Katniss:

Eu acho que depois de tudo, a Capital me transformou em um monstro. Mas eu realmente não ligo. Com tanto que Prim, Peeta, Gale e minha mãe fiquem bem, mesmo sem mim, eu não ligo de ser um monstro. Por eles, eu faço tudo.

Nós chegamos na metade do percurso e eu olho pra Peeta, esperando a permissão de acender “o fogo”. Ele entende sem eu ter que falar nada, assente com a cabeça positivamente e eu ligo-o.

Mesmo sendo falso, esse fogo te faz sentir com aquela sensação de vento no rosto, de liberdade, de poder. É obviamente o contrário, estamos presos aqui e somos escravos da capital, e isso é só mais um showzinho da capital. Somos um pedaço nos jogos deles, depois de tudo. Eu tento dizer para mim mesma que nada disso é real. Que não existem jogos vorazes, que não existe capital, que não existe distritos. Por um momento funciona, mas logo passa e a realidade volta com todo o vapor.

Eu seguro a mão de Peeta tão forte, que ela provavelmente está branca de falta de circulação. Eu não ligo. Ele certamente também não liga.

Nós chegamos no final, e o Snow começa um discurso ridículo sobre os valores de Panem. Se tem uma coisa que eu não senti falta nesse inferno, seria ele. O Snow.

Princípios da capital, a ideia geral do massacre, solidariedade da capital, os perigos de uma revolução, distrito 13...

Estúpidez, enganação, falsidade, mentiras...

*

Nós estamos subindo o elevador para ir para o nosso apartamento quando ele para e uma mulher do distrito sete entra. A porta do elevador fecha e ela nos encara da cabeça aos pés.

– Vocês estão demais – Ela comenta.

– Obrigada – Respondo.

– Vocês tem sorte, o estilista de vocês é bom – Ela fala retirando os braceletes dela – Eu sou do distrito sete. Madeira, árvores. Eu odeio meu estilista. Queria enfiar meu machado na cara dele – Então, o que você acha? Agora que Panem inteira quer dormir com você?

– Eu não acho que a Panem intei...

– Eu não estava falando com você.

Ela fala e vira de costas pro Peeta.

– Você poderia abrir?

Ela pergunta e ele hesitante abre o zíper envergonhado. E eu provavelmente fico parada lá com cara de paisagem/ciúmes. Eu sou muito boba mesmo...

Ela tira o resto da roupa e fica completamente sem nada, só seu rabo de cavalo e suas roupas na mão.

A porta do elevador se abre e ela pisca para o Haymitch e se vira.

– Obrigada. Vamos repetir isso um dia desses.

– Obrigado você – Haymitch responde.

A porta do elevador se fecha.

– Eu falei que ela era meio louca. Mas eu gosto dela – Haymitch fala com um meio sorriso. Se a Effie estivesse aqui ela estaria matando ele com as próprias mãos de tanto ciúmes.

*

– Amanhã começa o treinamento – Começa Haymitch com um pedaço de peito de frango defumado na boca – E é melhor vocês começarem a pensar em seus aliados. Eu já falei que eles se conhecem entre si, e só vocês são os novatos.

– Sim, é tipo a décima vez que você fala isso – Comento, entediada, também comendo o frango.

– Escutem o que o Haymitch diz. Ele conhece os vencedores. E o mais importante é conhecer os seus inimigos – Effie fala. Eu sei que é a oitava vez que eu falo disso, mas ela ‘descapitalizada’ é incrível.

– Sim, verdade – Peeta concorda, tomando colheradas de sopa.

Nós acabamos de comer e eu e o Peeta nos preparamos pra dormir. Eu estou cansada.

*

Eu deito com a cabeça em seu peito, ouvindo seus batimentos cardíacos. O que sempre me acalma automaticamente.

– Peeta, quando eu morrer na arena, me promete que você vai ser forte e ganhar? – Pergunto esperando com todo meu coração que ele só falasse sim.

Peeta:

– Primeiro que não é quando e sim se você morrer naquela arena. E você não vai morrer naquela arena. Você vai sair viva de lá. Eu sei disso. Você não vai morrer. Eu não vou deixar.

– Por favor, deixe. Eu não suportaria viver se você morresse e fosse parcialmente minha culpa – Ela fala e eu a encaro. Seu olhar está triste, como se ele estivesse me implorando aquilo.

– Não seria sua culpa. Nada aqui é sua culpa. As coisas são assim, mas não é justo se culpar por isso. Eu não vou discutir isso com você novamente. É você que vai sair viva daquela arena. Ponto final.

Eu acho que ela percebeu que seria inútil discutir isso pois eu nunca mudaria de ideia sobre ‘nosso’ plano. Ela sai viva. E é isso. Ela e o bebê. Os dois saem vivos.

Ela chora abraçada comigo, nós dois deitados na cama. Ás vezes nós ficamos assim, só chorando em silêncio juntos. Me destrói ver ela assim mas me destruiria ainda mais ver ela assim mas sem eu estar lá para reconforta-la.

– Eu te amo tanto – Falo quebrando o silêncio triste.

– Eu te amo tanto – Ela repete e eu percebo o quanto a voz dela sai fraca.

– Tenta dormir – Eu sugiro acariciando o cabelo dela.

– Certo – Ela fala bem baixinho e fraco, fechando os olhos.

Eu acho que depois de um tempo ela dorme. Ela fica tão linda dormindo. Quer dizer, ela fica tão linda de qualquer jeito. Ela é tão linda.

Eu fecho os olhos por um tempo, mas abro quando percebo os pesadelos que eu posso ter. Ultimamente eu tenho sonhado com a Katniss morrendo, eu perdendo a memória e não lembrando dela. A capital matando ela na minha frente. O Gale roubando ela de mim.

Tantos jeitos diferentes existentes de completamente acabar com a minha vida, que me matar pareceria fácil demais, simples demais, e até tentador demais.

Certo, eu não vou ficar todo suicida até porque não tem um por quê. Eu vou fazer o possível e o impossível pra ver a Katniss e o nosso filho saindo daquela arena vivos. O possível e o impossível, repito para mim mesmo algumas vezes.

Ela vai sair viva daquela arena. Ela vai.