Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 29
Toda Ilusão Tem um Fim


Notas iniciais do capítulo

Heeello, minhas queridas e queridos! Eis mais um capítulo novinho para vocês! E, com ele, uma novidade: eu escrevo quantativamente muito – ok, essa não é a novidade- e a questão é que eu me dei conta que os capítulos quiloméééétricos geram comentários (quando geram) mais ou menos assim: 'Amei, atualiza!' (salvo algumas deliciosas exceções). Nada contra esses comentários (eu gosto de TODO e QUALQUER um, indeed), mas eu percebi os capítulos grandes dificultam a leitura e bombardeiam com MUITA coisa (temo que ter muita coisa acontecendo atrapalhe o entendimento do que está sendo dito), - além de demorar um viiiiida para sair. Então, tomando a decisão mais lógica possível, eu vou escrever menos e com mais frequência. Assim, vocês – ou eu, for that matter – não perdem o contato com a história porque os capítulos vão demorar bem menos. E conseguem aproveitar melhor cada turn point da história.

Enfim, mesmo sabendo que cada capítulo tem sua especificidade e que, eventualmente, nem sempre conseguirei seguir tal estratégia, essa é a política por enquanto. ;)

Rose, nem preciso falar nada né? Depois do seu último comentário, você simplesmente zerou a internet, haha

Ju, muito, muito obrigada! Seus comentários aí das terras lusitanas são muito bem vindos e apreciados!

Obrigada, queridas!



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29 – Toda Ilusão Tem um Fim

Junho 2006

Sentado à sua luxuosa mesa de escritório, Draco se distraiu ouvindo o tic tac do relógio acomodado num dos cantos da sua grande sala no Ministério. Vagamente, se deu conta da hora avançada e, diante de um estremecimento involuntário, resolveu que ficaria até um pouco mais tarde no trabalho.

Não que houvesse muita coisa o que fazer, na realidade. O Departamento de Execução das Leis da Magia se dedicava quase que exclusivamente à caça à Resistência e, por um capricho do destino, Draco já tinha as informações que poderiam literalmente acabar com ela, ainda que ninguém mais soubesse disso.

Ainda que ele não soubesse o que fazer com isso.

Ele suspirou audivelmente e isolou o problema temporariamente na sua mente. Pensar naquilo agora não traria benefícios.

A verdade para que ele ainda estivesse no Ministério era muito simplória: só não queria ir para casa.

Não queria ver Ginevra…

Ou melhor, queria desesperadamente ver - e tocar Ginevra -, mas por nada nesse mundo queria ouvi-la. Não queria ouvir quando ela dissesse que estava indo embora, indo para ficar finalmente com sua família, com o maldito Cicatriz.

Deixando-o.

E, numa esperança idiota, quase infantil, Draco permanecia com a ideia de que, se ela não dissesse as palavras, então elas não seriam verdadeiras.

Inconscientemente procurando por algo para extravasar sua ira e seu cansaço, ele fechou os olhos e passou a mão pela mesa desejando algo que pudesse quebrar...

Desde pequeno, Draco tinha se acostumado com a ideia de que tinha privilégios que os outros não tinham e, vendo o mundo do alto do seu pedestal, era muito fácil quebrar as coisas ou mesmo pessoas.

Entretanto, naquele exato momento, Draco se sentia num lugar que poucas vezes estivera antes: se sentia como se ele fosse o 'quebrado'.

Sem ser convidada, a lembrança de uma frase ouvida da sua tia Andrômeda tantos anos atrás invadiu sua mente... Algo moralista como 'se levam anos para se construir a confiança e apenassegundos para destruíla'.

Prendeu a respiração momentaneamente diante da lembrança, sabendo que era exatamente aquilo que Ginevra estava fazendo com ele, destruindo-o em segundos. Destruindo sua confiança, destruindo a porta que ele havia aberto para aqueles sentimentos.

Ele sorriu totalmente sem humor diante da ironia de que ele, Draco Malfoy, sangue-puro, Comensal da Morte e sonserino até a raiz do cabelo platinado, tivesse na cabeça as palavras de um famoso pensador trouxa e Gina Weasley. Se alguém tivesse contado a ele que isso aconteceria há uns meses, Draco teria rido até que sua barriga doesse. E então azararia o infeliz, só para garantir.

