Identidade Homicida escrita por ninoka


Capítulo 35
Memórias? :: 09:07


Notas iniciais do capítulo

Eu queria muito postar no aniversário de 2 anos de fic, lá em junho/julho, mas não deu :((((
Eu juro que cheguei a pensar em desistir. Mas parei pra pensar no quanto essa Fanfic me ajudou. Muitos personagens foram criados nas minhas piores épocas e.. acho que cada um deles me ajudou a compreender um pouquinho de mim. O feedback de vocês sempre foi muito importante também; sempre tive medo de encarar críticas e por isso nunca postei nada aqui antes, mas vocês foram sempre muito bondosos comigo e isso me ajudou bastante ao longo do tempo pra melhorar minha auto-confiança.
Enfim, agradeço vocês que ainda estão por aqui, vocês que me ajudaram, a cada personagem dessa historinha, e ao meu meninão que me ajuda com os bloqueios e tudo mais.

Me perdoem o textão!!! ;c
Agora, sem mais embolação, prossigamos com o capítulo,que, aliás, serviu como uma espécie de desabafo.



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Levei os lábios franzidos num beicinho rente à borda da colher. Ar inspirado pelas narinas e expelido pela boca, ejetando uma corrente de ar frio sobre o caldo quente do talher. Com a mão delicadamente segurando à ponta de prata do utensílio, carreguei-o junto ao seu conteúdo até a boca aberta de Armin - inserindo a concha ao centro do seu aglomerado de dentes polidos.

— Quente! - assentado sobre a cama, Armin abruptamente remexera-se; o líquido debaixo da língua. O movimento acidental fê-lo esbulhar os olhos com a dor dos membros engessados.

— Não faz todo esse escândalo! - censurei-o, recuando a colher para o prato de sopa.

Armin torceu os lábios, desviou o olhar feito uma criança birrenta. Dei um suspiro prolongado. Com toda a confusão do evento, a empolgação e os ânimos estavam escassos.

Pra ajudar, os detalhes da noite anterior pareciam ter se extinguido da minha memória. E, de alguma forma, isso não é um fato para se comemorar. Lembranças fragmentadas entalam uma aflição difícil de descrever. Dão uma sensação de impotência, falta de autocontrole.

Estávamos na terceira fileira de espectadores: Armin, Kentin, e eu - disso eu lembro. Todo o ginásio estava em breu. Lysandre, sobre o palco, sob um holofote alvo, era a única fração de luz no ambiente - e embora que a momento não desconfiasse, mesmo todo aquele fulgor conseguia manter ambições tão maliciosas dentro de si.

Lá de cima, Lysandre me mirou com um sorriso. “Eu?”, questionei mudamente, exercendo apenas o gesto com os lábios e com o indicador apontado na própria face. O albino elevou seus braços em minha direção, afastei duas raparigas à minha frente e toquei-o. E então, suas mãos consideravelmente maiores me fisgaram com facilidade para o seu lado.

Estava um pouco sem graça com tudo aquilo. Dezenas de pessoas na plateia depositando a atenção em você - parecia sufocante. Forcei o sorriso, tentando, lá embaixo, encontrar alguma paz no olhar de Armin - quem parecia atordoado.

Não tive tempo para atentar os ouvidos à música. A iluminação do palco oscilou, esvaiu-se; um tato gélido tapou-me os respiros da boca. Um forte cheiro rigidamente impregnou-se nariz à dentro.

Minha mente clamou por resistência, mas o corpo cedeu à química.

Tudo se desfez num breve suspiro.

Desde antes do espetáculo, sentia que algo ruim estava para acontecer. Eliminei meus cartões de homicídio e relembrei Armin de que não deveríamos mais nos arriscar. Mas.. mesmo assim tudo isso está acontecendo. E nem é como se aquele mau presságio tivesse passado.  

A última visão da noite foi o teto do quarto dos rapazes, a qual Kentin, na tentativa de evitar transtornos no corredor feminino, transportou-me e esclareceu boa parte do que se sucedeu. Porém, ao mencionar o estranho fato de que me ouviu desacordar Castiel num golpe, tudo me pareceu ainda mais confuso. Não fazia sentido. Eu.. me lembraria caso tivesse acontecido, não?  

