Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 9
Os Sacrifícios de uma Mãe


Notas iniciais do capítulo

Oie! Mais um capítulo saindo do forno nesse feriado friiiiio.

A bem da verdade, ele é a metade final do capítulo anterior, mas o texto original acabou ficando muito grande e eu tive que dividi-lo em dois. Como consequência, ele segue mais ou menos o modelo do capítulo anterior e, felizmente, será o último capítulo onde o Draco não aparece diretamente! Ieeeei! É um capítulo curto, mas bem importante, porque é nele que vai se estabelecer a ponte entre o Draco e a Gina. Aguardem! Mhuahauha

Para quem lê e não comenta, eu agradeço também e peço, por favor, se manifestem. Isso é o que dá estímulo para que a história continue.

Rose, já sabe né. Para você, mais uma vez. =)



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09 – Os Sacrifícios de uma Mãe

Janeiro de 2004.

Gina estava cansada. Olhou pela janela da sua casa nova e percebeu que a noite já caía cerrada. Era provavelmente de madrugada agora e ela perdera a noção do tempo novamente, debruçada sobre os livros de contas e das listas de ingredientes da loja.

Estava realmente cansada.

Trabalhara muito nos últimos anos, incessantemente, dias e muitas noites, só parando quando James demandava sua atenção: diante da criação que ela mesma obteve, se recusava a dar menos ao seu filho. Entretanto, isso não a impediu de se dedicar de corpo e alma ao trabalho; ele fazia com que ela se esquecesse das coisas que a mente dela insistia em lembrar quando estava desocupada.

Nos últimos tempos, colhia os frutos de todos esses anos de luta. Tinha uma boa loja no Beco Diagonal e vivia numa casa confortável nos arredores do centro comercial bruxo. Agora, além de Dave, ela tinha mais quatro funcionários cuidando das vendas e do armazenamento de poções. Assim, ela podia se dedicar mais livremente à confecção das poções, nos fundos da loja.

E apesar da conveniência de ser modesta, ela não podia negar: Era realmente boa naquilo.

Nesse momento, fazia uma lista dos ingredientes para a Poção Wiggenweld e de Essência de Murtisco e precisava de mais fluído de chifre de Erumpente para a poção que era sua especialidade, para aquela que a tornara rica. Poção Erumpente. Gostava da sonoridade do nome e – não podia negar – dos efeitos que causava. Era uma poção altamente explosiva, criada a partir do fluído do chifre do grande animal africano e que reagia ao menor movimento desajeitado de quem a usava. E era avassaladora. Gina achara um jeito de potencializar os efeitos da poção que a colocou no topo do movimentado mercado, que a fez ficar conhecida por suas habilidades.

Ela sorriu tristemente diante da ironia que era ter começado fazendo poções para autodefesa das pessoas e agora trabalhar para potencializar armas de destruição em massa. Esfregou os olhos, para espantar os pensamentos pouco práticos.

Ginevra estava fazendo um jogo perigoso. Fornecia essas poções para o Ministério e para a Resistência. Era um claro conflito de interesses entre o dinheiro que ela ganhava para garantir o futuro de James e a segurança daquelas pessoas que ela amava. Era bastante óbvio que a segunda variável dessa equação era mais importante, mas, ainda assim não podia abrir mão da estabilidade que o dinheiro traria para James.

A solução encontrada por ela foi tornar as poções vendidas para o Ministério mais instáveis– sem o poder de fogo que ela poderia oferecer – e ainda assim boas o suficiente para serem consideradas as melhores disponíveis no mercado. As poções realmente letais iam para a sua família na Resistência; esse era o único conforto que ela poderia dar à sua consciência.

Entretanto, ela tinha confiança de que tudo estava sob controle e ficaria bem, se ela pudesse continuar controlando aquele maldito desejo de pegar na varinha e torturar comensais cada vez que James perguntava pela família, pelo pai. Ela deu uma risadinha desesperada ao pensar que estava se preocupando em participar dos atentados da resistência enquanto deveria estar se questionando sobre a festinha de aniversário que daria para o filho, prestes a completar cinco anos.

