Separate Ways - Requiem escrita por WofWinchester


Capítulo 4
A marca do Guardião




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Passei a mão pelo espelho embaçado, meus olhos estavam fundos e com olheiras. Eu não estava conseguindo dormir direito, depois de ver tanta gente morrendo, eu tinha pesadelos constantes. Sai do banheiro secando o cabelo negro e revoltoso com uma toalha. A flanela vermelha que Dean me emprestou ficava quase três vezes o meu tamanho, mas é melhor que nada.

Haviam se passado duas semanas desde a morte de Daniel. Agora eu estava na casa de Bobby em Sioux Falls, Dean e Sam acharam melhor colocar símbolos antianjos pelas paredes, janelas e portas, já que Castiel havia tentado me matar junto com Raphael.

Fui até a sala e Dean estava sentado com uma cerveja na mão.

– São oito da manhã – falei apontando para a garrafa pela metade.

– São duas da tarde em algum lugar – argumentou ele, e em seguida sorriu, me puxando para sentar ao seu lado. Dean e eu havíamos deixado a ignorância de lado e nos tornamos mais próximos nessas duas semanas. Pra falar a verdade, nos primeiros dias ele passou ao lado da minha cama, enquanto eu me recusava a aceitar a verdade e os fatos. Sam, por outro lado, parecia não ligar muito para a estranha e perseguida garota que morava com ele agora.

Bobby estava sentado na mesa, lendo e relendo vários papéis, infelizmente eles não haviam descoberto nada sobre mim, sobre o pendante ou sobre o paradeiro de Jimmy, o que me deixava mais nervosa a cada dia.

– Olhem isso aqui – disse Sam, chamando atenção para o notebook – As antigas civilizações maias acreditavam que se uma pessoa fosse importante aos olhos de Deus, pra ela era designado um anjo guardião. O anjo seria marcado com o mesmo símbolo da alma da pessoa. Isso bate com o que a Esther falou sobre o Castiel estar com uma marca no braço.

– Isso bate com o que Daniel falou, sobre a marca do guardião. O que mais tem aí?

– Mais nada – Sam grunhiu, irritado com a falta de informação. – Algum anjo deve saber alguma coisa sobre o assunto.

– E o que vocês pretendem fazer? Dar uma festa e perguntar pros anjos? – perguntou Bobby, sarcástico.

– Talvez Castiel possa saber – ponderou Dean. Eu o fitei repreensiva.

– Nem pensar. Ele matou Daniel. E ele queria me vender como uma penca de bananas maduras.

– Você não precisa vê-lo se não quiser. É só que ele provavelmente sabe mais que nós agora, e toda informação é útil – falou o Winchester mais velho. Mordi a boca.

– Mas se ele tem a marca, e for realmente como diz aqui – começou Sam – ele não vai machucá-la. – o moreno tentava me convencer, mas não era medo, eu apenas não queria olhar na cara de alguém que assassinou uma pessoa importante pra mim. É pedir muito?

– Eu não arriscaria – disse Bobby, a única pessoa sensata na sala até então.

– Não me interessa se ele tem a marca ou não, eu não o quero perto de mim. Ele matou meu melhor amigo, isso já é o suficiente pra eu querer ele bem longe, no mínimo. Além do mais, eu era uma espécie de moeda de troca entre ele e Raphael, o anjo com síndrome de travesti – falei trincando os dentes. Dean deu uma risada alta.

– Na verdade... – uma quarta voz apareceu, logo atrás de mim – os repelentes de anjo estão todos errados.

– Cass! – Dean pulou do sofá, e eu pulei em seguida, subindo um degrau da escada, e ficando logo atrás do loiro.

