Separate Ways - Requiem escrita por WofWinchester


Capítulo 12
O sentimento que queima em silêncio


Notas iniciais do capítulo

Então, neste capítulo vocês vão ter uma noção sobre o misterioso poder da Esther, vão ver uma cena "Esthiel" fofa e algumas palhaçadas no final. Espero que gostem e se divirtam!



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Devo ressaltar que eu nunca corri tanto na minha vida. Meus pés batiam no chão como se quisessem levantar voo, o que não seria uma má ideia se isso me desse mais tempo. Cheguei ao Impala e me joguei no banco do motorista, Sam estava apavorado.
– Que parte de "Tentem não chamar atenção" vocês não entenderam?! - exclamou o garoto estupefato. Arquejei passando as mãos pelos cabelos e notei que o moreno parecia menor, ou mais novo. E Dean agora era uma criança recém nascida, quase prematura. Ele percebeu meu olhar de pânico.
– Sim nós temos pouquíssimo tempo agora.
– Quanto tempo? - perguntou Castiel, apreensivo.
– Pelos meus cálculos menos de meia hora.
– Eu dirijo, você lê! - apontei pro anjo enquanto o Impala cantava pneu e saia em disparada, o som das sirenes estava perto, talvez dobrando a esquina, era ensurdecedor. Virei na primeira rua que vi.
– Sam, onde fica essa escola? - perguntei elevando o tom de voz. Ele se inclinou, apontando pra frente, o morro alto. Ah, que ótimo.
– Agatha Kingstorm, de aparente origem caucasiana, foi encontrada em frente ao orfanato Oriente no dia 27 de Janeiro de 1800. Foi criada no respectivo local, apresentando desde muito nova baixa empatia com os superiores e demais crianças.
– Resume Castiel, eu não quero saber se ela era antissocial! - exclamei, fechando uma curva e fazendo o carro derrapar, nos sacudindo violentamente.
– Talvez se você não dirigisse feito uma psicopata! - devolveu ele imitando meu tom.
– Pelo amor de Deus, briguem depois! - berrou Sam, irritado e desesperado no banco de trás. Com o grito, Dean acabou acordando e começou a chorar. Castiel continuou com a leitura, quase gritando para se tornar audível.
– Aqui tem depoimentos de testemunhas, inclusive algumas freiras. Elas dizem que Agatha não tinha amigos, e era sempre solitária, mas nunca seria capaz de matar a sangue frio. Segundo a freira, Agatha queimou o jardineiro pois ele estava estuprando as garotas do orfanato.
– Eu sabia! - bati as mãos no volante - Aposto que aquele professor também estava, por isso ela o matou!
– Depois disso ela foi condenada a fogueira, e suas últimas... - joguei o Impala contra o lado oposto ao que eu estava, entrando na contramão para pegar a rua que dava direto para o morro. Um carro que vinha no sentido contrário buzinou - Você pode tentar não nos matar, por favor?!
– O que ela disse? - perguntei ignorando-o.
– Suas últimas palavras foram "Isso não acaba aqui".
– Certo, e onde isso é mais do que nós tínhamos? - se meteu Sam.
– Isso confirma o que eu disse. De fato ela matou o jardineiro porque ele estava fazendo algo errado, e todos a condenaram. No fim ela é só uma criança amargurada.
– Ela é uma bruxa, Esther! - exclamou ele, repreensivo.
– Bruxa ou não, ela é uma criança. - ressaltei novamente.
– E o que você pretende?
– Conversar. - admiti. Eles me lançaram um olhar incrédulo.
– Conversar?! - repetiu ele - Você vai chegar lá e dizer "Sinto muito sobre a sua vida, agora queime bruxa! Queime! Suma!" acho que não vai funcionar!
– Você dramatizando faz parecer ridículo - franzi a testa com desgosto, esse era o pior plano do século, mas era a única coisa que eu tinha. Se não pode matar, convença-o a parar. Já ouviram esse ditado? Acho que não, eu inventei agora.

