Separate Ways - Requiem escrita por WofWinchester


Capítulo 25
Cacofonia


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem.



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Passamos a noite toda procurando relatos sobre o tal Rake, mas não encontramos nada de novo sobre a criatura. Acho que fiz umas cinco térmicas de café, e perdi a conta de quantos copos tomei para me manter acordada, mas o fato era que eu não aguentaria por muito tempo. Bobby fez algumas ligações e encontrou um livro sobre criaturas que perturbam o sono com um caçador chamado Garth, não era diretamente relacionado ao Rake, mas podia ser útil. Maison se ofereceu para buscar o objeto na cidade vizinha, já que todos nós estávamos um caco para pegar o carro, poderíamos dormir na direção e morrer, Jimmy foi junto com ela, e então eu percebi como esses dois andavam grudados. Talvez eu tivesse uma cunhada anjo-caído e nem tinha percebido ainda. Sentei no sofá e Dean estava terminando mais um copo de café.

— Me diz que tem mais — falou o loiro, se virando para mim com a voz sonolenta.

— Não, essa foi a última térmica — respondi, esfregando os olhos vermelhos e lacrimejantes. O Winchester mais velho deu um grunhido, se jogando para trás.

— Certo, eu vou comprar mais, sem isso estamos ferrados — disse Sam, fechando o notebook e levantando da cadeira, se espreguiçando com um longo bocejo — Acho que caminhar um pouco vai me dar um gás.

— Onde você pretende arranjar café a essa hora? — perguntei olhando de soslaio para o relógio que marcava três e meia da manhã.

— Algum posto 24hrs — o moreno deu de ombros e caminhou em direção a porta vagarosamente, ele também estava bem afetado pelo cansaço.

— E eu vou pegar um livro no porão, cinco minutos. Não durmam, idiotas — falou Bobby indo até a entrada que dava para o mesmo. Dean suspirou e virou para me fitar, colocando a cabeça no recosto do sofá.

— Não me deixe dormir — pediu o loiro.

— Não me deixe dormir, você também — murmurei, lutando para manter os olhos abertos.

Eu provavelmente devo ter dormido, pois acordei com meu pescoço dolorido e um som de respiração descompassada logo a minha frente. Abri as pálpebras e vi um par de órbitas negras me encarando a centímetros do rosto. Com o susto eu gritei e me impulsionei para trás, tentando abrir distância entre eu e a coisa. Dean acordou imediatamente ao meu lado e também acabou gritando, o sofá caiu de costas e eu rolei pelo chão desnorteada. Antes que pudesse pensar em correr, a porta do porão se abriu e Bobby apareceu com um espingarda, desferindo um tiro certeiro na criatura que correu escada acima.

— Eu avisei para não dormirem! — rosnou o velho Singer com uma carranca irritada para mim e o Winchester que estávamos atônitos no chão.

— Quando esse desgraçado morrer eu quero dormir por uma semana. — balbuciou Dean sentado à mesa com o rosto apoiado nas mãos. Já eram seis da tarde e nós estávamos desmaiando por cima dos móveis, sem nenhuma pista e um desejo mórbido de morrer de uma vez para assim poder dormir em paz.

— E eu por um mês. — falei esfregando os olhos e deixando a cabeça deslizar pelos dedos até segurar meu cabelo para trás.

— Sam, como vai essa pesquisa? — insistiu o loiro, pela décima vez em menos de uma hora. Dean normal já era meio insuportável, agora imaginem ele com sono. Bem, todos nós estávamos exaustos e estressados, não o culpo.

Não vai. — respondeu o Winchester caçula com um suspiro cansado, fitando o irmão com uma expressão irritada — Não é como se existisse um manual na internet sobre como matar lendas, Dean.

— Que ótimo. — gesticulou sarcástico.

— Eu não quero ser pessimista e nem assustar, mas faltam poucas horas para a terceira noite e vocês não vão aguentar muito tempo acordados — falou o velho Singer, colocando o diário de John sob o colo. Até eu havia lido aquilo de cabo a rabo e não havia nada ali sobre o Rake, então eu não fazia ideia do que Bobby estava tentando achar.

— É verdade. Depois de algum tempo, o cérebro tende a se desligar por alguns segundos para recuperar energia, e de qualquer forma é o mesmo que dormir. — revelou Sam.

