Separate Ways - Requiem escrita por WofWinchester


Capítulo 38
Pulsar


Notas iniciais do capítulo

Sobre o capítulo: É TRETA! Preparem as emoções porque a coisa vai pegar fogo.
Nos vemos lá embaixo e espero que gostem!



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Durante intermináveis segundos, o silêncio reinou sobre nós. O único som audível era o de nossas respirações entrecortadas e os gemidos sôfregos da garota encurvada no piso gelado. Todos os olhares se cruzavam e terminavam parando em mim com um misto de descrença e até mesmo medo. A tensão pairava no ar.

Agora que a raiva havia passado, um estranho sentimento começou a pulsar dentro de mim, fazendo com que eu me sentisse um buraco oco. Meu corpo tremia e minha mente rodava em uma tontura vertiginosa.

Não era como se eu tivesse planejado aquilo, apenas deixei me levar e quase acabei machucando Castiel. Na hora eu não via mais nada além do ódio cego dentro de mim, mas agora a culpa me corroía abaixo da pele, junto com o pavor de mim mesma enquanto eu encarava minhas mãos ainda quentes. Eu não sabia o que teria feito se Elisabeth não tivesse se colocado entre nós e alguma coisa acontecesse com ele.

E como se tivessem apertado o botão de play em um filme pausado, Lúcifer foi o primeiro a se pronunciar e me tirar do meu monólogo de culpa e torpor.

— Eu não teria feito melhor. — admitiu juntamente com um barulho de palmas.

— O que diabos aconteceu aqui?! — exclamou Jimmy, abrindo os braços e me lançando uma expressão perplexa.

— O segundo estágio da profecia começou. — revelou Castiel atônito, algo que eu sabia, porém não tinha ideia do quão grave era. Até agora. Todos os olhares se cruzaram novamente, totalmente alarmados.

— Cass... — murmurou Elisabeth com um gemido de dor, virando-se o suficiente para lhe fitar. O anjo abaixou-se imediatamente, colocando a garota sentada e apalpando por cima do ferimento enquanto ela respirava com dificuldade.

— Não consigo! Droga! — chiou ao tentar pela sétima vez fazer com que a luz branca que saía das suas mãos a curasse — Balthazar! — exclamou quase num rosnado.

— Quem invocou meu santo nome em vão? — questionou o mesmo, materializando-se ao lado de Maison, que apenas se limitou a virar o rosto para encará-lo.

Balthy! — vibrou Lúcifer, apontando para o irmão e dando uma risada eufórica — Eu adoro esse cara, ele tem senso de humor.

— Cure-a. — pediu, soando mais como uma ordem.

— Por que não faz você mesmo? — devolveu Balthazar com ar de tédio.

— Não consigo! — rosnou Castiel entre dentes.

— Tudo bem! Não se exalte, Cassie. — o anjo levantou as mãos em forma de rendição e agachou-se ao lado de Elisabeth, que o fitou com receio, puxando as mangas para cima.

— Você vem comigo! — pronunciou-se Sam, agarrando-me pelo braço de repente e me arrastando para o lado de fora da oficina. Eu estava em um estado de choque tão grande que mal pude protestar contra o aperto forte nos meus músculos ou o fato de eu tropeçar nos meus pés tentando acompanhá-lo.

Assim que paramos longe o suficiente da casa, o Winchester caçula me segurou em frente a ele, encarando-me fixamente. Seu olhar não tinha nada de agressivo, ao contrário dos seus gestos anteriores, era preocupado e temeroso. — O que aconteceu lá?

— E-eu... não sei. — gaguejei. Meus olhos varrendo ao redor, procurando por explicações que eu não conseguia encontrar dentro de mim. O que eu poderia dizer? Que havia me descontrolado? Que estava mentindo para eles esse tempo todo? Isso só tornaria tudo muito pior. Ouvi sons pesados de passos se aproximarem.

— Esther, o que foi aquilo? — repetiu Dean estupefato, aparecendo pelas costas do irmão, seguido por Maison e Jimmy que corriam esbaforidos atrás do loiro. Encontrei seus olhos verdes pairando em mim e não vi nada de amigável ali, era um olhar acusador, idêntico ao que ele usou depois de matar aqueles vampiros. Meu estômago se retorceu com aquilo, uma mistura e descrença e mágoa. Como ele podia me olhar assim?

— Eu não sei! — gritei em plenos pulmões, desvencilhando os braços das mãos do moreno e arrastando-os pelo rosto. Curvei-me contra a carcaça de um veículo e bati contra a superfície, murmurando lamuriosamente. Minha garganta se fechava conforme a ficha caía. Eu quase matei Castiel, coloquei a vida de todos em risco. Deixei me levar. Eu estava mentindo. Não havia nada de diferente entre mim e um monstro perigoso, afinal. — Eu estava tão brava, com tanta raiva! Simplesmente não consegui controlar!

— Você tentou matá-lo. — salientou o nefilim e eu me virei para ver a expressão tão perplexa quanto antes. Até meu próprio irmão estava com medo de mim.

— Você podia ter matado todo mundo naquela cozinha! — vociferou o Winchester mais velho, me segurando pelos braços e sacudindo com certa violência, o que me deixou estagnada. Nunca pensei que ele fosse me tratar daquela forma, qualquer um deles. E o que me deixava com mais raiva era que aquilo me deixava com raiva e eu tinha receio de perder o controle novamente.

— Não! Eu nunca... — comecei, perdendo as palavras pela metade. O que eles estavam dizendo era verdade, eu podia ter feito tudo ir pelos ares. Eu era uma bomba relógio e há minutos quase fiz tudo explodir. — O que está acontecendo comigo?!

— Caras! Vocês não estão ajudando, sério. — interveio Maison, me liberando do aperto do loiro e ficando entre nós, espalmando a mão em seu peito para que mantivesse distância — Saiam daqui antes que eu chute um por um! — sentenciou apontando para a porta da casa.

Fiquei imóvel, observando por cima do ombro da garota. Um por um eles se retiraram com olhares desaprovadores. E eu continuei ali, incrédula e em pânico. A loira se virou para mim com uma expressão pesarosa.

— Maison, o que eu sou? — choraminguei desviando os olhos para minhas palmas que ainda ardiam, me contendo para lutar contra a vontade de cair de joelhos e desabar.

— Acalme-se imediatamente, antes de qualquer coisa você precisa se controlar. — advertiu, colocando as mãos nos meus ombros. Eu a encarei por alguns instantes, me contorcendo de ódio por não conseguir barrar as lágrimas que teimavam em descer e mostrar o quanto patética eu era. Maison olhou para trás rapidamente, e com a visão embaçada eu pude reconhecer os irmãos de braços cruzados em frente à porta com caretas derrotadas. — Vem, ninguém precisa ver isso. — disse me puxando para caminhar em meio ao ferro velho.