Ainda de olhos fechados, Draco apoiou as costas na cadeira se sentindo absolutamente cansado, impotente, derrotado. Todas as sensações que ele definitivamente odiava. Todas elas dominando-o por causa daqueles sentimentos que ele tinha tentado combater com todas as suas forças, mas que agora ditavam quase todos os seus pensamentos.

Maldita Ginevra!

Draco respirou fundo, sabendo que tinha que organizar as coisas. Nunca tinha sido dado aos arroubos sentimentais e jamais tinha sucumbido às pressões internas, com exceção da vez no seu sexto ano, mas aquela era uma situação que ele estava longe de querer se lembrar.

Então, diante daquela mistura de sentimentos confusos e conflitantes, ele se concentrou em algo que conhecia bem e podia lidar.

Raiva.

E com a raiva, veio misturada uma inconfundível dor causada pela traição. Amarga, dura, implacável, que o atingia com tanta força que às vezes ele tinha dificuldades para respirar.

Ele nunca tinha sido traído antes e aquilo era, de certa forma, curioso. Não porque ele despertasse a mais profunda lealdade e devoção das pessoas.

Bom, pelo menos não despertava nas pessoas que podiam pensar, ele completou mentalmente quando se lembrou de Crabbe e Goyle.

Jamais tinha sido traído porque nunca tinha sido estúpido o suficiente para deixar alguém se aproximar tanto dele, tocar em pontos dos seus sentimentos que estavam fechados para o mundo. Draco só tinha se aberto completamente para seus pais e eles nunca fariam nada que pudesse feri-lo de alguma forma. Eles nunca teriam traído-o, da maneira mais dolorosa disponível.

Mas Ginevra... Ginevra, sim, tinha feito aquilo e ele se obrigou a reter a ardência nos olhos quando se lembrou da cena que tinha presenciado na maldita loja dela.

Há quanto tempo, Ginevra? Ele se torturou com a pergunta, girando sua varinha com os dedos. Há quanto tempo você sabe que o maldito Potter estava vivo?

Se sentia destroçado, como o adolescente que ele havia sido no sexto ano. Tudo sempre acabava voltando para o sexto ano, não é?, ele pensou amargamente.

Para aplacar a dor, ele deixou que a raiva o guiasse, movesse seus membros e falasse por ele. Com a raiva Draco estava muito mais familiarizado... Com a dor da traição e do abandono, não.

Ele se levantou num pulo. Iria mandá-la para o inferno e tomar iniciativa de dizer a ela que sumisse de uma vez por todas; assim, ele poderia se certificar que Aries ficaria com ele, no lugar ao qual pertencia. Tentou dizer a si mesmo que, dessa forma, seria ele a terminar com toda aquela ilusão, não ela. Ele poderia ter o orgulho de dizer que não a queria mais, que ela podia voltar para os braços raquíticos do Cicatriz e tudo ficaria bem... Que ele ficaria bem sozinho, como sempre tinha ficado.

Ele desabou na cadeira novamente, perdendo toda a coragem quando sentiu um abismo se abrir dentro de si, ao imaginar Ginevra indo embora para sempre.

Alguma coisa dentro dele queria muito vê-la sofrer, chorar, se desesperar. Algo queria que ele fosse até Lorde das Trevas e dissesse alegremente que tinha encontrado o esconderijo da Resistência.

Algo inteiramente diferente, na contramão disso, recriminou a outra parte de si mesmo. A ideia de ver Ginevra totalmente destroçada pelo inevitável massacre da sua família era quase insuportável.

Draco só queria que esses dois lados calassem a boca e o deixassem em paz.

Abaixou a cabeça na mesa, tentando tirar aquela sensação de ardência nos olhos. Por que as coisas eram sempre tão terrivelmente complicadas para ele? Terrivelmente complicadas para eles?

Depois de pensar por mais alguns segundos, ele sorriu maniacamente quando se deu conta de que poderia dizer ao Lorde que Potter estava vivo.

Isso satisfaria seus dois lados. Com certeza, Ginevra sofreria dolorosamente como o próprio Draco estava sofrendo agora, mas conseguiria seguir em frente – afinal, ela já tinha pensando por anos que o Cicatriz estava morto, não é? -e ela ainda teria a família viva e saudável ao seu redor.

De brinde, o Lorde ainda teria uma dívida de gratidão para com Draco. Talvez ele até subisse mais no Ministério... Ministro Draco Malfoy. Não soava mal, de fato.