Nerd — dissemos Dean e eu em uníssono.

— Então quem vai ser o primeiro a levantar e fazer as honras? — questionou Bobby, apontando para nós. Pensei por alguns segundos, tentando captar o que ele queria dizer. Provavelmente o sono estava afetando meu raciocínio.

— Faz duas semanas que ele não aparece, porque viria agora? — retrucou o Winchester mais velho com escárnio.

— Por que vocês estão prestes a ser mortos? — o caçador arqueou uma sobrancelha — Vamos lá, vocês nem tentaram. — insistiu, fazendo o loiro suspirar alto e se recostar na cadeira.

— Castiel, se você está me ouvindo, por favor apareça e nos diga como matar a coisa que não me deixa dormir. — falou rapidamente, fechando os olhos e fitando o teto — Cass, por favor. — pediu em meio a um bocejo. Esperamos alguns segundos, e como o esperado, nada do anjo.

— Agora é sua vez — disse Bobby, gesticulando para mim.

— O Dean chamou e ele não veio, quais são as minhas chances? — retruquei jogando as mãos para cima igual uma velha rabugenta.

— Todas. — o caçador rolou os olhos — Você é a protegida dele. — falou brevemente. Fiz uma careta irônica e apoiei os cotovelos na mesa, segurando o queixo com as mãos.

— Castiel, você pode dar uma passada aqui embaixo, por favor? Tem uma criatura chamada Rake e nós não sabemos como matá-la e ao que parece ela vai acabar nos dissecando antes que o Sam descubra alguma coisa. — disse fitando o nada a minha frente — Então, se puder...

— E ele não veio — constatou o Winchester caçula depois de uma pausa, olhando ao redor.

De repente um barulho metálico capturou minha atenção, me virei para a direção dele a tempo de ver uma panela rolando em meio ao chão da cozinha. Encarei os rapazes com dúvida.

— Que diabo foi isso? — indaguei.

— O Rake? — arriscou Bobby.

— E desde quando o Rake mexe com panelas? — questionou o moreno — Acho que foi só o vento.

— Nunca é só o vento — discordou Dean balançando a cabeça. Ele levantou e caminhou cuidadosamente até a porta, com a arma engatilhada ao lado do corpo. Sam e Bobby o acompanharam, cobrindo sua retaguarda enquanto eu esticava o pescoço para tentar ver lá dentro. O loiro deu uma olhada para o irmão e então entrou rapidamente na cozinha, apontando o revólver para os lados e verificando todos os cantos.

— Não tem nada — constatou com a expressão duvidosa. — Vocês viram mesmo aquela panela rolando, não viram? Por que se não eu acho que o sono já está me deixando louco.

— Acho que todos vimos — falei me aproximando e constatando que não havia nada fora do comum no cômodo. A mesa repleta de bugigangas, a pia com algumas louças sujas, as cadeiras puxadas para trás e a janela aberta. Encarei as cortinas esvoaçantes e marchei até lá para fechar os vidros, estava um frio do caramba e alguém ainda me teve a capacidade de abrir isso, vontade de socar.

— Eu tô com tanto sono... — murmurei apoiando as mãos na mesa. Com sono, cansada, estressada, rabugenta, e logo suicida se não pudesse dormir logo.

— Precisamos manter o foco, nós vamos conseguir sair dessa. Ok? — confortou Bobby com a expressão cabisbaixa. Dei um suspiro derrotado e então peguei um copo, enchendo de café fresquinho.

— Quem aí precisa segurar as baterias? — ofereci, gesticulando para o bule.

Assim que tomei alguns goles de café, senti algo estranho, era como se ao invés de me manter acordada a bebida estivesse me deixando com mais sono ainda. Dei alguns passos e senti uma tontura nauseante, me segurei na parede e fitei os Winchester e Bobby que acabavam de entornar seus respectivos copos.

— Gente... Acho que eu não estou bem... — falei grogue, sentindo meu corpo entrar em estado de torpor. O copo que eu segurava caiu no chão, espatifando-se em vários cacos.

— Droga... — começou Sam, colocando a mão na cabeça enquanto cambaleava.