Nós não conversamos sobre nada, eu apenas me escorei na lateral de uma caminhonete até finalmente me acalmar. E de todas as pessoas ali, nunca imaginei que fosse ser Maison quem estaria comigo, segurando a barra para que eu não cedesse. Uma parte de mim estava tremendamente magoada por Dean, Sam e até mesmo Jimmy não conseguirem me compreender, mas eu não os culpava. Eles estavam com medo. Quando as pessoas sentem medo, elas fazem coisas puramente por instinto, e se tivesse uma garota perigosa que praticamente atentou contra a vida de todos, o meu diria para se afastar e analisar a situação.

Logo que a poeira por fim abaixou, decidimos que era hora de entrar e encarar o problema. Tudo isso havia começado por eu não contar a verdade desde o início, então era hora de colocar as cartas na mesa. Eu não sabia como eles reagiriam ao saber da minha “Aventura mental” com o Diabo, mas pior do que já estava não poderia ficar. Ou poderia?

Trilhei meu caminho silencioso até a porta da frente, arrastando os pés no chão de terra como uma criança que sabe que está prestes a levar uma bronca dos pais. Fechei os olhos por um instante, enchendo o pulmão de ar enquanto girava a maçaneta.

— Como ela está? — ouvi Sam perguntar quando passamos pela entrada, no mesmo instante que Castiel descia as escadas com o semblante sério. Observei o cômodo rapidamente e optei por me colocar próxima a Bobby e estrategicamente longe de Dean, que estava perigosamente arrumando as armas em cima da mesa.

— Dormindo. — revelou o anjo para o moreno e então se virou para mim — Há quanto tempo? — questionou me fitando fixamente. Quando a minha cara de paisagem revelou que eu não havia entendido ao que ele se referia, o mesmo tratou de acrescentar a explicação — Os três estágios não pulam de uma hora para a outra, tem transições. Quando você começou a sentir que seus poderes estavam ficando mais fortes?

— Quando os seus estavam ficando mais fracos? — sugeriu Maison lhe apontando um dedo, escorada na parede ao lado da porta com um sorriso irônico — Você teria percebido se não estivesse tão ocupado com a rainha da argila.

— Eu realmente não estou com paciência para gracinhas, Maison. — advertiu Castiel, o tom de voz ameaçador dirigido somente para ela que deu de ombros graciosamente. Inspirei fundo, sabendo que quanto antes eu contasse, não teria tempo para pensar nos prós e contras.

— Depois da armadilha em Chicago... — comecei pausadamente, mas fui interrompida quando Dean largou a arma em cima da superfície da mesa, ocasionando um baque sonoro.

— Você deveria ter nos contado! — chiou para mim, inconformado.

— Eu queria lidar com isso sozinha! — devolvi no mesmo tom.

— Lidar com o apocalipse, sozinha? — duvidou Sam com a sobrancelha erguida, deixando sua zona de conforto perto da escada e andando até o meio da sala para me olhar de perto — Achei que confiasse em nós. — murmurou o Winchester caçula, a expressão decepcionada e ligeiramente irritada.

— Eu confio... — disparei, tentando novamente achar o ponto de partida para o que eu queria revelar, e mais uma vez fui cortada.

— Escondendo coisas da gente? Usando o raio do Satã no meio da cozinha? — devolveu gesticulando ao redor, sugestivamente apontando os estragos feitos, e balançando a cabeça negativamente.

— O que o medo não faz? — pronunciou-se Lúcifer, descendo sentado pelo corrimão da escada e dando um salto atlético até o centro da sala, onde se jogou preguiçosamente no sofá com os pés para cima. — Os seus protetores, que enchem a boca para falarem coisas piegas como “você faz parte da família, Esther”, estão apenas te vendo como o cachorro raivoso que precisarão sacrificar em breve. É uma pena. — sibilou colocando os braços atrás da cabeça e dando um sorriso mordaz.

Puxei o ar pelo nariz até sentir meus pulmões se estufarem dolorosamente, pequenos segundos que me davam algum tempo para pensar. Eu odiava admitir, mas mais uma vez, Lúcifer tinha razão. Porém isso não significava que eu continuaria mentindo. Toda escolha tem sua consequência, e eu enfrentaria a minha.

— E já que estamos lavando a roupa suja igual um bando de velhas fofoqueiras — se intrometeu Bobby no momento em que eu abri a boca, recostando-se na mesa e passando os olhos por nós — eu quero saber o que foi aquela cena patética. Acho que quando alguém tenta matar outro alguém dentro da minha casa, eu tenho o direito de saber o porquê. — ele esperou e nós continuamos em silêncio, e mesmo sem ver diretamente, eu podia sentir os olhos de Castiel nos meus pés. Quando que o assunto tinha distorcido totalmente? — Nós temos duas opções, ou vocês falam ou eu tranco os dois no quarto do pânico até resolverem falar. A escolha é de vocês.

— Bobby, eu acho que... — começou o anjo, mas foi interrompido com um olhar mortal.

— Cale a boca! — vociferou o velho Singer — Espero que não seja o que eu estou pensando, porque aí eu vou começar a chutar traseiros até amanhã de manhã. — o caçador abriu os braços, passando os olhos por todas as expressões que procuravam um ponto fixo e imaginário para prenderem a atenção e escapulirem do momento constrangedor — Qual é a de vocês?!

— Bobby... — tentei intervir, mas tive um dedo apontado na cara.

— Cale a boca! Nós estamos com o fim do mundo batendo as nossas portas e vocês brigando entre si? — duvidou realmente irritado, então se virou para Castiel com uma expressão desaprovadora — E aquilo foi jeito de falar com uma mulher? Você é um anjo ou um cavalo distribuindo patadas? — perguntou sarcástico e o mesmo abriu a boca surpreso, fechando-a em seguida.

— Esse melodrama mexicano de anjo tapado, adolescente problemática e panela de barro assassina já tá meio ultrapassado, não acham não? — questionou Balthazar ao pé da escada, e eu o encarei na hora com os olhos arregalados — Sim, eu sei. Todo mundo sabe. — ele deu um bocejo forçado e eu ouvi alguns pigarros e uma risada abafada de Maison.

— Eu acho que todos nós deveríamos arejar a cabeça antes de continuar essa conversa. — sugeriu Jimmy com um suspiro pesado, não esperando nenhuma confirmação antes de sair pela porta, batendo-a com força. Encarei o caminho que ele trilhou com um aperto no peito, doía o fato do meu próprio irmão não conseguir ficar no mesmo lugar que eu. Isso era injusto.

— Não tem mais nada para conversar. — sentenciou Dean, irredutível.

— Vocês nem me ouviram ainda — protestei e o caçador me lançou um olhar frio.

