Blunt Sword escrita por _TheDarkMoon


Capítulo 2
Ao Fogo


Notas iniciais do capítulo

Ficou um pouquinho longo, mas creio que esteja bastante razoável. Boa leitura.



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Todos os dias, após o almoço, eu ia até a área pedregosa e esperava por Jolia, onde lhe contava histórias. Com o tempo, a moça começara a chegar antes de mim, ansiosa, mas com um sorriso magnífico. Aquilo era de fazer qualquer homem porem-se nos mais incríveis devaneios.

Eu via aqueles cabelos brilharem ao sol e aquele sorriso mover montanhas. Observei atentamente enquanto sua graça ruía tronos. Eu vi sua risada desmoronar reinos inteiros, e seus pés esmagarem o mais inocente dos homens. E quando ela se aproximava, eu via além da doce criatura: era fogo, era morte. E o pior de tudo, era amor.

Em cerca de uma semana, todos os serviçais e trabalhadores de cada torre, pátio, salão ou estábulo, notara que nós dois desaparecíamos todo o dia no mesmo horário e os deuses bem sabem o que era falado. Que os deuses guardassem essa informação com eles, porque nada me importava além de Jolia.

– Suas escamas refletiam o sol, mas de meu ponto de vista era como de as próprias estrelas fossem incrustadas uma a uma em sua carcaça. Seus olhos só não eram mais destruidores que seu fogo de morte, que submetia até o mais grandioso dos guerreiros a pó ordinário e nauseante. – olhei para os próprios olhos da moça, a me encararem escancarados, pedindo por mais.

O peso de sua cabeça em meu colo era a mais adorável das pressões. Eu me sentia um sátiro perto da mais bela das ninfas. Ou um guerreiro qualquer diante do mais grandioso e estonteante dragão.

– Por favor, continue, Lorde Tyrion. – ela pediu.

– Jolia. – mexi em seus cabelos. – Se alguém lhe pagasse algum dinheiro para me fazer de bobo ou o que quer que fosse. Você o faria?

Ela ergueu-se, ofendida.

– Não, longe de mim! O senhor faz os meus dias serem incomparáveis, como eu seria rude a ponto de magoá-lo? – ela levantou-se, pondo as mãos no peito. Tomei-as e pus sobre meu coração.

– Eu tenho um coração.

– Claro que tem.

– É coxo. Assim como eu.

– Mas sente. Mais do que os outros. – um suspiro escapou entre seus lábios rosados.

Eu não queria admitir, mas eu temia. Temia que fosse como da outra vez, que além de sua pele bonita e bons modos houvesse uma mulher vulgar e hedionda. Olhei para as pedras, desejando que eu fosse como elas. Não que eu quisesse ter pessoas pisando em mim, até porque isso eu já tinha. Mas queria ser uma pedra afiada, resistente às erosões fúteis.

Mas no meio de algumas pedras próximas havia uma margarida amarela. Arranquei-a e coloquei-a no cabelo de Jolia.

– Solitária no meio das pedras. A única coisa boa em todo esse território. Parece com você.

– Essa é a coisa mais gentil que já me disseram. – seus olhos refletiam sua emoção.

Então Jolia se aproximou e me beijou docemente. Seu beijo mais puro que o de uma criança. Sem desejos, luxúrias ou vontades, apenas o carinho em gesto.

– Jo...

– Eu tenho que ir.

Então eu a vi correr para longe, suas saias ao vento e seus pés descalços pisotearem a grama. Por um momento, eu me senti como a grama que ela pisava. E novamente, desejei ser pedra.

****

– Vou a Lannisporto amanhã. – disse, interrompendo a conversa de Tywin com meu irmão sobre seu novo cargo.

– Mais um de seus passeios inúteis para gastar meu dinheiro e tomar minha guarda sem motivos. – ele entrelaçou os dedos.

– Fique com a sua guarda. Não preciso dessas damas de companhia mais inúteis do que qualquer passeio meu. Estou apenas avisando. Prossiga sua conversa.

– Pois que vá desperdiçar seu tempo com putas, bebida e vadiagem. – e ignorou-me novamente.

Retirei-me da mesa e subi as torres, para recolher o que eu precisaria para a pequena viagem. Inclusive Jolia.