— Fomos dopados! — constatou Dean furioso enquanto começava a se escorar em frente a pia, e Bobby derrubava algumas cadeiras tentando se levantar sem sucesso. Meus joelhos cederam e eu fui de encontro ao piso, sentindo as pontas dos cacos nas minhas mãos. Fechei os olhos e era como se minhas pálpebras estivessem coladas agora, então meu corpo não me respondia mais e logo eu apaguei totalmente.

O primeiro sentido que me veio ao acordar foi o paladar, senti gosto de algodão molhado na minha boca misturado com café amargo. Mexi-me um pouco e ouvi o tilintar dos cacos de vidro embaixo de mim, sentindo alguns cravados nos meus braços e mãos. Droga. Puxei o ar e então apurei minha audição, ouvindo várias respirações ao meu redor, mas uma em particular logo me causou pânico. Abri os olhos, e para o meu horror, eu vi o Rake. Ele estava prostrado ao lado de Dean, com uma garra enorme apontada para o peito do mesmo.

— Não! — dei um pulo, e sem pensar duas vezes, eu me coloquei de joelhos, rastejando rapidamente até a criatura e empurrando-a com uma coragem ainda não explorada, fazendo com que a mesma emitisse um som gutural e estridente.

— O que houv... — começou o loiro, abrindo as pálpebras e logo percebendo o Rake a sua frente — Santa merda!

— Esther! Dean! — murmurou Sam ao lado de Bobby, eles deviam ter acordado com aquele barulho todo. A criatura começou a respirar mais alto, encarando Dean e eu fixamente com os olhos negros.

— Corram! — ordenou o velho Singer jogando uma cadeira em direção ao monstro que emitiu outro som pavoroso. Corremos escada acima rapidamente, entrando no meu quarto e fechando a porta na cara do Rake que se jogava contra ela, fazendo estrondos.

— E agora? — questionou Sam engolindo em seco.

— Não temos arma nenhuma aqui, e mesmo assim acho que elas não funcionam nele! — constatou o velho Singer.

— Ele vai arrombar aquela porta, precisamos sair daqui! — vociferei ao ver as trancas começarem a ceder.

— Castiel, se for para aparecer que seja agora! — exclamou Dean ao mesmo tempo em que a entrada veio abaixo. O bicho nos encarou imóvel, com uma baba escorrendo pelos cantos da boca, ele estava furioso.

— A gente segura ele, corram vocês dois! — ordenou Bobby, nos empurrando para o lado.

— Você enlouqueceu?! — chiou o Winchester mais velho.

— Ele está certo, é vocês que ele quer. — gritou Sam pegando a colcha da minha cama e jogando-a por cima da criatura que começava a se debater — Vão!

Com um grito de raiva, Dean me puxou pelo braço. Descemos as escadas e o loiro logo se lançou para a mesa de Bobby, puxando a bolsa de armas e me estendendo a Browning.

— Encha de tiros. Não adianta, mas atrasa — falou seriamente, engatilhando seu revólver.

— E depois? — questionei, mirando a arma para a escada.

— Ainda estou pensando nisso — ele deu de ombros com o tom apavorado. Ouvi um barulho nos degraus, torcendo para que fossem Bobby e Sam, mas para o meu desgosto era a criatura novamente. Arregalei os olhos ao perceber que havia sangue pingando das suas garras.

— Sam! — gritou Dean apreensivo.

— Bobby! — exclamei com receio do pior. O bicho colocou a mão sob o joelho pronto para correr na nossa direção, então o loiro começou a disparar nele, que dava urros cada vez mais irados. Fiz o mesmo, descarregando a Browning e tentando acertar a cabeça sempre que possível. Seu corpo parecia ser feito de uma pele dura que segurava a maior parte das balas, que faziam uma pequena ferida e logo caíam para o chão.

— Sammy! — chamou novamente — Responde droga!

— Estamos aqui! — respondeu o moreno, vindo até o topo da escada segurando o braço que tinha um corte lateral, Bobby estava logo ao seu lado rasgando um pano para estancar o sangue. Dei um suspiro aliviado ao ver que eles estavam bem, mas a sensação de alívio não durou muito tempo, pois logo percebi que a munição havia acabado. Olhei para Dean que tinha a mesma expressão aflita que eu naquele momento.