Em alguns minutos eu consegui despistar os carros de polícia, mas garanto que não por muito tempo. O orfanato/escola ficava no morro da cidade, me pergunto o porquê de não terem destruído esse lugar ainda. Era de difícil acesso por causa das ruas estreitas de terra, e perigoso devido aos descampados em volta, sem falar que numa chuva forte podia facilmente acontecer um deslizamento. A cerca de vinte metros haviam alguns poucos barracos que serviam de moradia para as pessoas sem qualquer recurso financeiro. E mais pra frente, dava pra ver a construção de um viaduto ligado ao morro, logo abaixo dele estava a estrada estadual. Desci do Impala, encarando a escola caindo aos pedaços, faixas amarelas isolavam o portão enferrujado. Ouvi a porta bater e logo Castiel estava ao meu lado, percebi que minhas mãos estavam tremendo.
– Você sabe que...
– Não diga que eu não preciso fazer isso. Eu sei que eu não preciso, mas o fato é que eu quero - interrompi, me virando para fitá-lo. O anjo tinha uma expressão preocupada, o queixo contraído e os lábios fazendo uma linha reta.
– Vou estar logo atrás de você - prometeu. Me virei para encarar Sam, mais uma vez, através do vidro do Impala. Ele tinha os olhos destacados pelo brilho das lágrimas. Meu coração se apertou forte, e eu segui em direção a escola, passando por baixo das faixas e abrindo facilmente o portão que não tinha sequer uma corrente. Quem quer que tivesse isolado o lugar, não acreditava seriamente que alguém o tentasse invadir.
Caminhei hesitante sentindo alguns tremores percorrerem meu corpo.
– Castiel, você chegou a ver se tinha algo sobre o exato lugar onde ela foi queimada no registro?
– Eu não preciso, eu posso sentir– murmurou o anjo, apontando com o indicador um galpão alto que tinha atrás da escola. Instintivamente eu coloquei a mão contra o peito, percebendo o amuleto. Eu sabia que deveria estar sentindo coisas também, vendo e talvez até tentando me enfiar dentro da terra por causa de alguma alucinação, mas o objeto estava impedindo que isso acontecesse.
Segui pelo corredor estreito que dava para uma porta de madeira, e logo atrás dela ficava os fundos da escola.
– Espera! - Castiel puxou meu braço enquanto eu colocava a mão na maçaneta. - Tem algo me impedindo de entrar, eu não posso passar dessa entrada! - falou alarmado. Pisquei algumas vezes, entendendo que eu teria de ir sozinha.
– Ok, espere aqui então.
– Não! - ele tentou pegar meu braço novamente, mas eu desviei. O anjo fez menção de caminhar em minha direção, mas algo o impediu, como uma barreira invisível aos olhos humanos.
– Eu preciso entrar.
– Você vai morrer lá - disse num tom amargo, enquanto uma sombra passava por seu rosto. Senti uma pontada de culpa. Se eu quisesse ir e jogar minha vida numa vala lamacenta tentando, era escolha minha, porém era errado fazer isso com ele.
– Nós vamos dar outro jeito - o anjo tentava me convencer, mas eu sabia que não tinha outro jeito, e muito menos tempo pra tentar. Respirei fundo, o ar trancando na garganta por causa de uma crise de choro que eu não queria ter agora. Eu não queria admitir pra mim mesma que acreditava nesse plano tanto quanto eles. Era loucura.
– Temos um impasse aqui. - falei, apontando pra ele, pra mim, e em seguida para a porta - Infelizmente nós estamos ligados por uma fatídica e estranha marca que não compreendemos, e agora eu tenho de fazer uma escolha: Arriscar a vida pra salvar os Winchester, ou arriscar os Winchester pra salvar a minha vida e assim preservar a sua. Eu não posso tomar essa decisão sozinha porque ela não cabe somente a mim. - comprimi os lábios, observando-o. Castiel ficou em silêncio, entendendo a gravidade da situação.
Ficamos nos encarando por segundos que pareceram minutos, horas, ou talvez dezenas de noites escuras. Nuvens carregadas dançavam pelo céu, fazendo suas sombras pairarem por nós, trazendo uma tempestade iminente. Os olhos dele eram como dois faróis acesos, transmitindo algo que eu não conseguia decifrar, mas me fazia sentir pior do que eu já estava.
– Droga, diga alguma coisa! Você é o meu guardião e eu preciso que você me diga o que fazer! - exclamei, porém a minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia. Ele suspirou pesadamente, e então deu um curto sorriso de lado.
– Faça o que fizer, não morra– seu tom soou quase como uma ordem.
– Eu prometo - murmurei, curvando os lábios levemente pra sorrir também. Contei um segundo, para guardar aquele último sorriso na memória, como uma foto, e virei as costas, passando apressada pela porta. Não entendi exatamente por que eu fiz aquilo, mas senti certa umidade nos olhos e esfreguei-os com as mãos rapidamente. Droga, eu nem sabia se eu ia morrer de fato e já estava dando adeus pra vida. Em toda essa confusão eu tinha 1% de chances de permanecer viva e salvar os Winchester, e é exatamente por esse mísero 1% que eu tinha que ser um pouco positiva, vamos lá, Esther. Seja otimista e não morra.

