Blunt Sword escrita por _TheDarkMoon


Capítulo 1
"Sortuda é a Moça que Derrubas."


Notas iniciais do capítulo

Essa história foi-me muito repentina e arrebatadora, e não tive o descaramento de não escrevê-la. Espero que aprovem. Boa leitura.



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– Estou farto desse caos. – disse a alguns guardas que eu preferia chamar de “damas de companhia” devido a sua inutilidade como portadores de armas. – Este lugar só não fede mais que o que há por debaixo das saias de certas damas da corte.

Ri com meu próprio comentário e segui adiante, dirigindo-me para fora daquela feira livre. Eu já comprara minhas próprias bebidas, o que me livrara do fardo de Tywin fazendo joguetes desagradáveis sobre eu consumir as bebidas dos Lannister como um bezerro gordo e deformado. Lannister. Eu era um Lannister com todo o meu sangue e aquele velho ainda insistia em me subestimar. Aliás, creio que estou cada dia mais acostumado com essa situação. Tyrion Lanniser, o anão coxo, deformado e sempre com uma piadinha suja pronta para ser lançada. Podia ser pior.

Esbarrei em alguém. Esbarrei é um verbo suave... Derrubei alguém sem a intenção de fazê-lo. Pronto, agora parece mais apropriado. E ouvi um grito curto antes de a figura finalmente cair no chão. Seu vestido tinha as barras sujas de lama e os gansos que carregava na cesta esparramaram-se pelo chão. Não duvido que se eu não estivesse ali, teriam roubado a moça. Mas, afinal de contas, sou uma pessoa muito facilmente reconhecida.

– Eu sinto muito, senhor. Eu sinto muito! – ela abaixara a cabeça, ainda ajoelhada no chão e recolheu os gansos rapidamente.

– Não é hábito das pessoas desculpar-se pelo que não fez. Muito mal se desculpam pelo que fizeram. – cruzei os braços e ela finalmente me olhou.

Eu não tinha o hábito de venerar a beleza das mulheres. Não ordinárias do jeito que eram. Poderia afirmar que já vira putas mais bonitas, mas todas elas tinham um ar vulgar que me causava uma breve repudia no dia seguinte. Muito breve. Posso alegar também, que se ela fosse uma, eu a escolheria. Quando me dei conta do que pensava, senti-me quase tão canalha quanto Tywin, que contratara uma delas para fingir que me amava, ou até mesmo meu irmão, que, ao esconder isso de mim, fizera parte do complô.

A moça tinha longos cabelos castanhos ondulados, com uma trança em cada lado que se encontravam na parte de trás da cabeça. Seus olhos eram azuis claros e belos, e seus lábios de uma delicadeza absoluta.

– Permita-me. – estendi-lhe a mão mais como fruto da educação do que coo algo que fosse lhe ajudar.

– Não há a necessidade de se preocupar. – ela começou a se erguer.

– Permita-me. – insisti e a moça obedeceu.

Suas mãos eram leves como as de uma princesa, mas calejadas de trabalho como de uma serva. Como se soubesse disso, a moça recolheu sua mão e segurou firme sua cesta:

– O senhor é muito gentil, senhor Lannister. Peço que me perdoe novamente. Se permitir, devo voltar para meu trabalho.

– Senhor, ela lhe incomoda? - as damas de companhia apareceram depois de minutos.

O que perguntara segurava uma pedra como se estivesse pronto para acertar a moça a qualquer momento. Ora, se a moça fosse uma ameaça eu provavelmente já estaria tendo problemas há algum tempo e eles nem se quer estavam ali para ajudar.

– Óbvio que não. Vocês não conseguem nem ao menos distinguir o perigo. – respondi.

– Uma jovenzinha dessas pode ser mais perigosa do que um cavaleiro com um machado. – sorriu malicioso e fez menção de tocá-la.

– Cale a latrina que você usa para falar e faça sua obrigação. Busque meu cavalo.

– Sim, senhor. – os dois homens se retiraram.

A moça continuava imóvel com gratidão no olhar e percebi que ela ainda esperava minha autorização para partir.

– Pode ir. – assenti.

– Obrigada, senhor. – deu dois passos para trás e, finalmente virou-se.

– Seu nome. – a curiosidade escapou-me da garganta.

– Jolia, senhor. – ela virou-se para mim uma última vez com um breve sorriso no rosto e partiu.