— Você quase a matou. — observou rispidamente e eu o fitei confusa. Todo aquele alarde era por causa da Elisabeth? Tudo bem que foi trágico ela ter sido acertada pela minha ira, mas isso já era um tanto extremo demais.

— Ele está bêbado ou com febre? — comentou Balthazar, se inclinando um pouco para frente e franzindo a testa para encarar o loiro que se virou em direção à saída.

— Dean... — me aproximei, instintivamente tocando seu braço para que ele me ouvisse, mas o mesmo recuou bruscamente para trás, a expressão alarmada e os dentes trincados. — Você está com medo. — constatei tristemente. Dean Winchester estava com medo de mim, eu não sabia se começava a rir ou chorar nessa situação.

— Decepcionado. — corrigiu o mesmo, abaixando a cabeça e marchando para a porta.

— Bando de babacas. — comentou Maison balançando a cabeça para os lados em desaprovação, o Winchester virou-se no meio do caminho para lançar um olhar ameaçador para a loira — Perdeu sua mãe na minha cara? — revidou com sarcasmo, fazendo-o dar um grunhido de constipação e sair da mesma maneira que Jimmy.

Encarei a cena com descrença e mágoa, eles ao menos estavam me dando a oportunidade de me explicar antes de saírem tomando partido a favor de Elisabeth e me rotulando como a bruxa má da história. Mordi a boca, revoltada, e andei a passos sonoros e pesados até o banheiro, passando por Castiel e não fazendo o mínimo esforço para desviar, esbarrando no seu ombro com força.

— Isso foi o sinal para a segunda rodada? — gargalhou Lúcifer do sofá enquanto eu batia a porta atrás de mim e me livrava das roupas com tanto ímpeto que quase as rasgava, jogando pela parede e desferindo um soco em seguida. Senti toda a musculatura da minha mão gritar em protesto com uma dor aguda nos nós dos dedos, que latejavam à medida que alguns filetes de sangue morno escorriam pela pele. Observei o local do impacto manchado de carmesim e com uma rachadura vertical de aproximadamente vinte centímetros.

— Acho que vou enlouquecer — murmurei comigo mesma, encostando a testa na superfície gelada da parede e respirando pela boca até conseguir me acalmar.

Tomei um banho demorado, esfregando as manchas de sangue seco que estavam fortemente apegadas a minha pele e as marcas de mordidas vampirescas nos braços, que felizmente começavam a cicatrizar. Admito que enrolei bastante debaixo da água quente, minha vontade era de derreter e escorrer pelo ralo, assim evitando que eu precisasse encarar qualquer um naquela casa novamente. Mas como querer não é poder, desliguei o chuveiro e passei a toalha cinza e grossa em volta do corpo, prendendo-a para que não caísse.

— Agora eu sei o que o meu irmão viu em você — disse Balthazar, mostrando-se presente e me fazendo dar um pulo ao dar de cara com o anjo pervertido que invadiu o banheiro — Mas não se preocupe, prefiro as mais experientes.

— O que está fazendo aqui? — rosnei ajeitando melhor o tecido felpudo para cobrir mais quantidade de pele. O fato de estar nua por baixo daquilo e em um cômodo trancado com uma pessoa de caráter duvidoso não me deixava nada feliz. Olhei em volta, procurando as roupas limpas, que eu geralmente dependurava atrás da porta, e para meu maior constrangimento elas não estavam lá. Com a vontade de desaparecer da sala, eu nem havia lembrado que tinha que pegar as roupas no quarto antes de tomar banho. Que maravilha.

— Não vim te espiar, se é o que está pensando — descartou o anjo com ironia — Quero saber o que está havendo? — perguntou por fim, o tom de voz sério.

— Vai ter que ser mais específico. Desde a sua última visita, tem uma hóspede genocida no quarto do Sam, eu estou disparando raios pela casa e aparentemente Eve está criando novos tipos de monstros, como vampiros que podem hipnotizar pessoas. — falei extremamente sarcástica, juntando minhas peças de roupa usadas, rasgadas e sujas num bolo e enfiando direto no lixo. — Mas o lado bom de tudo é que Elisabeth cozinha muito bem, os temperos da Hungria são fantásticos. Nham, nham! — comprimi os olhos, dando um sorriso forçado.

— Você não tá sentindo isso? Essa vibração? Nada parece estranho? — sugeriu Balthazar, ignorando meu mau humor e gesticulando ao redor. Acompanhei seus dedos darem uma volta no ar e neguei balançando a cabeça — Você é lerda, garota. — bufou como se explicasse matemática para uma criança de dois anos — Quando que em um milhão de anos os Winchesters iriam abrigar uma ex assassina ressuscitada por demônios para tirar o meu irmão apocalíptico da gaiola dele?

— Do que exatamente você está falando, Balthazar? — questionei exaltada, tendo uma leve noção de onde ele queria chegar ou o que estava insinuando.

— Tem algo muito errado aqui, isso é claro para mim e para meus sentidos de anjo. — elucidou com seriedade. Pisquei algumas vezes para digerir a informação. O fato de eu achar que tinha algo estranho poderia ser facilmente camuflado pela antipatia extrema por Elisabeth, mas quando uma pessoa de fora estava dizendo isso, significava que...

— Mas Castiel... — comecei tentando achar uma falha na teoria que eu estava prestes a bolar e fui interrompida quando Balthazar moveu a mão no ar, um gesto que indicava total convicção.

Cassie está com seus poderes pela metade, duvido que ele consiga sentir esse cheiro de macumba medonha aqui — explicou com um moderado tom de zombaria. Franzi a testa encarando o chão por um momento. Se isso fosse verdade, explicaria perfeitamente o porquê de apenas Maison não cair nas graças da Condessa, afinal ela era um anjo, caído, mas continuava sendo uma criatura celestial.

Mas como ela estava fazendo isso? Era uma espécie de controle sentimental que os fazia a protegerem como se suas vidas dependessem disso. Bati com a mão na testa quando a ficha finalmente caiu. Pelo que sabíamos, Darvúlia era uma bruxa poderosa. Era óbvio que Elisabeth sabia alguns truques.

— Você precisa me ajudar! — disparei me voltando para Balthazar novamente.

— Ei! Você está confundindo as coisas. Eu não ligo. — ele sorriu em motejo — Só achei que essa situação é patética demais até mesmo para os Winchesters.

Típico — grunhi com escárnio — Pode ao menos trazer roupas limpas? — pedi educadamente e o anjo deu uma risada de desdém, desaparecendo com um farfalhar de asas. E antes que eu pudesse abrir a boca para xingá-lo com um belo palavrão, Balthazar reapareceu as minhas costas, colocando uma sacola em minhas mãos. Só de olhar por cima eu já percebi que não eram as minhas, pois ainda tinha as etiquetas da loja — Não são as minhas.

