Separate Ways - Requiem escrita por WofWinchester


Capítulo 33
Foi o Diabo quem mandou


Notas iniciais do capítulo

Olá, lindonas e lindões!
Obrigado (a) a todos (as) pelos comentários lindos e maravilhosos, vocês me inspiram, de verdade. Neste capítulo teremos surpresas, espero que gostem.



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Coloquei uma calça skinny preta e uma camiseta verde rapidamente e em seguida desci as escadas, cumprimentando Maison e ouvindo algumas piadinhas dos irmãos sobre o meu cabelo bagunçado. Depois de ir até o banheiro fazer as minhas necessidades e dar um jeito na minha cara amassada voltei para sala, onde Dean estava apoiado nas costas do sofá enquanto a loira revirava os olhos.

— Ontem eu ouvi uma música brasileira e pensei em você — dizia o Winchester mais velho tentando conter a expressão debochada.

— Cai fora. — cortou a garota imediatamente, fazendo Sam dar uma risada sem tirar os olhos do notebook.

— Não quer nem saber qual foi? — insistiu Dean. Sentei-me no braço da poltrona onde meu irmão estava distraído no celular, cruzando os braços e observando a cena com curiosidade.

— Não quero.

— Eu quero, qual foi? — questionou Jimmy inocentemente, fazendo o loiro abrir um sorriso faceiro.

Você parece um anjo — começou a cantarolar enrolado em português, se aproximando mais de Maison — Só que não tem asas, ai ai ai...

— Não tem graça! — chiou a loira, pegando a almofada ao lado e dando com tudo na cara dele, que caiu para trás do sofá. Nisso o Winchester caçula começou a rir alto apoiado na mesa — Tá rindo do quê?

— Nada! — disparou o moreno com cara de susto.

— É ótimo ver que os irmãos Winchester estão sendo oprimidos por uma garota, é hilário, mas eu tenho que cortar o barato de vocês e perguntar como vamos acabar com a festinha demoníaca. — interrompeu Bobby, saindo da cozinha com uma cerveja e parando ao lado de Jimmy.

— Bem, acho que estamos todos aqui? — começou Maison, espalmando as mãos nas coxas e ajeitando-se na beirada do móvel.

— Cadê o Castiel? — questionei olhando para os lados e notando a ausência do anjo, mas logo me arrependi da pergunta ao notar as expressões a minha volta.

— Lá em cima. — gesticulou Sam revirando os olhos e me fazendo fechar a cara na hora.

— Ela não pode ficar sozinha? Será que vai derreter? — comentei sarcástica, levantando do braço da poltrona e dando alguns passos para me colocar próxima de Maison. O Winchester caçula deu uma breve olhada para o irmão e então escorou os cotovelos na mesa.

— Cass, dá para vir aqui um minutinho? — pediu o moreno olhando para cima.

— O que você quer? — disparou o anjo meio segundo após o Winchester terminar a frase, materializando-se centímetros atrás de Bobby, que arregalou os olhos com uma expressão de tédio.

— O último cara que chegou tão perto assim de mim levou um tiro no traseiro. — falou o velho Singer, virando-se para encará-lo e então o mesmo deu alguns passos para trás.

— Desculpa, Bobby. — disse Castiel num tom constrangido.

— Todos reunidos. Vamos ao plano. — falou Jimmy, juntando as mãos e gesticulando para que a loira começasse a falar.

— Nós já estamos a par de tudo que aconteceu e os demônios que nós pegamos realmente acreditavam que o tal feitiço tinha dado certo, ou seja, que Esther agora é Elisabeth. — começou Maison, observando cada um dos rostos no cômodo — A minha ideia é atrairmos eles para um local e mandar todos de volta para o inferno.

— Eu tinha pensado nisso ontem. — interrompeu Dean, acariciando o queixo.

— Você sugeriu? — questionou o nefilim.

— Não exatamente.

— Então cala a boca e escuta. — sentenciou fazendo o caçador estreitar os olhos.

— Mas como vamos fazer isso? — indagou Bobby.

— Nós não, Esther vai. — disse a loira com uma expressão curiosa e imediatamente eu encarei-a, incrédula.

— Você quer que a Esther se enfie no meio de centenas de demônios? — duvidou Sam, a sobrancelha erguida em descrença.