Tinha jurado a si mesma que sumiria no mundo, que nunca mais se envolveria com essa maldita guerra, que levaria James para um lugar melhor, de preferência quente e que fosse tolerante com as minorias. Mas lá estava ela, sentada diante da mesa do seu escritório no Beco Diagonal, coração da Londres bruxa.

Gina era egoísta, tinha que admitir para si mesma. Tinha estimulado seu lado manipulador, interesseiro e individualista e agora estava ali, no limiar entre o mundo de Voldemort e os ideais de Harry, não querendo abrir mão de nenhum dos dois; nem da estabilidade do primeiro, nem do amor pelo segundo.

Dessa forma, ela se expunha tanto a ira do Ministério quanto aos olhares reprovadores dos seus amigos e familiares. Ela sabia que eles não aprovavam a vida que ela levava, por mais que ela os visse com pouquíssima freqüência. Nem chegavam a entender que, pela mesma razão pela qual não podia revelar a existência de James para Voldemort, também não podia deixar que o menino crescesse entre sua família.

E isso a machucava.

Tinha que arranjar um jeito de proteger sua vida - e James - de si mesma, garantir que sua ajuda à resistência fosse acobertada de alguma forma, já que não conseguia se livrar dela. E não conseguia se juntar inteiramente a ela.

Diante do pensamento, Gina bufou, soltando a pena com a qual estava escrevendo e abaixando a cabeça na mesa, ficando com a testa colada no móvel coberto por papéis. Deu três batidas com a testa na superfície, como se o gesto pudesse por algum juízo na sua cabeça. Quando levantou, viu que uma folha de jornal ficara grudada no seu rosto.

"Ora, mas que merd..." Ela praguejou enquanto arrancava do rosto a edição matinal do Profeta Diário que ousara grudar na testa dela. Parou subitamente quando olhou a foto que estampava a primeira página.

Há anos que não via aquela face pálida e o rosto pontudo.

Draco Malfoy olhava para a câmera - para Gina - e pareceu que estava olhando através dela. Os olhos perturbadores que ela se lembrava se tornaram piores com os anos; devia estar perto de completar 24 anos e parecia mais velho, a mesma impressão que ela tivera anos antes, quando se deparou com aqueles olhos…

Agora, era como se eles mandassem uma mensagem "Ninguém me ajudou e vejam só no que eu me tornei". Ele parecia simplesmente indiferente; sorria claramente por obrigação, na entrada do Ministério. O cabelo estava bem maior, lembrando assustadoramente Lúcio Malfoy, ainda que só chegassem à altura do queixo.

Era o rosto de alguém que tinha tudo, mas perdido o que mais importava. Sua paz.

Gina sentiu um nó no estômago, ao pensar que fora uma das responsáveis por ter deixado-o naquela situação, por ter matado o pai dele. Ela sacudiu a cabeça e encostou o corpo no apoio da cadeira, desviando os olhos da foto. O sono estava começando a fazer com que ela delirasse. Não era razoável tirar tantas conclusões e divagar dessa forma através de uma simples foto, não é?

Tentando não olhar para a foto, ela leu com mais atenção a manchete do jornal, que estava jogado na sua mesa desde daquela manhã. Estampada em letras garrafais estava escrito:

MINISTÉRIO DA MAGIA GUIADO COM MÃOS DE FERRO.

Seguindo uma tendência dos últimos anos, o Ministério da Magia adotou claramente uma política de mãos de ferro no combate às milícias que estão surgindo em focos isolados por toda Grã-Bretanha. Os rebeldes, autodenominados a 'Resistência', tem praticado atentados em diversos pontos da cidade e colocado em risco a ordem da sociedade bruxa.