— Então saia nua, tchauzinho — ele acenou com ironia e se desmaterializou a minha frente. Revirei os olhos e bufei, me enfiando num vestido branco com detalhes em renda e uma jaqueta jeans escuro. Sai do banheiro e passei pela sala completamente vazia, subindo as escadas e colocando uma sapatilha preta, decidida a investigar e descobrir o que realmente estava acontecendo.

De hoje, Elisabeth, você não passa.

Comecei pelo quarto de Sam, entrando sorrateiramente e procurando por qualquer coisa que pudesse ser suspeita, sempre com um olho na Condessa, que dormia como pedra na cama. As feições calmas e bochechas coradas, nem parecia que tinha quase passado dessa para melhor, ou pior. Minha vontade era de sufocá-la com o travesseiro até essa desgraçada morrer definitivamente, mas isso não me daria as respostas que eu precisava. Olhei dentro das gavetas, na cômoda e até mesmo dentro do armário, e para meu desgosto não havia nada de incomum. Desci para o primeiro andar na ponta dos pés, e como antes, não havia ninguém ali, o que era estranho, porém extremamente favorável para minhas investigações amadoras.

Entrei na cozinha, começando as minhas buscas implacáveis por todos os possíveis esconderijos que pudessem abrigar algo suspeito, e nada. Eu sabia que havia algo errado, mas o fato de não conseguir encontrar alguma coisa que provasse isso só me deixava mais irritada e estapeava o meu recém descoberto ego de Sherlock Holmes. Apoiei-me na pia, arrastando as mãos pelos cabelos e tentando lembrar algo que eu pudesse ter deixado passar, e foi aí que eu fitei a mesa. A primeira vez que eu vi todos serem controlados como cachorros na coleira foi aqui, e imediatamente algo me veio à mente. Abri o armário e tateei pelas panelas, encontrando um saco plástico com alguns grãos. O famoso cominho da Hungria que fazia todos babar. Relutante eu segurei alguns entre os dedos, cheirando e em seguida provando, o que me fez cuspir imediatamente. O gosto apodrecido era muito diferente do que eu entendia por cominho, que deveria ser picante e ligeiramente amargo.

— Vejo que alguém está dando uma de Detetive — comentou Lúcifer, recostando-se na pia ao meu lado e cruzando os braços em frente ao peito.

— Some daqui, já tenho muito problemas por sua causa — vociferei baixinho, fitando o saco plástico com confusão.

— Vai me culpar? — duvidou o anjo, segurando meu queixo e o movendo na direção dele, me obrigando a encará-lo — Isso é meio injusto, não acha?

— O que você quer comigo? Por que tudo isso? — comecei estupefata, lançando olhares furtivos para a porta, assim me certificando que ninguém me surpreenderia falando “sozinha” — É óbvio que você quer alguma coisa, ou acha que eu engulo essa de que só quer uma companhia para conversar? Fale logo! — intimei num rosnado. Lúcifer abriu a boca, a expressão um tanto surpresa, mas ao invés de dizer alguma coisa, seus lábios esboçaram um sorriso triunfante que me deixou mais desconcertada ainda.

— Plantas, animais, ervas e todas as coisas vivas — começou ele, ignorando totalmente o que eu havia dito — quando submetidas a magia negra, morrem. — esclareceu soltando o meu queixo lentamente. — Ou seja...

— Elisabeth enfeitiçou a comida com esses grãos, e quem comeu está sendo manipulado por ela. — acrescentei embasbacada. Finalmente todas as fichas caindo e tudo fazendo sentido. Apenas quem experimentou da comida sentia esse afeto pela garota, o que não incluía nem a mim e nem Maison. E eu odiava admitir, mas foi um truque genial.

— Enfeitiçar pessoas para que gostem dela, Beth sempre se superando — comentou o anjo com uma risada presunçosa. — Mas isso é só metade da charada. A pergunta que realmente conta aqui é: O que ela quer?

— Essa noite eu tive um sonho muito esquisito com Raphael. Ele falava comigo, parecia uma espécie de acordo. — revelei, expondo minha linha de raciocínio para tentar desvendar o próximo ponto de partida — Seria possível que, partindo do princípio que ela é uma versão minha do passado, nós compartilhássemos memórias?

— Não só possível como óbvio, Esther. — Lúcifer revirou os olhos — E como nós estamos falando do meu irmãozinho, acho que só tem duas coisas na lista de prioridades dele ultimamente.

Ofeguei de repente, todo o mistério se desvendando na minha cara.

— Me pegar e abrir a jaula. — murmurei num fio de voz. O anjo me encarou com um sorriso dissimulado e eu sai correndo pela porta, procurando do lado de fora da oficina qualquer alma viva que pudesse me ajudar, estranhamente não achando ninguém. Péssima hora para todos resolverem sair, realmente péssima. Andei entre as carcaças, tentando lembrar o lugar exato onde Dean havia dito que estavam enterrados os anéis dos cavaleiros do apocalipse. Se minha teoria estivesse correta, queria dizer que Elisabeth não pretendia apenas me entregar para Raphael, mas também abrir a gaiola onde estavam Lúcifer e Miguel. E isso definitivamente não podia acontecer.

Para o meu pânico, tudo que eu encontrei foi um buraco de terra aberto recentemente, o que significava que os objetos não estavam mais lá. Ou seja, se eu não achasse os Winchesters e os fizesse acreditar em mim, nós estaríamos todos perdidos. Tateei os bolsos da jaqueta a procura do meu celular, lembrando que eu havia deixado sob a cama enquanto colocava a roupa. Então a única coisa que me restava era impedir Elisabeth sozinha, nem que para isso eu precisasse amarrá-la na cama até alguém me dar algum crédito.

— O que você está fazendo aqui? — ralhou a voz surpresa de Castiel logo às minhas costas. Virei-me instantaneamente, comprimindo os olhos contra a luz forte do sol e recuando alguns passos. E para minha desgraça, acabei enfiando o pé no buraco de terra aberto.

— Não é da sua conta. — retruquei, sacudindo a perna para me livrar da sujeira que eu sentia ter entrado até para dentro da sapatilha.

— Onde estão os anéis? — questionou olhando alarmado para o local onde os objetos deveriam estar, e que agora estava vazio.

— Eu não peguei — disparei imediatamente — Mas tenho uma ideia de quem pegou. — e dito isso eu comecei a marchar em direção a casa, porém fui interceptada no segundo passo.

— Você não vai para lugar nenhum até eu saber onde estão! — persistiu materializando-se a minha frente e me fazendo dar de encontro a ele e ser jogada para trás. Mordi a boca com raiva.

— Com a sua boneca inflável de barro. — respondi sarcástica e desviei dele, mas novamente o anjo me barrou.

— Elisabeth não faria isso — reiterou gesticulando com um dedo próximo ao meu rosto.