E então todo sua racionalidade vingativa foi por água abaixo no momento em que ele vislumbrou o que seriam os olhos escuros dela, sombrios, carregados de dor e pesar.

Não posso lidar com isso!, Draco constatou num misto de assombro, frustração e desespero.

Estava prestes a soltar um palavrão diante da situação quando ouviu três batidas fortes na porta do seu escritório.

Quem diabos seria essa hora? Ele sentiu um leve desconforto; tinha poucas esperanças de que fosse alguma coisa diferente de problemas.

Grunhiu um "Entre!" mal-humorado e não melhorou nada seu estado de espírito quando viu Gregório Goyle trazer seu corpanzil para dentro da sua sala.

Gregório Goyle com um sorrisinho no rosto, o que era pior.

Definitivamente, não estava com humor para aquilo.

"O que você quer aqui, Goyle?" Foi tudo que ele conseguiu dizer sem parecer cansado demais.

"Olá, Malfoy!" Goyle cumprimentou com um brilho diferente nos olhos pequenos. "Só passei para ver como você estava. Sabe, em nome dos velhos tempos."

Draco cruzou os braços sob o peito de forma arrogante. "Pensei que os velhos tempos fossem algo que você não quisesse revisitar." Ele observou o homem com braços de Gorila atentamente, antes de completar venenoso. "Depois de me lembrar tantas vezes daquela história com Crabbe e tudo mais…"

Goyle pareceu ter sentido o golpe, ficando subitamente tenso e com a expressão ainda mais bovina. "Sempre é bom relembrar, eu acho."

Ficaram em silêncio por uns instantes, no qual Draco o olhou fixamente; Goyle tinha sido somente uma fonte de problemas nos últimos anos, sempre maquinando, à espreita, esperando um deslize seu. Dava graças a Merlin pelo homem ser tão estúpido, do contrário, já teria tido problemas mais graves antes.

Entretanto, foi somente nos últimos tempos que Draco começou a se sentir um pouco mais incomodado, como se Goyle tivesse se tornado mais perigoso.

Ou talvez seja o fato de que agora eu realmente tenho algo a perder, ele disse para si mesmo, pensando em Ginevra, em Aries, na saúde da sua mãe. Até mesmo em James, a quem sua própria vida estava irremediavelmente ligada.

De qualquer forma, a sensação persistia, principalmente depois do idiota ter atacado a loja de Ginevra, numa atitude impensada que tinha deixado Draco furioso por vários dias. E ainda, quando ele fora preso depois do duelo com Blaise, teve plena certeza de que Goyle - estranhamente designado como responsável pela condução do caso -, usou da sua influência para que ele ficasse mais tempo em Glastonbury do que deveria.

Como havia tolerado a presença daquele imbecil nos tempos de Hogwarts?, ele pensou, contendo a urgência de passar as mãos nervosamente pelos cabelos.

Quando estava prestes a mandar Goyle para o inferno, o idiota resolveu se lembrar que tinha aprendido a falar, para infelicidade do universo. E o mundo de Draco girou apenas por causa de uma pergunta solitária e carregada de significados.

"Como vai sua mulher?"

Os pelos da nuca de Draco se eriçaram e ele estreitou os olhos perigosamente para o outro comensal. "O que diabos você quer diz-"

Draco não conseguiu terminar a frase nem as variadas ameaças que estavam na ponta da sua língua porque uma dor terrível acometeu seu braço esquerdo e, por um momento, pensou que sufocaria de dor, como se tudo que ele pudesse sentir fossem milhares de agulhas rasgando a pele do seu braço, seu músculo, transpassando o osso do seu antebraço. Tudo que pôde fazer foi levar a mão direita até o local e apertá-lo até que a dor fosse embora, deixando-o com olhos marejados e com o gosto de sangue na boca da língua que ele havia mordido para não gritar.

"Parece que o Lorde quer falar com você." Goyle apontou estupidamente para o braço do Malfoy e Draco não poderia ficar mais desesperado, com o olhar do outro homem, com a intensidade do chamado, com sua situação. Então, seu ex-companheiro de Sonserina sorriu bobamente e lhe deu as costas. "Nos vemos em breve, eu acho." E saiu da sala arrastando os pés.

A mente de Draco trabalhava vertiginosamente; o que aquilo tinha significado?