No combate a essa insurgência o Ministro da Magia, Pio Thicknesse, tem se cercado de pessoas com energia e notadamente inflexíveis na luta contra os baderneiros, possivelmente herdeiros dos ideais anarquistas do Indesejável Número 1, culpado pela morte de Dumbledore e morto por razões desconhecidas desde o ataque da sua turbe à Hogwarts, em maio de 1998. O ataque - uma tentativa frustrada de tomada do poder - causou centenas de mortes e marcou o triunfo da ordem no mundo bruxo.

"Demos uma chance às pessoas que apoiavam causas erradas de se redimirem dos seus atos e seguirem suas vidas. Porém, elas preferiram praticar uma série de atrocidades que atentavam com a vida dos bruxos de bem.", afirmou o Ministro na saída do Ministério, hoje pela manhã.

O exemplo mais claro dessa postura mais enérgica é a nomeação de Draco Malfoy, herdeiro de duas das famílias mais tradicionais do mundo bruxo, como chefe do Departamento de Execução de Leis da Magia, o responsável pelo controle do mundo mágico na Grã-Bretanha. As primeiras ações do recém-nomeado foram o confisco compulsório das varinhas de pessoas suspeitas, controle irrestrito dos meios de transporte e estímulo a coleta de informações sobre a Resistência, em troca de vultosas recompensas do Ministério.

"Nos últimos anos, o Ministério tentou agir brandamente diante da Resistência. Isso agora acabou. Eu quero que todos saibam, em todos os lugares da Inglaterra: não haverá mais indulgência para aqueles que não seguem a ordem." disse Draco Malfoy, em sua única declaração sobre a nomeação para o cargo.

Malfoy, cercado por uma história familiar trágica, assumiu os negócios da família após a morte do seu pai, decorrente de ferimentos da Batalha de Hogwarts, quando ele lutou bravamente para proteger os bruxos da ambição sem limites de Harry Potter. Curiosamente, depois disso, Narcissa Black Malfoy foi considerada instável emocionalmente e enviada para uma área de tratamento intensivo no St. Mungus. A despeito disso, o herdeiro da família Malfoy vem ampliando seu prestígio diante da sociedade bruxa e ganhando cada vez mais espaço político.

Entretanto, estaria o jovem Draco Malfoy pronto para assumir essa responsabilidade? Só o tempo será capaz de dizer.

Gina jogou o jornal no cesto de lixo. Como podiam escrever tantas mentiras? Ela pensou revoltada. Harry matando Dumbledore? Lúcio Malfoy morrendo porque havia tentado proteger alguém? Ministério agindo brandamente com a Resistência? Gina bufou, sabendo como a busca deles pela Resistência tinha sido implacável – apesar de relativamente discreta – nos últimos anos.

Voldemort estava realmente infiltrado em todos os veículos de comunicação.

Ela bufou de novo e seus pensamentos se voltaram involuntariamente para Draco Malfoy: supôs que ele deveria, de alguma forma, ter recuperado o prestígio da sua família e, contra todos os prognósticos do Universo, isso a deixou um pouco mais tranqüila; a idéia de ter sido uma das responsáveis pela morte do pai dele era perturbadora.

Repentinamente, se viu desejando um copo de firewhiskey e sua cama. Com um toque da varinha, começou a ajeitar os objetos em cima da mesa e desviou sua atenção para a bolsinha mokeskin de Harry que ela costumava carregar consigo. Tinha tirado-a para preparar poções e já ia colocá-la no pescoço novamente, como era seu hábito - assim como era de Harry - mas dessa vez hesitou.

Nunca parava para pensar com atenção na bolsinha, tampouco entendia porque ela ainda a carregava, sabendo que nunca poderia entregá-la para o dono.

Entregar para o dono…

Gina quase caiu da cadeira quando uma ideia a assaltou e seu corpo se endireitou bruscamente pela surpresa. Por um momento esqueceu o Ministério, intrigas políticas, Draco Malfoy e O Profeta Diário. A nova ideia martelava violentamente na sua cabeça.

Poderia ser verdade?