— Novidade, querido, ela faria. Só que você é estúpido o suficiente para não enxergar isso. — disse com o tom de voz ríspido, pronta para continuar a caminhar, porém dessa vez Castiel me segurou pelos cotovelos para que permanecesse em frente a ele — Tira as mãos de mim agora. — rosnei, me sacudindo e só conseguindo que ele apertasse mais forte.

— Diga onde estão ou tente se soltar. — desafiou com um olhar incisivo sobre mim.

— E quando eu fizer isso eu vou arrebentar a sua cara. — prometi tentando me soltar e me debatendo contra ele, mas o anjo era muito mais forte que eu e me prendeu contra o seu corpo com o mínimo de esforço.

— Por eu estar te segurando ou por... — insinuou me deixando perplexa e com mais raiva. Ele estava jogando meus próprios sentimentos na minha cara como um playboy mimado de colegial? Já estava virando palhaçada.

— Quando você ficou tão metido? — questionei com o tom ácido e debochado, minha vontade era de esfregar a cara dele naquela terra até a semana que vem, mas eu tinha coisas mais importantes para me preocupar no momento. Como o fim do mundo estacionando de jatinho no telhado.

— Quando você começou a sair com o Dean? — perguntou imitando meu tom e eu abri a boca, incrédula. Então dei uma risada de escárnio e ele apertou os olhos.

— Ciúmes? — indaguei e Castiel virou o rosto com um grunhido irritado. Um raio cortou o céu, iluminando o horizonte seguido de um estrondoso trovão. O sol forte começava a se esconder entre nuvens cinzentas e carregadas.

— Eu não sei o que é isso. — disse por fim, sem voltar-se para mim.

— Tanto faz. — revirei o olhar, sacudindo a cabeça para me livrar os cabelos que eram jogados no meu rosto graças ao vento tempestuoso e repentino — Eu não te devo satisfação da minha vida, se eu quiser saio com o Dean e mais a cidade inteira e você não vai poder jogar todos eles contra uma porta! — exclamei batendo as mãos contra o seu peito com ímpeto e ele arqueou uma sobrancelha.

— Mas eu posso tentar. — murmurou num tom um tanto ameaçador que me fez ficar perplexa por dois segundos.

— Ótimo! — finalizei com um sorriso debochado, finalmente conseguindo me soltar e o empurrando a uma boa distância.

— Ótimo! — disparou com sarcasmo. Outro raio atravessou o horizonte, nos tirando de nosso confronto pessoal. Olhei para cima e só então percebi o quão escuro havia ficado, mas isso não era nada comparado a sequência de trovões aterradores que surgiam no céu.

— Tem algo errado — constatei fitando Castiel, sua expressão alarmada espelhava a minha.

— Vem! — disse prendendo os dedos no meu pulso e imediatamente nós aparecemos em frente a casa. As janelas abertas batiam num ritmo frenético, mas o que mais me deixou em pânico foram as dezenas de homens de preto por todos os lados. Todos imóveis e espalhados pelo lugar.

— O que está havendo? — me voltei para o anjo, tirando o cabelo que persistia em ricochetear no meu rosto. Ele observou ao redor por mais alguns segundos e logo me encarou, piscando várias vezes, perplexo.

— Ceifeiros — elucidou num murmúrio, balançando a cabeça para os lados, em negação — Eles só se reúnem assim quando grandes catástrofes estão prestes a acontecer. Não faz sentido.

— Temos que achar todo mundo e cair fora daqui! — sentenciei correndo em direção a porta da frente, mas no primeiro passo o anjo me puxou para trás.

— Eu não posso entrar, tem símbolos antianjos do lado de dentro! — exclamou alto o suficiente para a voz sobressair aos trovões e ao vento que começava a arrastar coisas. Respirei fundo por um momento, eu não deixaria que Elisabeth machucasse os Winchesters, Bobby, meu irmão ou Maison para me atrair. Eu sabia o que precisava fazer, e ter certeza de que Castiel estava do lado de fora, longe do perigo, me causava uma sensação de alívio.

Eu não queria morrer, mas eu não deixaria ninguém morrer para me salvar. Não entraria com a intenção de ser o cordeiro do sacrifício, eu estava pegando uma chance para lutar.

— Eles são minha família — falei sendo envolvida por um sentimento repentino de coragem, e quando dei por mim, eu já estava apertando os braços firmemente ao redor do anjo. Fechei os olhos por um instante, inspirando profundamente o aroma dele e fixando-o na memória. Não era uma despedida, apenas um incentivo para que eu voltasse. — E eu não sento e vejo a minha família ser morta. — finalizei, sorrindo decidida perante aos olhos azuis que pareciam entorpecidos e... Admirados? Eu não sabia dizer ao certo. E antes que Castiel pudesse protestar qualquer coisa eu me desvencilhei dele, partindo em direção a entrada.

— Esther! — gritou no segundo em que alcancei a maçaneta fria, e segurando a respiração eu entrei pela porta. Logo encontrei a casa com as luzes completamente apagadas, os raios estalavam como chicotes raivosos no céu, iluminando os cômodos de repente. As paredes tinham marcas pintadas com sangue formando os mais diversos símbolos, inclusive antianjos. Alguns móveis estavam jogados de qualquer jeito pelo piso e outros quebrados, sinais evidentes de luta.

Meus olhos vagueavam perspicazes pelo ambiente, chegando ao chão, onde encontraram marcas de sangue que se estendiam até a cozinha, onde puderam presenciar uma cena assustadora que fez meu coração praticamente parar por um segundo. Havia cinco cadeiras distribuídas pelo cômodo, e nelas estavam aqueles que eu procurava fortemente amarrados com cordas grossas.

Corri até eles, percebendo com pavor os vários cortes fundos pelo rosto e braços, maculando as roupas de escarlate. Tropecei nos meus pés ao chegar perto de Sam, que parecia fraco e mal conseguia manter os olhos abertos.

— Elisabeth... — murmurou o moreno enquanto eu tentava desfazer os nós das cordas, que estavam muito apertadas. Agarrei uma faca na pia, voltando para cortar as amarras.

— Você tem que sair daqui, ela nos pegou numa armadilha. — falou Bobby, tossindo sangue na camiseta xadrez.

— Nós vamos sair daqui, todos juntos — garanti e ouvi meu irmão sussurrar alguma coisa em resposta, girando o rosto na minha direção.

— Esther... — começou e então eu acompanhei o olhar de Jimmy se arregalar de repente e imediatamente me virei de novo, encontrando os olhos vorazes de Elisabeth. A garota estava sentada sob a mesa do velho Singer enquanto brincava com uma faca entre os dedos, e quando me viu seus lábios se curvaram num sorriso ferino. E ao seu lado eu logo pude reconhecer o homem de manto negro e longos cabelos brancos, o até agora sumido, Alfred, o bruxo que tentou ressuscitar a Condessa no meu corpo.

