P.O.V Sam

   A semana passou rapidamente com todos os preparativos para a festa de aniversário de Celeste e para chegada das famílias reais. Já era final de tarde e eu estava no jardim com America, orientando os funcionários para que tudo estivesse em seu devido lugar para a chegada das famílias reais no dia seguinte.

   Eu vestia um vestido cinza com listras pretas de maga comprida, botas pretas de cano curto e salto alto, usava também brincos e anel, desta vez deixei que minhas criadas me maquiassem. Porém, para minha surpresa, eu encontrara a rainha usando calça jeans e camiseta naquele dia.

    ---Vocês duas ficam encantadoras dando ordens. – nos viramos para encontrar Taylor com um sorriso maroto nos lábios.

   E se Taylor estava ali, Alice também estava. Desde que eu contara a Shane sobre os dois, a quase uma semana atrás, eles não se desgrudavam. Ali estava oficialmente fora da seleção, mas é claro que America e Maxon permitiram que ela permanecesse no palácio por quanto tempo desejasse, os dois também pareceram bastante felizes com o novo casal. Como Taylor ficaria no palácio até o final da seleção, minha amiga provavelmente também ficaria até que o príncipe escolhesse sua esposa.

   ---Ou talvez fosse mais apropriado dizer sexys.

   Com esse comentário infeliz ele ganhou um revirar de olhos meu, um olhar repreensivo e divertido da rainha e um tapa de Alice, e então nós quatro acabamos dando várias gargalhadas.

   ---Qual a graça?

   Dessa vez era Shane.

   ---Nada não. – respondi ainda com um sorriso no rosto – Só Taylor que tem vocação para palhaço.

   ---Só descobriu isso agora? – ele retrucou levantando uma sobrancelha, provocando o amigo, que respondeu com um gesto obsceno.

   Depois de muitas broncas por parte de America e da namora, e de muitas gargalhadas por parte de Shane e minha, Taylor decidiu que estava cansado da gente e saiu dali, arrastando Ali consigo.

   Um silêncio estranho se instalou entre o príncipe e eu, enquanto a rainha continuava a ditar ordens. Ele me analisou dos pés à cabeça, pelo menos umas três vezes, e fiz o mesmo com ele.

   ---Você está péssimo. – eu disse finalmente.

   Ele parecia extremamente cansado, eu mal o vi nesses últimos dias, ele passava a maior parte do tempo com seu pai, discutindo sobre a volta dos rebeldes, e acredito que era isso que estava deixando-o tão cansado.

   ---Eu sei. – respondeu com um suspiro.

   ---Você parece alguém que poderia usar umas boas horas de sono. – eu falei olhando diretamente para suas olheiras enormes.

   ---Eu sei. – ele repetiu – Você ainda vai demorar muito aqui? – mudou de assunto.

   ---Provavelmente sim... – respondi olhando em volta, ainda havia muito o que ser feito – Por que?

   ---Queria sua companhia para assistir a um filme.

   Abri a boca para responder-lhe que seria ótimo desde que ele pudesse esperar mais um pouco, porém antes que qualquer som saísse de minha boca, fui interrompida por America.

   ---Pode ir se quiser, Sam. Eu dou conta de terminar sozinha.

   ---Ok, obrigada. – respondi a ela e voltei-me para seu filho – Nesse caso... Vamos?

   ---Vamos. – ele falou com um sorriso genuíno e pegou minha mão, guiando-me pelo palácio.

+ + +

   A sala de cinema era impressionante, enquanto Shane fora buscar nossa pipoca, fiquei observando os detalhes.

   ---Eu até perguntaria que filme você prefere assistir – ele disse entregando-me um balde de pipoca – Porém, tem um filme em específico que quero ver com você.

   ---E qual seria? – perguntei, a curiosidade era evidente em minha voz.

   ---Dez coisas que eu odeio em você. – respondeu com um sorriso.

   Não pude deixar de rir com a ironia do título do filme que ele havia escolhido para assistirmos.

+ + +

   O filme foi regado a risadas e comentários sarcásticos de nós dois. No fim, a sala tinha pipoca jogada por todos os cantos, visto que em certo momento começamos a tacar pipoca um no outro. Depois, Shane me convidou para dar uma volta pelo jardim, o que eu prontamente aceitei.

   ---Você está preocupado? – quebrei o silêncio confortável que havia entre nós enquanto caminhávamos de mãos dadas pelo belo jardim.

   ---Com a guerra contra os rebeldes? Não, confio na capacidade do nosso exército, que é excelente. Com mais um ataque ao palácio? Sim. Com a seleção? Também sim.

   ---Por que está preocupado com a seleção?

   ---Com os rebeldes de volta, as selecionadas correm perigo. Todos nós corremos, é claro, mas elas não deveriam ter que passar por isso. E o meu pai acha melhor reduzir logo a elite, e eu não sei o que fazer, porque parte de mim acha que a maioria dessas garotas só está aqui por estou enrolando o máximo que posso para escolher com quem vou passar o resto de minha vida.

   Estranhei o fato de que ele não se referiu a mim como uma selecionada, o modo como ele falava era quase como se ele não me considerasse uma. Entretanto ele não pareceu perceber isso. Parte de mim gostou disso, enquanto outra parte queria fugir para as montanhas.

   ---Bem, só há cinco selecionadas agora, você só precisaria eliminar duas. Basta decidir quais você acredita que tem chances reais de se tornarem sua esposa e quais estão aqui só porque você está enrolando o máximo que pode.

   ---Nesse caso, eu eliminaria Stacy e Rachel. – soltou uma risada sem humor.

   ---Então sobraria apenas eu, Julie e Belle. – comentei, mais para mim mesma do que para ele.

   ---Sim, e não demoraria muito para que Julie e Justin acabassem ficando juntos de vez, e então restaria você e Belle.