Harry entregou a bolsinha para ela. Harry deu a bolsinha para ela. A bem da verdade, não deveria importar se ele voltaria para pegar a bolsinha ou não. Só deveria importar o fato de que ele deu a bolsinha voluntariamente para ela.

Ela passou a mão pelo rosto, sentindo sua boca ficar seca. Já sabia o que estaria dentro da bolsinha, não havia mistério; o que a deixava a beira de um ataque de nervos era entrar em contato novamente com o passado, com Harry.

Teve medo de como reagiria, como aquilo iria influenciá-la.

Limpou a mente, se concentrando em testar sua teoria: puxou levemente o cordão que fechava tão ferozmente a bolsinha para aqueles que não eram seus donos.

E então o cordão cedeu, como se fosse sua obrigação. Se sentiu idiota por não ter tentado isso nesses anos que estava com a bolsinha, mas, acima de tudo, se sentiu insegura.

Não posso ficar me martirizando por causa do passado, ela pensou, apoiando o rosto nas mãos. Decidira que já era hora de enterrar seus fantasmas, começando com a bolsinha que representava Harry e a imagem dos olhos do Malfoy…

"Idiota, idiota." Ela se xingou, quando se deu conta que colocara Harry Potter e Draco Malfoy na mesma frase. Era como colocar céu e inferno numa frase que fizesse sentido.

Sacudiu a cabeça, se concentrando na tarefa, ela começou a tirar os objetos da bolsinha, com mais vigor do que o necessário; viu o mapa do maroto, o espelho de Sirius, um medalhão com a inscrição R.A.B, a varinha quebrada de Harry e, para sua surpresa, tirou cinco vidrinhos pequeninos, com aquela substância enigmática que ela nem se lembrava mais de ter visto, naquela noite na sala comunal da Lufa-Lufa.

E então, como se o entendimento tivesse sido trazido por um choque, ela soube imediatamente o que era aquilo. Não tinha feito aquela associação na primeira e última vez que vira os vidrinhos.

Lembranças.

Ela sentia o comichão da curiosidade corroer suas veias. Por que Harry tiraria algumas das suas lembranças?

Revirou o escritório durante meia hora até achar aquilo que procurava: Sabia que Della não iria se livrar tão facilmente de um objeto raro; a elfo era apegada à tradição das famílias, ainda que a pequena família de Gina – constituída por ela e James – não tivesse nenhuma. Levou a Penseira até o centro da mesa e despejou o conteúdo prateado de um dos vidrinhos lá dentro.

Ela se inclinou sobre a bacia de pedra, hesitando levemente quando estava prestes a encostar o rosto na superfície, que se movia feito água sendo atingida pelo vento. Queria mesmo ver o que Harry quisera esconder?

Para o inferno o pudor! Sim, ela queria!

Ela encostou o rosto na superfície e sentiu a leve sensação de ser tragada para dentro de um novo mundo; antes, sabia como aquilo funcionava somente em teoria. E de repente, se arrependeu de ter feito.

Começou a cair, rodopiando vertiginosamente e no instante seguinte estava entre Comensais da Morte, no meio da Floresta Proibida. A cena era estranha. De um lado havia Harry caído, com o braço num ângulo esquisito, aparentemente inconsciente, e do outro, Voldemort, também caído, cercado por Comensais que pareciam perguntar incessantemente pelo estado do bruxo… Aparentemente Voldemort os repelira bruscamente, dado que eles começaram a se afastar constrangidos, com exceção de Bellatrix Lestrange, que ficou ajoelhada ao lado de Voldemort. Gina sentiu uma leve náusea diante da cena.

Ela não queria saber o que eles diziam e decidiu se aproximar de Harry. Vê-lo ali caído no chão e sujo, apertou seu coração. Ela segurou uma risadinha de alívio por medo de quebrar o encanto do momento, quando viu Harry abrir um pouquinho os olhos para espiar a situação ao seu redor, exatamente como James fazia quando queria saber se ela ainda estava no quarto, velando seu sono.

