Alice Gryffindor

Birdy - 1901

Quando normalmente não estava alisando o vestido, arrumava os cachos que caíam em seus ombros. Ela sabia que tinha de manter a pose, mas definitivamente não se acostumara com aquele tecido justo ao corpo e aos saltos altos, os cabelos foram lavados e cacheados e o louro dourado brilhava mais intensamente do que de costume. Os olhos cor de âmbar pintados e enfeitados. Por fim, ouviu as vozes de seu mentor e de Daniel. Quando entraram na sala, sorriu.

– O príncipe encantado voltou – notou, andando com os saltos até eles. Estava muito desengonçada.

– Sim, e a princesa parece feliz. – Daniel olhou para o mentor – A Aliança já foi anunciada?

– No Jornal oficial. – o mentor informou.

Daniel era um dos últimos, mas Alice tinha uma favorável posição entre os dezesseis primeiros, estava em décimo sexto lugar e, embora não fosse muito longe de Daniel, era melhor do que estar entre os últimos. Daniel trajava uma camiseta de lã marrom, com uma jaqueta de couro preta e calça jeans azul escuro. Quase tão normal quanto seu vestido casual, com botões dourados e jeans marcando-o. Tão simples que não sabia se era para usá-lo no Apartamento ou na Entrevista. Mas estava bonita, não podia negar.

– Chamam-nos Aliança dos Terceiros pois são tributos que ninguém presta muita atenção e são a Terceira aliança anunciada, a primeira foi a dos Carreiristas e a segunda uma aliança entre meninas. – o mentor informou. – Dentro de dez minutos iremos chama-los para descer, o carro que os levará para a Entrevista está chegando.

Quando o mentor os deixou, Alice se sentou no sofá do apartamento, relaxando dos saltos. Daniel se sentou ao seu lado, muito mais relaxado. Pelo menos os sapatos dele não tinham saltos altos como os dela. Daniel parecia meio ativo enquanto assistiam a cobertura especial da Entrevista dos Tributos. Caesar já estava lá, elegante em um terno carmim e com cabelos muito bem equilibrados em madeixas pretas.

– Este ano é bem mais discreto – comentou, tentando puxar assunto.

Daniel concordou com um meneio, e por fim disse algo:

– Você não foi hoje nos treinos.

– Fiquei dormindo até mais tarde e depois treinei com meu mentor no quarto. Você foi? O que fez?

– Um treino especial, acho eu... Mas não menos assustador – sorriu de lado.

Alice não tocou mais no assunto, não parecia algo que ela entenderia. Assim que o mentor veio dar o sinal, desceram o elevador até o subsolo e entraram no carro blindado junto com os outros doze tributos selecionados para aquela partida. Eles eram divididos sempre em doze para serem transportados de um lugar para outro. Lá, sentada em seu banco com o cinto de segurança prendendo seu peito, Alice observou o vestido das outras meninas. Muitas estavam berrantemente atraentes, como era o caso da garota do 10, Arabella, que usava um decote tão extravagante e pernas tão a mostra que deixou Alice constrangida apenas por sentar ao lado dela. Outras também pareciam não quererem olhar para ela. “Mas é claro que o pessoal da Capital vai adorar”, quando mais extravagante, melhor, este era o ditado. A cor vermelha do vestido de Arabella deixava mais visível sua pele morena e os cabelos cacheados caindo numa cascata negra sobre seus ombros nus. Os olhos pintados de preto, destacando o verde musgo. Realmente, atraente.

Outra estava tão brilhante que ofuscava o fundo do carro. Ela usava um vestido estilo tubo dourado, realçando seus cabelos louros e os olhos azuis. Seus saltos eram os maiores e tinham plataformas para ajuda-la a se equilibrar, plataformas de cristal. Seu colar era ouro puro e seus braços estavam adornados de esmeralda e ametista. Platina trançava seu cabelo, rubi formava seus lábios e os olhos estavam enfeitados de qualquer outra pedra preciosa.

“Distrito Um”, concluiu Alice. De seu outro lado sentava uma menina com boa postura, ereta e de ombros erguidos, cabeça levantada e ar de superioridade. Nada muito extravagante a adornava, além de cordas nos pulsos e um colar com uma única concha de um verde claro muito bonito. Seus cabelos estavam presos num rabo de cavalo, tinham sido tingidos de louro-areia, embora as sobrancelhas dela já fossem louras. Seu nariz apresentava uma pele descascada, e o bronzeado aos poucos estava se esvaindo de seu corpo, mas nenhuma mancha, se fosse olhada de longe ninguém perceberia. Seu vestido era tão simples que fez Alice sentir que até o seu era extravagante demais. Era um tecido fino, mas esvoaçante, reinando da cintura até os joelhos, verde-claro, azul-claro e cinza se misturando, como uma luta no oceano. Subindo até seus seios o tecido se grudava na pele e era de um cinza misturado a azul-escuro e petróleo, e a parte de seios e ombros era do mesmo tipo da saia, mas em preto escuro. A escala de cores estava caindo, formando um degrade agradável. Seus pés estavam em sandálias simples e ela parecia leve. “Daria no máximo quinze anos, mas é alta demais, e vem do Quatro”.