   ---É isso que você teme? Ter de escolher entre nós duas?

   Não sei de onde saiu essa pergunta, eu apenas senti a necessidade de colocar esse pensamento para fora. Parte de mim temia a resposta.

   ---Não é exatamente isso que eu temo. – respondeu com um suspiro frustrado – Não consigo colocar em palavras qual é meu maior temor nisso tudo, não sei explicar.

   Decidi que era hora de mudar de assunto, eu queria ajudar, mas parecia que falar sobre aquilo só estava piorando a situação ao invés de melhorar. Começamos então a discutir sobre os rebeldes, qual seria a motivação deles, estratégias de guerra e maneiras de melhorar a segurança do palácio.

   Quando chegamos no corredor dos quartos da selecionadas estávamos rindo de alguma história de quando ele e Taylor eram mais jovens e fugiam do palácio juntos. Contudo sua expressão se tornou séria quando paramos em frente a porta de meu quarto.

   ---Lembra que você me perguntou se eu temia ter que escolher entre você e Belle? – disse olhando-me intensamente.

   Eu não confiava em mim mesma para responder sem que minha voz falhasse, então apenas assenti.

   ---Não seria uma decisão tão difícil quanto você pensa. – ele continuou, dando uma passo à frente.

   Seu rosto estava a no máximo cinco centímetros do meu e, consequentemente seu olhar estava muito próximo também, nublando meus pensamentos e fazendo com que eu me perdesse naquele oceano azul que eram seus olhos. O que ele queria dizer com aquilo? Será que ele não poderia ser um pouco mais específico não? Ajudaria muito se ele fosse.

   Ele pareceu perceber que eu não diria mais nada, porque continuou a falar.

   ---Lembra que você disse que eu precisava de algumas boas horas de sono?

   Assenti mais uma vez, ainda hipnotizada por seu olhar tão próximo e sem confiar em mim para formular uma frase descente.

   ---Posso te pedir um favor?

   Novamente fiz que sim com a cabeça. Tinha a impressão de que estava começando a parecer uma débil mental, e era exatamente assim que eu me sentia, mas eu não conseguia evitar, não quando eu era incapaz de desviar meu olhar do seu.

   ---Dorme comigo?

   Pane, pane, pane. Acho que me cérebro explodiu de vez. Já havíamos dormido juntos tantas vezes que eu até perdera a conta, contudo só houve outra vez que ele me pediu explicitamente por isso e não aconteceu por acaso, isso, claro, sem contar a vez em que eu pedi por isso (e o expulsei do meu quarto no dia seguinte).

   Ele deve ter notado minha confusão e incapacidade mental, porque se explicou logo em seguida.

   ---Eu não sei o porquê, mas eu durmo melhor quando estou com você.

   Ainda sem confiar em minha própria voz e ciente de que se assentisse mais uma vez ia parecer uma idiota, fiz a única outra coisa que acreditei que ele ia entender como um sim. Eu o beijei. Em questão de menos de um segundo, quebrei a pouca distância que havia entre nós e ataquei seus lábios com voracidade.

   Ele não hesitou em corresponder e eu percebi o quanto tinha sentido falta de beijá-lo nesses últimos dias. Shane também rapidamente entendeu que aquilo era um sim, pois abriu a porta do quarto atrás de nós e, se não fosse por sua mão em minha cintura, eu teria levado um belo tombo.

   Ouvi a porta ser fechada com um estrondo, deduzi que ele havia a chutado, já que uma de suas mãos estava em minha nuca e a outra envolvia minha cintura.

   Estava muito concentrada nas sensações que seu beijo me causava para prestar atenção aos nossos movimentos, mas, de alguma forma acabamos caindo na minha cama, ele por cima de mim. Uma pequena parte do meu cérebro, ainda levemente consciente, me alertava de eu deveria parar com aquilo e deveríamos ir dormir de uma vez, entretanto o meu corpo não parecia disposto a obedecer qualquer ordem de afastamento.

   Quando os lábios de Shane deixaram os meus e se dirigiram ao meu pescoço qualquer parte sã que eu ainda pudesse ter foi para o além. Foi exatamente por este motivo que minha mente ficou muito agradecida quando fomos interrompidos por batidas na porta.

   ---Senhorita Samantha? – ouvi Tatia chamar-me.

   O príncipe desenterrou seu rosto de meu pescoço e encarou-me, esperando que eu respondesse. No entanto, era difícil formular uma frase quando eu ainda estava recuperando meu fôlego e ele estava me encarando com aqueles olhos que estavam mais escuros que o normal e tinham um brilho diferente, que eu nunca tinha visto antes.

   ---Sim? – consegui dizer finalmente.

   ---Ainda precisará de nós hoje?

   ---Não será necessário, obrigada Tatia.

   Ouvi seus passos se afastarem pelo corredor e só então fui capaz de empurrar Shane de cima de mim, fazendo com que ele caísse ao meu lado na cama.

   ---Vou tomar banho. – falei depois de alguns segundos e me levantei indo para o banheiro.

   De banho tomado e vestindo meu moletom cinza duas vezes maior do que eu, voltei para o quarto, encontrando Shane já deitado confortavelmente em minha cama, sem camisa.

   ---Você é muito folgado, garoto. – tentei parecer brava.

   ---Eu sei, amor. – respondeu com aquele sorriso torto e piscou para mim.

   Ignorando sua cara de pau, levantei as cobertas e deitei-me ao seu lado. Passamos alguns minutos apenas nos encarando, até que ele me puxou mais para perto, envolvendo seu braço em minha cintura e, num impulso, deitei minha cabeça em seu peito.

   ---Boa noite, amor. – eu disse, provocando-o como ele havia feito antes.

   ---Boa noite.