Era de se esperar que ela não estivesse trabalhando sozinha, mas o fato de tudo isso ter sido bolado embaixo dos nossos narizes era quase um insulto.

— A convidada principal chegou para a festa. — pronunciou-se, movendo o braço no ar e arremessando o objeto afiado de encontro a mim, o mesmo passou a centímetros do meu rosto e cravou a ponta fortemente na parede da cozinha. Passei a mão pela minha bochecha, fitando meus dedos manchados com um pequeno filete de sangue.

— Você nunca me enganou. — comentei ainda observando a ponta dos dedos.

— E isso me deixou muito frustrada, você e essa caída metida eram as únicas que eu não consegui convencer. — bufou a garota, pegando outra faca entre as mãos e jogando-a para cima de maneira displicente — Mas quem liga para vocês duas? Eu consegui a confiança dos Winchesters. — ela sorriu diabólica.

— Você os enfeitiçou com a sua macumba barata para que se apegassem a você, e acho que Alfred tem grande culpa no cartório nessa parte — adivinhei com muito sarcasmo para quem ainda não tinha nenhum plano para continuar respirando e manter os amigos respirando amanhã de manhã. O bruxo continuou me fitando, imóvel e sem proferir nenhuma palavra, parecia me analisar profundamente. Ele exalava confiança, e numa situação dessas, isso só me deixava mais nervosa.

— Vejo que alguém andou fazendo a lição de casa — Elisabeth arqueou as sobrancelhas — Admito que de início eu estava um pouco confusa, mas já que fui trazida de volta, por que não fazer algo de útil com isso?

— E qual era o plano? Enganar todo mundo, torturar e matar?

— Vontade não me faltava, mas eu queria brincar um pouquinho antes — ronronou com um biquinho, então levantou o braço no ar — Se você desviar, essa faca vai acertar o coração do Sammy — avisou repentinamente e disparou o objeto na minha direção. Meu instinto natural me mandava correr, mas eu não a deixaria machucar mais nenhum deles. Fechei os olhos e permaneci estática, sentindo a lâmina cortar o ar e em seguida perfurar minha pele logo acima dos seios, cravando metade da faca. Grunhi com a pontada feroz e dolorosa, caindo apoiada com um joelho no chão, ofegando de dor.

— Você realmente acha que Castiel vai te perdoar por isso? — indaguei com os dentes trincados, dando um gemido ao segurar a arma pelo cabo e puxá-la, deixando o sangue livre para escorrer e macular a minha roupa.

— Que tal uma novidade? Eu não estou nem aí para o Castiel, só precisava manter ele ocupado. — segredou com a expressão orgulhosa — E realmente foi muito divertido te ver se contorcendo de ciúmes.

— Você nunca o amou. — constatei com uma risada de desprezo, balançando a cabeça para os lados.

— Amei, amei muito. Tanto quanto você. E por isso fui parar debaixo da terra. — disse seriamente, os olhos faiscando de raiva. Segurei o cabo da arma com força entre os dedos. — Mas acho que ser ressuscitada sem uma alma é muito conveniente, eu não sinto mais nada além de ódio.

— Então para que todo esse show? O que você quer sua vadia? — indaguei exasperada, me colocando de pé repentinamente e arremessando a faca de volta.

— Você é mesmo uma sonsa. — devolveu Elisabeth, parando o objeto a centímetros do peito e o jogando contra a parede. — Por que me conformar com essa existência patética se eu posso ter tudo que eu quiser? — perguntou retórica — Foi só escolher o lado certo.

— Acho que deveríamos começar — pronunciou-se Alfred, pela primeira vez, olhando de soslaio para a garota que assentiu brevemente. O bruxo levantou da cadeira e a Condessa de cima da mesa, passando os braços para derrubar alguns livros e uma garrafa de uísque que ainda estava ali. Ele tirou um canivete do bolso e cortou a mão, deixando sangue escorrer para a superfície enquanto recitava algumas palavras numa língua desconhecida.

— O que vocês... — sussurrei num fio de voz.

— Raphael quer que eu abra o portão para tirar o arcanjo Miguel de lá e entregue você. E em troca disso eu terei um corpo humano e proteção. — revelou a garota, observando os movimentos de Alfred atentamente.

— O Pinóquio quer ser um menino de verdade, que fofo — comentou Lúcifer com uma risada de escárnio, sentado no primeiro degrau da escada.

— Você não pode abrir a jaula, precisa dos quatro anéis e só tem três. Morte nunca vai te entregar o anel dele. — elucidei apontando um dedo.

— Essas coisas lindas aqui não são apenas para diversão, eles serão o sacrifício para prender Morte. — Elisabeth gesticulou para a cozinha, onde os Winchesters, Bobby, Jimmy e Maison estavam desacordados. Engoli em seco. Eles estavam pretendendo matá-los.

— Se você tirar Miguel de lá, vai tirar Lúcifer também! — exclamei estupefata.

— Não se eu souber uma maneira de entrar por trás. — confidenciou Alfred, voltando os olhos para mim enquanto o sangue sobre a mesa se movia sozinho até formar um círculo com linhas finas que se encontravam no centro.

— Por que se unir a Raphael? Ele quer que o apocalipse aconteça, ele vai destruir esse mundo e todos nele! O que você ganha com isso? — perguntei alterada, abrindo os braços e Elisabeth franziu a testa, virando-se para o bruxo de repente.

— Ele vai destruir apenas quem ficar no caminho dele — falou o homem seriamente.

— É nisso que você acredita? — indaguei com desdém e ele desviou os olhos para o feitiço com sangue de novo — Elisabeth, você sabe que eu tenho razão. — me voltei para a garota, que parecia deliberar internamente. Então ela me encarou mordendo a boca e num movimento rápido atirou a faca na minha direção. Mas o objeto não foi direcionado a mim exatamente. Ouvi um gemido sôfrego e me virei para trás, onde Jimmy arfava de dor com a lâmina totalmente enfiada na sua barriga.

— Você é um monstro! — gritei correndo na direção do nefilim, mas um puxão forte no meu cabelo fez com que eu parasse bruscamente.

— Você também, olha bem para mim porque é exatamente isso que você se tornaria! — exclamou a Condessa, aproximando-se do meu rosto para falar baixo e ameaçadoramente — Com uma grande ajuda de Lúcifer, é claro. A propósito, diz que eu mandei um beijo para ele.

— Dispenso, Beth. — o anjo fez uma careta divertida da escada.

— Deixa eles irem, vocês têm a mim. — pedi e ela me jogou contra a parede, fazendo com que eu batesse as costas fortemente, todo o ar saindo dos meus pulmões como se fosse golpeado para fora.

