CAPÍTULO XXI

Procura-se carona para Marte

Dominique Delacour

Não era comum Dominique sentir-se normal, equilibrada, tranquila e plena no meio de Rose e Roxanne. Rose sempre foi um poço de estabilidade. Estabilidade emocional, estabilidade acadêmica, estabilidade hormonal — exceto na TPM, quando parecia querer realmente assassinar Scorpius Malfoy. Roxanne sempre foi bem doida, mas em um bom sentido: dando risada, pregando peças, zoando as pessoas e procurando encrenca com Britney Parkinson. Porém, parecia que o jogo tinha virado.

Rose fez a prova de álgebra super rápido e saiu cabisbaixa escondendo uma risada incontrolável. Ao vê-la saindo desse modo, a professora Septma Vector franziu o cenho e folheou a prova para ver se estava tão fácil assim. E a risada continuou o dia inteiro, era só ela olhar para o nada que começava a dar risada incontrolavelmente. Roxanne, por sua vez, não falava nada, não fazia nada e apenas procurava se esquivar de lugares que Lorcan poderia estar. Sem contar que decidiu não ficar para o treino das líderes de torcida — graças a Karen Nott, haveria treino segunda e sexta naquela semana, por causa das provas difíceis dos outros dias, o que atrapalharia em larga escala do plano de Scorpius e Rose.

Dominique acabou por ficar sozinha no treino, e consequentemente no vestiário. Enquanto estava sentada no banco desembaraçando seus cabelos recém-lavados, ouviu algumas batidas na porta de ferro, e viu a imagem do seu capitão favorito aparecendo.

— Você não acha que esse lugar é muito macabro? — sorriu encostando-se no batente.

— Ainda bem que não estou sozinha, não é? — disse espontaneamente, como se estivesse falando do tempo ou algo assim enquanto arrumava algumas coisas em sua bolsa. Sentiu-se orgulhosa.

— É. Roxanne não veio hoje?

— Ah, altas tretas com o Lorcan, aí ela não quis pensar na possibilidade de ver a cara dele ou a do irmão dela.

— Mas hoje nós não temos treino, não teria como ela, ou melhor, não teria como o Lorcan correr esse grave risco de morte. — uma lâmpada, de repente, acendeu em cima da cabeça loira de Dominique, fazendo-a engolir a seco e sentir um tipo de explosão de fogos dentro do próprio estômago.

— Então o que você está fazendo aqui? — perguntou fazendo-o dar aquela risada que abalava a sua estrutura óssea. Dominique levantou-se no banco, colocou a mochila nas costas e andou em direção à porta enquanto James passava a mão no cabelo.

— Bom… Por enquanto não estou fazendo nada.

Ai.

Ela ia morrer.

Nossa, como ela ia desmaiar!

Dominique não aguentou o nervosismo e deu risada, contagiando-o. Parou de andar bem na frente dele, que não parecia estar disposto a deixá-la passar por aquela porta pequena, e olhou para aqueles olhos que ela nem sabia definir direito a cor. James a olhava com o mesmo entusiasmo. Só que ela não sabia como agir. Quer dizer, ela nunca havia ficado tanto tempo conversando com alguém para dar, simplesmente, um beijo. Embora tivesse a impressão que com James seria mais do que apenas um beijinho sem importância.

Ele passou a mão pelos cabelos novamente, desencostou-se da porta e encurtou a distância entre os dois. Não havia ninguém ali para atrapalhar, eles já estavam bem entrosados, já estava na hora de rolar alguma coisa.

James pôs uma mão na nuca de Dominique, e sorriu antes de

— Dominique, você por um acaso viu a… — Lorcan perdeu a fala ao perceber o que estava atrapalhando. — Roxanne. — sua expressão era uma mistura de preocupação, por não achar a menina, e vontade de dar risada. — Acho que não, né.

— Ela não veio hoje. — respondeu gentilmente, tendo James praticamente repelido de perto dela. Ele massageava as têmporas e ria de nervoso. — E se eu fosse você não tentaria conversar com ela até amanhã. Ela precisa de um tempo.

— Eu fodi tudo, que porra. — resmungou dando meia volta e batendo na porta. — Valeu, Domi.

— De nada. — Lorcan já estava um pouco longe. Ela virou-se para James e sorriu amarelo. — Bom, eu acho que

— Não. — tão rápido quanto flash, James pôs as mãos no rosto de Dominique e beijou-lhe.

James beijou Dominique como sentia de vontade de fazer há semanas. Sentir a sua pele macia, seus lábios quentes, tocar seu cabelo, aproximar-se de seu corpo e sentir-se bem além do paraíso. Ambos sentiam uma mistura de realização, fervor e paixão, muita paixão.