– Mas não se preocupem, eu coloquei um cunho enoquiano nas costelas de cada um de vocês. Nenhum anjo ou demônio pode rastreá-los agora. – falou ele. Em seguida se virou pra mim – Não precisa ter medo, eu não vou ferir você. Eu não poderia, mesmo se quisesse. – me pareceu mais uma ameaça do que algo que me tranquilizasse. Observei-o atentamente pela primeira vez, o anjo usava terno e sobretudo bege; o cabelo era de um castanho claro contrastando com loiro escuro. Seus olhos eram incrivelmente azuis, e sua expressão era séria, mas ao mesmo tempo ele parecia exausto.

– Eu não tenho medo de você, seu cretino – rosnei. Embora o fato de que eu estava me escondendo atrás de Dean e uma arma demonstrasse o contrário.

– Fale mais – disse Sam, esticando os braços sobre a mesa e mostrando interesse no assunto. Castiel suspirou e contornou o sofá, ficando mais próximo dele.

– É uma profecia. Esther, por algum motivo, era importante pro nosso pai, por isso ele designou quatro anjos pra protegê-la durante suas existências na terra. Parece que eu sou um deles.

– Ela é importante pra Deus? – perguntou Bobby, surpreso. Meu queixo caiu no chão e saiu andando pela porta. Eu sou importante pra Deus? Que tipo de piada é essa?

– Sim. Não me pergunte o porquê, eu não sei – disse o anjo, parecendo contrariado.

– Isso muda bastante os parâmetros. Estamos lidando com a menina dos olhos de Deus agora. Todo cuidado é pouco – disse Bobby.

– Ela tem um alvo nas costas – disse Sam alarmado olhando pra Dean, seu tom era nervoso. A expressão dele era algo como “Joga ela pro alto e vamos correr!”.

– Isso complica as coisas – murmurou o mais velho.

– Eu vou protegê-la – falou Castiel, contragosto. Eu dei uma risada alta, todos olharam pra mim.

– Você tentou me matar, eu não me esqueci disso – falei rispidamente.

– Pode ir explicando – disse Dean, cruzando os braços.

– Raphael queria um trato – começou o anjo, gesticulando com as mãos – Se eu o ajudasse a ter a garota ele desistiria de iniciar o apocalipse. E eu não ia matá-la, apenas...

– Sequestrar? Torturar? Amordaçar? Jogar o corpo no mato? – arrisquei sarcástica e irritada.

– Não – falou cético. – Eu queria evitar uma tragédia, foi em prol de um motivo maior.

– Você matou Daniel – balancei o dedo acusador pra ele, cuspindo as palavras. Castiel ficou imóvel, parecia estar procurando frases que não saiam.

– Desculpe – disse por fim – Eu precisava, e ainda o faria se pudesse.

– Viu? Ele se quer se arrepende! – argumentei furiosa – Agora dá pra você fazer a mágica do sangue que fez na estação e tirar ele daqui, por favor? – pedi a Dean.

– Calma. – falou pra mim e se voltou pro anjo – Por que você não pediu nossa ajuda, Cass? Não se sai por aí trocando pessoas! De qualquer forma, se você está com a gente, você tem que concordar que vamos proteger a Esther.

– Embora esse seja o jeito mais difícil, eu concordo. – disse calmamente.

– Eu tenho cara de moeda de troca seu imbecil? – esbravejei. Ele apertou os olhos, parecia não entender as minhas palavras.

– Você tem cara de uma adolescente insuportável e de difícil convivência – murmurou com a voz grave.

– E você vai ter cara de ensopado se continuar a me provocar, sua galinha voadora! – rebati furiosa.

– Ei! Ei! Ei! – se meteu Dean – Gente, calma. E Cass, pega leve.

– Desculpe Dean. Eu meio que perdi meu jeito de – ele fez aspas com os dedos – lidar com humanos.

– Aí você chega e mata eles – emendei com um sorriso debochado.

– E a história de Elisabeth Bathory? – perguntou Sam, interrompendo a discussão e se aproximando do anjo. O mesmo franziu o cenho, completamente avulso ao assunto – Esther tem visões, o octeto de rubi apareceu em sua posse depois dela desmaiar num cemitério e acordar banhada em sangue. Isso bate com alguma coisa que você saiba?