— Eles não vão machucá-la, não se pensarem que é Elisabeth. — explicou a garota, movendo as mãos para frente.

— E por que simplesmente não usamos a verdadeira Elisabeth? — ponderou o moreno por um momento.

— Vocês confiam nela? — questionou Jimmy, levantando um dedo e abaixando-o novamente no braço do sofá.

— Não. — respondemos Sam, Dean e eu ao mesmo tempo. Nós nem havíamos tido tempo de interrogar a garota, o que os Winchester estavam ansiosos para fazer e Castiel se recusava veemente. Como o loiro mesmo havia dito ontem, não há como confiar em alguém que foi trazida dos mortos para os planos malignos dos demônios.

— Foi o que eu pensei.

— Isso é arriscado. — comentou Bobby, passando os dedos pela barba de forma pensativa. Ao mesmo tempo que era um plano perigoso, era também bem prático, assim nos livraríamos de centenas de idiotas de olhos pretos de uma única vez.

— Cass, o que você acha? — perguntei para o anjo que deveria estar ao meu lado, e como não obtive resposta o procurei com os olhos pelo cômodo, encontrando apenas o vazio — Castiel?

— Não é preciso uma bola de cristal para saber onde ele foi. — suspirou o Winchester caçula. Inspirei e expirei duas vezes, contendo a vontade de arrastá-lo para baixo. A negligência com que ele estava tratando todos ali e inclusive a situação desastrosa que estava acontecendo fazia meu sangue ferver.

— Precisamos dele para saber se esse plano pode funcionar. — falou Dean, juntando as mãos e olhando para cima, prestes a fazer uma oração.

— Ele não é meu pai, não preciso da autorização dele para nada. — interrompi caminhando até o loiro e desfazendo suas mãos unidas com um único movimento — Eu vou.

— Mas... — começou e eu encarei-o decidida.

— Eu vou. — repeti voltando os olhos para Maison — O que eu tenho que fazer?

— Seja a diva que todos querem copiar. — disse a garota com uma piscadela. Lancei-lhe um olhar confuso, mas logo sacudi a cabeça para os lados, com nenhum pingo de vontade de entender o significado daquela frase.

Horas depois, nós estávamos em Chicago novamente, há dois quarteirões de distância de uma fábrica de abate de animais que estava interditada. O local era cercado por descampados e longos hectares de matagal fechado, o lugar perfeito para uma armadilha daquele porte.

Eu andava de um lado para o outro e o vento balançava meus cabelos, que graças ao babyliss e a insistência de Maison estavam cacheados até abaixo dos ombros. Ela também havia me feito vestir uma calça social com cinto, uma blusa de seda no tom de vinho e uma jaqueta de couro, alegando que seria assim que Elisabeth se vestiria.

Nós havíamos repassado o plano umas dez vezes durante o caminho, mas eu ainda não sentia total confiança que aquilo iria dar certo, minhas unhas estavam completamente roídas e agora eu dilacerava em volta dos dedos de tão nervosa que estava.

Sam e Dean retiravam algumas bolsas do Impala, enquanto o irmão mais velho mantinha a mesma cara fechada que estava em seu rosto desde que saímos de Sioux Falls. Eu sabia que ele não estava nem um pouco contente com aquilo. Ouvi um estalo e virei a cabeça para ver Maison e Jimmy descerem do trailer alugado e caminharem em minha direção.

— Nós vamos estar escondidos, mas monitorando você por esse GPS e falando com você por essa escuta. — falou a garota apertando um pequeno equipamento que emitiu uma luz vermelha e o prendendo por dentro da minha blusa. Em seguida colocou um mini auricular na minha orelha, enfiando para dentro da cavidade do meu ouvido e ajeitando o cabelo ao redor para esconder. — É como se estivéssemos lá.

— Ainda não tenho total certeza sobre isso. — comentei insegura, mordiscando o lábio.

— Apenas relaxe e confie, haja como se você fosse a superior de todos eles. — instruiu Jimmy colocando as mãos sob meus ombros e me olhando fixamente nos olhos, o rosto contorcido numa careta de preocupação que ele tentava esconder — Você consegue, eu sei que consegue.