Eu caminhava alternando os passos entre apressados e vagarosos, conforme o meu medo e coragem iam e vinham. Algumas folhas secas e galhos se quebravam abaixo dos meus pés, fazendo estalos nervosos conforme eu me aproximava do galpão. Ele era alto e imponente, o telhado era oval, e a entrada era uma grande porta de metal. Meu coração batia cada vez mais rápido e minha respiração se tornava cada vez mais difícil. Eu não havia pensado muito bem nos detalhes, e só agora eles realmente estavam vindo a tona. Eu chegaria na bruxa e diria o quê? Aliás, eu duvido que ela me ouça. Droga, estou sendo pessimista novamente, e terrivelmente realista.

Cheguei em frente a porta, enchi os pulmões de ar e segurei, encostando os dedos no metal frio e o empurrando. Ela rangeu enquanto se abria vagarosamente.

Foi aí que algo aconteceu. Meu corpo congelou e com um estrondo parecido com o de um trovão, a entrada foi arrancada, voando contra o céu escuro. Uma gargalhada infantil preencheu meus ouvidos, me fazendo estremecer. Tentei me virar, correr, ou pelo menos tremer de medo, mas eu não podia mexer sequer um músculo do pescoço para baixo. Como um rato na ratoeira, me lembrei das palavras que o demônio que capturou Jimmy usou uma vez. Eu realmente tinha esse dom.
– Mandaram uma garota para me matar? Eu devia me sentir ofendida por isso - dramatizou uma garotinha dentro do galpão, sentada em cima de uma caixa de madeira. Os cabelos eram negros e lisos, descendo até o quadril. Ela usava uma espécie de uniforme nos tons de cinza e azul marinho, sua pele era fantasmagoricamente pálida.
– Agatha - murmurei. A bruxa fez uma reverência sarcástica, jogando os cabelos para frente, em seguida sorriu com deboche. Notei que uma espécie de fumaça verde-escura delineava seu corpo delicadamente - Eu não vim matar você - falei rapidamente, as palavras saindo atrapalhadas e trêmulas.
– Implorar para eu retirar o feitiço dos seus amigos? Não deveria perder seu tempo. - ela caminhou em minha direção vagarosamente. - Eles vão morrer, você vai morrer, aquele anjo patético lá fora vai morrer, todos nessa cidade vão morrer! - seus olhos cintilaram de negros para verdes por um momento, o tom de sua voz demonstrava ódio, apenas isso. Agatha aproximou a mão do meu rosto, deslizando os dedos pela minha bochecha.
– Eu conheço a sua história, eu sei o que eles fizeram com você - disse, reunindo o pouco de coragem que me restava. Essa era a hora, eu não podia falhar. Tinha que ser convincente. Ela me encarou com um misto de raiva e curiosidade - Você era diferente, solitária, mas nem por isso era má, pelo contrário, era boa. Você matou aquele homem por que ele estava cometendo atrocidades, por isso te condenaram, eu entendo...
– Cale-se! - gritou a garota ferozmente, o brilho esverdeado ao seu redor aumentou e eu senti uma dor aguda nos ossos. Como se agulhas estivessem sendo enfiadas neles. Comecei a gritar, querendo desesperadamente que ela parasse - Você acha que pode ler um maldito registro, deduzir algumas coisas e vir aqui querer me fazer ter uma crise de consciência? Ou você é incrivelmente burra ou tragicamente ingênua! - ela começou a caminhar de um lado para o outro - Você tem razão, eu era uma garota boa, não sou mais. Quando você conhece a verdadeira maldade humana, podem acontecer duas coisas: Você perde a sua vida ou perde a sua alma. Eu perdi os dois, e a única coisa que eu quero é me vingar dessa cidade maldita!
– Não é verdade! - exclamei entre gritos, fazendo-a se virar para mim novamente, os olhos faiscando - Se fosse por que esperaria tanto tempo? A verdade é que você sempre esteve aqui, Agatha. Escondida entre essas paredes, sofrendo. Você sempre foi sozinha, e de alguma forma as crianças te faziam sentir melhor.
– Cale-se! - gritou a garota, cerrando os punhos.
– Você não é má de verdade, é apenas um sentimento que está preso a você, e de alguma forma ele se tornou intenso quando o professor atacou os alunos. Você quis protegê-los! Essa é a prova mais concreta de que você não é má!
– Eu. Mandei. Calar. A. Boca! - berrou a bruxa, destacando as palavras. A fumaça se tornou densa, quase como uma chama quando se acende. Ela colocou as duas mãos em frente ao corpo e então eu fui jogada do outro lado do galpão, caindo em cima de várias janelas de vidro. Senti os cacos rasgarem e perfurarem minha pele, principalmente na coxa esquerda e abdômen. A dor intensa e ácida me fez gritar, enquanto o sangue manchava minhas roupas, quente. Agatha mexeu os braços novamente, e eu me inclinei para frente, apoiada com o joelho no chão. Uma reverência.
– Você se acha esperta, não é? - provocou ela, enquanto se aproximava novamente, parando a centímetros de mim com um olhar curioso. Coloquei os braços em frente ao corpo, recuperando os movimentos dos mesmos, apenas minhas pernas continuavam imóveis. - Você tem um dom, eu sinto - afirmou, fitando o octeto no meu pescoço.
– Não, por favor - supliquei, prevendo o que ela iria fazer. A bruxa sorriu e então arrancou o pendante, jogando-o longe.

