Identidade Homicida escrita por ninoka


Capítulo 40
Chocolates :: 13:00


Notas iniciais do capítulo

ESTOU FAZENDO OS CÁLCULOS E ESTOU ESPERANDO QUASE /DOIS/ ANOS PARA POSTAR ESTE CAPÍTULO, POIS É. A hora chegou!!!!!!111

encerra agora o sistema de horas nos capítulos uhuuuul





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[Burniel]

— Me larga! Me solta!

A criaturinha balofa e loura derretia-se em lágrimas incessáveis e soluços altos desesperados. Pressionava a borracha do sapato no chão, puxava o próprio corpo; tudo em uma fracassada tentativa de cessar os passos do homem grande, que lhe prensava os pulsos gordos e o direcionava para um local a qual gostava de chamar de “sala de brincar”.

O homem grande não era só alto -- ele era grande em vários aspectos, com uma imponência que fazia qualquer um se sentir minúsculo. Suas mãos eram peludas, a barba e a sobrancelha grossas; bruto, asqueroso, grande. Um animal.

— Fica quieto, bolonhesa.Vai se cansar. — sua voz soava como um rugido perante o abafo cavernoso do corredor estreito.  

O homem magro vinha logo atrás. Tinha o queixo pontudo, o corpo ossudo — se lhe botassem um manto negro, eu juro, viraria o próprio ceifador:

— Pode espernear o quanto quiser. Ninguém vai se lembrar de você, pirralho.

Acordei em espasmos; o fígado dolorido com o susto, os olhos abertos pro teto escuro do quarto.

— Foi… só um sonho. — gradativamente me confortei com o que era real, num longo suspiro de alívio, passando a mão sobre o peito e apertando o tecido da camiseta.

Olhei pra cama do outro lado do quarto; Nathaniel não estava lá. Foi só catar o keypass no criado-mudo e semicerrar os olhos com a claridade do aparelho que entendi a causa: hora do almoço. Aquilo também significava que tinha perdido aula; coisa que ultimamente não vinha trazendo tanto significado.

De repente, o keypass apitou. Uma mensagem. Era Jade -- “A mesma sala de sempre”, dizia.

Encontrar Jade fez com que eu me mantivesse ali. Pra prosseguir ao seu lado; pra consolar os estragos que lhe causei no passado e acertar as contas. O único encargo da minha existência se tornou isso.

Depois de tortuosos momentos sendo arrastado por ambos homens maus, já lidando com o fato de que era impossível correr, paramos de frente para uma porta muito pouco atraente: dois metros de uma madeira pálida e mal polida, e uma tranca velha. O homem magro meteu uma chave no fecho e estalou a porta para trás, abrindo-a. O ar abafado e rançoso grudou no rosto. O breu sob a entrada sentenciava uma angústia incontrolável.

Tinha medo de escuro; tinha medo de ficar sozinho.

Penteado e mergulhado em colônia, saí pros corredores. Ultrapassei a passarela de vidro, cumprimentei Íris, desci pro segundo andar, mandei um aceno pra outras duas garotas, ajeitei a franja, tossi asmático.

Enfim de frente a sala 78; bem como vinha sendo. Chequei os arredores -- pouca movimentação -- e adentrei o cômodo.

Fui arremessado pro breu. Caí de bruços, a boca rasgou no chão.
Perdido, humilhado, faminto, sozinho e em pratos.

Não tão sozinho; aparentemente o choro despertou uma manada de pseudo-zumbis anões, escorados em melancolia sobre as paredes da prisão. Todos desgrudaram a pele espessa das pálpebras para apreciarem o novato do recinto -- eu. Pareciam, porém, não terem forças o suficiente nem para saírem de suas posições.

Um quadrado de luz se fez sobre minha cabeça -- lá no topo da porta, há alguns centímetros, uma faca arrastou pedaços gordos de uma carne estranha para fora dum prato, que caiu para dentro do cômodo, espatifando no chão com um barulho gosmento.

— Eca. — retorci o rosto pro “alimento”.

Os pseudo-zumbis anões não perderam tempo: Como se seus corpos pálidos tivessem sido energizados numa sobrecarga, correram em minha direção, me empurraram pra longe e cataram o resto de banha pelo chão. Atolavam os dedos miúdos no bolo de entranhas, rasgavam, engoliam. Hábeis mandíbulas; pareciam trituradoras.

— Quer um pouco? — uma vozinha melíflua murmurou rente meu ouvido.

Assustado, de súbito fitei o proprietário da voz: Um rapazinho pálido, carregando um doce sorriso e pedaços de vísceras estendidos nas mãos. Uma criança assim como eu. Todos ali eram crianças; apenas crianças.

— N-não. — evitei contato visual com aquela aberração incomestível.

— Guarda no bolso. Vai sentir fome daqui uma semana. — insistiu.  

Aqueles olhos cor de jade me entreteram com tanta facilidade. Quem quer que fosse aquele rapazinho, seu olhar parecia carregar uma bondade própria e uma intuição avassaladora.    

Aquele brilho certamente descartaria meu medo de escuro -- e eu nunca mais me sentiria sozinho.

— Como se sente? — Jade costumava perguntar aquilo sempre que nos encontrávamos naquela salinha, sentado sobre a mesa de tutores.

— Melhor. — aproximei-me, sentei ao seu lado; os pés flutuando sobre o assoalho.

Uma olheira ali, outra acolá; embora um pouco desbotado, ainda conseguia ver um pouco de serenidade, lá no fundo, bem no fundo de seus olhos. E mesmo que fosse pouco - quase extinto -, aquele resquício me trazia uma paz verdadeira, somente porque, então, eu sabia que aquela pessoa era quem tanto procurei.

Jade retirou algo do bolso da jaqueta.

— Toma. — e estendeu um maravilhoso tablete Valrhona de duas polegadas. Cacete! — Você costumava dizer que adorava doces. — abriu um sorriso tão açucarado quanto.  

Não pude deixar de exibir todos os dentes da boca, numa abertura larga.

Criado a partir da amêndoa obsequiosamente triturada do cacau, aquecido à brasa, remexido dentre sacarose e outras especiarias - chocolate! O melhor antidepressivo não comprovado.

— Pois saiba que não mudei nada! — saquei o doce, descasquei a embalagem, arranquei um pedaço com vontade.

Independente do quão rasa parecia a luz de seus olhos, seu coração ainda era o mesmo: altruísta e sensível. Eu sentia. Essa luz; eu sempre quis. Tanto.    

— Já estou com tudo preparado. — ele disse. — Logo, logo botaremos o primeiro passo em prática.

Naquele momento eu ainda não conseguia entender muito bem o porquê que Jade já não tinha tomado alguma providência óbvia e telefonado pra polícia. Quer dizer, se envolver com aquela gente não era bem pior? O nosso nível não ia estacionar ao mesmo que o deles? Pensei em tudo isso. Mas acho que questionar os métodos não estava sob meus direitos.

— Como vai ser? — a barrinha de Valrhona deu suas últimas palavras e foi brutalmente aspirada para dentro de um buraco sem fim chamado minha boca. Lambi as pontas dos dedos.

— Na hora você vai saber, direitinho.

Continuei lambiscando os dedos e fitando Jade. Talvez eu devesse me sentir… empolgado?


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Notas finais do capítulo

♥ ♥ FANART DA BIG FAN E BETA REDHEAD(ela fez isso há séculos coitada dsclp) ♥ ♥ https://pre00.deviantart.net/e1cb/th/pre/i/2016/307/4/5/ninho_by_fujoshi_pervertida-dan8935.png