Identidade Homicida escrita por ninoka


Capítulo 9
Estopim de Insanidade


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal! ヽ(*≧ω≦)ノ
Trago aqui um dos capítulos que, num momento, foi um dos que eu mais gostei de escrever. Neste, decidi mostrar os objetivos de Melody e um pouco sobre sua trajetória psicológica.
Sei que mudei muito sobre ela, mas, por favor, deem jus a palavra "fiction".
Outro detalhe que vale a pena citar, é que Melody expõe seu ponto de vista sobre 'religião'. Um parágrafo pequeno, duas linhas que eu me lembre. Peço que não se sintam mal com isso, e saibam que em momento algum, estou a julgar qualquer crença.
Para encerrar, coloquei um link da música de cena neste símbolo: "►".
Boa leitura! ♥



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[Melody]

Lembro-me perfeitamente do dia em que ingressei à Sweet Amoris. Quando aquele doce rapaz de colete xadrez veio cumprimentar-me.

A forma que ele sorria assemelhava-se a uma criança; uma inocente criança. Fazendo lembrar-me dos tempos de infância que tanto me faziam falta, e nas quais eu sabia que não retornariam.

(...)

Meu pai fugira de casa há alguns anos com uma amante. Minha mãe sentia-se solitária, inútil. Acreditando não ter cumprido corretamente seu dever como esposa. Deixou afogar-se pela depressão.

Meses depois, conheceu um novo companheiro, quem faria de tudo para agradar. Um proprietário de imobiliária de meia-idade, carismático, palhaço e falante, um parceiro na qual minha mãe merecia após sofrer tanto, mesmo sendo seu oposto por completo.

A princípio, eu gostava dele. Entretanto, de tempos em tempos, ao entrar em meu quarto, deparava-me que, misteriosamente, tudo estava revirado; roupas íntimas, recordações, objetos pessoais. Quando aquilo se tornou rotina, me dei conta de que era tudo obra de meu padrasto. Mas eu não queria contar a minha mãe, vendo que ele era seu único motivo de felicidade.

Certo dia, estávamos todos juntos, jantando sobre a mesa retangular da copa. O suíno gordo estava a contar anedotas com empolgação. Eu, particularmente, não via graça nenhuma, mas minha mãe soltava risos alegres. Vê-la feliz era a única coisa boa daquela noite.

Recuperando-se dos risos, ela virou-se para mim e disse com ar preocupado:

— Melody querida, está tudo bem? Mal tocou na carne.

Desviei o olhar:

— Está tudo ótimo... –voltei com um sorriso, tentando não deixá-la inquieta. -... Mamãe.

— E como se sente ao saber que amanhã será seu primeiro dia de aula em uma nova escola?

— Sinto que ficarei com muitas saudades de casa. Ainda mais sabendo que é um colégio interno. –blefei sorrindo. Na verdade, eu sentia um peso a menos. Um colégio interno era tudo o que precisava para não ver mais o rosto daquele descarado.

E no dia seguinte, conheci-o.

— Prazer, chamo-me Nathaniel. -estendeu a mão enquanto sorria.

Arregalei os olhos, o rosto rubro:

— P-prazer, meu nome é Melody.

Cumprimentamos-nos.

Fazia muito tempo na qual eu não tivera sensação tão boa. Sua mão era quente, cheia de ternura. Diferente das mãos ásperas e pegajosas de meu padrasto que, certa vez, ousaram me tocar.

O cumprimento foi rápido, efêmero. Insuficiente para satisfazer minhas necessidades de sentir suas mãos. Larguei-as.

— Vi que você se inscreveu para representante de sala. –comentou.

— S-sim. –respondi com as mãos fechadas sobre o seio.

— Me inscrevi para presidente do grêmio, então, talvez trabalhemos juntos. Boa sorte!

Fiz inscrição naquela bendita votação só porque não sabia em qual clube participar; apenas por brincadeira. Porém, ao saber que Nathaniel também participaria do grêmio, meu coração palpitou. Senti-me forçada a levar aquela eleição a sério.

Mas... Que sentimento era aquele? Nunca fui de socializar com garotos, muito pelo contrário, desde a fuga de meu pai, passei a detestar homens. Nathaniel era diferente; ele me tratava com respeito, sem olhares devassos.

Semanas se passaram, era dia de visita aos pais. Tive de suportar o suíno, sozinha. Sentia repulsa em encontrar-me no mesmo ambiente que ele; tranquei-me em meu quarto.

Sentada na cama, apertei os joelhos fronte os seios e abaixei a cabeça. As gotas das lágrimas deslizavam pela maçã do rosto e adentravam minha boca, produzindo um sabor salgado. Aquela angústia parecia me consumir, corroendo-me por dentro.