— E depois disso os faça segui-la até a fábrica, nós estaremos logo atrás para trancar as portas e começar o exorcismo em massa. Quando conseguir entrar, se tranque na sala de segurança e coloque a fita com a gravação. — disse Sam, apontando para o objeto que já estava no meu bolso, uma gravação com o ritual de exorcismo feita por ele mesmo. Em seguida se aproximou e colocou a faca da Ruby na minha mão — Leve isso, caso a coisa não sair como planejado.

— Não precisa, não está nos meus planos lutar com eles. Vocês podem precisar mais do que eu — falei devolvendo-a para ele.

— Se algo sair errado, você usa isso e corre — avisou Maison, retirando uma espécie de granada do cinto da calça e colocando-a no outro bolso da minha jaqueta — É uma bomba de sal e água benta, você puxa o pino e ela vai explodir em estado gasoso, causando um efeito de asfixia nos demônios. Isso deve te dar uns trinta segundos de vantagem.

— Certo. — assenti visualizando a cena na minha mente para decorá-la, puxar o pino e jogar.

— Boa sorte — desejou a garota, apertando as minhas mãos com um sorriso para enfatizar.

— Minha vez — pronunciou-se Dean, que estava mudo até então. De braços cruzados e com a cara emburrada num canto. O caçador me pegou pelo cotovelo gentilmente e me guiou até o Impala.

— Essa é a parte que você diz que eu não preciso fazer isso? — arrisquei com um suspiro.

— Não exatamente. — descartou rapidamente — Está levando água benta?

— Sim. — assenti, apalpando o local onde estava o pequeno vidro.

— Sal?

— Sim. — repeti, fazendo a mesma coisa do outro lado do corpo e me certificando de que estava com ele ali.

— Se lembra do exorcismo completo? — questionou o loiro com seriedade.

— Lembro.

— Esther, tenha cuidado. — pediu colocando as duas mãos nos meus cotovelos — Se achar que alguma coisa vai sair errada, você foge, entendeu bem?

— Eu entendi, capitão Winchester. — afirmei balançando a cabeça e tentando fazer graça para quebrar o clima tenso.

— Não é brincadeira. — falou com os dentes trincados, então suspirou me puxando com um braço parar me abraçar.

— Você tá muito sentimental para o meu gosto. — comentei retribuindo o gesto e sentindo o cheiro almiscarado combinado com colônia masculina e aromatizante de carro que emanava dele. Dean recostou a cabeça no meu ombro, inspirando por um momento e então soltou uma risada forçada.

— Eu sei, cala a boca. — brincou me soltando e passando os dedos pelo meu cabelo, bagunçando-o na frente.

— Idiota. — revirei os olhos dando um soco em peito, o que o fez recuar um passo.

— Você bate feito uma garotinha de dois anos de idade — debochou o Winchester, passando o braço pelo meu ombro e me virando para o trailer — Vamos lá.

Ouvi o plano ser repetido mais uma vez enquanto os irmãos escondiam o Impala no matagal e voltavam para onde estávamos. Em seguida os quatro entraram no grande veículo alugado e saíram dali. Respirei fundo e me virei, visualizando o caminho que eu tomaria até a fábrica e me pus a caminhar, juntando coragem a cada passo que dava.

Foram cerca de quinze minutos de caminhada silenciosa, apenas eu e meus pensamentos conturbados. Ao mesmo tempo em que eu tinha medo daquilo dar terrivelmente errado, era a minha chance de me provar, inclusive para mim mesma. Eu não era uma garotinha indefesa e não queria ser vista como uma então eu não podia falhar, não me permitiria.

Subi um pequeno barranco de terra e logo pude avistar a fábrica, e alguns metros a frente estava o ritual de invocação que fora preparado por Jimmy no gramado horas atrás. Dirigi-me até a frente do círculo e com determinação acendi o fósforo sob a tigela, vendo-a pegar fogo e a fumaça subir lentamente até não restar mais nada. O vento intenso agitava as copas das árvores e jogava os meus cabelos contra o meu rosto, a ansiedade fazia com que eu mexesse meus dedos uns contra os outros sem parar. Olhei para os lados procurando qualquer sinal de que pudesse ter uma companhia de olhos pretos e quando me voltei para frente, uma garota ruiva apareceu usando um vestido vermelho e uma jaqueta de couro.

