The Reaper escrita por Yuna Aikawa


Capítulo 1
Na casa




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                Não tinha certeza do que me acordara. Ao erguer os olhos, saindo instantaneamente do sono, vi Mary ao pé da cama. Não sabia há quanto tempo ela estava parada ali. Mary usava uma capa impermeável azul, com o capuz puxado. Gotas de  chuva brilhavam no plástico. A face velha da mulher estava imobilizada numa expressão de perplexidade, quase robótica, que demorei para interpretar como medo – não sabia se ela havia ido a algum lugar e estava de volta ou se ainda nem saíra.

- Ficamos sem luz – Disse-me por fim.

- É?

- Fui lá fora e, quando voltei, estávamos sem luz.

- Uhn.

- Há uma picape na nossa estradinha. Só parada lá. Uma picape cor de asfalto. Não consigo ver quem está dentro dela. Pensei em ir até lá, mas fiquei com medo. Fiquei com medo de quem poderia estar lá e voltei.

- Fez bem, Mary.

- Quando eu entrei, estávamos sem luz, mas a TV estava ligada, estava simplesmente funcionando, mesmo sem luz. Havia uma reportagem no noticiário, mas o programa só deveria começar daqui a 40 minutos.

- Qual era a notícia?

- Era sobre você, Éric. Era sobre todos nós. Sobre como estávamos todos mortos – A velha finalmente olhou nos meus olhos – Aparecia a casa e tudo mais. Havia policiais por todo lado e aquela fita amarela bloqueando a estradinha. O apresentador contava como você matou todo mundo e se matou depois.

- É mentira, Mary. Nada disso vai realmente acontecer.

- Por fim, desliguei a TV. Ela voltou de imediato a funcionar, mas tornei a desligá-la e puxei o fio da parede – Ela deu uma pausa e acrescentou: - Tenho que ir, Éric. Preciso chamar a ambulância. Tenho que ir... Só que estou com medo de passar pela picape. Quem está no volante?

- Alguém que você não gostaria de conhecer. Pegue meu Mustang, as chaves estão na ignição.

- Não, obrigada. Vou com o meu carro.

- Só não mexa com a picape. Passe por cima da grama e atravesse a cerca, se for preciso, mas fique longe daquele carro maldito.

                Mary abanou a cabeça e, recuando um passo, levantou a mão num gesto de adeus, virou-se e foi embora. “Toma cuidado”, sussurrei à porta.

                Por alguns minutos, fiquei escutando os sons da casa, esperando o pior, mas só pude ouvir o som da cerca caindo, as grossas gotas de chuva se jogando contra a janela e a minha respiração ofegante. Quando finalmente decidi ir ver como Anna estava no outro quarto, ouvi leves batidos na porta.

                O rangido da madeira ecoou pelo cômodo quando aquela criatura entrou, impiedosa e soberana, com suas vestes negras mal cuidadas e pele pálida.

- Por que demorou tanto? – Lancei-lhe um sorriso sincero.

                Eu estava cara-a-cara com a Morte. Talvez não fosse a melhor hora para ser cínico, mas eu aguardava aquela besta desde os treze anos, quando matei meus pais e a vi recolhendo suas almas de uma forma gentil. Foda-se.

- Boa noite, senhor Landon.

- Não sabia que você dirigia. Tirou a carteira quando? 10.000 antes de Cristo?

- Tens o senso de humor igual de teu avô, meu caro.

- Então veio me dar uma carona?

- Ah, não, rapaz. Vim buscar tua namorada, senhorita Anna Whitefox. E talvez tua avó, Mary Jane.

- O quê!?

- Estou ciente de que tu caíste das escadas com tua Anne, apenas para que ela não batesse a cabeça, mas a garota está com hemorragia há horas.

- Leve-me no lugar dela!

- Levar-te-ei quando for tua hora.

- O que veio fazer aqui, afinal, coisa cretina!?

- Vim dar-te um olá.

- Por quê? – A criatura ficou em silêncio, esperando-me encontrar as palavras certas – Por que mamãe, papai, Anne, Mary e não eu?

- Oras, rapaz... Eu tenho planos para você.

                Exibindo um largo sorriso torto e amarelado por baixo do capuz, desapareceu. Manquei até o quarto de Anne, mas já era tarde. Seu corpo pálido, sem vida, repousava sobre a cama alagada de sangue. Oh, Anne.

                Beijei-a pela última vez e sai, deixando aquele lugar mórbido para trás.

 


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