No interior do veículo de excursão, o falatório dos estudantes era abafado pelos sons dos estalos fortes de chuva e o rugido das trovoadas. Todos se distraíam da forma que podiam; lendo, fartando-se com guloseimas, jogando portáteis, papeando, dormindo, ou, simplesmente, admirando pela janela condensada os rastros intermináveis do dilúvio sobre o vidro.

Após torturantes vinte e cinco minutos de viagem, Nathaniel suspirou, fazendo questão de finalmente fechar seu livro e puxar algum assunto:

— E... Como vão as atividades com o Clube?

Entediada em só observar alunos, sorri:

— Hm... Mexer com terra é divertido. Saber o nome de cada planta é... como aprender um novo vocabulário e viver num outro mundo!

Nathaniel soltou um riso, fazendo com que eu notasse a empolgação que havia me tomado há pouco e enrubescesse feito uma garotinha.

— Você... – ele prosseguiu sorridente, fitando-me com um olhar estranhamente enigmático. -... Lembra-me o antigo líder do clube, Jade, seu antecessor. Ele havia uma paixão inconfundível pelo o que fazia.

— Não... cheguei a conversar com ele.– blefei.

— Sim, ele foi transferido na semana em que você ingressou. Mas é uma pena, ele é uma das poucas pessoas do bem que encontraria nessa vida.

O sorriso lateral e as íris claras do rapaz pareciam confiantes de algo. Seria o representante, outro de nós? Esta dúvida me fez pensativa e perturbada durante o resto do trajeto.

***

Devido a forte chuva, o ônibus derrapou no asfalto, colidindo contra uma árvore colossal. O impacto foi só na dianteira, não acertou o motorista antipático, acordou os dorminhocos e assustou todo mundo - só deu prejuízo.

Fomos obrigados a sacar nossos pertences e seguir Jack até uma pensão localizada a alguns minutos de caminhada. O aguaceiro tornava a situação mais desconfortável. E para piorar, tínhamos de seguir por uma trilha de terra extremamente lamosa para não invadir a estrada. Amber, cheia de escrúpulo, insistia em ser levada pelo irmão para que não se sujasse. Já os mais precavidos como Íris, traziam uma galocha nos pés.

Chegando à hospedaria, a recepcionista nos ofereceu algumas toalhas e um bom chocolate quente. A maior parte dos alunos resfriou-se.

E quando a noite caiu, o inspetor selecionou trios para cada dormitório. Fui posta com Burniel e Jennifer...

[Nathaniel]

Aproveitando a função de Jack como inspetor, ele simplesmente encaixou Jennifer e eu nos quartos de nossos respectivos suspeitos. O plano progredia tão naturalmente, que cheguei a questionar ao destino quais peças ele me pregaria num futuro próximo.

Armin e Kentin dormiram rápido, abrindo condições para que eu pudesse analisar seus pertences.

No dia seguinte, enquanto os alunos tomavam seu café da manhã, Jack, Jay, e eu, nos apossamos de umas das salas vazias.

— Um videogame portátil, uns lápis, roupas, e... este pano verde. – apontei para a tela de meu celular, na qual exibia a fotografia do longo tecido.

Jack arrancou o aparelho de minha mão, fitando pensativo à imagem:

— Hm... Parece muito com o que o irmão de Armin utilizava na cintura.

— Alexy Moreau? – perguntei. – Sim, se bem me lembro. Mas por quais motivos ele guardaria isso? Uma recordação?

— Provável. Qualquer um naquele colégio sabia o quanto aqueles irmãos não viviam um sem o outro.

— E o que houve a este “Alexy”? – Jennifer perguntou enquanto mastigava uma maçã. Ela, sendo uma novata, era apresentada aos acontecimentos pouco a pouco.

— Permanece em coma num hospital da cidade... – respondeu Jack.

— Também encontrei estes cartões vermelhos na mochila de Kentin. – amostrei uma imagem dos mesmos.

— Parecem apenas retângulos de cartolina. – comentou Jay.

— Sim, no entanto, eu não teria me interessado tanto neles, se não fossem semelhantes ao que encontrei na “cena do crime” de Jade. – sorri.

— Muito boa, moleque. – Jack abriu um pequeno sorriso orgulhoso, gerando-me um fervor no estômago.

— Sobre Elsie e Burniel, - disse Jennifer. – não descobri nada da garota, se ela é uma envolvida ou não, me parece bem equilibrada. Quanto ao Burniel...

Ela ergueu uma folha impressa sobre nossos olhos: uma antiga manchete de jornal – os irmãos que raptavam crianças, uma dupla temida conhecida como “H.A.S.”.

— Se olharmos os relatos de alguns anos atrás, dentre as seis crianças raptadas na época, encontramos aqui os nossos adoráveis: Jade Klippel e Burniel Tissou.— apontou para a foto de ambos quando menores, na lista de crianças raptadas pela dupla. - Onde já podemos deduzir que ambos se conheceram no cativeiro.

— Como conseguiu estas informações? – perguntei. – Quer dizer, como se lembrou de um caso de cinco ou seis anos atrás e fez ele se encaixar com o atual?

— Bem... – sorriu. - Principalmente porque foi um fato que ocorreu entre estas redondezas e que gerou muito ibope na época.

— De fato, me lembro de quando menor assistir aos noticiários e temer os sequestradores. Mas o que te fez pensar que Burniel e Jade seriam justamente os órfãos raptados? Será isso o que chamam de intuição feminina? – gracejei.

— Há algumas semanas, antes de ingressar para o colégio, estava revisando alguns casos ocorridos por essa área. E quando vi o rosto de Burniel pela primeira vez, não pude deixar de achá-lo familiar.

— E que memória. – Jack deu ênfase. – Ou melhor, que grande coincidência.

— Mas, sabem, - continuou Jay. - imaginando sob quais circunstâncias Jade e Burniel foram postos juntos, penso sobre a afeição que tinham um pelo outro. E também, sobre o quão problemático seria se Jade aparecesse num momento como este...