Minha reação foi imediata, comecei a suar e minha visão tremia. Sons de risos distorcidos, vozes, e dor pareciam me cercar. Bloqueei minha mente, tentando fazer um escudo contra as visões, eu precisava me focar no que era real, apenas nisso. Agatha ria freneticamente, se divertindo. Notei que a fumaça que emanava dela tinha o contraste de mais uma cor, na verdade era verde-escuro e branco, só que a cor mais clara estava muito bem camuflada e mais próxima da pele. Notei também que a fumaça verde estava traçando um caminho direto para o meu corpo, ou sendo sugada por ele. Essas percepções não seriam possíveis se eu estivesse com o amuleto, e então eu não poderia entender o que estava começando a fazer sentido agora.
– Você precisa parar - pedi, sentindo meus olhos arderem, minha voz vacilou.
– Parar? Eu só estou começando. Com licença, agora eu tenho pessoas pra matar - disse, se virando em direção a entrada.

Conforme a bruxa se distanciava, raiva e temor cresciam dentro de mim. Eu não posso falhar com eles, eu não posso, eu não me permito. Desejei ter poder suficiente para pará-la, desejei ser forte e corajosa o suficiente para enfrentá-la, desejei ser inteligente o suficiente para pensar num jeito de acabar com tudo isso. Meu corpo continuava imóvel, não importava o quanto eu estivesse tentando me mover, minhas pernas continuavam cravadas no chão como cimento.

No momento de desespero eu notei os cacos de vidro espalhados ao meu redor, e algo me veio a mente.

Sem pensar duas vezes eu peguei um estilhaço e cravei na minha coxa, sentindo a dor aguda mandar impulsos elétricos por todo meu corpo. Ordenei que meus músculos se movesse e eles o fizeram. Cambaleante eu me lancei em direção a Agatha, que se virou para trás incrédula.
– Como você...
Empurrei-a contra o chão, caindo por cima. Aproveitei o momento de distração da garota para fazer aquilo que eu estava destinada a fazer. Controlei a respiração e abaixei todas as barreiras, sentindo a intensidade da fúria e ódio que aquela fumaça verde-escura representava, e agora estava sendo tragada para dentro de mim. Agatha arregalou os olhos, no mesmo instante em que as vozes e sons se tornaram mais intensos e focados.

