A Garota Dos Defeitos escrita por Tamires Rodrigues


Capítulo 31
Você precisa me deixar ir.


Notas iniciais do capítulo

Vou ser breve nas notas desse capítulo, prometo. Bem, esse capítulo me fez chorar. Chorei escrevendo, e chorei lendo depois... Me contem o que acharam nos comentários , tá bem?
Boa leitura , e boas vibrações!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/516873/chapter/31

Eu tenho me mantido como uma sentinela no hospital. Afastando-me apenas para cumprir meu turno no Adam’s, mas apesar disso eu não tenho conseguido juntar uma grama de coragem para ir vê-la.

 Vovó tem oscilado entre estar consciente, mas grogue, e dormir – na maior parte do tempo ela está dormindo. Hoje isso não aconteceu, a medicação não a fez grogue.

Hoje ela pediu para me ver, e eu não fui capaz de negar isso á ela... Ou a mim.

Vovó está internada há sete dias, e nesse tempo eu já decorei o caminho dos corredores, e com a transição frenética dos médicos e enfermeiros, e me acostumei com as cores claras das paredes, e quase me adaptei a comida sem gosto da lanchonete, mas pensar nela doente, ainda me rasga por dentro.

Movendo-me automaticamente até o elevador, eu coloquei o dedo no botão do terceiro, só para fechar os olhos, e apertar um botão ao acaso.

Quinto andar.

Eu não fazia ideia do que havia nele, mas não me importei. Seja o que for me manteria longe da UTI, por algum tempo.

Eu estava sozinha dentro do elevador, então mantive meus olhos fechados, até ele parar. Eu senti o estranho estado de entorpecimento voltar. Durante a maior parte desses dias, eu quase não me permiti sentir nada. Eu me conhecia bem o bastante para saber que quando eles viessem à tona, eu quebraria. E eu dificilmente juntaria os cacos sozinha.

Eu não queria isso.

Eu precisava ser forte.

Parte minha gostaria de poder escrever, poder tirar tudo de ruim e feio que estava me sufocando, mas toda vez que eu pego em uma caneta, minha mente fica em branco, e tudo fica preso dentro da minha cabeça.

Ninguém me parou, ou me olhou duas vezes, enquanto eu caminhava pelos corredores. Um robô sem pilha se moveria mais rápido que eu, mas quanto mais devagar eu caminhasse mais chances eu tinha de encontrá-la dormindo.

 O quinto andar acabou por ser onde a maternidade ficava.

Parei meus passos sem perceber, observando todos àqueles recém- nascidos.

Tão pequenos, e frágeis. Um deles choramingou alto, e uma enfermeira de cabelo ruivo correu para verificá-lo, ela o segurou, e sorriu para si mesma quando ele parou de chorar – eu sorri também.  É reconfortante estar aqui. Acho que é porque há mais vida do que morte.

Como é possível – eu me perguntei – pessoas estarem morrendo em um andar, e no outro, vidas estarem apenas começando?

Quando eu entrei novamente no elevador, eu tentei lembrar um momento bom ao lado dela, mas tudo que vinha a minha mente era o som dos aparelhos apitando, e levou tudo de mim para não correr para longe quando eu entrei em seu quarto hospitalar.

— Oi – eu disse afastando uma mexa de cabelo grisalho do rosto dela. - Queria me ver?

— Sente-se – ordenou baixinho.

Sentei na única cadeira do quarto e segurei sua mão. Foi quase uma réplica do que aconteceu na primeira vez que a visitei, e isso fez meu estômago afundar.

— Me diga como está.

Eu teria dado risada, se ela não estivesse falando sério. Dizer como eu estava? Não deveria ser o contrário?

— Eu estou bem – menti.

— Eu pedi para lhe ver, porque quero que prometa uma coisa– disse depois de algumas batidas silenciosas. Sua voz era fina, e o esforço para pronunciar as palavras era óbvio.

— Qualquer coisa – falei baixinho sem hesitar. - Só não se canse tá?

— Olhe para mim.

Eu não queria, mas eu o fiz.

— O que você quer que eu prometa?

Ela hesitou por um segundo, como se ponderasse se deveria ou não me dizer. Pensei que eu teria que indagá-la sobre isso, quando suas palavras cortaram minha linha de pensamento.