****

Jolia. Nome simples e plebeu, assim como ela. Mas soava bem nos lábios assim como ela própria deveria soar. Ah, os músicos deveriam fazer canções sobre ela. Algumas mulheres mereciam músicas sobre si tanto quanto grandes jornadas e aventuras, afinal elas também as eram.

Ouvi baterem na porta de meu aposento e a voz velha:

– O almoço está servido, senhor.

– Quando me convir irei almoçar.

– Creio que seja melhor desfrutar do ganso enquanto ainda está quente. Mas proceda como desejar. – e foi embora.

Gansos. Que fortuna coincidência. Adiantei-me para o salão de jantar e comi com mais gosto do que o normal, embebedando-me com meu próprio vinho e ignorando as asneiras dos demais à mesa.

– Recolha. – Tywin determinou e as criadas começaram a juntar os pratos enquanto os outros iam se retirando.

Fiz questão de ser o último a sair por motivos de eu quis. Como se não me visse a criada mais velha gritara para a cozinha:

– Menina, quando recolhermos os pratos você para o que estiver fazendo e vem recolher conosco. Entendeu?

– Sim, senhora. – a serva veio correndo e começou a juntar os pratos próximo a mim.

Ela usava um lenço branco no cabelo preso, mas seu rosto permanecia sutil como quando a conheci. Observei seu colar pendurado em um barbante qualquer. Era bruto e representava um quadrado com um círculo dentro, e eu não fazia ideia do que queria dizer.

– Belo colar. – falei baixo, mas em tom suficiente para que ela ouvisse e se sobressaltasse, colocando-o para dentro do vestido.

– Posso? – ela apontou para meu prato vazio.

– Ah, claro. – Jolia recolheu-o e encaminhou-se para a cozinha.

– Você não deve incomodar o seu senhor! – deu-lhe um tapa. - Não pergunte, não fale, não se comunique além do necessário.

– Perdão, senhora. Não vai se repetir.

– A senhora está me incomodando. – ergui-me e caminhei em direção da criada mais velha. – Com seus gritos e agressões desnecessárias. Acredito que a moça seja nova aqui.

– Sim, senhor. – a mulher respondeu em tom completamente diferente do que usara com Jolia.

– Então a ensine correta e pacientemente. Está me entendendo?

– Perfeitamente, senhor.

– Eu espero que sim.

Lancei a Jolia um olhar não muito demorado e ela fez-me uma rápida reverência antes de se retirar. Não era como se eu fosse o rei para ela me fazer reverências, mas senti-me incrivelmente lisonjeado.

****

Aquele ambiente fechado começava a perturbar minhas vistas e incomodar-me profundamente. Recolhi os três livros que eu lia simultaneamente e fui para a parte externa do belo e luxuoso Cárcere Lannister.

Sentei-me atrás de uma parte pedregosa e bem vegetada. Eu tinha quase certeza que das torres, ninguém conseguiria ver o “Duende” ou pensar em me incomodar ali. Pigarreei e comecei a leitura de um dos volumes.

Após dois capítulos lidos, o inesperado aconteceu: alguém apareceu para incomodar.

– Ora, varrer as folhas da grama. Varrer as folhas da grama. – a vassoura fazia um barulho irritante, mas não ousei sair do meu lugar na esperança de o incômodo partir. – Quem se importa com as folhas na grama? A grama é feita de folhas!

Ri com o comentário e dei uma espiada na mulher que o fizera, e não resisti em questioná-la:

– Então por que ainda assim a varre?

– Porque a senhora criada chefona mandou. –pôs uma das mãos na cintura e finalmente virou-se para mim, o que a surpreendeu. – Sinto muito, senhor. Não imaginei que fosse quem é.

– Prefiro quando não me chama de senhor. – apoiei a cabeça em meu punho. – Estamos nos encontrando muito ultimamente.

– De fato.

– Fala bem para uma criada. Por que não se senta e conversa comigo um pouco?

– Como desejar.

Jolia segurou as saias, e desceu por algumas pedras, ainda segurando a vassoura. Sentou-se um pouco abaixo de mim, de onde ficava de minha altura, o que interpretei como boa consideração da parte dela.

– Então... – acomodei-me nas pedras, se é que era possível. – O que significa seu colar?

– O senhor foi o único a perguntar isso desde que o possuo. – ela sorriu satisfeita, puxando o colar para fora das vestes.