Tudo aconteceu numa fração de segundos, mas pra mim foram anos que passaram diante dos meus olhos. A dor de ser diferente, ser solitária, ser a estranha, ser A bruxa. O sentimento de estar fazendo justiça e ser punida e apontada por todos. O gosto da tortura, das lágrimas amargas, da água salgada, dos pregos enfiados embaixo das unhas, dos rituais de exorcismo feitos secretamente pela igreja. Se engasgar no próprio choro, o som contido da voz enquanto rezava para um Deus que parecia não ouvir e não se importar. O crepitar do fogo, o cheiro da pele queimando e soltando, as vozes vibrando, a dor alucinante no corpo, o desejo iminente de morte.

E então tudo ficou negro, e o ódio era violento, denso, amargo, terrível. Sempre esteve ali, preso, mas era contido pelo simples som das risadas das crianças. Mas aí o sentimento foi atiçado novamente e voltou forte, esmagador, dolorido, insaciável, perverso.

Eu estava imersa numa bolha de dor totalmente negra e escura, e então eu voltei.

Agatha me encarava com lágrimas nos olhos, eu sabia que ela havia revivido tudo aquilo junto comigo. Meu peito doía como se tivesse sido perfurado e lavado com salmoura, eu não conseguia explicar o vazio que sentia, o buraco que se formou. A fumaça verde-escura havia sumido e agora ao redor da bruxa, resplandecia uma aura esbranquiçada. Meu corpo estava em estado de choque, meus sentidos estavam confusos e alterados. O céu trovejava e o som era ensurdecedor.
– Obrigada - murmurou a garota - Você me salvou... - ela sorriu com ternura.
– Você... - tentei formular as palavras, mas eu não conseguia me ouvir.
– A dor desapareceu - constatou ela, franzindo a testa, perplexa. Em seguida me fitou com tristeza - Você é tragicamente especial, Esther... - disse enquanto desaparecia no ar, me deixando sozinha.
Eu estava sentada sob o chão de terra do lado de fora do galpão, eu sentia ele sob minhas mãos. Minha visão tremia e se alternava entre esse lugar e outro, negro e frio. Cenas continuavam passando por meus olhos, mais detalhadamente. Eu me encolhi, chorando compulsivamente. Eu queria que parasse, essa dor, esse ódio, essa raiva. O céu trovejou novamente e eu gritei, de medo, horror, pavor. Era como estar presa ao seu pior pesadelo e ele se tornava real a cada segundo.

Senti mãos segurarem meus ombros, me inclinando para trás. Reconheci os olhos azuis que se alternavam com olhos negros, coloquei as palmas em frente ao rosto, desesperada.
– Você precisa voltar pra realidade! - dizia a voz de Castiel misturada com a voz do demônio que invadiu a funerária.
– Você está morto! - gritei para o demônio que sorria debochado, enquanto tentava me desvencilhar para longe.
– Esther! - ele me segurou pelos braços, me fazendo olhar diretamente para ele - Olha pra mim, eu sou real. Nós estamos na escola, você conseguiu, você venceu. Agora precisa voltar pra realidade, estou tentando te puxar, mas você está muito longe.
Foquei seu rosto e o céu escuro acima dele, raios acendiam as nuvens cinzentas e carregadas.
– Anjo...? - fitei sua expressão preocupada que ainda se alternava. Ele encostou a testa na minha, segurando meu rosto com as mãos, estavam quentes. Senti pingos de chuva descerem pela minha pele, gelados, ao mesmo tempo em que eu sentia um vento abafado que não deveria existir. Era como estar em dois lugares ao mesmo tempo.
– Sim, sou eu, Castiel. Você precisa se manter consciente. Fique aqui, fique comigo. - murmurou. Olhei no fundo de seus olhos, sentindo meu coração se acalmar. A chuva despencou forte e eu me concentrei nela, enquanto a água molhava minhas roupas e minha pele.