Ficamos nos encarando por instantes, ela tinha uma expressão curiosa e observadora, os cílios longos de boneca mal piscavam. Minha pulsação estava acelerada, eu não acreditava que pudesse enganar sequer uma criança de quatro anos, quanto mais uma horda de demônios, mas eu tinha que tentar e pensamentos negativos não estavam ajudando em nada. Puxei o ar calmamente, direcionando toda a minha determinação para ser o mais realista possível.

— Uau, ela é uma gata — comentou a voz de Dean no meu ouvido, através do auricular.

— Qual seu nome? — questionei com a voz firme, um pouco mais grave do que o normal.

— Gathael, responsável pelos cães do inferno, mas pode me chamar de Mandy — respondeu a demônia prontamente e sem mover um músculo — E você é?

— Elisabeth. — falei sentindo meus lábios tremerem levemente e me xinguei mentalmente por isso — Elisabeth Bathory.

— Eu sabia que era você — disse a mesma com um sorriso satisfeito no rosto.

— Tanto faz, não tenho tempo para perder. Chame todos os demônios, nós temos uma guerra para começar — ordenei com impaciência.

— Não preciso, eles já estão a caminho. — gesticulou para o alto sem quebrar o contato visual. Percebi uma grande nuvem negra rodear os limites da cidade, raios fortes e arroxeados faziam estrondos no céu. Dei um passo para trás com receio, mas logo percebi os olhos de Mandy fixos em mim. Eu não podia demonstrar medo perante eles, se não descobririam na hora que eu era uma farsa.

Um a um os demônios começaram a se materializar estrategicamente a minha volta, e quando dei por mim estava cercada por centenas deles. Girei a cabeça lentamente para encará-los, torcendo para que a minha expressão não demonstrasse o quão nervosa eu estava. Foram segundos de silêncio até que o primeiro se pronunciou.

— Você é aquela que deve nos liderar? — questionou um homem negro, de barba cerrada e uniforme do exército. O mesmo se aproximou de mim até que ficou a centímetros do meu rosto, me fitando com seriedade. Um gesto que se mostrava totalmente intimidador.

— Sou aquela que não te dá satisfações, apenas ordens — devolvi em alto e bom tom, deslizando um dedo para empurrá-lo para trás — E sugiro que não chegue tão perto assim de novo, a menos que queira uma passagem só de ida para umas longas férias no inferno.

— Muito bom, Esther. Até eu fiquei com medo — elogiou Sam, a voz chiando, talvez por estar perto demais do microfone.

— Eu não quis soar desrespeitoso, me perdoe — desculpou-se imediatamente, abaixando a cabeça e recuando — Me chamam de John.

— Ele não tem cara de John — murmurou Dean com rispidez.

— Você não tem cara de John — falei friamente, lembrando por um instante que o nome do pai dos rapazes era aquele. Ouvi alguns burburinhos e conforme eu movia meu olhar para procurar a origem do som, eles se calavam instantaneamente — Mais alguém pretende me desafiar aqui ou podemos ir para o que interessa? — questionei olhando ao redor e percebendo cabeças baixas, deixei um sorriso de satisfação escapar por entre meus lábios, eu estava conseguindo convencê-los.

— Leve eles para a fábrica — instruiu Jimmy calmamente através do auricular.

— Ótimo, sigam-me.

— Espera — pronunciou-se outra voz, agora feminina e infantil. Girei o corpo e dei de cara com uma garotinha loira, de aparentes dez anos de idade num vestido de balé cor de rosa — Por que deveríamos confiar em você? — indagou seriamente, então se virou para os demônios — Há menos de dois dias ela era a vadia dos Winchester e agora estamos andando cegamente atrás dela? Acho que merecemos explicações.

— Ponha ela no lugar agora, não deixe que ela coloque os outros contra você! — disse Maison, a voz firme e alta ressoando dentro dos meus tímpanos.

— Você é apenas um demônio raso, não precisa saber de nada. — dei de ombros, apertando os olhos — Apenas obedeça em silêncio.

— Eu não vou a lugar nenhum sem saber se você é confiável, muitos de nós já morreram nos últimos meses e eu não quero entrar para essa lista. — desafiou novamente e logo várias cabeças começaram a concordar com ela.