– Nunca ouvi falar nada parecido. Vou investigar – disse Castiel, depois de me avaliar dos pés à cabeça com uma carranca. Bufei e marchei em direção ao meu quarto.

Fechei a porta com força e me joguei na cama. Coloquei as mãos no rosto e ele estava quente de raiva. Como ele podia depois do que fez, simplesmente aparecer e dizer que vai me proteger? Eu jurei no dia em que Daniel morreu que eles iriam pagar caro, eles e todos que ficassem no meu caminho.

Eu prometo que eu vou vingar você, Daniel.

Algumas horas depois.

Desci as escadas e dei de cara com Dean enfiando um armamento pesado numa mochila.

– Traficando armas pro Afeganistão? – brinquei. Ele deu uma risada irônica. Balançando a arma na minha direção; instintivamente eu desviei o corpo pra longe da mira.

– Vampiros em Michigan – disse.

– Edward ou Stefan?

– Vampiros de verdade. Sam e eu vamos ver o que tá rolando, a senhorita fica aqui. Bonitinha, trancada e comendo biscoito até a gente voltar.

– Pare de falar comigo como se eu fosse uma criança – revirei os olhos.

– Acha seguro deixar a Esther? – perguntou Sam, saindo do banheiro e ajeitando a gola da camiseta azul.

– Obrigado por contar comigo – reclamou Bobby, passando em direção a sua mesa de pesquisas.

– Você vive a base de cerveja, a garota precisa de comida de verdade. E atenção de vez em quando – disse Dean. Ouvi um farfalhar, como de pássaros. Perguntei-me o que seria esse barulho, quando me lembrei.

– Raphael colocou uma recompensa pela garota, e pela cabeça de vocês. Cada monstro está à procura dela agora.

– Ah, que ótimo. Mais monstros. Eu preciso de mais cerveja! – falou Bobby, voltando para a cozinha.

– Acha que é melhor manter a Esther conosco então? – perguntou Sam, olhando pra Dean, que ficou pensativo.

– Só pra constar, eu não vou a lugar nenhum com ele! – avisei, apontando pro anjo. Antes que alguém tivesse alguma ideia brilhante.

– Na verdade eu já estou aqui há duas semanas, você não me viu.

– Como é?! – perguntei irritada. Que ótimo! Ele pode ficar invisível também! O pensamento de eu ficar sozinha no quarto dormindo e esse idiota ali me observando era de arrepiar a espinha.

– Confiança pra que né, Cass... – reclamou Dean.

– Só achei que deviam saber – dizendo isso ele desapareceu.

– Anjos – o loiro deu de ombros. - Eu acho que é bem provável que a procurem onde estiver mais óbvio. Eles vão pensar que vamos carregá-la conosco pra todo lado. Então você e Bobby vão pra Michigan e eu fico aqui com a Esther. – disse.

– Tem certeza? – perguntou Bobby.

– Sim, a casa é protegida. E se alguma coisa entrar vai levar chumbo – falou Dean apontando a arma pra porta.

– O Castiel entra aqui como se fosse a casa da mãe Joana. O que impede que Raphael faça o mesmo? – perguntei. Todos se olharam.

– O cunho enoquiano? – arriscou Bobby. Eu continuei na defensiva.

– Certo. Vamos refazer os símbolos antianjos e distribuir celulares pra mantermos contato uns com os outros. Satisfeita? – o loiro me olhou.

– Um pouco.