Eu sabia o quê era real, isso era real. Castiel era real.

Como se tivesse apertado o botão de desligar, as imagens pararam, pisquei para afastar as lágrimas, mas outras vinham muito depressa. Abracei o anjo, enterrando a cabeça em seu peito. Eu chorava a minha dor física, a dor que eu presenciei, a que não presenciei e a que eu nunca havia sentido. Apertei os braços ao redor dele, como se fosse amenizar os sentimentos ruins. Percebi quando Castiel apoiou o queixo no meu ombro, afagando meus cabelos suavemente.

De uma estranha forma eu me sentia segura agora, e de algum jeito ele me acalmava, como uma canção de ninar.

– Esther! - minutos haviam se passado quando eu ouvi a voz de Dean ao longe. Passos guinchavam na terra molhada, cada vez mais perto. A chuva forte havia se tornado branda, um chuvisco apenas. Como se despencasse de uma nuvem, eu voltei pra realidade. Me afastei de Castiel ainda de olhos fechados e senti quando ele deslizou a mão pela minha bochecha até a minha testa, onde permaneceu por alguns segundos. O rastro do toque era morno, e então se expandiu desaparecendo com toda a dor que eu sentia, a física pelo menos.
Abri os olhos ao mesmo tempo em que senti uma presença ofegante atrás de mim.
– Vocês estão bem? - perguntou o Winchester mais velho.
– Estamos inteir... - perdi a voz no momento em que me virei. Dean estava completamente nu, apenas com uma manta azul bebê entre as mãos que ele mantinha em frente ao corpo, alguns respingos emolduravam seu corpo e bagunçavam o cabelo loiro. Sam veio correndo esbaforido logo atrás dele.
– Eu avisei pra ele não sair peladão na chuva! - se defendeu o caçula ao ver o meu olhar de pânico. Senti minha cara se transmutar num tomate, então me virei de costas para o pelado e dei de cara com Castiel, lembrando do momento constrangedor que compartilhamos há menos de dois minutos. Não sei o que era pior... Então eu me virei pro mato e olhei pra cima. Só falta sair algum carinha da escola dali agora... Aí eu cavo um buraco e vou pra Nárnia, ninguém me constrangeu por lá.
– Desculpa, Sammy, mas eu estava de fralda - constatou cético - Prefiro andar sem roupas do que parecer "O pequenino" - debochou o loiro. Sons de sirenes ecoaram nos meus ouvidos. - Droga, que bagunça vocês andaram fazendo?
– Certo. Precisamos sair daqui - falou Sam, olhando para os lados.
– Cass, uma ajudinha? - pediu Dean, o anjo caminhou apressado até ele, colocando a mão sob seu ombro e então desapareceram.

Corri rapidamente até o galpão, procurando com os olhos o local exato onde o octeto havia caído. As visões poderiam ter cessado por enquanto, mas com certeza voltariam. Senti um tremor e então uma figurinha fantasmagórica apareceu logo a minha frente, levei a mão a boca na tentativa de conter o grito. Era um garoto, magricela e bochechudo. Ele apontou para o canto esquerdo do galpão, segui seu dedo e vi o objeto reluzindo para mim.
– Obrigado - murmurei um pouco atônita para o fantasma que já não estava mais ali. Coloquei o octeto no pescoço sentindo segurança e um alivio imediato, e fui encontrar Sam do lado de fora, apontei sugestivamente para o peito e ele entendeu o que eu havia ido buscar.