Encontrei-lhe no corredor, equilibrando-se da ponta dos pés e limpando os quadros. Segurei a mão que pendia a seu lado, e ela pareceu surpresa. Mas logo depois, seu rosto amaciou em um sorriso e ela ajoelhou-se para falar comigo. Esse era o tipo de gesto que me irritava muito, porque sempre vinha como gesto de calúnia. Mas Jo o fazia com uma naturalidade e respeito, que mais me parecia uma reverência.

– Senhor.

– Jo, busque essas coisas no mercado. – tirei a lista do bolso e entreguei-lhe. – Depois, junte algumas de suas coisas e me encontre nos estábulos amanhã assim que o sol sair. Eu a levarei para um passeio.

– Tem certeza, senhor?

– Absoluta. Aliás, fui rude. A senhorita gostaria de me acompanhar em um passeio? – fiz aqueles gestos pomposos, rindo.

– Seria uma honra. – ela ergue-se e fez uma reverência pomposa também, em meio a suas gargalhadas.

– Ótimo. Estarei lhe esperando.

Após vê-la correr corredor afora, sorri com a visão e fui até a responsável pela confecção das vestimentas dos Lannister. Peguei o que havia requisitado e embrulhei cuidadosamente, o que, obviamente, não procedeu da forma que eu queria. De qualquer forma, tentei aproveitar meu dia como o fazia normalmente, tentando conter meus lapsos de ansiedade. Senti-me incrivelmente grato com a chegada da noite, e, enfim, pude descansar por breves horas.

Na primeira insinuação da luz da manhã, ergui-me e me aprontei devidamente, dirigindo-me aos estábulos, onde esperei por Jo avidamente. Cerca de uma hora depois ela apareceu com uma cesta, e quando reparou em minha presença, desculpou-se:

– Creio que me atrasei. Eu sinto muito, meu senhor. – ela curvou-se.

Incomodava-me a forma como ela sempre se sentia culpada e retesada até mesmo pelos erros alheios, mas, simultaneamente, isto lhe dava uma singularidade inestimável. E ainda, a forma como pela primeira vez ela não me chamara apenas de senhor, mas como também posicionara a palavra de posse.

– De forma alguma, eu que me apressei. Minha senhora. – curvei-me também, tentando sem sucesso conter a marotice que ainda insistia em se fazer aparente.

– Trouxe o que pediu. – ela sorriu docemente, e seus olhos, mesmo sonolentos, emitiam sua luminescência azul.

– E eu trouxe-lhe um presente. – entreguei-lhe o embrulho amassado e retorcido. – Esforcei-me, mas é um presente meu, logo não poderia apresentar-se muito bonito. – fiz um gesto brusco com os ombros tentando demonstrar displicência, mas, na verdade, creio que me sentia um pouco envergonhado de entregar um pacote tão mal embrulhado para uma moça que na segunda hora após o sol nascer já se mostrava tão bela e sorridente.

– Agradeço-lhe imensamente, senhor, mas creio que seria abusivo de minha parte aproveitar-me de sua bondade. – ela estendeu o pacote de volta.

– Se não aceitá-lo e não vesti-lo estará me ofendendo. É isso o que deseja? – encarei-a, carrancudo.

– Não, senhor. Nem em meus pensamentos mais negativos. – ela acenou a cabeça e seus cabelos castanhos claros brilharam com toques alaranjados com a luz solar matinal. A movimentação súbita fez com que uma mecha lhe caísse em frente aos olhos, e tentei não perder-me em seus detalhes.

– Pois se vista e volte para que possamos iniciar nossa viagem.

– Não demorarei. – ela entregou-me a cesta e correu.

Sorri com a visão da moça e encostei-me a carruagem que nos levaria até Lannisporto, enquanto esperava e mordiscava algumas coisas que ela guardara na cesta. Sem demora, como prometera, logo Jolia voltara. Ela mostrara-se incrivelmente ainda mais bela com o vestido que eu lhe dera. Era simples, mas ressaltava como a moça sabia se portar com leveza. Era bege e tinha bordados em cinza e rosa nas extremidades da saia, mangas e busto. Pedi para a mulher que o confeccionou dar o devido destaque aos seus seios sem deixá-la similar a uma prostituta, e assim o fez. Tecidos cruzavam-se na parte do busto, e o decote deixava os ombros à mostra. Pela rapidez com que viera, deduzi que obteve ajuda e ela parecia ainda mais radiante.

– Nunca tive vestido mais bonito. – ela girou. – Obrigada, Lorde Tyrion.