Ouviu a voz de Voldemort se levantar dizendo para alguém se certificar de que o menino estivesse morto. Dessa vez Gina sorriu abertamente, sabendo o quanto ele se decepcionaria com o resultado. Mas não teve tempo de apreciar o ar preocupado de Voldemort; viu que Narcissa Malfoy se aproximava, relutante. Gina andou lado a lado com ela, imaginando quais maldades aquela mulher poderia ter cometido com Harry, para que ele não quisesse mais essa lembrança.

Ela se ajoelhou diante de Harry e tocou seu rosto, depois seu coração. Gina se ajoelhou também, no lado oposto ao que Narcissa Malfoy ocupava, ficando frente a frente com a mulher, com o corpo de Harry no meio delas. Viu que ela se aproximava dele, como se quisesse sentir sua respiração; a boca dela quase tocava a testa de Harry, que continuava imóvel. Os longos e claríssimos cabelos loiros da mulher cobriram o rosto de Harry e foi com certo esforço que Gina pôde ouvir que ela murmurava alguma coisa.

"Draco está vivo? Ele está no castelo?"

"Sim." A resposta de Harry veio tão sussurrada quanto a pergunta dela.

Gina viu o corpo de Narcissa relaxando visivelmente. A bruxa mais velha se virou para a plateia que tinha se reunido na clareira, retornando ao seu jeito altivo.

"Ele está morto!" Ela disse firmemente, com os punhos cerrados ao lado do corpo.

E então a memória se desvaneceu ao redor de Gina, cedendo lugar à realidade; ela cambaleou para o lado, tendo que se apoiar na mesa. Estava espantada. Não, espantada era amenizar demais situação; ela estava absolutamente chocada. Narcissa Malfoy traíra Voldemort. Traíra os ideais do marido – e os seus próprios. Traíra sua irmã e sua família.

E então a razão disso atingiu Gina como um raio: Narcissa tinha mentido como única chance de voltar para o castelo, mentido para procurar o filho. Ela colocara sua cabeça a prêmio por Draco Malfoy.

Sem controle das suas emoções, ela sentiu uma onde de simpatia por Narcissa Malfoy invadir seu corpo. Ela mesma não teria feito a mesma coisa por James?

Pensou que, em essência, a Sra. Malfoy não era tão diferente de Molly Weasley. Não era tão diferente da própria Gina.

Ela respirou fundo. Não havia razão aparente para que Harry houvesse se privado daquela lembrança. Gina retirou cuidadosamente o conteúdo da Penseira e, sem falsos pudores, colocou uma nova memória no recipiente. Mergulhou o rosto sem maiores receios dessa vez e sentiu de novo a sensação de cair indefinidamente, mas dessa vez seus pés aterrissaram com graciosidade no chão.

Havia tábuas fechando as janelas, o ar estava úmido e um mau cheiro permeava o ambiente. Ela inspecionou o local e estranhou o fato de que estava sozinha. Harry deveria estar em algum lugar por ali, certamente. Não teve tempo para fazer mais teorias, quando uma figura encapuzada adentrou o aposento. Ela ficou parada numa porta tão camuflada que Gina não tinha reparado nela antes. Havia uma óbvia tensão no ar e então a figura – notadamente uma mulher – abaixou o capuz: Era Narcissa Malfoy, com um ar extremamente cansado.

"Sou eu." Ela murmurou baixinho.

No instante seguinte, Harry tinha se materializado no cômodo, tirando de cima de si a capa de invisibilidade.

"Alguém te seguiu?"

"É óbvio que não, Potter. Estão preocupados demais lambendo as próprias feridas para se preocuparem com o meu paradeiro. A Batalha em Hogwarts causou muitos danos para nós." Ela disse, objetiva.