— O que você quer saber? — questionei, percebendo que se conquistasse a confiança, pelo menos temporariamente, daquela demônia, logo todos me seguiriam. Eu só queria acabar com aquilo o mais rápido possível, mais algumas mentiras e em breve aquela horda de olhos pretos estaria no inferno.

— De tudo.

— Fale o que eles querem ouvir — instruiu Jimmy novamente.

— Eu fui trazida de volta para terminar aquilo que eu comecei, e todos vocês devem saber que isso significa o apocalipse e o início de uma nova era, comandada por demônios. — expliquei gesticulando com as mãos e dando alguns passos para o lado.

— Então você vai realmente tirar nosso pai da jaula? — indagou com um sorriso brilhante, e por um segundo eu pude vislumbrar a euforia presente em todos ali.

— Lúcifer estará com vocês quando menos esperarem — assenti, também forçando um sorriso e então apontei para a fábrica — Podemos conversar num lugar mais particular agora?

— Só mais uma coisinha e então saberemos que você é de plena confiança e está do nosso lado. — começou Mandy, que havia se calado durante todo esse tempo. E logo vi dois demônios abrirem espaço entre os demais arrastando uma mulher pelos ombros. A mesma estava amordaçada com fita adesiva e tinha as mãos presas pelo mesmo material, sua pele tinha vários hematomas e cortes por todo o rosto moreno. Eles a jogaram aos meus pés com violência, enquanto ela se debatia e tentava implorar pela vida com grunhidos desesperados.

— O que isso significa? — questionei a ruiva, puxando o ar para manter a calma.

— A pobre Lois vendeu a alma para salvar o pai de uma doença terminal, e bem, hoje acabaram seus dez anos de prazo para pagar. — esclareceu Mandy com divertimento — Veja isso como um presente, nós sabemos o quanto você gosta de uma morte sangrenta.

— Está me pedindo para matá-la? — perguntei não conseguindo esconder o quão desconcertada eu estava. Percebi um burburinho baixo se formando, mas dessa vez meu olhar não fazia com que o mesmo se calasse.

— Ela vai morrer de qualquer forma — falou gesticulando para o lado, onde três demônios acariciavam algo imaginário na altura do abdômen. Meus ouvidos captaram rosnados baixos e pude julgar que se tratava de cães do inferno.

— Esther, não mate a garota! — exclamou Sam no meu ouvido, o volume do aparelho chiando alto e causando um desconforto visível. Inclinei a cabeça para o lado, contendo a vontade de arrancar aquilo da orelha e jogar longe.

Observei Lois por segundos, os olhos estalados e vermelhos denotavam o desespero da mesma. Eu não sabia o que fazer, jamais poderia prever que uma coisa dessas ocorreria. Por um lado, se eu a matasse e conquistasse a confiança deles, poderia trancá-los no inferno em seguida, assim evitando que mais possíveis vítimas fossem feitas através de pactos, possessões e pura crueldade. Seria sensato salvar uma vida e arriscar milhares?

— Faça — Mandy estendeu a faca para mim e eu movi a mão instintivamente para agarrar o objeto. Meus dedos trêmulos ainda não haviam recebido nenhuma ordem do meu cérebro sobre o que fazer. Curvei-me em direção a mulher que tentava gritar e recuar sem sucesso e apoiei um joelho no chão. Deslizei a ponta da faca pela bochecha da mesma, vendo-a soltar grunhidos cada vez mais altos.

— Não faça isso! — gritavam Sam, Maison e Jimmy no meu ouvido, juntamente com outros sons, eles possivelmente estavam brigando pelo microfone naquele instante. Ouvi um baque e um barulho seco, como se uma cadeira caísse no chão.

— Não faça, Esther! — repetiu Dean, a voz soando mais como um pedido desesperado. Fechei os olhos e soltei um suspiro imperceptível pelos lábios.

— Lois — Passei os dedos pelo cabelo da mulher, puxando-os para trás com delicadeza e então me aproximei do seu ouvido, apertando a faca contra seu peito — Quando eu levantar corra para o mais longe que puder. — e dizendo isso eu segurei suas mãos, passando a lâmina na fita com força e a rompendo por completo.