– Se houvesse um vestido tão belo quanto você, creio que eu não ficaria muito chateado se o usasse por bastante tempo. – ergui uma sobrancelha e segurei sua mão, ajudando-a ilusoriamente a subir na carruagem.

No caminho, falei-lhe sobre o que havia em Lannisporto e tirei suas dúvidas mais diversas – lugares, pessoas, comportamentos, comidas, bebidas, livros, mitologias e seres. Inclusive dragões. A fascinação que Jolia desenvolvera por dragões quase se assemelhava a minha e a moça tinha teorias muito boas em relação ao assunto. Ela tinha uma inteligência que eu não encontrava em moças letradas e criadas para aparentarem ser mais do que senhoras.

Quando finalmente chegamos ao local, Jo ficara maravilhada com o local, que eu já frequentara milhares de vezes e não mais conseguia ver as maravilhas que olhos inexperientes veem, embora eu me esforçasse para tal. Ignorando os olhares maldosos e curiosos, segurei a mão da moça e guiei-lhe para um bosque pouco frequentado, onde teríamos nosso almoço.

Na paz daquele ambiente isolado, ela estendeu uma toalha no chão e organizou a refeição que era composta por tortas de maçã, bebidas, uvas, algumas outras frutas, pães e geleias. Depois de nos saciarmos, Jolia e eu nos deitamos na toalha e conversamos, olhando um para o outro.

– Eu deveria ter trago um livro. Sempre carrego um a tira colo, mas acabei por esquecer. – resmunguei.

– Não se preocupe. Eu posso contar-lhe uma história. – ela sorriu, e me surpreendi com sua resposta. – Era uma vez um menino muito bonito.- Jolia levava uvas até minha boca enquanto narrava. - Era inteligente e travesso...

– Espera, esse menino não é você, é? – ri, mas a moça, colocou mais uvas em minha boca.

– SH. Ouça a história. Continuando... Mas era sozinho no mundo. Ninguém parecia gostar dele, e ele não conseguia entender o por quê. Então, ele começou a inventar defeitos para si para justificar a falta de amor que sofria. Até que ficou triste e passou a acreditar em todo o mal que lhe acusavam. Um dia, em seus devaneios pessimistas, o menino olhou para o lago, pensando em se jogar, mas então viu seu reflexo e assustou-se. Seu rosto era tão bonito e seus olhos tão aterrorizados. Percebeu então que não deveria acreditar nos que lhe queriam mal, pois sabia enfim quem realmente era.

– Que bela história, Jo. – pus o cotovelo na grama e apoiei a cabeça no punho. – De onde a tirou?

– Inventei-a.

– Seus filhos serão crianças felizes se lhe contar boas histórias todas as noites. Aliás, seus filhos serão crianças felizes por a terem como mãe.

– Obrigada, senhor. – seu rosto corou, e tive o impulso de acariciar-lhe a face.

– Pretendo ensiná-la a ler. Você merece esse dote mais do que muitos que o sabem em vão.

– Seria maravilhoso. – ela sorriu, emitindo uma luz própria que mais ninguém possuía.

– Jo... Quem era o menino?

– Nós dois. – sua voz suave ainda parecia-me pungente com a verdade que continha. – Peço encarecidamente que não negue minha afirmação. O senhor é a pessoa mais bonita que já conheci, Lorde Tyrion.

Eis algo que nunca ouvi ou esperara em toda a minha vida de alguns verões razoáveis e consideráveis invernos. Em uma das poucas vezes em todo este período, eu não tinha uma resposta pronta para ceder. Por fim, percebi que não era algo para se ter palavras como respostas, pois, em seguida, os lábios da moça tocavam os meus.

Seu beijo era de uma delicadeza e ingenuidade descomunal. Era tão doce quanto o néctar mais desejado e, ainda assim, mais fulminante que as chamas provenientes de um dragão.

Jolia afastou-se e fiquei a mirar-lhe por momentos, distraído com seus traços. Por fim, ela sentou-se e retirou o colar do pescoço, apertando-lhe com força nas mãos e pondo-o contra o peito, com os olhos fechados em uma reflexão pessoal. Depois, abriu os olhos e levantei-me.

– Gostaria que ficasse com ele para si. Precisa se lembrar não só do significado do colar, mas de seu próprio significado. – ela entregou-me.

– Jolia, é a única coisa que tem de valor. – sentia-me incrivelmente honrado por recebê-lo.

– Também por isso, quero que o mantenha. E lembre-se. É o que peço.