Uma hora eu havia desmaiado nos braços de Lysandre, outra hora, supostamente, tinha força suficiente pra fechar a mão na cara daquele delinquente do Castiel.

Havia uma grave falha ao tentar estabelecer um vínculo entre aquelas memórias.  

As perguntas sobressaíam as respostas, multiplicando-se uma sobre as outras. Aquele mal-estar me drenava ao poucos. O coração ansioso, apertado no peito, sufocando... tão... apertado...

— Elsie?

A  voz de Armin se ondulou no ar, feito uma melodia doce e vibrante a qual não ouvia há muito tempo. Os acordes se infiltraram pelos ouvidos; estremeceram os tímpanos e o seio.

— Você... - suas pálpebras, ligeiramente abertas, demonstravam apreensão. - você tá bem...?

Encarei as íris claras por alguns instantes, em hipnose, demorando na resposta:

— Hm… É só que... todas essas coisas. Não importa o quanto eu me esforce, - fitei a travessa de sopa sobre a coxa. - não consigo me lembrar de nada. Não entendo, eu mal teria força suficiente pra conseguir derrubar o Castiel, quanto mais desacordá-lo num soco. Nada disso faz sentido.

Armin mirou para o teto, pensativo:

— Mm… Talvez você só tenha sofrido de um ataque de adrenalina.

— “Ataque de adrenalina”? - confirmei, corrugando a testa.

— Sim, sim. - mantinha os olhos fixos ao ventilador da enfermaria. - Quando a gente se sente ameaçado, parece que o nosso cérebro insiste em nos dizer que somos mais do que isso. E ele acaba te controlando, fazendo você perder a cabeça; perder o controle dela. E então é óbvio que não vamos nos lembrar de uma coisa que não cogitamos.

Suas palavras soavam tão consistentes, que Armin parecia se utilizar de si próprio para relatar seus argumentos.   

— Mas... olha pro seu braço agora. Nós tivemos tanto cuidado pra não nos metermos mais em perigo desde Jane e Tillie. Tanto pela nossa segurança, tanto pela nossa sanidade, Armin.

O rapaz assumiu-se sério, torcendo as sobrancelhas:

— Você devia pegar um pouco mais leve com você mesma. Falando sobre sanidade, não é saudável se culpar incessantemente por alguma coisa.  

— Olha quem fala... - dei um sorriso sarcástico, retomando algumas lembranças.

— Eu tenho meus motivos-

— Eu não acho que seu irmão ficaria contente caso soubesse dessa sua auto depreciação constante. - prontamente rebati.

Armin refletiu por algum momento. Parecia ter algo em mente - algo a qual preferiu engolir, guardar em segredo.

[Jennifer]  

— Ahhh, que preguiça...! - bocejei, alongando os braços para o alto, espreguiçando.

— Ainda temos bastante trabalho pela frente, Jay. – Nathaniel relembrou, arrastando a pestana da vassoura pelo piso do ginásio. - Tenha um pouco mais de paciência.

A comemoração foi longa. Não enfrentamos muitos problemas em relação aos visitantes de fora; isto é, se eliminarmos uma importuna panelinha de indies que burlou a segurança, trazendo um estúpido botijão de vinho. Óbvio que quando Jackelino soube, botou todos pra correr.  

— Nem uma pausa pro almoço? - franzi um bico, encaixando as cadeiras de plástico uma sobre a outra.  

— O almoço é daqui a três horas. - suspirou ele, provavelmente já exausto também.

Exausto…?

Não. Aquilo não era exaustão.

Nathaniel nunca permitiria se mostrar exausto para com suas próprias responsabilidades - seu ego como representante do grêmio era muito mais denso que isso.

A causa daquilo, muito provavelmente, devia-se ao fato do paradeiro recente de Amber, sua gêmea caçula. O moleque e a lourinha nunca apresentaram uma fraternidade muito pacífica, mas era evidente o vazio que aquela guria deixava nele.

O paradeiro da irmã e o dever que o obrigou a mirar uma pistola no estômago duma companheira - nada me impressiona em suas crises recentes de paranoia. Jack repensou em afastá-lo do caso.