Por um momento tive inveja do objeto por estar tão bem alojado entre os fartos seios da moça, e quase me senti culpado por tirá-lo de lá.

Jolia segurou o pingente na mão em concha, mostrando-me:

– O quadrado em volta é o que é limitado, o externo. Representa o corpo. O meu corpo. – sorriu agradavelmente. – O círculo dentro dele é minha mente: sem fim como o conhecimento, e, de alguma forma, eterna. E dentro do círculo...

– Não há nada dentro do círculo. – interrompi.

– Mas é claro que há.

– Ora, não sou cego e ainda assim não consigo ver nada.

– É porque está vendo com os olhos errados. O que há no meio é minha alma. Olhos mortais não a veem, mas está ali, infinita sob o comando do resto de mim. – ela olhou-me docemente.

Seu rosto era plebeu, mas tinha a graça que muitas princesas não possuíam. Livrando-me daqueles pensamentos, segurei o colar em suas mãos:

– Pronto, acabei de tocar seu corpo.

– E mente e alma. – ela riu.

– Onde o conseguiu? – soltei-o e ele voltou a pender em seu pescoço.

– Meu antigo senhor deu-me antes de morrer. – ela começara a olhar-me nos olhos, o que me fazia sentir aquecido. – Não é o que o senhor pensa.

– Por incrível que pareça, não pensei nada. – ergui as mãos em sinal de inocência.

– Eu vivia nos domínios de um bom senhor chamado Guevas com minha mãe, que era também uma criada e me ensinou tudo o que sei. Guevas tinha uma nobre esposa, que infelizmente não lhe dera filhos, mas ele a amava tanto que pouco se importara com isso. Eu era a única criança em sua morada e ele me tratava bem, mas não era como se me tratasse como sua filha, porque eu não era e nunca seria. Ainda assim, ele era-me a figura de um pai. – seus olhos sonhadores, acharam o foco e ela empertigou-se. – Estou aqui falando e falando e incomodando o senhor. Que ousadia a minha!

– Não está incomodando. – disse a verdade, interessado na história. – Por favor, prossiga.

– Certo. Depois que sua esposa falecera, ele sentiu-se muito triste e caiu em doença. Entregou-me o colar, dizendo para que perpetuasse sua mensagem. Por fim, o marido de sua única irmã viva tomou seus territórios e vendeu parte de sua criadagem e eu fui junto.

– E sua mãe?

– Morrera pouco antes de Guevas. – seus lábios formaram um triste desenho. – Era uma mulher muito digna e boa. Nunca conheci meu pai, ela dizia que era um bêbado fajuto que se perdera em uma briga de bar. Minha mãe era-me suficiente apesar disso. Trabalhava de forma muito eficiente e me ensinou os serviços. Dizia-me que eu sempre deveria trabalhar e nunca render-me a um prostíbulo. Que para uma moça pobre, valia-me manter o que tenho de bom em mim e manter minha virgindade até o verdadeiro merecedor de ter-me como esposa.

Era uma história simples, mas bonita. Assim como Jolia. Tudo relacionado a ela lhe era semelhante. Percebi que era a primeira vez que conversava sobre isso e dei-me quanto do quão solitária ela deveria ser.

– Então você continua virgem? – senti-me mais estúpido do que o mais vil camundongo. Ela desabafara-me a vida e tudo o que eu tinha a perguntar era sobre sua virgindade.

– Sim, senhor. – respondeu com naturalidade. – Pode não acreditar, mas é o que tenho como verdade.

Jolia deveria ter por volta dos dezenove anos, que era uma idade avançada para uma moça ainda continuar em seu estado de pureza. Dificilmente eu acreditaria naquilo, mas seus olhos transmitiam-me uma confiança que anteriormente me era desconhecida.

– E o senhor?

– Também tenho um nome: Tyrion. Não é tão difícil de dizer.

– Tyrion. – ela experimentou o nome em seus lábios e sua voz envolveu-me como o bater suave das asas de um pássaro de verão. – Lorde Tyrion.

– Certo. – assenti, concentrando-me. – Sou filho de um rico senhor que para mim não passa de um tirano. Tenho apenas um irmão que, de alguma forma, dá-me algum valor, uma irmã rainha que me rejeita. Sou um anão coxo e deformado, e por ser um Lannister não fui para um espetáculo de aberrações qualquer, agradeço aos deuses por isso. Sou conhecido como “Duende”, que era uma bela de uma troça, e armazeno o máximo de informação que cabe nessa cabeça grande e pesada. – apontei-a. – Não é uma história muito interessante, como pode ver.