Logo depois que Sam e Bobby saíram, Dean e eu assistíamos TV. Ele me incentivou a trocar as cortinas empoeiradas por uma roxa, assim o quarto ficaria mais aconchegante pra mim. Pergunto-me quanto tempo ele pensa que eu vou ficar aqui, quanto tempo isso tudo vai durar. Bom, não que eu tivesse um lugar melhor pra ir, mas eu acho que deveria refazer a minha vida daqui pra frente, a má noticia é que eu não faço ideia de como fazer isso. No topo da minha lista de prioridades estava encontrar Jimmy, e protegê-lo do que estivesse atrás dele. O lado ruim era que eu mal podia me proteger. Eu sabia que a cada dia que passava ele corria mais perigo, se anjos e demônios me queriam, mais cedo ou mais tarde eles pegariam Jimmy pra me chantagear. Eu precisava encontrá-lo logo, porém com um alvo nas costas e presa na casa dos Winchester isso era quase impossível.

Decidi fazer alguma coisa pra comer. Dean estava mexendo em diversas munições de armas, sal, facas e etc. Logo depois ele saiu pra checar o Impala. Sentei a mesa, quando dei uma bocada no meu sanduíche o celular de Dean tocou. Olhei o visor que dizia “número desconhecido” e atendi.

– Alô?

– Dean? Sua voz mudou, está tomando hormônios femininos? – perguntou uma voz masculina sarcástica do outro lado da linha.

– Não é o Dean. – respondi. Quem é o imbecil engraçadinho? – Quem é?

– Crowley na linha. Chega de conversa, passa pro Dean que o assunto é sério.

Revirei os olhos. Cara folgado. Sai pela porta e encontrei o loiro com a cara enfiada no motor do Impala.

– Celular – disse, sacudindo o aparelho – Um tal de Crowley sem educação quer falar com você – falei, não tive a intenção de moderar o meu tom, queria que ele ouvisse mesmo. O homem reclamou alguma coisa como “eu ouvi isso” do outro lado da linha. Eu sorri de satisfação. Dean pegou o aparelho e se afastou. Encostei-me na porta do carro e tentei ouvir a conversa.

– Olhe eu to bem ocupado... Não, eu não sou seu capacho... Certo... Certo... Vai se ferrar.

Dean desligou o celular. Eu o encarei.

– Que foi? – perguntou ele.

– Quem é Crowley?

– Um pé no saco – ele deu de ombros. Arqueei uma sobrancelha. Algo não estava cheirando bem aí. Entrei novamente e terminei meu sanduíche.

Alguns minutos depois.

– Ei garota, nós vamos dar uma volta – disse Dean, jogando a chave do carro pra cima.

– Achei que eu ia ficar aqui bonitinha comendo biscoito – brinquei. Ele deu uma risada divertida.

– Preciso fazer algumas coisas, e ao menos que você queira ficar aqui com o Cass...

– To indo – disse, me levantando imediatamente e indo em direção a porta. – Posso dirigir?

– Nem a pau, a última vez que você tocou no meu bebê, um poste amassou ele inteirinho. Eu a recém terminei de restaurá-lo. Aliás, você nem tem carteira!

– Mas eu sei dirigir. Lucius me ensinou. – disse, dando de ombros.

– Não o meu bebê – falou Dean.

Meu bebê – imitei sarcástica. Indo logo atrás dele.

Rodamos por aí, com o rádio no último volume. Pelo menos o Winchester tinha um bom gosto musical. Depois de uns vinte minutos, paramos em frente a um estúdio de tatuagem.

– Você vai fazer uma tatuagem? – perguntei, descendo do Impala.

– Não – respondeu ele – Você vai.

Pisquei duas vezes - Eu tenho escolha?

– Não – respondeu. Não gostei muito da idéia de ter uma pessoa furando a minha pele enquanto desenhava uma imagem qualquer, mas suponho que essa tal tatuagem não seria meramente estética, devia ser importante.

– E o que vai ser? – perguntei. Dean se virou pra mim, puxando a gola da camiseta até perto do ombro, onde tinha um símbolo, parecia um sol com uma estrela no meio.