Nathaniel pôde até ter sido reconhecido pelas estatísticas, porém, introduzi-lo num primeiro caso sem preparo, e ainda mais quando há conhecidos no meio... Tsc, começo a repensar acerca do discernimento da Central.

Eu gostaria de poder ajudá-lo. Como as pessoas fariam isso? Elas... lhe comprariam um presente? Um doce?

Talvez eu devesse me pôr no lugar dele.

Mas, isso nunca aconteceria. Eu nunca entenderia completamente o que Nathaniel sente.

A dor de perder alguém próximo? Não imagino. Afinal, que laços uma pessoa criada numa central de detetives poderia adquirir?

Os olhos inchados de choro se mantinham por detrás dum amontoado de nós do cabelo, fixos e admirados com o homem com pinta de general à sua frente.

— A partir de hoje, você se chamará Jennifer, pequena. – seu rosto ranzinza e enrugado se converteu para um sorriso amigável.

O homem parecia ter entrado para a casa dos trinta recentemente. O cabelo castanho ralo, a voz grave, braços recobertos de pelo. E os músculos de um fisiculturista, que não substituíam a boa e velha massa cinzenta do cérebro, a qual era tão bem trabalhada pelo homem de vocabulário abençoado.

— Significa “calma”, “clara”. – complementou.

A pequenina continuou a encarar seu salvador. Para uma pessoa que as memórias fazem falta, basta-lhe um nome. Um nome traz identidade.

— Eu sou o Jackelino. Ou Jack só. – o sorriso simples ainda intacto. – Você ficará aqui, conosco, na Central. E terá seu próprio quarto. Não costumo me alojar por muito tempo aqui; há sempre algo para resolver lá fora. Mas não se preocupe, logo estará pronta para trabalhar comigo...

E a garota lá permaneceu. Estudou e foi estudada – suas habilidades mentais eram impressionantes. Com tão pouca idade divertia-se de damas e xadrez. Jack lhe visitava de vez em outra, arrancando-lhe seus únicos sorrisos. Equações, dominós, Sudoku. Jack era como um pai. Exames frustravam a criança. Estresse...

Suspirei também - mentalmente esgotada -, encaixando a última cadeira branca no topo do conjunto.

— Jennifer..

Abruptamente ergui o rosto em direção ao representante. O loirinho me encarava com o olhar úmido, segurando o cabo estático do utensílio com ambas as mãos:

— Eu repensei durante esses dias. Eu.. sei que Jack pensa que não tenho mais condições de atuar com vocês. Ele viu a confusão que causei na sala do grêmio assim que me dei conta do rapto de Amber. - suas garras espremeram a madeira, os olhos se distanciavam. - Talvez isso soe um pouco louco, mas.. Eu sinto que preciso continuar aqui.

Nathaniel ergueu o rosto, determinadoramente:

— Essa é a primeira vez em anos que sigo algo que não se adéqua aos meus pais, mas sim, a algo que eu quero. Sempre que penso no meu cargo, me vem uma necessidade imensa de dar um jeito em toda essa confusão. Eu preciso ajudá-los, mesmo que isso me destrua! Não quero que ninguém mais se vá, Jay. Então eu te peço.. - abriu um sorriso. - Não deixe que Jack me afaste de tudo isso…

Quando a ficha caiu, lá estava eu, olhando fixamente pra ele, tentando digerir todo aquele desabafo. Dava dó.  

Senti um sorriso traquinas coçar nos lábios, me aproximei:

— Se você acha que vai se livrar tão cedo da gente, pode esquecendo! - dei um peteleco de leve por trás da orelha do rapaz.

— E-ei! -  se assustou com o ato, instintivamente pressionando o ponto com a palma da mão.  

Um risinho deliciado me saiu, e então, feito uma criança, apertei o passo em pequenos saltinhos até alguns metros antes do palco ainda montado. Dei um impulso para ar, - os pés se desprenderam do chão, levitaram - e rapidamente pude sentir a sola do mocassim sobre a superfície do palanque. Planei feito bailarina! O corpo retorceu para a frente novamente; estendi o braço, mirando a cara do louro com a ponta do dedo indicador:

— Você está proibido de morrer antes de desvendarmos toda essa maluquice, Sherlock.