No instante seguinte eu tirei a bomba de sal e água benta do bolso da jaqueta, arrancando o pino e a jogando pelo gramado, a mesma fez um clique alto antes de soltar uma fumaça esbranquiçada para todos os lados e os demônios começarem a se contorcer como se estivessem queimando e sufocando. Senti meus olhos arderem e então virei as costas, correndo para o mais longe possível dali.

— E agora, gênios?! — gritei apertando a escuta no ouvido com o dedo indicador.

— Você tem que sair daí, o plano já era! Nós vamos te buscar — exclamou a voz de Jimmy e eu logo pude ouvir o motor do trailer ser ligado. Visualizei a estrada que era minha única rota de fuga, mas então uma ideia me surgiu à mente. Eu prometi que não iria falhar.

— Não, eu acho que ainda tem um jeito de fazer isso funcionar. — falei, girando em direção à fábrica.

— Do que você está falando? — questionou Sam.

— Eles estão furiosos, vão me seguir para onde eu for. — expliquei, olhando rapidamente para trás e constatando eu havia aberto uma boa distância deles — Continuem com o plano!

— Esther! Esther! — eles começaram a gritar todos juntos e eu tirei o aparelho do ouvido, jogando no chão. Meus tímpanos machucados pelo som estridente pareciam me agradecer pelo gesto.

Corri em direção à fábrica, tropeçando nos meus pés e passando desastrosamente por cima da cerca enferrujada de arame farpado. Entrei pela porta, sabendo que seria inútil trancá-la contra demônios, além do mais eu precisava que eles entrassem. O local estava completamente abandonado, sujo e cheio de pó, mas por incrível que pareça as luzes ainda funcionavam em meia fase. Direcionei-me rapidamente para a escada com a gravação que Sam havia me dado em mãos, porém fui interceptada no segundo degrau.

— Você sabe que não pode correr nem se esconder de nós, certo? — falou Mandy logo a minha frente, e ao lado dela estavam John e outro demônio com camiseta social vermelha. Recuei alguns passos, eu estava cercada e só tinha um vidro de água benta e um pouco de sal, maldita hora que eu recusei trazer a faca da Ruby. — Agora que Alexis se foi, acho que não tem ninguém aqui para nos punir por quebrar alguns ossos seus, Esther. — debochou a ruiva, pronunciando meu nome com os dentes trincados.

E no mesmo segundo Mandy veio para cima de mim, usando seu poder demoníaco para me prensar contra a parede, então se aproximou apertando meu pescoço com uma mão. Além do peso esmagador sob o meu corpo, ainda sentia minha traqueia ser forçada para dentro, fazendo minha respiração cessar quase completamente e uma pressão forte começar a se formar na minha cabeça.

— Por que um inseto como você seria capaz de nos liderar? — questionou com raiva, deixando os olhos negros. Então observou a fita que eu abanava na mão, conforme me debatia para sair dali e a arrancou de mim, jogando contra a parede com uma força que a fez se espatifar em pedaços.

— Ei, não a mate, nós também queremos brincar com ela. — interveio o outro demônio olhando de soslaio para o companheiro, ambos tinham um sorriso malicioso nos lábios.

— Talvez ela até goste da brincadeira. — sugeriu John, deslizando a mão para o cinto da calça e o abrindo sugestivamente. Senti um rosnado de nojo se formar na minha garganta, incapaz de sair.

— Seus pervertidos. — Mandy revirou os olhos, afrouxando o aperto no meu pescoço e me fazendo cair sentada no chão, mas ainda sem poder me mover. Vi os dois se aproximarem e pararem logo acima de mim.

— Água benta agora! — gritou uma voz na minha mente, me desconcertando. Pisquei várias vezes, pensando ser efeito do desespero. Eu estava presa junto à parede, seria impossível fazer qualquer ação no momento. — Agora! — ordenou de novo, e imediatamente eu mexi meus músculos por impulso e consegui lançar mão do vidro que trazia comigo, jogando na direção deles.

— Você me anulou! — exclamou a demônia atônita, olhando para os companheiros que se retorciam com o líquido que queimava seus rostos — Como você fez isso?

— Eu... — comecei, tentando explicar mais para mim do que para ela. Eu não fazia ideia de como tinha me livrado do poder de Mandy, algo que era praticamente impossível de se fazer, pelo menos para um humano.