Alguém bateu na porta:

— Melody... –sua voz de tom lascivo enregelava meu corpo, fazendo com que sentisse repugnância de mim própria.

— O que é?! –bradei enxugando as lágrimas.

— O televisor não está funcionando, será que pode arrumar a antena para mim?

Por bom senso e dando uso aos valores de bondade que minha mãe me ensinou, fui atendê-lo:

— Sim? –abri a porta.

Paralisei ao notar dois rapazes às suas costas. Todos sorrindo perversamente. Um deles aproximou-se e segurou, firmemente, meu pulso.

— E-ei! –exclamei tentando livrar-me de seu tato pegajoso.

O rapaz agarrou minha outra mão:

— É melhor você não gritar. –sorriu.

Recado inútil, em minha opinião. A única coisa que pensei em fazer foi berrar o mais alto que podia.

— Me solta! Me solta! –debatia-me enquanto este me levantava no colo. Cotovelei seu nariz, o homem começou a gritar, cobrindo o nariz com as mãos.

O padrasto veio em minha direção, soltei um grito agudo e peguei o primeiro objeto de vidro que encontrei pela frente. Acertei-lhe na cabeça. Assim que os garotos se agacharam para socorrer o suíno desacordado, pus-me a correr para a porta dos fundos.

— Ei! –gritou um deles.

Correndo pelo corredor estreito, a porta no final parecia um túnel para um mundo dos sonhos. Revirei a maçaneta. Cheguei à rua, mas e depois? Para aonde iria? Bem, não importava. Ao menos eu estava salva.

No dia seguinte, retornei à escola com as mesmas roupas que dormira pelas ruas, por sorte, eram trajes apropriados. E em meu dormitório do colégio havia roupas no armário.

Os olhos ardiam pelo cansaço e pelas sucessivas vezes que enxugava o choro. Pelo menos, eu só teria de voltar para casa no próximo “dia de visita aos pais”.

“Ao menos uma notícia boa”, era apenas por aquilo que eu implorava incessantemente.

— Você foi convocada pelo grêmio, Melody! –exclamou Kim, sorrindo. Uma dos alunos que cercavam o painel de notícias. Intervi o círculo de pessoas para checar.

Era real. Eu e Nathaniel trabalharíamos lado a lado. Começaríamos naquele mesmo dia, eu mal podia esperar!

De noite, ainda estávamos nós dois, organizando o tumulto de papeladas.

— Estou muito feliz por ter uma ajudante tão eficiente. –ria de costas para mim, enfileirando os papéis milimetricamente.

Sorri brandamente, os olhos fixos ao chão. Eu me tornava tão entretida observando-o, que esqueci as memórias do dia anterior.

Mas de repente, acabei por me lembrar de tudo. Cenas dos momentos de terror retornavam de forma espontânea e repentina. Meu peito amargurou. Apertei o pano da blusa de frente o busto, uma tentativa de tentar suprimir a angústia. Não adiantou. Os olhos começaram a lagrimejar, em seguida, os soluços.

Nathaniel virou-se num susto:

— Melody? Está tudo bem?- inclinou a cabeça levemente. Deixou de lado as pilhas de papel.

— Está tudo ótimo. –forcei um sorriso. As lágrimas não cessavam.

Não demorou muito para que os soluços se tornassem cada vez mais altos. Nathaniel veio acudir-me. Contei tudo a ele, tudo; desde a fuga de meu pai até os olhares obscenos de meu padrasto. Mas ele parecia não saber reagir diante todas as informações.

— Puxa Melody, i-isso é horrível! Devia denunciá-lo, isso é um crime!

— Eu já disse. Não quero que minha mãe volte a ter depressões.

— Besteira. –balançou a cabeça, direita e esquerda. – Vamos, levante-se e vá lá fora beber uma água. –estendeu a mão. Segurei-as sem receio.

No final da noite, Nathaniel contou-me que as vezes era vítima do egocentrismo de seu pai, visto que este último, era um homem que se importa mais com o próprio orgulho do que com os filhos. A mãe era cheia de altivez e proprietária de um gênio pior que o de Ambre. Brigas e desentendimentos familiares eram rotina em sua casa.

Mais semanas se passaram. Era dia de visita novamente.

Enquanto todos os alunos esperavam seus meios de transportes sobre a calçada fronte o colégio, Nathaniel aproximou-se segurando suas malas:

— Faça o que te disse um tempo atrás, nada de guardar mágoas. Você tem uma mãe compreensiva, lembre-se disso.