O rapaz me encarou por um momento. Tímido, finalmente riu:

— Eu espero que não demore tanto tempo assim.  

— Falta pouco. - sorri. - Quando Peggy reaparecer, vamos progredir bastante. Pode ter certeza!

Aah, sim. Vale mencionar...

Desde o Natal, fomos informados que um hospital do município vizinho havia liberado Jade Klippel de seu leito, acompanhado de Peggy Tetzner, que havia retirado uma licença médica fazia semanas e estava prestes a retornar. Envolvida com um suspeito, Peggy se torna uma também. No entanto, já estamos no meio do ano e sequer um sinal de ambos. É provável que Jade nunca retorne, e Peggy... parece que ela tem enviado atestados em cima de atestados.

Como se já não bastasse, a dupla de investigadores designada a encontrá-los vaporizou do mapa. Na pior das teorias, suponho que tenham sido pegos e mortos.  

— Talvez… - o louro deixou a cabeça cair para o lado, pensativo. - Hm.. Mas e Kim, como ela vai?

— A rapariga que você e Jack levaram pra Central? Tá bem. Estão tentando recuperar as memórias dela. Mas até que ela tem mostrado resultados bem significativos, pra alguém que não se lembrava do próprio nome.  

— Me pergunto o que ela fazia ali... - fitou o assoalho da quadra, entorpecido de memórias.

Aaaah, droga, ele estava começando a fazer aquela cara de novo! Detesto essa atmosfera baixa. Precisava fazer isso parar.

— Me dê essa vassoura aqui que esse palco não vai se limpar sozinho! - exclamei de súbito, estendendo o braço para baixo em sua direção.

Nathaniel ficou estático, me entreolhando com as sobrancelhas torcidas num tremendo impasse, provavelmente repensando se deveria levar meu surto a sério.   

— Okay...…?  - ele sutilmente ergueu o objeto para cima, ainda com imprecisão.  

Prontamente agarrei a madeira, puxando-a; afundei as cerdas no assoalho do palco, e comecei a me movimentar freneticamente. O representante cruzou os braços para observar o trabalho.

Não demorou muito pra que minha coluna necessitasse de uma pausa - pessoas altas sofrem, creia! Dobrei as costas e o pescoço para trás. Nathaniel observava com curiosidade. Larguei a vassoura - que se estatelou no chão -, inspirei fundo, afastei as pernas e desci o tronco. As pontas dos dedos da mão, junto as dos pés.

— Um, dois, três…!

Mirei a superfície sob os sapatos, arregalando os olhos e cessando a contagem:

— Ai, meu Deus! - anunciei, retirando um “bendito” debaixo das solas.

— Se machucou?! - Nathaniel alarmou-se.

Aquilo… era mais um daqueles! Só podia ser! Um cartão vermelho, do mesmo tom avinhado de sempre. Mesma textura e tamanho.

— Minha memória não falha! - ergui o corpo, exibindo a carta na mão; um sorriso energético me tomou.

Nathaniel apertou os olhos para afiar a visão; e quando enfim identificou a peça, bastou apenas uma troca de olhares para que o rapaz entendesse até onde minhas conclusões iam:

— Você acha que alguém deixou cair durante a apresentação?

— É óbvio, não? De que outra forma isso viria parar quase no fundo do palco?

Oscilei entre a frente e o verso do papel, analisando-o; até fitar uma pequena anotação sobre uma das pontas. Li com os olhos - era um poema.

— O que foi? - perguntou Nathaniel, alternando a visão entre a pista e minha expressão.

— Aqui. - entreguei o cartão.

O rapazote rapidamente leu em silêncio, tomando suas deduções:

— Você acha que isso pertence ao…?  

A caligrafia, o tema mortífero e sedutor…E, para aperfeiçoar ainda mais a base de todas aquelas especulações, o suspeito fora a pessoa de maior presença no palco.

Me virei para Nathaniel, dando resposta ao raciocínio:   

— Ainda tem dúvidas?

 


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