Eles estavam vivendo um casamento aparentemente feliz. Era tudo o que as outras pessoas viam. Eles eram tudo o que outros casais queriam ser. Mas eles eram um casal do acaso. Eles eram um casal que não era para ser. Juvia sabia disso. E Lyon também. Ele só queria saber até quando iria durar.

Lyon fazia de tudo, sempre houvera feito, para fazer de Juvia a mulher mais feliz do mundo. Ele sabia que isso era um exagero. E ele também sabia que era um fato impossível. Ele pensara, realmente pensara, que poderia ter dado tudo certo. Que eles poderiam ser felizes juntos. E não uma felicidade separada. Porque a distância era muita, tanto que poderia ser quase palpável se fosse possível. O que eles viviam era uma tentativa. Ela, de fugir da realidade. Ele de ser feliz.

Eles ficaram anos na ilusão de pensar que alguma coisa iria mudar, que algo iria acontecer. Mas a mudança ficou só a ilusão e nada aconteceu. A única coisa que podia ser percebida entre eles, era que eles aumentavam a distância a cada dia que se passava. Era algo que acontecia despercebidamente. Pouco a pouco. Porque ambos sabiam que ele não era o mago do gelo a quem ela queria.

Mesmo ele não sendo o homem desejado por ela, ali estava ele, sentado na cama, a observando dormir e velando por seu sono. Porque ele a amava. Profundamente. De verdade. E por mais que ele se machucasse todos os dias com aquele casamento doentio, ele amava poder ter sempre a chance de observá-la de perto. Mas ele sabia, que ele sempre poderia estar por perto, tocá-la e observá-la, mas nunca poderia tê-la. Porque ela não era dele. O amor dela não era por ele. Por mais que ela tentasse ao máximo enganá-lo e enganar a si mesma.

Foi com todos aqueles pensamentos que Lyon, no aniversário de cinco anos de casamento, havia preparado um presente especial para ela. Demorou algum tempo para que ele pudesse tomar todas as decisões necessárias e finalmente tomar uma atitude digna de quem ama de verdade. Porque quem ama não prende, não escraviza, não tortura e não machuca com intenção. Porque ele sabia que ela era a única que sofria mais naquele relacionamento.

Ele decidiu que não poderia mais manter aquele teatro. Porque quem ama deixa ir. Ele abriu mão de tudo o que sentia por ela, não por vontade própria, mas por imposição das circunstâncias. Não, ele nunca deixaria de amá-la. Mas ele precisava libertá-la daquelas amarras pesadas. Porque aquele não era um destino para ela, por mais que ela não quisesse ficar sozinha. Ele seria o único que poderia tomar uma atitude porque ele fora o único que causara tudo aquilo. E eles não tinham mais idade para se iludir. Eles não tinham mais tempo para perder porque todo o tempo que eles tiveram eles já haviam perdido, há muito tempo. Porque eles haviam dado tempo ao tempo, mas o tempo não havia dado tempo a eles. Eles foram os únicos a mentir para eles mesmos: ela jurando e fingindo que o amava, e ele desejando e sonhando que um dia ela fosse amá-lo. Quem sabe por ironia do destino. Mas antes do destino ser irônico ele costuma ser cruel.

E ali estava ele, apagando todas as mentiras e aceitando as verdades. Era inútil querer tentar, era inútil continuarem daquele jeito. Ele sabia que um dia tudo viria à tona e que algo deveria ser feito. Porque já não tinham porquê de viverem assim. E ali estava ele a observando dormir, tranquilamente. Talvez ela até mesmo estivesse sonhando com um outro alguém. O mago do gelo que deveria estar ali no lugar dele. O mago do gelo que deveria estar ali, mas que nunca a amaria da forma como Lyon amava. O amor dele por Juvia era algo puro e incontestável, mas era um amor impossível. E era um amor negado. Ela tinha, mas não queria. Ela via, mas não sentia. E ele sabia. Ela nunca precisaria falar.

Talvez aquele momento seria o último relance que teria dela, antes que tudo se tornasse memórias. Talvez aquele fosse o último olhar. A última vez que poderia observá-la daquela forma. A encarou mais uma vez e acariciou as costas nuas com suavidade e leveza. Respirou fundo e se levantou a procura de suas roupas. Enquanto abotoava os botões da camisa voltou a encarar a figura adormecida de sua esposa. Lyon sentiu os olhos arderem sentindo o peso das lágrimas que não transbordaram. Deixou para calçar os sapatos quando estivesse para sair de casa, seria tão silencioso quanto um gato. Do bolso direito da calça que vestia ele retirou um caixinha vermelha de veludo e a encarou em sua mão por alguns segundos. Quando Lyon ouviu o som do corpo se revirando na cama ele ficou imóvel. Ela apenas havia mudado de posição. Ele então viu que deveria fazer o que era para ser feito o mais rápido que pudesse. Ele simplesmente sabia que ela não precisaria de palavras inúteis para justificar algo que não precisava ser justificado.

Ele se dirigiu até a cozinha e lá pegou uma flor. Uma tulipa amarela. O significado daquela flor já dizia tudo. Amor perfeito. A cor trazia um significado adicional. Lyon sorriu amargamente. Amor impossível. A tulipa amarela tinha esse significado: amor impossível.

Lyon, levando consigo a flor, foi até a mesinha de cabeceira, abriu a primeira gaveta e de lá tirou um envelope branco lacrado. Depositou o dito envelope sobre o travesseiro que ele sempre havia dormido, a flor ele depositou delicadamente por sobre o envelope. Agora estava feito. Fizera o que necessitava ser feito e ele não se arrependeria, estava certo disso. A caixinha vermelha de veludo voltava para suas mãos. Lyon retirou a aliança dourada de casamento de seu dedo anular esquerdo e com todo o carinho que lhe cabia a depositou dentro da caixinha, fechando-a logo em seguida. Colocou a caixinha sobre o travesseiro, juntamente com o envelope e com a flor. E então ele olhou para o lado e mais uma vez encarou a mulher adormecida. Não resistiu à tentação e passou os dedos por entre os cabelos azulados e tão macios. Levantou-se da cama mais uma vez. Agora tudo pronto para partir.

Ele sabia que a saudade martelaria no peito por muitos e muitos anos. Mas agora era a hora de Lyon dar um tempo para a sua vida seguir. Era tempo de ele dar a chance para aquela mulher ser completamente livre. Livre dele, livre das obrigações de um casamento fracassado, livre do peso que o amor dele exercia sobre ela. Era hora de Juvia viver de verdade. Agora ele precisava ir.

Ela precisava de liberdade. Ele só precisava do tempo. Ele pegou suas malas que já estavam arrumadas desde o dia anterior e seguiu pelo corredor até a porta de entrada, que marcaria sua saída. Ele já havia deixado o café da manhã servido. Calçou os sapatos e saiu pela porta, não olhou para trás. E as lágrimas? Bem, as lágrimas ele deixaria para depois, quando a distância já não fosse o bastante e a saudade o esmagasse em um quarto de um hotel qualquer.