Quando Scorpius abriu os olhos pela primeira vez naquele dia, ainda conseguia ouvir claramente os gritos de Rose e sua última gargalhada ecoando junto ao vento. Por um instante, ficou apenas ali, parado, não sabendo se saboreava aquele momento em que se sentia meio nostálgico, meio quebrado. Na verdade, aquela era uma sensação engraçada. Quando não se sabe ao certo se gostaria de voltar ao passado para reviver todos aqueles momentos que lhe levaram ao agora ou se gostaria apenas deixar aquilo para trás, onde ficariam pelo resto de sua vida.

Scorpius chegou à conclusão de que guardaria aquelas memórias com carinho, independentemente de tudo. Afinal, hoje ele estava ali. Ao lado de Rose.

Eram apenas eles, ali, deitados no gramado do Hyde Park às quatro da madrugada. Nada que já não tivesse acontecido antes. Mas alguma coisa naquela brisa outonal lhe dizia que havia algo diferente. Scorpius procurou saber o que era - os olhos dela, como seu cabelo deslizava pelos ombros com o movimento do vento, os lábios levemente arroxeados por causa do frio…? Nada disso era desconhecido por ele, portanto também não havia nada fora do lugar.

Exceto, talvez, ele percebeu, que a diferença estivesse nele mesmo.

Era como se sua visão tivesse desembaçado depois de anos em um estado de cegueira plena, onde tudo o que ele via não era escuridão, mas apenas vultos disformes. As cores pareciam mais vivas, agora; os sons, mais claros. Não era só cegueira, então. Era um entorpecimento geral.

Ora, o que uma noite mal dormida no Hyde Park não fazia?

Rose se espreguiçou ao seu lado, mas Scorpius não desviou os olhos do sol nascente. Percebeu que ela o observava: sua expressão terna, seu sorriso leve e a felicidade estampada no rosto. Rose sorriu e se levantou bem na hora em que Scorpius se virou.

“Tenho que ir… Combinei de tomar café com Corin.”

Scorpius arqueou as sobrancelhas. Há pouco mais de duas semanas, Rose chegara ao apartamento dele e de Albus com uma garrafa de vinho de terceira classe, chapéus de festa e algumas línguas de sogra. Estou livre!, ela gritou, Corin e eu finalmente terminamos!

Naquele momento, o coração de Scorpius pareceu ter ido dar uma volta na London Eye e ter gostado de ficar lá, já que ele parecia não querer retornar tão cedo.

“Vocês voltaram?” Ele perguntou.

Rose suspirou com o tom exasperado do amigo, mas balançou negativamente a cabeça.

“Ele é meu amigo, Scorpius. Mais ou menos. Mas, apesar de tudo, ele me faz bem…”

“Pode até ser. Contudo, fazer bem é diferente de amar, Rose.” Disse isso como se falasse que o céu é azul.

“Sei disso. Mas, por enquanto, é do que preciso.”

“Eu sei,” Scorpius sorriu, levantando-se também.

Ela o olhou como se não o reconhecesse. Parecia se perguntar se havia acontecido algo enquanto dormia para ele estar agindo daquela forma. Aproximou-se de Scorpius e levou sua mão ao rosto dele, acariciando-o levemente, repetindo aquele mesmo ritual de sempre. Scorpius não reclamou. Ele gostava de quando estavam assim. gostava tanto que sempre fechava os olhos. Desta vez, porém, manteve-os abertos. Queria ver como os olhos de Rose ficavam enquanto o acariciava.

Surpreendeu-se.

Eles pareciam embaçados, como se Rose enxergasse além de Scorpius. Como se pudesse sentir, nas digitais de seus dedos, tudo o que Scorpius pensava, tudo o que ele já havia sentido durante todos aqueles anos, tudo o que ele era, e estivesse se condensando naquele toque.

E então ele viu o carinho.

E algo mais que não esperava notar.

Scorpius levantou sua mão para tocar na dela e Rose pareceu despertar com um leve susto, mas não se afastou. Com um sorriso terno, ela disse:

“Você sabe que é meu melhor amigo, não sabe?”

Desta vez, Scorpius não sentiu a pontada no peito e nem estranhou isso.

Talvez porque ele soubesse.

Ele sorriu e beijou a palma da mão de Rose.

“Eu sei. E você também.”

Ele esperava que ela tivesse entendido.

Pelo último olhar que lhe lançou, ela também sabia.

Scorpius se virou para ver o sol nascer, as mãos enfiadas nos bolsos agora. Tenho que arrumar essas coisas, ele pensou, chutando a manta sob seus pés e lançando um olhar aborrecido para cesta de vime alguns passos a frente. Tenho que ir para casa, tomar um café, um banho e trabalhar.

Tenho que mandar uma carta aos meus pais, pensou, espreguiçando-se. Um passo de cada vez.

Quando se virou novamente, Rose já estava longe, apenas uma figura distante que, se não fosse pelos longos cabelos vermelhos se destacando, ele não conseguiria distinguir dos outros transeuntes que começavam a aparecer. Há algum tempo, ele teria se martirizado se ousasse pensar que algum dia nunca iria conseguir reconhecer Rose entre algumas dezenas de pessoas. Há algum tempo, Scorpius ficaria desesperado com a possibilidade de perder Rose. Hoje, ele não tinha mais medo; ele não temia mais as tramas que o destino criava para manter Rose longe. Se fosse no começo, Scorpius provavelmente estaria se descabelando em sua cama e arquitetando uma forma de fazê-la entender todo o amor que sentia por ela.

Mas, hoje, ele entendia.

Scorpius tinha amadurecido. Não era mais aquele adolescente de quatorze anos que fora rejeitado pelo amor de sua vida, que faria de tudo por ela. Hoje, ele compreendia.

Era maior. Tudo era maior.

Hoje, não.

Hoje, no fim, no começo, Scorpius entendia que, no fim, no começo, sempre, Rose voltaria para ele.

Acho que as palavras sussurradas ao vento finalmente a alcançaram.

Então, Scorpius se virou e começou o seu dia.