Apertei o colar em minhas mãos e guardei-o em um de meus bolsos.

– Eu o farei.

****

Passeamos durante a tarde, e quando percebi que Jolia demonstrava seus primeiros sinais de cansaço, logo busquei por uma boa pousada para que pudéssemos descansar. Ela entrou no quarto, e suspirou assim que seus olhos encontraram a cama revelando seu cansaço. Sentou-se nela e observei enquanto a moça retirava os sapatos, e reparei no quanto eles eram velhos, refletindo em meu desleixo em ceder-lhe um vestido, mas não sapatos. De qualquer forma, Jolia preferia estar descalça, então procurei não pensar muito sobre, e sim em como seus pés pareciam os de uma fada.

– O dia foi maravilhoso, Lorde Tyrion.

– O dia ainda não acabou. – espreguicei-me. – E, como costumo pensar, o melhor sempre está por vir. – ergui as sobrancelhas, não contendo meus pensamentos.

– O senhor costuma pensar isso? – ela bocejou enquanto se deitava.

– Não, mas sinto que hoje não vou me decepcionar.

Disse que iria buscar um vinho e assim o fiz. Por algum motivo, os responsáveis por me entregarem a bebida atrasaram-se incrivelmente, e só pareceram lembrar-se de meu pedido depois de um breve discurso sobre como eu compraria aquela espelunca mal administrada e faria um bordel muito mais lucrativo. Finalmente, voltei ao quarto com os cantis cheios.

– Demorei, mas quanto mais maduros melhores os vinhos. – dei uma breve risada nasal. – Jo...?

Aproximei-me e vi a moça suspirar em seu sono tranquilo. Dei um breve sorriso, que eu não saberia explicar, e joguei-me na cama ao seu lado.

– Eu, meu vinho e uma moça adormecida. O melhor jeito de terminar um dia.

Observei seu peito subir e descer em sua respiração, seus cabelos esparramarem-se pelo travesseiro, sua expressão serena e os belos lábios corados e entreabertos. Ela não me decepcionara.

****

A pior parte dos melhores dias são as noites que lhe sucedem. Carregadas de saudade, lamúrias e lembranças. A vida supostamente voltara ao normal quando retornamos e eu não queria que assim o fosse. Começara a cogitar seriamente em afrontar quem fosse e colocar minha dama em seu devido lugar: ao meu lado.

Em uma de minhas reflexões, ouvi a porta de meus aposentos abrir sem antes receber avisos ou adjacências.

– Ouvi dizer que bater na porta antes de entrar era um gesto refinado. Eu poderia estar...

– Poupe-me. – Tywin ergueu a mão em sinal de “basta”. – Você está fodendo com a criada, não é? Cada dia mais lastimável.

– Não é da sua conta quem eu fodo ou não.

– Não que ela seja um desperdício total de tempo. – ele virou-me as costas, passando seus dedos nos pergaminhos e livros. – Mas diria que é para uma noite só.

– Ela não é uma puta. Jolia é uma criada refinada demais para o ofício. – tentava conter minha raiva pensando em sua graciosidade, mas cada palavra de Tywin era uma adaga no corpo da moça em minha mente.

– Jolia. Um nome à altura de uma criada. – voltou-se para mim com os dedos entrelaçados. – Não quero vê-lo fornicando ou exibindo-se com a criadagem. Volte para seus bordéis, pois é onde lhe esperam. É comum que homens se voltem para prostitutas, mas não que se apaixonem por meras servas. Você suja mais meu nome do que meus limites permitem, não ultrapasse isso ainda mais. Afaste-se dela ou eu o farei por você.

– Já passei por dias do meu nome o suficiente para ter plena noção de que não pode mais controlar com quem me envolvo ou não. – disse, entre dentes.

– Não é o que aquela sua antiga noiva pareceu-me demonstrar. – sua frase aferrou-me como uma faca no estômago. – Ah, você tinha que ver como seus olhos brilhavam ao ver meu dinheiro em suas mãos. Aposto que sentia mais prazer ao recebê-lo do que nas noites que partilhava contigo.

– Basta! – gritei, saindo de mim. Não me era comum esse tipo de atitude, mas Tywin fazia com que a fúria tomasse o controle de mim.

– Eu sou o dono das terras aqui. Eu sou o Lorde deste lugar. Eu sou o maior Lannister que há. Sou que eu determino quando basta. – ele sovou minha escrivaninha e olhou-me com perícia e desdém. Seus olhos caíram no colar de Jolia. – O colar. No fogo. Imediatamente.