A sua frente se sentava uma menina menor do que as outras três que ela notou. Parecia tímida, quase envergonhada, mas nada extravagante ou vulgar. Tinha longos cabelos negros, cacheados, caindo até suas costas, mas não em um cacheado artificial, o volume era grande e o cabelo armado, os cachos pequenos e em grande número. Sua pele era morena, mas brilhava, como se tivesse sido banhada em óleos aromáticos (e realmente tinha, Alice sentiu o cheiro depois de um tempo), seus olhos decorados fracamente com delineador preto e os cílios alongados e negros. Seus lábios grossos estavam pintados de vinho, o que realçava sua pele morena. Os seios eram pequenos, mas o vestido os valorizava, com babados no lugar do decote. Era um vestido vinho da mesma cor que seu batom, com alças finas, terminando aos joelhos, mas não era justo, e sim esvoaçante, sem muitos detalhes, mas completamente fofo. Alice não pôde deixar de notar que ela era outra que parecia ter menos de quinze anos, mas duvidava. Todas ali tinham sido produzidas para parecerem indefesas e fracas e assim chamar a atenção dos Patrocinadores para ajuda-las, já homens era o contrário.

A próxima tinha cabelos trançados no alto da cabeça, deixando os ombros nus a mostra e dando um ar angelical a seu rosto fino e suas sardas. Tinha olhos verdes estavam normalmente decorados com cílios alongados e apenas uma leve sombra branca. Seus lábios foram pintados de rosa claro e brilhavam. Sua pele era pálida, e o vestido parecia com algo que uma criança vestiria para o dia da Colheita: Um laço simples no lado da cintura, leve, com uma gola japonesa e botões prateados, o vestido era rosa claro, como seus lábios, e as unhas dela tinham sido decoradas de ursinhos e bonequinhas dançando ballet. Esta era pequena e por isso parecia ter treze anos, mas Alice aprendeu a não julgar pela aparência, com certeza beirava os dezesseis, ou mais, e tinha um lindo anel em seu dedo, com o número 5.

Alice parou de notar as garotas ao seu redor e esperou de cabeça baixa, até que chegassem ao local onde as Entrevistas aconteceriam. Não podia deixar de sentir aquele frio na boca do estômago, e ainda mais quando desceram do carro e os fotógrafos a pegaram de surpresa. Estavam todos amontoados, buscando a melhor foto. Algumas lançavam beijos, outras acenavam, e ainda algumas que abraçavam as pessoas que pediam para tirar fotos com elas e autografavam a Revista dos Vitoriosos. No final, Alice sentiu-se tão desconfortável que seguiu uma outra menina que ignorava os fotógrafos e o público, e com ela entrou nos bastidores da Entrevista. Seguranças as enviaram para um grande salão, onde divãs e sofás espaçosos esperavam por ser ocupados. Alguns rapazes já tinham chego.

Alice se sentou, e cruzou as pernas, esperando o momento em que fossem chama-la e então caísse no palco, como imaginou que faria um milhão de vezes, mas quando isso aconteceu, não houve quedas. Tremia em cima dos saltos, estava fria e a luz a ofuscara por alguns segundos, mas Caesar foi busca-la e a acompanhou até os divãs onde se sentariam para a Entrevista, e Alice ficou grata. Não poderia deixar de reparar o público. Milhares de milhões de rostos, todos coloridos, sorridentes, olhando para ela.

– Bem vinda, Alice, sabe que me espantou muito quando entrou aqui? Estava tão ofuscada pelo brilho de Piper McHale que quase me esqueci de ir busca-la. – a plateia riu do comentário.

– Não sou tão bonita quanto ela, Caesar? Oh, como me magoa... Pensei que estava a altura...

Fez seu biquinho tristonho, que tinha ensaiado por horas na frente do espelho.

Caesar sorriu, com as bochechas ruborizadas e segurou seu pequeno queixo nas mãos grandes.

– Você está encantadora, Alice. Era só uma brincadeirinha. – e riu para a plateia, que seguiu seu exemplo. Alice se permitiu sorrir também. – Mas voltando a entrevista... Sabe que eu adorei seu vestido no Desfile? Foi genial como seu estilista captou a essência do Distrito 08 e o colocou em você, estava linda.

– Obrigada, Caesar, mesmo que eu pense que não estava tão linda quanto diz...

– Ah, que modesta! – ele exclamou – Um coração bondoso entre tantos outros corações, pulsando forte – ele cerrou o punho – sendo jogado na Arena para duelar pela vida... Alice, você está disposta a lutar pela sua vida?

– Sim, Caesar, estou pronta. – seu tom se tornou firme – Sei que todos são coitadinhos e desafortunados, mas eu não posso escolher entre eles e entre minha família. Tenho de voltar para os meus amigos.

“Embora eu não tenha amigos, ou mesmo uma família”.

– Falando em família... – Caesar segurou suas mãos entre as dele. – Você é órfã, não, Alice?

– Sim... – abaixou o rosto e pôde escutar alguns suspiros emocionados.

– É uma lastima... Mas você tem tios e primos no Distrito 08 que nós conhecemos em algumas entrevistas – Caesar sorriu – Eles te amam muito, não?

– Acho que sim.

“Embora tenham sido todos contratados para fingir isso”.

– Bom... Boa sorte na Arena, meu Coração Puro. Esta é Alice Grynffindor, do Distrito 08!

E saiu, sentindo como se um grande fardo saísse de seus ombros.