– Selo antipossessão demoníaca – falou. – Impede que você seja possuída por um demônio. – assenti com a cabeça e entramos no estúdio. A garota de cabelo vermelho, e cheia de piercings no rosto, nos cumprimentou com um aceno.

– Pra vocês? – perguntou.

– O Mike – falou Dean, com um meio sorriso educado.

– Um minuto – disse ela, e se levantou, entrando numa sala ao final do corredor. O loiro ficou observando a garota e soltou um assovio baixo.

– Desnecessário Dean, muito desnecessário – comentei.

– O quê? Vai dizer que você não olha quando um cara bonito passa na rua? – perguntou sem desviar os olhos da direção onde a ruiva entrou.

– Você parece um cachorro babão. Só falta latir.

– Mas ela tem uma bunda...

– Dean!

Logo depois a garota voltou seguida por um homem alto, de cabelo loiro e cumprido.

– Winchester! Quanto tempo! – disse o homem. – O que te traz aqui? – Dean tirou um papel do bolso da calça, espiei por cima do ombro dele e era o mesmo desenho da sua tatuagem. – Na garota?

– Sim – ele balançou a cabeça.

– Em que parte do corpo você quer fazer...

Esther. Eu não sei... – não tive tempo suficiente pra pensar, há cinco minutos eu nem sabia que seria tatuada.

– Na nádega é sexy – falou Mike, com um sorriso malicioso pra mim. Vai sonhando meu filho, vai. – Minha ex tinha uma - Olhei pra Dean buscando algum apoio ou uma cara feia, mas ele também estava sorrindo. Homens...

– Na mão esquerda – falei por fim.

– Nem um pouco sutil não acha? – disse Dean, me transmitindo um olhar de reprovação.

– Eu posso usar uma luva – dei de ombros. Ele suspirou.

Entramos na sala e eu sentei numa mesa, tipo aquelas de exames do hospital. Mike apoiou minha mão na minha coxa e pegou a agulha. Desviei o olhar, dizendo pra mim mesma que não ia doer e tentei pensar em outras coisas. Na verdade não doeu, a sensação era como se um gato te arranhasse constantemente, cada vez mais fundo. Era dolorido, mas suportável.

Uns quarenta minutos depois, Mike havia acabado. A pele da minha mão estava vermelha e saliente. O tatuador me deu uma pomada em gel pra eu passar duas vezes por dia, e então fomos embora.

– Posso falar? – perguntou Dean enquanto entrávamos no Impala – Eu achei que você ia chorar feito um bebê.

– Qualquer dor é suportável quando você se prepara pra ela – falei. Eu devia me sentir ofendida pela parte de “chorar feito um bebê”, mas também achei que ia. Ele me encarou por um tempo. – Que foi?

– Você é durona – Dean fez uma careta divertida.

– Qual é, foi só uma tatuagem boba – disse mexendo a mão esquerda, quando a pele puxava, doía como uma ferroada. Ele ligou o carro e seguimos em direção a oficina Singer. Fiquei o caminho todo olhando pela janela, enquanto casas, árvores e pessoas passavam por mim. É um jeito bem legal de relaxar, ainda mais com música, é como estar num videoclipe. Eu sempre adorei ficar apenas observando a minha volta, deixando a mente me levar.

Passamos por um posto de gasolina, uma Van amarela com adesivos de cachorros na traseira estava abastecendo, um garoto pulou de dentro do veículo correndo em direção a estrada, mas um homem alto e cabeludo o agarrou pelos braços. O mais estranho é que o garoto era alto e forte o suficiente para se livrar do homem franzino, mas não o fez. O cabeludo o arrastava como se fosse um boneco. Foi numa fração de segundos que nossos olhos se cruzaram, e era como se tivesse um espelho na minha frente. Meu coração parou, e eu soube: Jimmy.

– Jimmy! – gritei, assustando Dean que se sobressaltou, desviando o Impala da pista e indo parar na contramão. Ele girou o volante e freou, subindo na calçada, algumas pessoas gritaram.