– Parece-me interessante. Além disso, pode construir sua história todos os dias. – seu olhar encontrou os livros.

– Quer vê-los?

– Ah, por favor. – parecia maravilhada.

Sentiu a textura das capas, analisou as palavras, folheou-os e até cheirou-os, o que a fez espirrar algumas vezes.

– Gosta de ler? – perguntei.

– Eu não sei ler.

Esquecera-me que, assim como a maioria das criadas, ela não era letrada. Mas sua entrega à contemplação dos livros e a forma como falava bem, intrigavam-me.

– Então como fala bem?

– Eu observava todas as damas da corte quando frequentavam os salões de meu antigo senhor. Estudava seus comportamentos e guardava suas belas palavras. – colocou as mãos nos joelhos.

– Então estou lidando com uma senhorita inteligente e observadora. – peguei um dos livros, com uma súbita vontade. – Gostaria que eu lhe lesse uma história?

– Eu adoraria. – seus olhos brilharam e ela pôs as mãos sob o peito, extasiada.

– É uma história sobre dragões. Uma de minhas favoritas.

****

Jolia era uma pessoa incrível para quem se ler. Não atrapalhava a leitura, mas não ficava como uma estátua. Tinha reações, como arfadas, semblantes de surpresa, breves risinhos. Sempre muito concentrada.

– Jolia! – a voz da velha criada ribombava. – Jolia, sua porca suja! Se eu te achar arranco-lhe o couro!

– Oh, não... – a garota fez menção de erguer-se, mas pus a mão em seu ombro e um gesto negativo com a cabeça.

– Fique aqui. – comecei a pensar em algo para ajudá-la.

Saí rapidamente de trás das pedras, sem que a mulher visse de onde eu vinha e comuniquei-lhe:

– Se estiver se referindo à serva que estapeou após o almoço, eu ordenei que fosse até o mercado comparar-me mantimentos específicos.

– Eu não sabia, senhor.

– Pois agora sabe. O que tem com ela é uma rixa em especial ou é assim com todas?

– Ela é nova, senhor. Precisamos ser rígidas com elas ou ficam folgadas e mal acostumadas. – limpou as mãos no avental, nervosamente.

– Creio que seja melhor para você que seja mais educada com as suas meninas. Novas ou velhas na criadagem. Espero que seja gentil com a moça, porque eu vou ficar muito insatisfeito se descobrir que é algo específico com ela. Compreende?

– Sim, senhor. – assentiu.

– Retire-se. E trate de não aparecer sob minhas vistas por um tempo. Já lhe vi demais para só um dia. – ri internamente de meu próprio joguete.

Quando ela desapareceu de vista, voltei para o local onde Jolia estava:

– Viu? Tudo certo. Seu fosse você, assim que pudesse, teria estapeado essa velha...

– Ah, eu também. – ela disse tão espontaneamente que começamos a gargalhar.

– Você é uma excelente companhia, Jo. Aliás, posso chamá-la assim?

– Claro. – ela segurou minhas mãos, com algo que se assemelhava a devoção, e surpreendi-me com o gesto inusitado. – O senhor tem sido tão bom para mim que é o mínimo que posso fazer. É generoso assim com todos?

– Só com as moças que derrubo no mercado. E elas devem carregar gansos também. Alguns pequenos requisitos. – brinquei.

– Sortuda é a moça que derrubas. – riu.

– Procurarei derrubar-lhe mais vezes, senhorita.

– Acredito que seja melhor que eu me retire. Não posso buscar mantimentos específicos para o senhor para sempre.

– De fato.

Jo ergueu-se lançando-me um olhar muito doce antes de subir pelas pedras e voltar a varrer, agora incrivelmente veloz, como se para desatrasar seu serviço. Recolhi os livros e andei de volta ao cárcere, mas antes de ganhar muita distância da moça, perguntei:

– No mesmo período do dia, amanhã... Gostaria de continuar a história?

Ela assentiu com um sorriso que iluminou minha visão. Então, enfim, encaminhei-me para meus aposentos.


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Notas finais do capítulo

Não pretendo prolongar muito a história, apenas fazê-la boa o suficiente. O que me dizem a respeito dela? Espero que tenham desfrutado a leitura. Até o próximo capítulo.



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