Uma desconfiança absolutamente dolorosa cruzou sua mente enquanto ele se levantava da cadeira, limpando o suor do rosto com o antebraço direito.

Ele tentou respirar fundo e dizer a si mesmo que não devia ser nada, que o Lorde das Trevas era só um lunático que gostava de infringir dor às pessoas. Não deveria achar que tinha sido particularmente torturado dessa vez.

Mesmo que um universo de outras opções e cenários estivesse se formando no fundo da sua mente.

***

Ele aparatou com a vassoura na mão em Little Hangleton, nos arredores da Casa dos Riddle. Não podia aparatar propriamente dentro da Mansão que agora servia como quartel-general do Lorde das Trevas por razões de segurança. Só Voldemort tinha esse beneficio e ele duvidou seriamente de que o Lorde precisasse aparatar. Ele ignorou um calafrio que sentiu diante do pensamento.

Podia usar a Rede de Flu, era verdade, mas aquilo só acontecia em último caso - Voldemort era bem sigiloso com respeito ao lugar onde ficava e qualquer coisa que pudessem usar para rastreá-lo era sumariamente evitada, para não dizer proibida. Somente seus comensais mais próximos tinham acesso à informação sobre sua localização, sobre seu quartel-general.

Assim, ao preferir usar a vassoura para voar do vilarejo até a Mansão, Draco podia alegar que estava apenas compactuando com a segurança do seu líder. Aquilo era conveniente, não poderia negar; nunca era demais ter uma rota de fuga adicional.

Subiu no artefato e voou sobre a colina que dava acesso à Mansão com a sensação reconfortante de ter a vassoura à mão, de sentir a madeira firmemente presa nos dedos cobertos pelos calos adquiridos através de anos de quadribol. Constatando que voar sempre tinha sido sua paixão, ele deu um impulso, sentindo o vento bater no rosto e sabendo que aquilo era o que faltava para fazer com que ele se sentisse menos apreensivo.

Não se sentia ansioso daquele jeito desde que o Lorde das Trevas tinha designado-o para sua primeira missão, na mesma época que ele havia percebido que sua vida e a dos seus pais estavam em risco e que elas eram de pouca importância para o bruxo que tinha o poder sobre elas.

Depois de pousar de seu breve voo e respirando fundo para tomar coragem, Draco ergueu os olhos para enxergar a Mansão adequadamente, inconscientemente se lembrando de quanto trabalho os comensais tiveram para reconstruir e ampliar o lugar que antes era úmido, sem janelas, não tinha telhas em vários pontos, com ervas daninhas tomando todos os espaços incontrolavelmente.

Agora, era um edifício grandioso de pelo menos sete andares, encarapitado na beira de uma vistosa colina, com vista para o vilarejo abandonado e com comensais patrulhando o lugar.

Pisando firme nos degraus de pedra que conduziam ao frio hall e percebendo o ambiente desagradável e taciturno ao seu redor, Draco só conseguia pensar na ousadia de Ginevra de criticar a Mansão Malfoy: sua casa era tão agradável e cheia de vida quanto Hogsmeade cheia de estudantes, se comparada aquele lugar.

Foi recebido friamente por Selwyn, que o arrancou dos seus pensamentos sobre Ginevra e a decoração da sua mansão.

"Você está atrasado." O comensal grunhiu, à guisa de cumprimento. "O Lorde está ficando impaciente."

Ali, no círculo íntimo dos Comensais, não importava a posição privilegiada de Draco no Ministério. Estavam todos no mesmo barco, todos ricos, puro sangue e influentes. E, definitivamente, Draco não gostava de ser apenas mais um na multidão.

"Eu tive que vir de vassoura uma parte do trajeto, porque não podia aparatar." Ele explicou, tomando o cuidado de colocar no seu tom de voz algo que fez o comensal parecer um idiota por não ter pensado naquilo. Selwyn, por sua vez, como se tivesse notado a vassoura de Draco somente agora, fez um aceno autoritário com a mão.

"Deixe isso aí e se apresse." Ele disse apontando para a vassoura. "Ele está nos seus aposentos. Último andar, a maior porta do corredor."

"Sei o caminho, obrigado." Draco rebateu sarcasticamente. "Afinal, já estive aqui muitas vezes." Ficou clara a mensagem 'sou um dos principais Comensais da Morte, não sou?', mas Selwyn se limitou a semicerrar os olhos escuros e dar as costas para Malfoy.