— Bancando a madre Teresa? — questionou em zombaria incontestável — E só para você saber... Aquele buraco que você fez no meu peito doeu, sua vagabunda! — chiou arremessando outra faca contra a minha perna, e em seguida Elisabeth moveu a mão a sua frente e o objeto parou no ar. Olhei-a com pavor, e no segundo seguinte a garota sorriu, apertando o punho e o puxando com ímpeto para baixo. A ponta entrou completamente na minha coxa e deslizou para baixo, como se alguém estivesse a puxando. Senti minha carne se rasgar e me curvei com um grito.

— Esse truque aí eu não conhecia. — comentou Lúcifer com a expressão surpresa e um assovio.

— Raphael me deu um presentinho para ajudar a me livrar dos Winchesters, como bônus. — esclareceu a garota, caminhando até a cozinha — Vamos ver por quem eu começo? Que tal o irmãozinho caçula? Ou o velho patético? — questionou-se observando um por um. Então se aproximou de Dean, puxando-o pelo cabelo para trás com ímpeto enquanto com a outra mão retirava a faca da barriga de Jimmy.

— Não! — exclamei, tirando forças do além para me colocar de pé e me jogar contra ela. Nós caímos contra o piso, rolando pelo chão ao mesmo tempo em que eu tentava arrancar o objeto afiado das mãos de Elisabeth.

— Você acha mesmo que pode lutar comigo garota? — duvidou a Condessa com o rosto retorcido de raiva, em seguida desferindo uma cabeçada que me fez cair de lado e ver tudo rodar — Você é fraca. — cuspiu com um humor sádico.

— Vai deixar ela falar assim com você? — questionou o anjo, agachado ao meu lado, parecendo um juiz de luta livre esperando para interferir.

Senti algo ser fortemente impactado contra as minhas costas, me fazendo dar um grito sem ar, e quanto vislumbrei Elisabeth logo acima de mim, a mesma desferiu um chute no meu rosto que me lançou para trás. Senti os dedos dela se apertarem em volta do meu pescoço enquanto a mesma montava em cima de mim, prendendo qualquer movimento que eu pudesse tentar para me desvencilhar.

— Você é um fardo, Esther, é impossível acreditar que sejamos a mesma pessoa. — continuou a garota com um ódio mortal em suas palavras. Eu arranhava suas mãos e sacudia o corpo freneticamente para tentar me livrar dela, o ar trancava na minha traqueia pressionada e era impedido de chegar até os pulmões — Tão inocente, tão puritana, tão infantil. Digna de pena.

— Já que você está entretida, vejo que eu terei que fazer os sacrifícios. — pronunciou-se Alfred e eu estiquei a cabeça para ver o que ele fazia. Então segurou o canivete e andou calmamente até a cozinha. Ele ia matá-los e eu estava sendo pateticamente estrangulada.

— Eu posso ajudar, você sabe. — disse Lúcifer no mesmo local, gesticulando ao redor — Só precisa me deixar entrar dessa vez. — elucidou com um sorriso mordaz. Eu nunca aceitaria deixá-lo fazer isso, significava que eu perderia o controle totalmente e estava fora de questão. Eu ainda tinha forças e iria usá-las até o fim.

Continuei arranhando Elisabeth e num movimento rápido consegui libertar uma perna, que usei para desferir um chute contra a lateral do seu corpo. A mesma rosnou e apertou meu pescoço mais forte, me fazendo engasgar, então me levantou um pouco e bateu minha cabeça contra o piso. Ocasionando uma dor fugaz. Ouvi a voz do bruxo começar a cantarolar algo na língua estranha enquanto o mesmo mantinha o canivete próximo a jugular de Bobby e os olhos fechados, como se estivesse fazendo uma prece.

— Ainda quer lutar? Que patética. — zombou a Condessa.

— Você vai morrer quando Raphael não precisar mais de você, Estherzinha. — persistiu o anjo, inclinando-se para chegar mais perto do meu rosto. Sua expressão que antes era divertida agora estava completamente séria, embora seu tom ainda tivesse o típico sarcasmo — E o mais triste é que você vai ver a sua única família ser usada como cordeiro agora. Apenas diga “sim” e eu salvo todos eles. — garantiu espalmando as mãos no chão. Desviei os olhos para fitá-los, talvez pela última vez, indefesos e condenados a morte.

Eu havia prometido a mim mesma que não desistiria, mas não havia nada que eu poderia fazer agora. E eu sabia que se dessem a escolha entre morrer ou se submeter a Lúcifer, todos eles escolheriam a primeira opção. Senti tudo ao meu redor lampejar, as cores começavam a desaparecer de repente, junto com os sons que estavam cada vez mais distantes e o torpor que me levava para a inconsciência. Minha garganta ardia e meus pulmões latejavam dolorosamente a procura de ar.

— Isso mesmo, despeça-se deles, quando acordar não vão mais estar vivos. — incentivou Elisabeth com a expressão sarcástica e cruel. Tudo parecia estar em câmera lenta agora. Vi Alfred segurar o objeto afiado com força e mover o braço no ar, pronto para desferir o golpe mortal em Bobby. Fechei os olhos lentamente, sentindo uma única e solitária lágrima descer.

Eu estava entregue.

— Eu te dei a oportunidade, e você deu as costas. Não esqueça. — a voz de Lúcifer ressoou nos meus ouvidos, distante e mórbida. E como se algo dentro de mim acendesse, eu sabia que não poderia desistir. Eu tinha entrado aqui para lutar e era isso que eu faria. Quando você escolhe o caminho da guerra, nem sempre as opções certas são as que vão te fazer chegar vivo até o próximo amanhecer.

No momento em que senti os dedos de Elisabeth afrouxarem, eu a impulsionei para trás, tragando ar suficiente para proferir apenas uma palavra.

— Sim! — exclamei com a voz rouca e meus sentidos completamente alertas.

— Essa é a minha garota! — elogiou o anjo, sorrindo triunfante. E nesse momento uma luz rápida e quente atravessou meu corpo, esticando-se em cada centímetro dele, como uma roupa que você veste e ela parece ser feita sob medida. Eu sentia meu sangue pulsar nas minhas veias, o som preenchendo meus ouvidos por completo. Levantei o braço e o bruxo foi atirado contra o outro lado da casa, observei meu membro superior e ele tremeluzia uma cor dourada ao redor da pele.

— Alfred! Faça o feitiço com os três anéis, não temos tempo! — exclamou Elisabeth atônita. Virei-me para ela e quando percebi, eu já a estava arrastando pela perna para o meio da sala, onde a joguei contra a parede acima da escada. A garota bateu na mesma e desceu rolando até o chão novamente.

A sensação inicial era idêntica a vez em que Castiel me possuiu, mas agora eu não sentia como se não tivesse controle do meu corpo, apenas me sentia... Rápida e espontânea. Como se quando eu pensasse em fazer determinado ato, ele já estivesse acontecendo. Era eu ali, com uma fome sanguinária e violenta, mas era eu.

