Katniss:

Eu acordo no meio da noite e vejo que Peeta não está do meu lado. Eu acho que ele não deve ter dormido. Como na última vez.

Eu levanto e dou passos até a cozinha. Ele não está aqui. O telhado. Subo as escadas e consigo ver de longe seu perfil, seus cabelos loiros. E ele enrolado em um cobertor. Está claro, mas o sol ainda não está aparente. São provavelmente seis da manhã.

– Peeta – Eu chamo suavemente e ele vira a cabeça, assustado – Ei... sou eu. Não conseguiu dormir? – Pergunto, me aproximando mais até sentar do lado dele, pegando um pouco da manta pra mim.

– Não. Eu fechava os olhos e me via te perdendo. Resolvi passar as últimas horas da minha vida em paz, escrevendo isso pra você – Ele fala, mostrando um caderno aberto com linhas escritas e um lápis em sua mão direita.

– O que é isso? – Pergunto.

– É pra quando você vencer os jogos. É pra você lembrar de mim.

– Posso ler?

– Não. Já disse. Você vai ler quando você ganhar.

– Mas... e se eu não ganhar?

– Você vai ganhar – Ele fala persistente quase como fosse um fato e não tivesse nenhuma discussão a ser feita. Mas não é verdade. Eu não vou viver á custa da morte dele.

– Posso deitar com você aqui? Juro que não tento ler – Pergunto, vencida.

– Certo. Mas não vale espiar – Ele fala e me beija na testa quando eu deito, com a cabeça em seu colo.

– Certo.

Eu relaxo um pouco e olho para a vista do prédio. O Peeta apoia o caderno em minha cabeça para escrever. Se passam alguns minutos, talvez vários, e consigo ver o sol aparecendo. De repente, sinto uma gota de água cair em meu pescoço. Uma única gota. Não está chovendo. Eu levanto a cabeça e vejo o Peeta observando seu texto, claramente emocionado.

– Eu te amo – É única coisa que ele consegue falar. Ele coloca suas mãos na minha cabeça e gruda nossas testas.

– Eu sei – Digo sorrindo tentando limpar as lágrimas dele – Eu também te amo.

Eu vi seus olhos secarem e ele depositar um beijo calmo em meus lábios – Vou acabar isso rápido. Temos meia hora para descer, tomar café da manhã e ir para as preparações pra arena.

– Ok – Digo me deitando novamente em seu colo e observando a vista. A capital é tão rica e grande. A desigualdade comparada aos distritos é tão grande, que deve ser por isso que eu acho que todos aqui – com algumas exceções – são ignorantes. Eu acho que eles não ligam pro povo nos distritos. Eles só ligam pra si mesmos, as festas, as maquiagens.

Mas por um momento lembro de quando o Peeta anunciou minha gravidez falsa. Eles estavam preocupados. Eles fizeram algo contra a natureza deles e se rebelaram.

Peeta:

Termino o que tenho que escrever rápido. Ela não sabe, mas desde o dia em que o tema dos jogos desse ano foram expostos, eu estive escrevendo pra ela. Sobre tudo. Sobre como eu amo ela, sobre como eu quero que ela seja feliz depois de eu partir. O que era pra ela fazer com as minhas pinturas. Eu até especifiquei algumas outras coisas que Haymitch irá me ajudar.

*

– Katniss, você seriamente deveria considerar comer algo – Insisto, apontando para a mesa de café da manhã. A minha última. Ela assente e come um pão puro com um pouco de leite.

*

Alguém me dá uma injeção – que contém meu localizador – na minha veia do braço. Eu me seguro na minha cadeira. Enquanto espero essa nave nos levar para a área debaixo da arena, tento repensar em tudo o que eu escrevi pra Katniss.

Eu não quero deixa-la. Eu acho que é tarde demais.

Katniss:

– Cinna! – Eu exclamo, realmente feliz em vê-lo.

– Katniss – Ele diz, acariciando amigavelmente meu rosto – Olha, eu andei pesquisando. O tecido da roupa que você está usando agora é o mesmo usado para roupas chiques nos distritos mais frios. Provavelmente estará frio na arena. Muito frio. Por isso a roupa cobre seu corpo inteiro. Tome cuidado em caso de neve, neve queima.

Eu assinto preocupada e agradecida – Eu não sei o que faria sem você, Cinna.

15 segundos

Ele sorri, coloca o meu pino do tordo na minha roupa, e se aproxima da minha orelha.

– A revolução começou – Ele sussurra e eu percebo que ele coloca um bilhete dentro do meu casaco – Lembre quem é o verdadeiro inimigo.

5 segundos

Eu entro na capsula rapidamente, mas ainda em choque com as palavras de Cinna. A revolução começou? Lembre quem o verdadeiro inimigo é? Panem, Snow? O que será que ele deixou no meu bolso?

Eu observo ele acenando pra mim, até que me deparo em um lugar diferente de tudo que eu já vi. Eu estou dentro de uma capsula, em cima de uma pedra, rodeada por uma lagoa, rodeada por pinheiros.

A lagoa interliga as fileiras de pedras, com a cornucópia no meio.

Os outros tributos também estão na mesma posição que eu, só que em lugares diferentes.

O que eu posso caçar aqui? Esquilos? Renas talvez? Não entendo nada sobre frio.

Cadê o Peeta? Eu olho para todas as cápsulas e encontro ele. Ele está longe. Nós combinamos que iríamos arriscar a cornucópia dessa vez. Mas depois correríamos. Afinal, não somos nenhum Cato e Clove apesar de termos ganhado.

10 segundos

Você não pode pirar agora, Katniss. Respira. As palavras de Cinna escoam a minha mente sem parar apesar de eu ter tido todo o esforço do mundo para tira-las.

A revolução começou.

O verdadeiro inimigo.

Lembre-se quem é o verdadeiro inimigo.

5 segundos

Katniss. Concentração.

Faço uma posição de preparação de corrida, para poder sair em direção a cornucópia. Katniss!

3, 2, 1.

– E que a septuagésima quinta edição dos jogos vorazes, comece!

Eu corro. Minha visão fica altamente turva por alguns momentos, mas corro o quanto eu consigo, e de alguma olhada pro lado já posso ver todos se matando. Sangue na água...

Peeta, cadê você?

– Peeta! – Eu grito e chego na cornucópia antes de todos. Pego uma mochila, o único arco e flecha e corro em direção ao reflexo loiro que chama meu nome.