Olhei para a lareira e ouvi o crepitar das chamas, que era o único som do ambiente se eu ignorasse as batidas de meu próprio coração. Segurei o colar com firmeza e preparei-me para uma resposta à altura, mas Tywin foi mais rápido:

– Paguei uma para fingir-lhe amor uma vez. Posso pagar outra de novo. Ou, se preferir, faço pior. – sua voz soava cortante. O tipo de ameaça que se identificava como verdadeira apenas pelo tom.

Ele não tinha escrúpulos. Em minha cabeça, passaram-se algumas de cenas de possibilidades do pior que poderia acontecer a Jolia e temi por ela. O que era um colar perto de sua segurança?

Tirei-o do pescoço, sentindo o toque gelado do metal em minha mão penetrar minha derme e invadir minhas veias. Soltei-o em meio às brasas e observei o material brilhar em vermelho e se deformar. Ouvi a voz de Jolia ressoar em minha mente: “meu corpo... minha mente... minha alma”.

O estrondo da porta batendo atrás de mim, fez meu corpo estremecer e retirou-me de meus pensamentos. Tywin havia saído. Voltei meu olhar novamente ao colar e puxei o couro que servia como corrente. Senti minhas mãos queimarem, mas minha ira parecia ainda maior do que o incômodo da dor. Urrei liberando minha fúria e atirei o colar contra a porta.

Eu só não podia imaginar que Jolia havia acabado de entrar.

Seu grito foi breve, mas dilacerou-me. Ela caíra no chão com as mãos no rosto, chorando com a dor. Eu a atingira. Corri em sua direção e ajoelhei-me, segurando seus braços.

– Jo! Jo, diga-me onde acertei. – ela balançou a cabeça em meios aos soluços. – Diga-me.

Seus soluços tornaram-se tão brutos que tive medo que ela pudesse perder o fôlego. Segurei suas mãos e retirei-as do rosto. Seus olhos estavam fechados e o rosto encharcado de lágrimas. Mas o que me afligira e agira como uma lâmina fora a lesão em seu olho direito.

Tinha a marca do colar deformado, como se fora marcada como gado. O que era para ser o quadrado, não possuía mais pontas e distorcia-se em curvas e o círculo era cheio de reentrâncias.

Ela olhou para baixo novamente e ao abrir os olhos, soltou um suspiro tão triste que um calafrio atravessou minha espinha.

– Jo... Eu vou buscar ajuda. – reuni toda a firmeza que eu ainda possuía e corri até o servo mais próximo, ordenando-lhe que buscasse o Meistre o mais rápido impossível e que a vida dele dependia daquilo.

Voltei para meus aposentos e ajudei-a a ir para minha cama. Seu rosto demonstrava uma tristeza tão grande que meu corpo parecia ser feito de gelo. Acariciei seu rosto, mas ela virou-se, afundando o lado direito nos travesseiros como se tivesse vergonha de si.

Meu olhar voltou-se ao colar no outro canto do quarto e eu o recolhi, guardando-o no bolso. A culpa e o remorso me assolavam de uma forma que nunca haviam feito antes e aquela situação me inquietava mais a cada instante. Eu não sabia dizer se eram seus soluços ou silêncio de seu choro que me perturbava mais.

Tentei pensar algo que me distraísse, algum joguete sujo ou pensamento ainda mais imundo, mas nada me vinha à mente com exceção da dor de Jolia. Senti meu corpo tremer internamente enquanto andava de um lado para o outro e puxava meus próprios cabelos, em desespero com a demora.

O Meistre entrou no quarto e vi o quanto ele era diferente dos outros. Tinha uma barriga sobressalente e suas pernas tremiam não de sua velhice, mas de seu peso que não podia suportar. Tive raiva dele por demorar não por algo que ele não poderia controlar, como a idade, mas por algo como a gulodice que o fizera comer e fazer a porca mais gorda parecer uma ovelha franzina e sem lã diante de si.

Percebendo a ira em meus olhos, o velho adiantou-se até a moça, que obedeceu a todos os seus comandos para exame.

Por fim, o Meistre veio em minha direção e com a voz calma e destoante com a sentença, disse:

– Ela está cega.


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Notas finais do capítulo

É o que tenho por hoje. Bem, pretendo encerrar a short fic no próximo capítulo, que pode demorar por vir, mas que será postado. Até lá.



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