— Essa não... — murmurei vendo que Rake se preparava para correr até nós, agora ia ser o contra ataque. Engoli em seco, fitando o loiro, e quando a criatura se moveu nós fomos um para cada lado, nos jogando no chão e fazendo-a dar de encontro a porta da frente. A força do impacto foi tão grande que a entrada foi completamente destruída com o peso do Rake, se aquilo tivesse nos acertado poderíamos ter morrido na hora. O bicho se voltou para Dean novamente, e então tudo aconteceu muito rápido.

Um garota loira apareceu pela porta, enfiando os dedos pelo meu cabelo com força e o puxando de encontro a ela.

— Olá graça de Lúcifer, a mãe está doida para ver você... Desaparecer. — falou com um sorriso sádico.

— Me solta, vadia! — me debati arranhando seu braço e tentando acertar alguns chutes na mesma. De onde havia saído aquela garota?

— Depois de todo esse trabalho para te pegar? — a loira abriu a boca e uma fileira de dentes pontiagudos saíram das suas gengivas, ela era uma vampira. Ótimo! Já não bastasse um bicho horroroso daqueles, agora tinha uma sanguessuga tentando me matar na minha própria casa. — Acho que não. Boa estadia no inferno. — dizendo isso ela puxou uma faca do bolso e a ergueu no ar. Fechei os olhos e senti a ponta metálica perfurar a lateral do meu abdômen, ocasionando uma dor ácida e sufocante. De repente sua expressão se retorceu e a vampira me soltou, cambaleando e caindo no chão em seguida.

Atrás dela estava Jimmy, retirando uma seringa de sangue do pescoço da garota. O nefilim veio na minha direção ao mesmo tempo em que o Rake parou bruscamente em frente a Dean, que protegia o rosto com os braços enquanto Sam e Bobby descarregavam tiros na criatura que não recuava.

Ouvi um farfalhar de asas conhecido e então o Rake pegou fogo, desfazendo-se em cinzas e pedaços de pele seca no chão. Olhei para os lados, e com alívio, encontrei Castiel ao pé da escada, com a mão estendida em direção ao que antes era o monstro. Ele lançou um breve olhar por todos na sala e me encarou inexpressivo, andando na minha direção rapidamente e tocando minha testa com os dedos.

Eu apaguei na hora.

Quando acordei minha cabeça latejava perto das têmporas e meu corpo inteiro doía. Meus olhos estavam pesados, mas eu não me sentia mais cansada, não com sono pelo menos. Encarei o teto por alguns segundos, esperando minha visão se ajustar e fiz menção de me sentar, mas logo parei ao sentir uma dor no lado esquerdo do abdômen. Lembrei da facada daquela vampiranha desgraçada e passei os dedos pelo local dolorido, levantando a blusa e vendo um curativo sob uma ferida com pouca cicatrização. Rolei os olhos pelo cômodo e percebi que Castiel estava de costas para mim, encarando a janela com as mãos nos bolsos do sobretudo.

— Quanto tempo eu dormi? — indaguei com a voz sonolenta.

— Dois dias — respondeu o anjo, dando um pausa em seguida. — Seu poder está avançando e logo eu não serei mais capaz de curar você. — disse solenemente, e aquilo explicava o porque da ferida ainda estar ali. Sacudi a cabeça com um bocejo. Bem, nem tudo são flores, pensei displicente. Eu tinha coisas mais importantes para me importar agora, embora o fato do meu poder estar “avançando” fosse algo preocupante.

— Tinha uma vampira, ela falou algo sobre desaparecer comigo e sobre a “mãe”. — contei confusa, me ajeitando melhor no colchão.

— As criaturas de Eve estão te caçando, pois ela acha que você é uma concorrência. Em breve aqui não será mais seguro, se uma vampira conseguiu entrar e dopar vocês, outros seres também serão. — esclareceu Castiel sem se virar.

— Concorrência para? — questionei com uma careta e então entendi, furiosa comigo mesma pelo fato de não ter desconfiado daquilo. Estava tudo na nossa frente, a janela aberta, lógico, ela havia passado por ali. — Ah, claro... Dominar o mundo. — revirei os olhos com um suspiro e me voltei para ele novamente com uma pergunta implícita — Onde você estava nessas duas semanas?

— Ocupado — respondeu rapidamente.

— Eu rezei para você — devolvi magoada, apontando um dedo na sua direção.