— Eu quero que me prometa, que quando chegar a hora vai me deixar ir.

— Você quer que eu faça o que?

Balancei minha cabeça, me negando a acreditar nos meus ouvidos. Peguei meu celular do bolso. Eu tinha pesquisado em vários sites sobre glioma. O Google tinha me dado um monte de informação e embora algumas fossem desagradáveis, outras era tão promissoras. Tão esperançosas, eu queria que ela as visse. Queria que acreditasse que assim como eu, haveria uma chance.

— Por favor...

— Não – gritei largando sua mão, e saltei tão rápido da cadeira , que a fiz cair. - Eu não posso prometer isso.

Por que ela estava me pedindo isso?

Olhei pelo quarto, sem realmente enxergar nada.

— Eu estou morrendo – ela disse.

Foi pior ouvir isso dela, doeu mais do que quando minha mãe me contou sobre a doença, mas do que quando os médicos nos disseram para estarmos preparados, porque ouvindo dela, eu tive certeza que era realmente real.  Vindo dela eu tive certeza que ter esperanças era estúpido.

— Você quer que eu desista de você? - Limpei com força as lágrimas que começaram a escorrer pelo meu rosto. Meu coração batendo tão rápido que se tornou quase doloroso. – Vó eu andei pesquisando talvez se você...

— Essa não sou eu – murmurou em um esforço para soar firme.

— Você também não é assim – eu argumentei. - Você não é do tipo que desiste. Por que vai fazer isso agora?

— E essa sou eu? – disse. - Eu sou apenas uma casca agora, Suzanne.

Isso me quebrou, mais do que tudo. Ela tinha razão, não era ela. Vovó  a mulher que faz biscoitos de chocolate para me alegrar, que chama os garotos bonitos e mais novos de galetinhos só para me constranger. Vovó é muitas coisas menos frágil, e doente... E a mulher diante de mim... Não era ela. E, no entanto era tudo que tinha sobrado.

Eu não podia deixa-la.

— Não me peça isso, por favor, vó, eu não posso desistir de você... Eu faço qualquer coisa, mas...

— Sukes...

— Não! – cobri meus ouvidos como uma criança fazendo birra. – Eu não posso... Eu não vou conseguir.

— Eu queria dar tempo para todos se despedirem, mas isso não está tornando as coisas mais fácies.

Eu entendi o que ela estava falando, ela já estava pronta, tudo que estava mantendo-a aqui, eram os remédios, e... Nós.

— E o fato de você... – eu não conseguia dizer a palavra. Não conseguia aceitar. – O fato de você ir, vai tornar?

Eu olhei para ela, e sustentei seus olhar cheio de lágrimas. Se eu apenas conseguisse convencê-la.

— É essa a lembrança que você quer ter de mim?

Eu encolhi meus ombros abraçando a mim mesma.

— Qualquer coisa é melhor do que perder você, vó.

Ela sorriu tristemente para mim.

— Não Sukes, você sabe que não é.

Respirei fundo, tentando acalmar, mas até mesmo respirar parecia machucar.

— Não - chiei. – Eu vou odiar você se me fizer fazer isso... – Passei minhas mãos pelo meu cabelo querendo freneticamente pensar em algo que a fizesse mudar de ideia. – Eu vou me odiar, se eu te deixar ir, vó – gritei com desespero desejando que ela pudesse me entender.

Mas ela já tinha tomado sua decisão, eu sabia disso... Então corri para longe. Eu corri mesmo quando a ouvi chamar meu nome.

Eu esbarrei com o Dr. Matheus quando passei pela porta. O olhar em seu rosto me disse que ele tinha ouvido parte da nossa conversa.

— Eu conversei com você e a sua família sobre o quanto era importante não causar emoções forte na paciente. Ela precisa ficar confortável...

Eu mordi meu lábio com força e balancei minha cabeça.

— Como você quer que eu a mantenha confortável? – eu indaguei com raiva, ignorando os olhares que eu estava atraindo. _ Isso vai fazer com que ela não morra?

Eu não esperei por uma resposta, - não acho que ele fosse me dar uma de qualquer forma então apenas corri.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Garota Dos Defeitos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.