Gina se localizou temporalmente. Aquela lembrança era de algo que ocorrera entre a Batalha de Hogwarts e o ataque na Floresta Proibida. Se aprofundou mais um pouco na complexidade daquela mulher, que ainda se referia ao lado de Voldemort como 'nós' enquanto traía a causa dele sem a mínima hesitação.

"Não teve um resultado muito feliz para os meus amigos, também." Harry apontou o fato, com evidente mágoa na voz. "E seu marido?"

"Lúcio está bem ocupado tentando recuperar a credibilidade com o Lorde das Trevas, entre uma tortura e outra." Ela disse, e Gina sentiu a raiva transbordar pelas palavras dela. "Eu ainda não fui questionada sobre a razão de não ter percebido que você estava vivo, mas logo eles chegarão até mim, se algo muito drástico não acontecer antes."

"E você veio aqui para pedir algo em troca, por não ter dito que eu estava vivo." Harry estava duro, inflexível.

Para a surpresa de Gina, Narcissa deu um leve sorriso sarcástico antes de responder. "Se assim fosse, sua honra grifinória te obrigaria a realizar meu desejo." Harry ficou imediatamente tenso e ela continuou. "Mas eu vim aqui por outra razão: eu quero te oferecer um acordo. Posso te passar as informações sobre as movimentações do Lorde das Trevas, para que você não o ataque no escuro."

"E por que você faria isso?" Harry parecia um pouco confuso, dessa vez.

"Eu tenho minhas razões, Potter. E elas certamente não interessam a você. Fique apenas com a certeza de que eu cumprirei com a minha palavra." Ela se encaminhou em direção a porta e falou sem se virar. "Temos um acordo?" Narcissa esperou uma resposta e Harry deu um hesitante aceno afirmativo com a cabeça. "Continuaremos a usar esse galeão encantado para nos comunicar. É uma ideia bem engenhosa, de fato." E saiu sem sequer olhar para trás, com a capa esvoaçante atrás de si.

E a memória se desfez, deixando na retina de Gina uma última imagem do rosto de Harry aparentando confusão.

No momento, ela estava novamente no seu escritório, mais perturbada do que ela estivera em anos. Ela finalmente sabia para onde Harry ia durante suas escapadas de Hogwarts depois da batalha e qual era a fonte das suas informações.

Narcissa Malfoy.

Quantas surpresas mais aquela mulher altiva poderia causar?

Pegou outra lembrança, notando levemente que sua mão tremia. Parou de novo na Casa dos Gritos. Suas aterrissagens estavam ficando cada vez melhores – ela havia parado bem ao lado de Harry, que dessa vez esperava, sentado numa cadeira velha, descoberto e parecendo inquieto. Os cabelos despenteados caíam sobre os óculos e ocasionalmente ele assoprava os fios de suas lentes. Sua expressão se suavizou quando Narcissa entrou no aposento.

"Você demorou. Achei que tinha acontecido alguma coisa." Ele disse, soando preocupado.

Um fio de um sorriso se formou nos bonitos lábios de Narcissa. "Aprecio sua preocupação e sei que certamente ela foi causada somente pela dúvida sobre se eu traria o que me pediu." Harry ruborizou, sabendo que Narcissa tinha percebido que ele se preocupara com ela e que ele havia fracassado em esconder isso. "Não há motivos para isso. Eu trouxe sua lista. Ela contém o nome de todos os comensais que guardarão o Lorde das Trevas amanhã a noite"

"Tem certeza que serão só esses?" Harry disse, lendo os nomes escritos com a refinada caligrafia da bruxa mais velha.

Ela pareceu um pouco irritada. "O Lorde das Trevas não pode dispor de toda a sua força, ainda. E se o ataque for mesmo surpresa, como você quer me fazer acreditar, não haverá problema. Ele precisa dos Comensais em Londres, para continuar controlando o Ministério e os meios de transporte." Ela suavizou a voz. "Sim, Potter, eu tenho certeza."

"O ataque será amanhã." Harry disse, constatando o óbvio.