— E eu ouvi. — o anjo deu de ombros, me fazendo comprimir os lábios, um tanto irritada com aquela negligência.

— O que está havendo? — perguntei, me apoiando na beirada da cama para me levantar.

— Não se levante — disparou erguendo uma mão para mim, e por um momento parecia que ele iria caminhar na minha direção, mas logo que fizemos contato visual o anjo parou bruscamente.

— Não me dê ordens — falei rispidamente, me colocando de pé. Castiel deu um suspiro quase imperceptível.

— Você não entende? Quanto menos contato tivermos, melhor. — disse com a voz grave — Será mais fácil no final.

— No grand finale em que você me mata? — debochei, erguendo as mãos para cima e sentindo uma fisgada no abdômen. — Não precisa ser assim.

— Foi escrito assim e assim deve ser. — enfatizou — Não importa qual caminho tomemos, vamos sempre acabar como naquele penhasco — murmurou o anjo, sua voz adquirindo uma trágica nota de mágoa. Sibilei, desviando o olhar e encarando meus pés, e logo um silêncio constrangedor se estabeleceu naquele quarto. Eu sabia que Castiel estava se afastando e quando fosse embora novamente, só Deus sabe quantas semanas iriam se passar até eu conseguir vê-lo de novo, então eu respirei fundo e tirei coragem do além para dizer algo que estava entupido aqui dentro.

— Ei, Cass — sussurrei, dando uma pausa ao perceber que era a primeira vez que eu o chamava assim. Ele também pareceu notar, pois seus olhos se estreitaram com curiosidade — Faz um tempo que eu quero te dizer uma coisa e não sei como começar...

— Do que você está falando? — questionou, me interrompendo.

— Quieto, me deixa falar. — balancei as mãos e suspirei. Nas circunstâncias atuais, eu estava prestes a fazer uma coisa humilhante, mas por algum motivo eu sentia que precisava colocar isso para fora antes que me sufocasse. Encarei fixamente seus olhos azuis, me policiando para não ficar olhando para ele com cara de babaca como a maioria das vezes, e comecei — Eu admito que nós começamos com o pé esquerdo, e no começo de toda essa droga eu mal conseguia olhar na sua cara, porque eu te via como um idiota, mandão, imbecil, certinho, estúpido...

— Na percepção humana, isso é para soar como elogio? — perguntou com uma careta confusa.

— Já chego lá — disparei — O fato é que eu ainda acho tudo isso...

— Certo, não são elogios. — comentou Castiel.

— Para de me interromper, é importante, droga — xinguei e continuei, aquilo não estava saindo como o planejado. Fitei minhas mãos, mexendo os dedos nervosos entre si — Só que com o tempo eu acho que comecei a gostar de você, entende? Desse seu jeito meio estranho e por vezes infantil de ser. Do mesmo modo que eu me afeiçoei aos rapazes, eu me afeiçoei a você também. É claro que a morte do Daniel não é algo que eu possa simplesmente apagar da minha mente, mas eu daria tudo para não ter a lembrança de você nela. Foi uma marca forte, e eu não vou mentir e dizer que eu entendo porque eu não entendo, só que de alguma forma você se tornou tão importante para mim que eu acho que prefiro ignorar aquela cena a maior parte do tempo, embora continue doendo.

— Esther... — ele ergueu a mão na minha direção, mas agora que eu havia começado, eu tinha que terminar.

— Mas eu não posso ignorar isso, entende? — disse alterando a voz e dando alguns passos pelo cômodo — Eu sei o que você está fazendo, está tentando se afastar por causa dessa profecia estúpida, mas eu sinto sua falta, caramba! Você não percebe? Eu... — engoli em seco, trocando rapidamente um palavra que lutava para sair, porém eu não estava preparada para ela. Não ainda, não agora. — gosto tanto de você, droga!

Castiel me encarava profundamente com uma expressão indecifrável no rosto. Ambos continuamos ali, imóveis, e eu me sentia uma completa idiota por abrir meu coração e receber um silêncio constrangedor como resposta. Então, por um momento, eu percebi seu rosto se suavizar e sabia que ele havia entendido o que eu queria dizer, embora eu mesma não entendesse completamente. Num gesto involuntário, eu me aproximei dele e toquei seu rosto com os dedos trêmulos.