Enquanto a única coisa que Dominique conseguiu pensar em fazer foi pôr as mãos naqueles cabelos maravilhosos de James e apertá-los forte com medo de que algo — ou algum intruso — o tirasse de perto dela, ele segurava sua cintura e nuca com força, compartilhando do mesmo medo. Eles, com certeza, poderiam explodir de felicidade a qualquer momento.

Talvez por isso, encostaram as testas e sorriram como se tivessem ganhado o melhor presente de Natal do mundo.

— Você quer uma carona? — ele perguntou tirando alguns fios de cabelo da bochecha da garota, que assentiu e puxou-o para mais um beijo. Que depois virou dois, e depois quatro, e assim por diante.

[TERÇA-FEIRA]

Roxanne Johnson

Roxanne havia planejado que a sua monótona terça-feira fosse apenas mais um dia em que fugiria de Lorcan Scamander e de suas possíveis desculpas. Na verdade, bem na verdade e bem lá no fundo do seu coraçãozinho mole, não tinha certeza se de fato ele pediria desculpas ou algo do tipo, e para não ter seu ego mais furado caso ela não percebesse nenhum sinal da parte dele, preferiu esconder-se e poupar-se — mesmo que parecesse uma doida fazendo isso.

No intervalo entre a aula de biologia e a de história, foi no banheiro checar se estava com uma cara de perdedora tão como sentia-se estar.

Enquanto arrumava seu cabelo, que com muito custo ficava abaixado, levou um susto ao ver uma figura loira e patética atrás de si.

Merda.

Ou era Lorcan Scamander ou ela estava alucinando.

— Não sabia que tinha perdido a noção de lugar também, porque de horas claramente você não tem. — disse grosseiramente. Lorcan cruzou os braços e deu passagem para uma garota que o encarou estranhando-o ali.

— Eu posso explicar.

— Mas é claro que você pode, Scamander, que merda que você não consegue explicar, hum? Porque com certeza tem uma explicação para me deixar plantada em um encontrozinho. — Roxanne havia decidido que já havia passado a época de ser trouxa. Se tinha algo para falar, falaria e ponto final. — E eu tenho plena convicção que essa explicação tem pernas, braços e peitos.

— Hã? — se Lorcan achava que uma onomatopeia era um bom argumento, estava redondamente enganado.

— Hã? Hã? Hã? É surdo agora, garoto?

— Rox, olha, eu sei que você está irritada, mas-

— Irritada? Eu não estou irritada, Scamander, eu estou emputecida. — esbravejou virando-se para ele. Talvez se Fred visse a cena, diria que parecia um dragão ou uma lontra muito, muito brava. — E saiba que nada que você falar vai mudar alguma coisa. Não tínhamos nada, não temos nada e não teremos nada.

— Rox, eu-

— Você porra nenhuma, Lorcan, porra nenhuma. Eu não quero saber, eu não quero ouvir. Sabe por quê? Porque foi eu quem passou vergonha esperando você por horas e horas sem fim, seu idiota.

Depois dos seus gritos estrondosos, apenas o barulho de descarga preencheu o ambiente. Uma garota de doze anos saiu cabisbaixa de uma cabine, lavou as mãos e passou por Lorcan. Era uma situação não muito comum, e que provavelmente o pessoal que estava no corredor estava escutando.

— Eu fiquei com medo. — ele falou simplesmente, olhando de uma forma carinhosa para a garota que parecia estar muito, muito chateada. — Sei que fui um idiota, sei que deveria ter visto pelo menos a mensagem, mas… Voc-

— Medo, Lorcan? Medo? — Roxanne cerrou os olhos perigosamente. — Você acha que tem idiota escrito na minha testa?

— Não quero perder a nossa amizade, Rox, por nada. E outra, eu pensei nisso, e depois considerei a hipótese de ir, mas quando cheguei era um pouco tarde e você já não estava mais lá.

— A culpa é minha, então?

— Não é isso, Rox, eu só… Porra. Me desculpa, eu sei que fodi tudo, mas… Porra. Não sei que merda que me deu e eu… Eu… Eu gosto de você, você sabe que sim, mas eu… Eu… Merda. — bufou pondo as mãos no bolso. — Me desculpa… Por ter te deixado lá, por não ter respondido as mensagens, por tudo. Me desculpa. Eu sei que sou um babaca.

— Sim, você é.

— Mas sou um babaca que está te pedindo desculpas porque sabe que foi totalmente desnecessário. — Roxanne não cairia na laia dele, mas não cairia mesmo. — Eu fiquei com medo de que o encontro não desse certo e que acabássemos nos distanciando ou algo do tipo. E depois eu mudei de ideia, só que era tarde demais.

— É tarde demais, Lorcan. — foi quando o sinal tocou. — Tarde demais.

