais aliviado.

—Me tirou de lá por que estava com ciúmes, não é? —ela pergunta depois de um tempo com um sorriso de canto nos lábios.

—Não, é porque... Porque...

Ela estava me olhando com os olhos brilhantes enquanto mordiscava o lábio inferior e eu não conseguia me concentrar. E então se aproximou de mim, me encurralando na parede e colocando os braços ao redor do meu pescoço,

—Eu sei que você me quer. —ela sussurra bem próxima ao meu ouvido. —Eu também quero você. —ela então começa a traçar uma trilha de beijos pelo meu pescoço, me causando arrepios.

Isso era o que bastaria para que eu a agarrasse ali mesmo. Minhas mãos vão automaticamente para sua cintura e eu aperto seu corpo contra o meu, mas, no fundo, eu sabia que Jennifer só estava dizendo essas coisas porque a bebida a deixava fora de si.

—Jenn, para com isso! Vamos secar esse rosto e você dorme um pouco no carro do Isaac. —digo afastando suas mãos de meu pescoço e o corpo dela do meu, contra minha própria vontade.

—Você não me quer, não é mesmo? —ela diz num tom magoado. —Por que?

—Não é nada disso. É porque você não falaria essas coisas se estivesse sóbria. —Não quero que você tenha mais um motivo pra se afastar de mim. Acrescento essa última parte mentalmente.

—É por que eu engordei? Você me acha feia? É isso? —ela parece prestes a cair no choro a qualquer segundo. Jenn ficava irritada, pervertida e sensível quando bebia. Meu Deus! Como era possível?

—Jenn, para de falar besteira. Você é linda! —aliso seu rosto levemente com meu polegar e encosto minha testa na dela. Ficamos assim por alguns segundos, sem nenhum dos dois dizer nada. Então eu solto um suspiro e me afasto. Pego uma folha de papel e entrego para ela, aguardo enquanto ela seca o rosto. —Vem! —a puxo pela mão para fora do banheiro.

Passo por Isaac que me entrega a chave do carro sem fazer perguntas, talvez porque nem estivesse realmente prestando atenção. Eu e Jenn vamos até o carro, continuo segurando a mão dela.

—Vai ficar aqui comigo? —ela pergunta assim que se senta no banco de trás.

—Quer que eu fique? —pergunto tendo um misto de surpresa e dúvida na voz. Ela apenas concorda com a cabeça, com um sorriso tímido.

Sento-me ao seu lado e ainda em silêncio, ela se aproxima e me abraça, deitando a cabeça sobre meu peito. Só então percebo que ela está tremendo.

—Está com frio? —pergunto.

—Um pouco.

Então eu tiro meu casaco e o entrego para ela, que de inicio protesta, mas depois o veste e volta à posição anterior. Ela então levanta o olhar para meu rosto e me dá um selinho de leve nos lábios. Depois volta a encostar a cabeça em meu peito, e eu apoio meu queixo no topo de sua cabeça enquanto acaricio de leve seus cabelos. Me doía saber que ao amanhecer, ela não lembraria da metade do que havia acontecido essa noite, mas mesmo assim, estava feliz por estar ali. Por ela estar em meus braços depois de tantos meses. E é com essa sensação que adormeço, ali mesmo.