Narcissa parecia incomodada, como se estivesse posto na boca alguma coisa muito ruim de engolir. "Eu gostaria…" Ela começou, se corrigindo na sequência. "Eu quero que você se comprometa, com relação ao meu pagamento por te ajudar. É possível, para não dizer desejável, que esse seja nosso último encontro; assim, eu quero deixar claro o meu desejo de que Draco e Lúcio sejam poupados."

"Mas os nomes deles não estão na lista, não há razões para se preocupar." Harry havia respondido um tanto displicentemente, na opinião de Gina.

"Um dia você me perguntou meus motivos para fazer isso e agora eu estou dando-os para você" Narcisssa respondeu, exalando fria exasperação. "Draco e Lúcio são as únicas razões para que eu acorde de manhã, as únicas razões para que eu respire. Quero que isso termine da melhor forma para minha família e, com o Lorde das Trevas vivo, isso não poderá acontecer. Draco não poderá ser livre e Lúcio viverá constantemente atormentado. Se o Lorde viver, inevitavelmente minha família será destruída. Os fracassos de Lúcio em te capturar fizeram com que a ira do Lorde caísse sobre nós." Ela parecia falar com dificuldade, como se cada palavra matasse um pouco do seu orgulho e Harry se encolheu levemente, parecendo um pouco constrangido. "Se ele morrer, teremos uma chance de voltar para nossas vidas, mesmo que tenhamos que responder por alguns dos nossos atos. Por isso, mesmo que eles não estejam na lista, eu me preocupo. E quero que eles sejam poupados, de todas as formas possíveis."

Ele ficou em silêncio um instante, pensativo. "Sra. Malfoy, eu não posso garantir que seu marido e filho fiquem livres se eu conseguir destruir Você-Sabe-Quem, mas dou minha palavra que eu farei o máximo para que eles fiquem seguros." Harry pareceu, de alguma forma, tocado.

"Eu só quero que eles saiam dessa guerra vivos e prontos para recomeçar." Ela levantou da cadeira decrépita em que estava sentada, com os punhos cerrados juntos ao corpo. "Se isso significa que amantes de trouxas e sangue-ruins corrompam a sociedade com seus ideais, que assim seja." Ela disse, levantando levemente o nariz. "É um preço muito pequeno a se pagar."

E ela se encaminhou para porta, num trajeto que Gina sabia que ela já tinha feito muitas vezes nesse último mês.

"Sra. Malfoy…?" Harry murmurou e os olhos verdes se encontraram com os azuis. Ele hesitou um instante antes de falar. "Obrigado."

Gina sentiu uma compreensão muda entre os dois, antes da bruxa se virar silenciosa e sair do aposento.

No momento seguinte, ela tinha voltado novamente ao escritório, mais abalada emocionalmente do que ela esperaria estar.

Nas horas seguintes, Gina passou entre as memórias restantes de Harry dos encontros com Narcissa Malfoy, onde eles planejavam o melhor jeito de executar a tarefa de pôr fim àquela guerra.

Ela sentia um misto de sentimentos conflitantes pela mulher: surpresa, admiração, empatia, comiseração. Sacudiu a cabeça para pensar mais claramente.

Narcissa Malfoy era a chave do problema: Ela era a fonte de informações de Harry, que sempre tinha intrigado Gina. Fora ela que, de certa forma, salvara a vida de Harry e dado uma sobrevida à Resistência em Hogwarts. Não queria pensar que aquela mulher definhava no St. Mungus naquele momento.

Era por causa dela que Harry tinha entrado em estado de choque quando Neville matou Lúcio Malfoy. Agora ela sabia porque os Malfoy não deveriam estar naquela noite na Floresta Proibida e, principalmente, porque Harry ficara tão incomodado com o fato de eles estarem lá.

Gina guardou novamente os frasquinhos na bolsinha mokeskin, com certa reverência, dessa vez. Manteria aquelas memórias muito bem guardadas e seguras.

Um sexto sentido dizia que elas poderiam ser necessárias, num futuro próximo.


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