— Rox, eu sei que você não vai me desculpar de primeira, mas, por favor, considere. Estou pedindo desculpas. — Roxanne rolou os olhos enquanto tentava passar por ele na porta. — E eu não sei de que merda de peitos você está falando.

— Não sabe, né? Não sabe? Você é um alienado, coitadinho de você, Lorcan. Me poupe.

Conseguiu passar por ele e foi para a aula de história completamente fora de órbita. Sentou-se na última fileira, debruçou-se sobre a mesa e fechou os olhos para tentar ser teletransportada para um mundo onde babaquice de relacionamentos não existissem.

Não que ela ainda tivesse um.

Não que ela um dia teve.

Rose Weasley

Puf. Rose Weasley não lia pensamentos, mas se soubesse que ela e Roxanne estavam precisando urgentemente ir embora do planeta Terra, teria procurado algum jeito de realmente zarpar.

A vida é difícil, às vezes amarga, dura, ou muito doce, enjoativa e diabética. Depende de você, sempre. Rose assimilou isso tão rápido quanto as Leis de Kirchhoff, era apenas uma questão de lógica. Por isso, em situações como as que havia passado com o Wood na segunda-feira ela preferia simplesmente abstrair e fingir demência.

Mas a demência tem um limite, e o limite se chama Brian.

Era para ser um fim de tarde tranquilo em sua casa, mas seu namoradinho não colaborou e decidiu que seria um dia e um horário propício para ter um debate ácido de relacionamento.

— Precisamos conversar. — foi a primeira coisa que disse quando Rose atendeu o telefone. Ela queria morrer, sinceramente. — Eu não estou mais aguentando.

— Aguentando o quê?

— Seus comportamentos.

— Meus comportamentos. Hum.

— Você está muito grossa comigo ultimamente, muito distante. Está estranha.

— E daí?

— Daí que eu não gosto disso.

— E o que você está fazendo para mudar essa situação? Ah é, nada.

— Você não dá nem chance, só quer saber de falar com o Malfoy.

— Aaaah, então o que você não está gostando tem nome e sobrenome. — rolou os olhos impaciente. — Já disse que somos amigos.

— E eu já disse que ele é um imbecil.

— O Malfoy é um imbecil?

— Sim.

— Por que o Malfoy é um imbecil?

— Ué, Rose, você mesma vive dizendo isso. Ou vivia. Você viu com os seus próprios olhos o que ele estava fazendo com a Britney e com a Nott. — “porra”, foi o que ela falou sem voz. Britney? Ele estava chamando a Parkinson de Britney?

— Eu vi o que a Parkinson fez com a Karen, Brian. O Malfoy foi apenas uma peça do jogo.

— Hahahha, claro. Virou defensora dele agora?

— Se você virou acusador, sim. — ele era um idiota mesmo, cínico.

— Olha, Rose, eu gosto muito de você, só que desse jeito não dá. O Malfoy é insuportável, é um mau-caráter, um… Imbecil egocêntrico. Não quero ver você perto dele.

— Hm, interessante, e eu não quero ouvir asneira e olha só o que estamos conversando.

— Rose, é sério.

— Eu sei que é sério, estou falando super sério. Você não manda em mim. Se é acostumado a mandar e desmandar nas suas namoradas, talvez seja por isso que elas preferem o Scorpius.

— O quê? — o quê? Nem Rose estava acreditando no que havia acabado de dizer.

— Você não manda em mim, foi o que eu quis dizer.

— Não estou mandando, estou dizendo o que é melhor para você.

— O que é melhor para mim? Desde quando você sabe o que é melhor para mim?

— Eu me importo com você, Rose, não quero ver você mal. — talvez por isso está querendo gravar um vídeo e postar na internet, claro.

— Brian…

— Rose, por favor, me ouça. Esse Malfoy não presta e está estragando a gente.

— Sinceramente, acho que a gente não vai dar certo.

— Do que você está falando?

— Eu que tenho que saber quem deve ou não ficar perto de mim, e eu tenho meus próprios conceitos de quem é imbecil ou não. E se o nosso relacionamento está assim, a culpa é nossa, e não de terceiros. Então… Olha… Foi bom enquanto durou, mas… Não dá mais, ok? Não dá. — um silêncio absurdo na linha.

— Você está nervosa. Nos falamos pessoalmente. Boa noite.

Brian Wood era um porre.

Rose jogou seu celular em cima da cama e respirou bem fundo. Não havia entendido nada do que aconteceu. Para começar, ferrou com uma parte do plano, o que já era péssimo e poderia pôr a perder algum detalhe. Sem contar que ela havia, de certa forma, defendido Scorpius Malfoy e tomado uma atitude de verdade. Estava orgulhosa de si mesma, e sentindo-se mais livre do que nunca.

Por isso pegou seu celular novamente e clicou na primeira conversa do whatsapp.

Scorpius Malfoy.

Precisava contar tudo para ele.