— Desgraçada! — rosnou John, a expressão de raiva e os olhos negros. E quando eu percebi que ele deu o primeiro passo na minha direção, eu peguei o primeiro objeto que vi para me defender, era uma espécie de facão enferrujado, usado para cortar folhagens ou cana. Os dois vieram contra mim, um de cada lado, e por mais que eu tivesse alguma noção de luta, estava paralisada no momento.

— Abaixa! — falou a voz na minha cabeça e eu o fiz imediatamente, seguindo todos os seus comandos que foram virar para a esquerda e golpear, levantar, desviar, virar para a direita e golpear. Eu não sabia exatamente o que estava fazendo, apenas estava. E no segundo seguinte os dois jaziam no chão, decapitados. Sangue manchava o objeto cortante em minhas mãos, parte da minha roupa e meu rosto.

Encarei Mandy que me fitava com uma mistura de ódio e descrença, então a garota tornou seus olhos negros e desapareceu da minha frente.

— Atrás de você! — repetiu e eu me virei instintivamente, girando o braço no ar de encontro ao pescoço da ruiva. Seu corpo caiu aos meus pés e sua cabeça quicou no chão e bateu na parede do outro lado do cômodo.

Observei minhas mãos, incrédula, por instantes que mais pareceram dias. De certa forma, era sangue inocente que estava ali. Com um ritual de exorcismo, aqueles demônios deixariam os corpos daquelas pessoas e elas voltariam para suas vidas. De certa forma, eu me sentia tão monstro quanto qualquer outro ali. Mas o fato era que eu apenas havia atrasado aquelas criaturas e elas logo voltariam furiosas.

Larguei o facão e corri em direção à escada, me agarrando nos corrimões empoeirados para me firmar e indo até a sala de segurança. Tirei o vidro de sal de dentro da jaqueta e tracei uma linha fina em frente à entrada trancada. O que estava acontecendo? Eu nunca havia sequer entrado numa briga de escola e agora estava simplesmente decapitando cabeças com maestria por aí?

Olhei para o lado e liguei os monitores de segurança, apertando todos os botões que eu via no painel em frente à mesa, num total de oito televisores que me davam uma visão ampla dentro e fora do prédio. Em nenhum deles havia qualquer movimento ou sinal demoníaco e isso era bom sinal. Eu só precisava esperar que eles chegassem e logo depois os rapazes, Maison e Jimmy para trancar as portas e então realizar o ritual, que por sorte eu havia decorado. Fitei o microfone e tateei os fios, ligando-os nas entradas e procurando os botões do volume quando a voz que eu ouvira minutos antes dentro da minha mente me chamou de novo, mas dessa vez ela vinha de fora.

— Esther. — Girei o corpo imediatamente e deixei meu queixo cair ao ver que não estava mais sozinha ali. Havia um homem recostado na parede com os braços cruzados. O mesmo era loiro e usava roupas casuais, mas o que mais chamava atenção era seu rosto, que tinha marcas de queimadura ao redor dos olhos e da boca.

— Quem é você?! — perguntei com a voz alterada, procurando nos bolsos e pelo cômodo qualquer coisa que pudesse ser útil para me defender, mas meu pequeno estoque de água benta e sal já era.

— Se eu disser que sou o Peter Pan você não vai acreditar, não é? — devolveu com sarcasmo.

— Quem é você?! — repeti olhando de canto para os monitores e percebendo que vários demônios começavam a invadir a fábrica, as luzes piscavam freneticamente e por um segundo eu podia jurar que a sombra daquele homem mostrava um par de chifres e uma cauda com ponta. Recuei rapidamente, batendo as costas no armário atrás de mim.

— Vamos lá, você sabe quem sou eu. — incentivou o mesmo, aproximando-se vagarosamente.

— Não, não pode ser... — falei num fio de voz.

— Eu sou Lúcifer. — disse com calma, gesticulando para o próprio peito. E quando as luzes piscaram de novo, eu vi a sombra de um grande par de asas completamente destruídas.


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Notas finais do capítulo

Tio Lú deu as caras... Oh my God. Agora a coisa ficou séria. Quem aí tá querendo matar o Cass? Eu tá merecendo uns tapas, façam fila -q. E o que foi aquela "hesitação" da Esther na hora de matar ou não matar a Lois? Hmmm...
Próximo em breve, babies! Um beijão! ♥



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