– Você é louca, Esther?! – exclamou ele, puto da vida.

– Era o Jimmy ali! – disse exasperada, apontando pra Van que estava indo em direção contrária a nossa. – Na Van amarela!

– Tem certeza? – perguntou ele, arregalando os olhos.

– Tenho! Você precisa ir atrás dele agora!

Dean manobrou o Impala que cantou pneu e saiu em disparada. Estávamos a uns cinco veículos de distância da Van quando ele desacelerou.

– Precisamos ser cautelosos, não sabemos se eles nos viram ou não.

– E isso importa?

– Claro que importa! Se eles sabem que estamos aqui eles vão nos pegar numa armadilha – vociferou o loiro.

Continuamos seguindo o carro até a fronteira de Sioux Falls, onde a Van entrou no estacionamento de um prédio abandonado. Ficamos alguns minutos observando. O prédio era velho, e estava em reforma, tinha seis andares. Dean abriu o porta-luvas, tirando uma arma.

– Você fica aqui – advertiu.

– Não mesmo! – tentei abrir a porta do carona, mas ele me puxou pelo braço com certa violência e me algemou na direção.

– Eles querem você! Isso pode ser uma armadilha, eu não vou te deixar entrar lá dentro! – ele tirou o celular do bolso e as chaves do Impala – Se eu não voltar em quinze minutos, quero que ligue pro Sam e saia daqui. Se eles te virem, saia daqui. Entendeu?

– Dean! – exclamei, mas ele fechou a porta e correu em direção ao prédio. Eu briguei com as algemas de todas as maneiras que pude, mas era impossível me soltar. Me ajeitei no banco do motorista pra não ficar toda torta, e tentei catar um clipe de papel ou um grampo pelo carro, mas não achei.

– Droga! – bati as mãos na direção. Observei o prédio, cronometrando os minutos com o celular. O sol começava a se pôr, deixando um céu colorido como paisagem. Não era uma tarde fria, mas eu estava suando como se estivesse fazendo quarenta graus. Fazia quase dezesseis minutos que Dean havia entrado. Eu precisava tentar alguma coisa, ele podia estar correndo perigo, meu irmão podia estar correndo perigo. Então decidi fazer uma coisa que pensei nunca precisar fazer. Suspirei com raiva, trincando os dentes com força.

– Castiel! – exclamei – Eu preciso de você aqui agora! – esperei um pouco e nada. Droga de anjo imprestável! – Castiel! – exclamei novamente.

– E aquela historinha de “vou te proteger” era só pra boi dormir né, infeliz! – Ah, que ódio! Lutei mais um pouco com as algemas, em vão é claro. De repente me lembrei de uma cena que eu havia visto num filme, um jeito prático e dolorido de me soltar.

Apoiei a mão na direção, deixando apenas o polegar suspenso no ar. Respirei fundo, me odiando por não carregar um maldito clipe de papel e por não saber me livrar de algemas. Em seguida dei um chute de cima para baixo, como se estivesse pisando, no meu próprio dedo com toda força. O som do osso quebrando veio seguido de um grito de dor. Me contorci no banco do carro. Observei meu pobre dedo, que agora estava mole; o osso preso apenas pela pele. Era agonizante só de olhar. Puxei a pulseira da algema pra fora e consegui me soltar. Chutei a porta com raiva e segui em direção ao prédio.

Entrei sorrateiramente, me esgueirando pelas paredes. Meus sentidos estavam aguçados pela adrenalina. Subi quatro lances de escadas até ouvir um ruído. Segui o som que eu reconheci como um choro contido. Eu comecei a arfar, medo e angústia se misturavam. E se Dean estivesse morto? O que eu ia dizer ao Sam, ao Bobby? Não, não. Afastei o pensamento rapidamente. Eu estava fazendo exatamente o que as garotas estúpidas dos filmes de terror faziam, entrar no covil do monstro gritando “Olá, tem alguém aí querendo me matar?”. E o pior, o que eu realmente poderia fazer? Eu sou completamente inútil. Não sei lutar, não aprendi nenhum ritual para exorcizar demônios e minhas chances de conseguir usar uma arma eram nulas. Mas que bela merda.