Draco desconfiou fortemente de que a razão para o Lorde estar nos seus aposentos não fosse tirar um bom cochilo - sequer sabia se aquilo ainda tirava um cochilo -, mas fez como lhe foi dito.

Subiu a passos lentos, como se pudesse evitar o que sua lógica dizia que era. Mas, mesmo com seu instinto gritando para que ele pegasse sua vassoura e voasse até a Patagônia, precisava saber o quão grave era a situação. Com essa ideia em mente, ele se forçou a seguir em frente.

Passou por escadas que pareciam breves demais, quartos desabitados num ambiente requintado, porém sombrio. Não encarava ninguém nos olhos e ninguém o encarava, numa disciplina muda que só o medo e o terror podem proporcionar.

Definitivamente, odiava ter que ir para aquele lugar.

Abaixou a cabeça ao finalmente parar em frente as portas duplas que davam acesso ao maior cômodo do último andar. Quando levantou a mão para bater, a porta se abriu com um rangido maligno e Draco engoliu em seco, levantando todas as muralhas mentais que seu treinamento em Oclumência foi capaz de dar.

Deu um passo a frente consciente da presença de mais alguém no quarto, mesmo que não pudesse vê-lo. Levantou os olhos e observou o quarto ao redor, anotando metodicamente a disposição de todas as coisas, calculando algo que pudesse usar ao seu favor.

Viu uma cama imensa que ele imaginou que estivesse ali por enfeite, uma grande mesa de mogno, onde havia alguns frascos e papéis organizados com um cuidado extremo. Viu uma lareira que parecia tão morta quanto o resto do quarto, com seu piso negro e reluzente. A única luz vinha da enorme janela ao lado da cama e de algumas velas distribuídas aleatoriamente pelo quarto.

Quando finalmente seus sentidos se adaptaram à penumbra do ambiente, a figura de negro saiu das sombras, bem a vontade com a varinha na mão e a tradicional expressão masoquista no rosto.

"Bem vindo, Draco." A voz sombria percorreu todo o corpo de Malfoy, causando calafrios. Do pior tipo. "Fico feliz que tenha achado um tempo para atender meu chamado." Voldemort comentou casualmente, dando claramente a entender que Draco deveria ter chegado antes.

"É minha mais importante obrigação atender os seus desejos, meu Lorde." Draco falou, abaixando os olhos por razões estratégicas. "Estava no Ministério e vim direto para cá assim que recebi o seu chamado." Assim que você quase arrancou meu braço com sua maldita marca.

"Realmente me conforta ouvir isso." Voldemort disse se aproximando dele. "Está confortável?"

O som lânguido da sua voz fazia Draco se sentir como se algo pior do que a coisa mais nojenta que ele pudesse imaginar estivesse prestes a entrar rastejando no seu ouvido.

"Sim, milorde."

"Ótimo, ótimo." Ele soava tão gentil que o máximo que Draco pôde fazer foi manter seus pés firmes no chão, sem tremer. "Teremos uma longa conversa. Sente-se." Ele apontou para a uma cadeira do outro lado da sua mesa, perto da janela. Ele, por sua vez, se sentou na cadeira oposta, cruzando elegantemente as pernas por baixo do robe negro Draco manteve a cabeça baixa; nunca havia conseguido olhar dentro daqueles olhos anormais com naturalidade.

Ele permaneceu em silêncio enquanto Voldemort o observava atentamente.

Nenhum ataque mental, nada.

Era como se eles fossem simplesmente ter uma conversa amigável sobre trabalho e depois Draco poderia voltar para a Mansão, para sua família... Espantou o pensamento, sabendo o quanto ele era perigoso naquele momento.

Então Voldemort começou a falar, entrelaçando a mão de dedos horrorosos sobre a mesa. "Veja Draco, contrariando todas as minhas expectativas iniciais, você tem sido muito útil para a minha causa. A luta contra a Resistência é um dos alicerces do meu governo, como todos meus comensais mais próximos tem conhecimento. Nos últimos anos, você foi responsável por diminuir consideravelmente o poder e o ímpeto deles e eu confiei em você para isso."

Eu confiei. Draco não gostou nada do tempo verbal empregado, mas sabiamente manteve a ideia para si.