— Cale a boca. — resmunguei com sarcasmo, a voz um tanto mais grave do que o normal. Puxei-a pelo cabelo para que ficasse de joelhos e então acertei um chute em seu estômago, ouvindo dar um gemido doloroso. Era realmente me divertindo em vê-la sofrer daquela forma. Ela merecia.

— Você não pode fazer isso, eu sou... — começou sem fôlego e eu a segurei pelo pescoço, prensando na parede.

— Eu sei quem você é, e mandei calar a boca. — interrompi pausadamente, apertando os dedos com tanta força que ouvi seus ossos rangerem por baixo da pele.

— Lúcifer... — murmurou apavorada, arregalando os olhos. Senti meus lábios se curvarem num sorriso cruel e com a mão livre eu enfiei os dedos dentro do seu peito, sentindo a cavidade gélida e barrosa que escondia o octeto de rubi, a única coisa que a mantinha viva até então. E num movimento rápido eu puxei o amuleto para fora.

— Adeus, Beth. — disse com sarcasmo, jogando-a contra a porta com tanta violência que o corpo da garota atravessou a mesma e foi parar do lado de fora. Encarei minha mão suja com uma careta de nojo e então me voltei para o cômodo novamente. Alfred estava atrás da mesa de Bobby com a expressão horrorizada de medo — E agora, quem eu devo matar? Acho que é o velho caquético que acha que ainda tem utilidade nessa vida.

— Por favor... — implorou, recuando conforme eu dava passos lentos na sua direção, sentindo um prazer enorme ao presenciar seu medo. Movi o braço no ar para que o bruxo fosse jogado contra a parede e prensado na mesma.

— Vai implorar para mim? Não seja ridículo. — zombei, buscando com o pensamento todas as facas que estavam espalhadas pelo chão e guardadas na cozinha, e imediatamente os objetos voaram para mim, colocando-se prontificados para o comando acima dos meus ombros. Senti algo escorrer pelo meu nariz e passei as costas da mão, revelando uma quantidade grossa de sangue. Assim como na outra vez com Castiel, era provável que meu corpo não suportasse isso por muito tempo e expelisse para fora. Pelo menos era o que esse sangue parecia me dizer.

Com o momento de distração, ouvi um som metálico ser jogado contra com uma superfície, e quando pude constatar o que era, percebi que Alfred havia jogado os anéis dos cavaleiros sobre a mesa com o feitiço.

— Tarde demais, Miguel está vindo. — elucidou o bruxo e eu lancei um olhar de ódio para ele, as facas sendo lançadas contra seu corpo com ímpeto, o perfurando mortalmente e o prendendo ali. O líquido morno e carmesim esguichou para todos os lados, respingando no meu rosto e roupas. Minhas pernas fraquejaram de repente, e algo dentro de mim sabia que eu não iria aguentar muito tempo. Presenciei uma grande luz branca começar a sair da superfície, e eu não podia deixar que aquilo se concluísse. E num gesto impensado, joguei o octeto de rubi em cima, fazendo o objeto ser tragado para a luminosidade e explodir em mil pedaços. Agarrei os anéis, separando dois e guardando o terceiro no bolso, enquanto virava a mesa com o feitiço.

Respirei com dificuldade, o ar começando a trancar na garganta. Uma tontura vertiginosa fez meus joelhos fraquejarem e eu quase caí, conseguindo me segurar por pouco na parede. Cambaleei me apoiando nos móveis até onde estava Sam e cortei as cordas que prendiam suas mãos e pés, tocando seu rosto e me concentrando no poder que pulsava dentro de mim para que ele curasse suas feridas. Uma pontada lancinante na minha cabeça advertiu que eu estava abusando, então agarrei o moreno pelos ombros e sacudi para que acordasse.

— Esther? — questionou grogue, arregalando os olhos para mim e o local. Coloquei a faca em suas mãos e gesticulei para os outros, ele deveria saber o que fazer — Você está bem? — indagou novamente e quando eu pensei em responder, uma golfada ácida subiu pela minha traqueia, me fazendo vomitar sangue no piso. Arrastei-me pela porta da frente, sentindo a chuva forte e gelada começar a descer sobre mim e me encharcar em segundos. Eu estava completamente sem forças quando caí de quatro no chão, apertando a terra molhada entre as mãos, cada vez que respirava era como se cacos de vidro subissem pela minha garganta.

Os relâmpagos eram a única coisa que iluminava o escuro, que parecia mais assustador pelo fato de que minha visão começara a tremer.

Algo próximo a mim capturou minha atenção de repente e eu ergui a cabeça para encarar a cena, comprimindo os olhos para reconhecer as duas silhuetas. Há alguns metros eu vi Elisabeth deitada e Castiel agachado ao seu lado, a garota gargalhava debochada e tossia sem parar, enquanto ele mantinha-se imóvel, segurando sua cabeça para deixá-la quase sentada.

— Você foi frouxo o bastante para acreditar que este corpo feito de ossos e barro carregava a antiga Elisabeth e por isto não me matou. — ouvi a mesma dizer com satisfação, o rosto pálido se iluminando quando os raios cortavam o céu — Tenho pena de você, Castiel. — ela falou com um sorriso cruel, enquanto seu peito subia e descia em agonia. E num gesto inesperado, eu vi o anjo puxar a lâmina e golpeá-la diretamente, permanecendo como uma estátua inexpressiva abaixo da chuva. Então aos poucos a garota foi se desfazendo com a água, apenas sangue e barro restaram em suas mãos.

Virei a cara, incapaz de apreciar aquela cena. Embora a odiasse, eu sabia que ele deveria estar se punindo por dentro, com uma dor horrorosa, exatamente como da primeira vez. E isso me matava quase como se quem tivesse levado o golpe fosse eu. Outro raio feroz surgiu no céu escuro, e nesse instante eu vi minha sombra refletida no chão. Mas algo nela fez com quem cada músculo do meu corpo congelasse de terror: Um grande par de asas estraçalhadas pendia imponente nas minhas costas, juntamente com dois chifres e um rabo com ponta afiada enrolado na minha perna.

Era Lúcifer, ou era eu?


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Notas finais do capítulo

Esther bicha má, detonando todo mundo. Só eu que amei?
FINALMENTE a Elisabeth saiu das nossas vidas, porém tio Lú parece estar mais forte do que nunca.
Balthazar divando, como sempre.
Os Winchesters malvados por causa do controle do feitiço.
Eles quase conseguiram abrir a jaula, graças ao Raphael que mostrou que comer pelas bordas dá certo.
A parte triste é que o Castiel teve que matar a Elisabeth, de novo.
E agora? O que será que vai acontecer?

SURPRESINHA: Capítulo triplo! Corram para o próximo!



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