— Anjo, eu passo os dias ignorando uma coisa que me machuca muito porque eu não quero te perder. Você não poderia fazer um esforço e ignorar um pouco tudo isso? Só um pouquinho? — pedi num fio de voz, tudo que eu queria agora era abraçá-lo e esquecer do mundo, apenas por um instante. E que sentimento louco era esse? Por que ele, meu Deus? Por que logo ele?

E como em um gráfico de polaridades extremas, o momento oscilou. Castiel apertou os olhos com força, e quando os abriu, sua mandíbula se tensionou quase como se estivesse com raiva. Então ele segurou meu pulso, jogando-o contra mim e eu fui arremessada na parede, batendo as costas contra a mesma.

— Qual é o problema com você?! — vociferei, sentindo a fúria subir e a minha mão coçar para dar uns socos nele. Dei um passo na sua direção e Castiel desapareceu, se materializando a centímetros de mim e colocando o braço contra a minha garganta para me prender a parede novamente com o próprio corpo.

— Nunca mais me toque de novo. Sem gracinhas, desta vez. — advertiu o anjo com a voz baixa e ameaçadora, enquanto colocava a lâmina angelical abaixo do meu queixo. Senti o objeto frio encostar na minha pele, ocasionando um arrepio de medo e o encarei de boca aberta.

— Acho que eu sei qual é o problema aqui... — disse trincando os dentes e me aproximando mais, de modo que ficássemos a menos de cinco centímetros de distância — Você está com medo de acontecer igual no passado, está com medo que acabemos nos apaixonando. Mas adivinha só? Não vai acontecer!

— Nisso você tem razão, não vai acontecer. — concordou, abaixando os braços sem se distanciar. Se querer fosse poder, nesse mesmo segundo esse anjo estúpido estaria voando por essa janela a pontapés, onde eu estava com a cabeça quando resolvi falar tudo aquilo? Ficar sem dormir deve ter enlouquecido as minhas ideias, só pode.

— Ótimo, pode sumir daqui agora! — rosnei, empurrando-o para o lado e passando por ele. Castiel me olhou com uma careta frustrada.

— Você não me dá ordens.

— Então fica aí — disse com um tom de desafio, e tirei a camiseta rapidamente, jogando-a na direção dele.

— O que está fazendo? — perguntou apreensivo enquanto esquivava da peça como quem fugia do Diabo.

— Trocando de roupa — gesticulei sarcástica. Já que eu não poderia forçá-lo a sair do meu quarto por bem, eu iria apelar para o lado “ingênuo” dele.

— Não devia fazer isso! — falou rapidamente e eu pude ver o terror nos seus olhos enquanto tentava focar qualquer ponto distante no cômodo. E aquilo estava muito divertido, eu me sentia vingada pela cena da parede. É anjinho, você tem seus truques, eu tenho os meus.

— Que foi? Se você está incomodado é melhor voar daqui, Cass — devolvi com sarcasmo, começando a retirar a calça. Castiel observou e então desviou os olhos, dando um grunhido derrotado e desaparecendo com um farfalhar de asas.

Encarei o espaço vazio por alguns segundos que pareceram horas, perdendo de repente toda aquela coragem e ironia que eu tinha instantes atrás. Andei para trás até sentir a parede oposta me impedir de recuar mais e deslizei por ela até sentar no chão. Eu me sentia machucada, fisicamente, psicologicamente e emocionalmente. Era como se meu coração estivesse sido espremido aos poucos, e eu não entendia o porquê. Não entendia ou não queria entender? A resposta era tão óbvia, eu tinha medo de saber a razão dessa cacofonia de sentimentos dentro de mim.

Cruzei os braços e fechei os olhos, sentindo algumas lágrimas teimosas começarem a escorrer pelo meu rosto e eu as limpava rapidamente. Eu não me daria ao luxo de chorar, mas ao mesmo tempo eu não sabia o que fazer com toda aquela tristeza que insistia em permanecer ali. Era como se eu estivesse tentando segurar uma represa dentro de mim, mas tinha plena certeza de que não conseguiria por muito tempo mais. E quando tudo viesse abaixo, seria o fim.


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Notas finais do capítulo

Oh meu Deus, Esther... Olha logo por quem você foi se apaixonar, pelo anjo bipolar.
Próximo capítulo de três a cinco dias! ♥



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