"Vivo para servir aos seus objetivos, meu Lorde." E as palavras deixaram um gosto amargo na sua boca. Tinha sido criado sabendo que os Malfoy não eram do tipo que serviam, mas aquela era uma condição que ele aprendera a esquecer nos últimos anos.

Voldemort riu sem humor, emitindo um som cavernoso.

"Será, Draco?" Ele perguntou perscrutando com os olhos fixos no rapaz e com as longas unhas acariciando a madeira da mesa, ao lado da varinha.

"Com certeza, milorde." Ele ousou levantar os olhos dessa vez.

Foi nesse exato momento que sentiu o primeiro ataque à sua mente e, automaticamente, fez um grande esforço para manter suas emoções longe da memória, longe de si. Abaixou a cabeça, por precaução.

"Eu estou muito sentimental hoje." Voldemort prosseguiu, ainda rondando sua mente, como um predador rondando sua presa. "Me lembrei de como permiti que você ganhasse espaço entre aqueles que eu considerava como melhores, mesmo depois de ter falhado miseravelmente em matar Dumbledore, numa tarefa de extrema confiança."

Numa punição, não é?, Draco pensou, tentando ao máximo bloquear a ideia involuntária.

Ele permaneceu uns instantes em silêncio e Draco se remexeu desconfortável na cadeira, se certificando que seus bloqueios mentais estavam no lugar certo, de que não havia nenhum fissura pela qual Voldemort pudesse entrar na sua mente.

"Me lembro bem da época e de como eu havia pensado que você tinha a fidelidade que eu aprecio, porque essa fidelidade era gerada pelo medo. E poucas coisas são mais confiáveis do que o medo, Draco, espero que você tenha aprendido essa lição. As pessoas sempre reagem com disciplina diante do medo." Ele estava aumentando a intensidade da ofensiva e Draco sentiu uma gota de suor brotar na sua testa, sabendo que não podia se dar ao luxo de fazer um movimento para limpá-la. "Mas, ultimamente, um vislumbre de dúvida sobre a assertividade do meu julgamento me abateu. E não há nada que eu deteste mais do que a dúvida, a indecisão, a hesitação. Enfim, o que eu pensei foi: e se o seu medo fosse sobrepujado por algo mais forte?" Ele perguntou, buscando o olhar de Draco.

"Meu Lorde, eu não entendo. Eu-"

Voldemort levantou uma mão extremamente pálida e repulsiva, de dedos muito longos e veias saltando. "Você já chegou a conjecturar a razão do meu empenho contra a Resistência?" Ele interrompeu, nunca tirando os olhos de Draco.

"Não cabe a mim fazer conjecturas, senhor." Draco respondeu automaticamente. "Somente obedecer."

"Bela resposta, Draco." Voldemort sorriu, mostrando dedos pontiagudos. "Todavia, se eu quisesse a resposta de um animal de estimação, certamente teria providenciado um substituto para Nagini."

Uma ponta de rebeldia floresceu dentro de Draco e ele respondeu antes que pudesse se controlar.

"Porque eles são contra o seu governo, senhor." Draco foi sucinto, sabendo, mais do que nunca, do perigo das palavras.

"Ora, Draco, não seja tão simplista." O tom de Voldemort se tornou seco e venenoso abruptamente. "Esperava mais de você, mesmo sendo filho de Lúcio. A hereditariedade é incorruptível, realmente." Draco cravou as unhas nas palmas das mãos; o desgraçado estava tentando desconcentrá-lo, tentando derrubar suas muralhas mentais, mas não daria a ele esse gosto. "Mas veja, vou te mostrar a razão. Fique honrado, meu garoto: você é uma das poucas pessoas que tiveram acesso a isso."

E, com isso, ele pegou sua varinha e fez um movimento quase hipnotizante com ela. Subitamente, uma pequena esfera de cor prateada apareceu no ar, flutuando graciosamente na frente de Voldemort, imóvel e obediente. Sem nunca deixar a mente de Draco em paz por um segundo, ele levantou a mão horrenda, mas não chegou a tocá-la. "Peço a você que se concentre no que o passado tem a nos dizer." Então ele fechou a mão sobre a esfera que emitiu um tom fantasmagórico assim que Voldemort a segurou firmemente.

"E um dos dois deverá morrer na mão do outro, pois nenhum poderá viver enquanto o outro sobreviver. O fruto originado em um, tem o poder de perdição sobre o outro. E tudo o que carregar o fruto de um, será maldito e venenoso para o outro…"

Draco congelou. Uma profecia!