Entrei por uma porta entre aberta, estava tudo escuro, tateei as paredes procurando o interruptor de luz, mas não precisei encontrá-lo, a sala se iluminou. Pisquei pra adaptar a visão e reconheci Dean amarrado numa cadeira, desacordado, um símbolo feito em sangue decorava a parede, três homens estavam na volta de Jimmy, que estava sentado no chão. O garoto corpulento, de quinze anos, aparentava uns dezoito; ele parecia estar numa espécie de transe. Seus olhos estavam fechados, quase totalmente cobertos por seu cabelo tão negro quanto o meu. Um homem ruivo levantou a mão e eu fui arremessada contra a porta, batendo as costas na madeira velha que cedeu com o meu peso. Me apoiei nos cotovelos para encará-los, a arma que Dean levava estava há uns dois metros de distância de mim, jogada no chão.

– Você foi idiota em vir diretamente pra armadilha. Como um rato na ratoeira – disse o cabeludo, rindo. Seus olhos ficaram totalmente negros. – Agora, pra acabarmos logo com isso, vamos matar seu irmão e o Winchester, e depois vamos ter uma festinha particular.

O demônio fez Jimmy levitar no ar, então ele começou a gritar. Feridas vermelhas começaram a transbordar sangue de seu corpo. Eu entrei em desespero. Minha única chance era Dean, eu precisava soltá-lo, ou todos nós morreríamos. Corri em direção ao Winchester, mas o demônio ruivo me fez voar contra a parede, me prendendo a ela.

– Você realmente acha que ele pode salvar você? – perguntou sarcástico. Em seguida o corpo de Dean foi jogado ao meu lado, também preso a parede. A sensação era de ser amassado, como se toneladas estivessem querendo tomar o espaço da sua matéria.

– Esther...? – Dean acordou zonzo. O demônio moveu a mão no ar e o loiro começou a gritar de dor, que com certeza era muito maior que a minha.

– Jimmy! Dean! – gritei, tentando me soltar, mas a mão gigante me segurava e me apertava era forte demais. Meu irmão gritava de dor, e o demônio gargalhava cada vez mais alto. Dean estava na mesma situação que eu e não podia me ajudar, eu tinha que me soltar. Eu simplesmente não podia morrer assim, aqui.

Senti uma raiva contida ferver o meu sangue e subir, como uma chaleira em ebulição. Quanto mais dor eu sentia, mais forte era a raiva. E de repente minha cabeça apitou e eu senti uma onda muito forte sair do meu corpo, iluminando tudo ao redor por vários segundos.

Senti meu corpo pesar e cair no chão, meus músculos não obedeciam mais ao meu comando, e minha cabeça doía como o inferno. Parecia que meu cérebro tinha levado um choque.

Os três homens estavam caídos, Jimmy estava de joelhos me encarando com os olhos arregalados, a pele suja de suor e sangue.

– Vocês estão bem? – minha voz saiu num sussurro quase inaudível. Eu estava prestes a desmaiar a qualquer minuto. Dean estava ao meu lado, de joelhos e apoiado nas mãos. Ele arfava e me encarava assustado.

– Esther...? Você está viva. Eu sabia... – Jimmy se aproximou engatinhando, os lábios curvados num sorriso. Eu queria correr e abraçá-lo, mas meu corpo não me obedecia. Minha visão começava a ficar turva, quando eu vi uma grande explosão de luz, e então Jimmy correu em direção à janela. Ouvi passos apressados, mãos estavam me levantando do chão, azul.

Um azul infinito, e depois eu desmaiei.


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