Um Opel Mokka negro buzinou. Ambre exclamou de longe:

— Nathaniel! Venha logo!

O louro voltou-se para mim. Despedimos-nos.

Minutos depois, um humilde carro estacionou a minha frente. Mamãe dirigia:

— Entre aí, querida! –sorria.

Notei que o suíno não estava no carro, um alívio a mais. Retornei o sorriso.

Chegando a casa, lá estava ele, sentado sobre o sofá. Mamãe deixou a sala com algumas sacolas de compras envoltas o braço.

— Olá, Melody! –o porco sorria.

A técnica a seguir foi aprendida após observar algumas discussões entre Nathaniel e Castiel. É um gesto simples: Levante o dedo médio e abaixe os restantes. Simples.

Segui para meu dormitório.

Sentada na cama, fitei a maleta transparente, cheia de vidrinhos coloridos. Meu coração enchia-se de ansiedade.

— Mal vejo a hora de utilizar estas preciosidades.

Hora do café da tarde. Todos juntos a mesa retangular da copa, passando a imagem de uma família unida. Desta vez, forcei o riso para algumas das anedotas porcas. Uma merda.

Mamãe levantou-se para preparar o café.

— Deixe que eu o faça. – ofereci ajuda. Ela aceitou.

Na cozinha, retirei um dos vidrinhos dentre o bolso da saia.

Cianete. Embora seu gás possua cheiro de amêndoas... –murmurava a mim mesma enquanto despejava o conteúdo do frasco à xícara. –... Se ingerida, ela aglomera e retira as partículas de ferro das células sanguíneas, impedindo o transporte de oxigênio.

Regressei à copa, segurando a bandeja com duas xícaras. Uma para mamãe, outra para o porco. Sentei-me à mesa, tentando conter a ansiedade.

Não demorou muito para o resultado esperado. O padrasto levou as mãos ásperas ao pescoço, parecendo que estava a ser enforcado por um ser invisível. Caiu para trás, junto com a cadeira.

— Querido! –exclamou mamãe, correndo para socorrê-lo.

Tentou aperta-lhe o estômago, pensando ter apenas se engasgado. Visto que o homem ainda se contorcia, disse:

— Pelo amor de Deus, Melody! Tente ajudá-lo! Vou ligar para a ambulância!

Assim que mamãe retirou-se em passos rápidos, levantei-me da cadeira. Lentamente, caminhei até o corpo do suíno, cujo se contorcia. Apreciava sua agonia com viva excitação. Agachei-me em sua direção, sorrindo:

— Mesmo que você sobreviva, não terá santo que não te deixe vegetando em uma cama de hospital. Chamar a polícia para denunciá-lo de abuso? Claro que não. Você só ficaria preso por alguns meses, logo, seria solto e voltaria a atormentar outra família. Prefiro vê-lo assim, deteriorando aos poucos.

Observava-me com os olhos arregalados, parecendo que estes saltariam sobre sua córnea.

— M-Melody... –de sua boca murcha, as palavras saíam de forma embolada. – O que... Você fez?

Mamãe apareceu na porta da copa, o rosto pálido:

— A ambulância não atende! –correu até o velho gordo, agachou-se enquanto chacoalhava-o. –Querido, querido! Responda por favor! Socorro pelo amor de Deus!

O escarcéu, em dentro de minutos, resultou em uma boa quantidade de vizinhos, policiais e bisbilhoteiros de plantão em frente de casa. Uma faixa cercava a calçada. O barulho das sirenes, dos questionamentos sobre o que estava acontecendo, a gritaria, os bombeiros retirando o corpo coberto de dentro da casa, as luzes da ambulância, o choro descontrolado de minha mãe.

— Afastem-se! –bradava um dos policiais para as pessoas que se instalaram na calçada.

Do outro lado da cena, observava os estreitos ombros de minha mãe, trêmulos. Um jovem policial a oferecia suporte psicológico, pedindo para que se acalmasse:

— Vai ficar tudo bem, minha senhora.

“Que lugar é este?” – pensava, observando o caos. – “Onde está o mundo que, na infância, era puro e inocente?”.

Lembrava-me da imagem de meu pai, meu super-herói. Um homem gentil, calmo. Onde ele estava agora? Por que a traição? Ele havia uma casa, uma mulher excelente, uma filha. Será que tudo isso não foi o suficiente? Todas estas questões corroíam, trincando, aos poucos, a imagem que eu tinha de meu pai até então.

O padrasto. Por que aquela ambição em tentar tocar-me? Coitada de mamãe, mal sabia o mostro que armazenava dentro de casa. E agora lá estava ela, sofrendo com a perda de um maníaco.