As sirenes estavam mais próximas, há poucos minutos dali. Trilhamos o pequeno caminho em direção ao Impala, mas o moreno segurou meu cotovelo antes de eu escapulir pela porta, me virando para ele.
– Obrigada - disse num fio de voz - Eu não estava pensando direito quando deixei você fazer essa loucura, Esther, me desculpe. Você poderia ter morrido e nós estamos protegendo você, não ao contrário.
– Sam, qual é - revirei os olhos - Eu fiz o que vocês teriam feito por mim.
– Mesmo assim... - ele tentou argumentar, mas eu o interrompi.
– Mesmo assim nada, amigos servem pra isso. Certo? - sorri enfática. O moreno sorriu e então me puxou para um abraço apertado, senti meus ossos estalarem e meus pés levantarem do chão, enquanto meus pulmões se espremiam contra as costelas - Ei, vai com calma grandão.
– Desculpa - ele me soltou - Esqueci que você é pequena. Tipo um filhote de chiuaua– brincou. Abri a boca indignada.
– Chiuaua é...
– O papai chegou! - do outro lado do Impala Dean estava fazendo pose com roupas de cowboy e um chapéu. Castiel revirava os olhos.
– Não acredito nisso... - dissemos eu e Sam em uníssono, enquanto o loiro dava um tapinha na espora da bota, visivelmente feliz.
– Não olhem pra mim - se defendeu o anjo, apontando para o Winchester mais velho - Ele me obrigou.
– Não fui eu que se teleportou pra dentro da cabine da gordinha fogosa - rebateu Dean, e apontou pra si e depois pro anjo com tom de seriedade - Quase fomos estuprados.
– Como é que é? - fiz uma careta, elevando a voz. O Winchester começou a rir, Castiel o fuzilou com o olhar e se voltou pra mim.
– Foi um acidente - explicou. Abanei as mãos em frente ao corpo.
– Tá se explicando pra ela? - perguntou o loiro, com uma expressão confusa.
– É, Cass - se meteu Sam, imitando o tom desconfiado do irmão - Por que tá se explicando pra ela?
– Eu não estou me explicando! - rebateu o anjo.
– Hum, sei...
– Sugiro que deixem a conversinha pra depois rapazes, ao menos que vocês queiram ser presos! - apontei para o final da rua onde os carros de polícia estavam invadindo, ensurdecedores com seus megafones. Nos fitamos alarmados.
– Todo mundo pra dentro do carro! - gritou Dean, e nós obedecemos prontamente.

Ele manobrou o veículo rapidamente ao mesmo tempo em que os policiais davam o alerta para sairmos com as mãos pra cima. O Impala acelerou na terra lamacenta e saiu em disparada, as sirenes vieram logo atrás.
– Tá um cheiro de cachorro molhado dentro desse carro... - comentou torcendo o nariz, enquanto dirigia com dificuldade pela estrada minúscula.
– Alguma ideia de como despistar eles? - perguntei apreensiva enquanto me virava para a janela. O loiro me encarou pelo retrovisor com um sorriso divertido.
– Já jogou GTA San Andreas? - indagou. Franzi a testa e encontrei o olhar de Sam, que de confuso passou pra apavorado, juntamente com o meu quando percebi o que o Winchester queria fazer. O veículo se aproximava a toda velocidade do viaduto.
– O que é GTA? - perguntou Castiel, logo ao meu lado, confuso e preocupado.
– Dean! Não! - exclamou Sam, tarde demais. O irmão mais velho derrapou o veículo fazendo-o se virar de lado e então o jogou contra o viaduto.

O carro caiu no asfalto com as rodas direitas e chacoalhou violentamente até se firmar no chão. Eu bati a cabeça contra o a janela, e levei a mão até o ponto dolorido, onde certamente iria levantar um calo. Sam estava tirando a cara do painel enquanto olhava furioso para o loiro irresponsável que quase nos matou. Castiel foi o único que não chacoalhou feito banana dentro do liquidificador, mas mesmo assim tinha uma expressão apavorada.
– Eu retiro o que eu disse - falou, se virando para mim - Quem dirige feito um psicopata aqui é o Dean! - em seguida se inclinou na direção dele e encostou os dedos em seu rosto.
– Qual é, sai pra lá Cass! Eu hein! - xingou o Winchester. O anjo apertou os olhos.
– Ele regrediu muito, a mentalidade é de uma criança de 12 anos - constatou, comprimindo os lábios.
– E agora? - indaguei no momento em que Sam abriu a boca pra falar alguma coisa.
– Não se preocupem, vai voltar ao normal em uma ou duas horas. - disse e então desapareceu.

Sam e eu nos encaramos enquanto Dean escancarava o volume na música Eye of Tiger que começara a tocar, buzinava e xingava os motoristas que passavam.


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