E aquelas pessoas que se encontravam pela calçada? Não conheciam o falecido, então, o que estavam a fazer por ali? Era óbvio. Gozavam do sofrimento alheio para que se distraíssem de suas vidas deploráveis.

E os valores de bondade e educação que minha mãe ensinara? Eles não existiam, eram apenas meros frutos de sua mente simplória. Ela dizia, sempre com um sorriso: “Se fazermos coisas boas, receberemos em troca.”. Segui seu conselho, mesmo sem pensar na recompensa. Não adiantou.

Religião, Deus, divindades; todos falsos. São apenas crenças, criadas por desocupados e acreditadas por imbecis.

Aquilo não era mais como as discussões antigas de meus pais que, quando menor, eu não entendia o contexto. Agora eu sabia o que estava acontecendo, sinal de que já não era mais criança. A infância se foi, a ingenuidade também. Aquela era a verdadeira faceta do mundo. Cruel, impuro.

Semanas se passaram, meses. Mamãe vegetava sobre a cama de um hospital. Os olhos abertos, sem brilho. A pele pálida. Os cabelos castanhos deslizavam pelo rosto.

Foi uma fase difícil, porém, Nathaniel sempre me ajudava com o que podia, financeiramente ou psicologicamente. Pobre e ingênua criança, mal sabia que minha sanidade fora completamente abalada.

Entre aquele intervalo de meses, confessei meus sentimentos a Nathaniel, entretanto, nossos afetos pelo outro eram completamente diferentes. Mas não importava. Quando temos certa ambição, acabamos por tornarmos-nos mais fortes. Minha ambição? Estar sempre junta a ele.

Dias posteriores, a morte de minha mãe fora apenas mais um acontecimento comum.

— Melody, te admiro muito. –dizia Nathaniel, ao meu lado. Ambos estávamos fronte o esquife de mamãe. Trajávamos roupas negras, apropriadas para a tal festividade. – Passou por todos estes meses sem derramar uma lágrima.

Sorri. Ah, e a vontade de dizer que ele que era o empecilho para qualquer de minhas mágoas...

(...)

Adentrei o escritório de Shermansky. Esta estava de costas para a porta, observando a janela afora.

— Sente-se, Melody.

Ajeitei-me comportadamente sobre um sofá escarlate:

— Por que a senhora me chamou aqui? Fiz algo de errado? –arqueei uma sobrancelha.

—Ora, claro que não. Só preciso retirar uma dúvida.

— Pois então diga.

— Foi você quem matou seu padrasto... Não foi?

Pasmei. Levantei-me do sofá, com rapidez:

— C-como você?!

— Um dos policiais que investigou sua casa trabalha para mim. Ele disse que encontraram resíduos de veneno no café que você serviu naquela tarde.

O que aconteceria comigo? Eu seria presa?

— O que importa? Como podem me acusar assim?! – forcei um sorriso - Além do que, isso já foi há meio ano!

— Acalme-se. Eu sei sobre o que seu padrasto já te fez passar.

—Como? Eu só contei isso para...

—Tenho muitos contatos, sabia? –pelo reflexo do vidro da janela, vi um sorriso em seus lábios. –Primeiro, sente-se. Não acontecerá nada com você.

— Então, - abaixei o tom da voz. - por que me chamou aqui?

— Mentes brilhantes como a sua não devem ser desperdiçadas.

— O que quer dizer com isso?

— Melody, tenho uma proposta a lhe oferecer. – virou-se em minha direção, começando a esclarecer seu projeto.

Um jogo nomeado “Identidade Homicida”. Neste, tínhamos de encontrar os inimigos e ser o único a restar. Parecia formidável, um misto de “esconde-esconde” e “pega-pega”. Oh, doce infância. O objetivo, um tanto sonhador...

Quando nos formássemos, Nathaniel partiria para uma caríssima universidade estrangeira. Entretanto, seus pais têm condições, eu não.

— Então fazemos assim, Melody. –continuou Shermansky. –Se você ganhar, que tal escolher uma bolsa para a tal universidade?

Abri um sorriso alegre, cheio de entusiasmo:

— Eu aceito.














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Notas finais do capítulo

Eaaee! °∀° Obrigada para você que leu até aqui. (ღ˘⌣˘ღ)
Bem, o capítulo foi mais para "esclarecimentos", depois retornará com o "tempo atual" e Kim narrará um pequeno POV.
Espero que tenham gostado. (//∇//) Podem deixar suas opiniões e sugestões nos comentários, e até a próxima! ヽ(゚◇゚ )ノ