"Interessante, não é?" Voldemort disse casualmente. "Se refere a mim e a Harry Potter, o Garoto-Que-Não-Sobreviveu, como você já deve ter deduzido." Draco assentiu discretamente e Voldemort prosseguiu. "Durante muitos anos eu supus, com toda a informação que tinha disponível, que o fruto originado em Harry Potter era a Resistência e que a única forma para que eu voltasse a ter total poder, total controle, seria derrotando-a, destruindo a última ameaça contra mim. Mas eu estava errado, não estava, Draco?" Ele falou e a ofensiva mental foi mais forte, quase devastadora.

Draco grudou as mãos nos braços de cadeira e tinha certeza de que não aguentaria por muito tempo mais. Ele fez um esforço descomunal para negar com a cabeça.

"Pesquisarei tudo que puder sobre o assunto, mas não vejo o que poderia ser nocivo para o senhor além da Resistência."

"Ah, Draco, como eu queria acreditar nisso, como eu queria..." Voldemort disse pensativo, girando a esfera na mão quase hipnoticamente. "Me livraria do fardo de conviver com o fato de que eu estava errado, esses anos todos. Mas não, não creio que seja esse o caso."

Um silêncio mortificante caiu sobre eles, mas nem assim Draco deixou de sentir Voldemort tentando violar sua mente, ultrapassar seus bloqueios.

"Você sabia que Harry Potter namorava a garota Weasley e que ela misteriosamente desapareceu depois da guerra?" Ele fez a esfera desaparecer com um gesto brusco e passou o dedo distraidamente sobre a reluzente mesa, como se estivesse distraído, contando uma fofoca. "Surpreso? Oh sim, sei que está." Ele disse notando a reação de surpresa polida que Draco conseguiu manifestar. "Eu mesmo só fiquei sabendo disso muito recentemente. Então, comecei a conjecturar, criar hipóteses... E se Harry tivesse descoberto algumas tentações do corpo na cama da garota Weasley? E se disso tivesse nascido um fruto que seria nocivo para mim no futuro? E se essa mulher renascesse das cinzas com uma nova identidade, como uma mulher atraente, promissora. Como uma mulher capaz de seduzir um dos meus principais comensais, como uma mulher que tivesse a ousadia de vir até a minha presença e não temer ser descoberta. Te parece uma história plausível, Draco?" Quando Draco hesitou em responder, ele prosseguiu. "Ou melhor, parece com a história de alguém que você conhece? Talvez da sua mulher vinda do nada, com um filho da idade certa, com inconfundíveis olhos verdes, segundo me disseram?"

Draco não sabia o que responder, como agir. Então, a despeito de todo o risco, fez aquilo que tinha sido treinado para fazer desde sempre: mentiu.

"Não tenho idéia de onde essas informações surgiram. Mas eu posso me certificar de que chequei as origens da minha esposa antes de me envolver com ela. Nunca teria me casado com uma suja amante de trouxas."

"Te pouparei o trabalho de se aprofundar na descrição das… investigações que você fez com a sua mulher." Com um balançar da varinha que tinha novamente surgido misteriosamente à mão dele, a porta do quarto se abriu. E o que adentrou fez o estômago de Draco congelar.

Goyle entrou nos aposentos arrastando pela corrente um fiapo de gente, que nem em um milhão de anos Draco poderia reconhecer nem dizer seu gênero, dada as camadas de sujeira e o estado de subnutrição da pessoa. Com um movimento dos seus pés enormes, Goyle chutou alguma outra coisa para mais dentro do quarto enquanto segurava a desafortunada pessoa e, quando a luz da lua incidiu diretamente sobre o montinho de roupas esfarrapadas que ele havia chutado, Draco reconheceu Della, a elfo de Ginevra.

Merlin, estou absolutamente fodido!, Draco pensou, cerrando os dentes.

Custou toda força de vontade que tinha para não demonstrar nada, além de uma sobrancelha levantada. "Reconhece o elfo, Draco?"

"Sim, é o elfo doméstico da minha esposa. Só não entendo por que ela está aqui."

"Não?" Voldemort sorriu, mostrando novamente os dentes pontiagudos. "Antes de mais nada, é preciso esclarecer e felicitar Gregório, que foi o primeiro – e incrivelmente o único – a ligar os pontos. Ele foi quem me trouxa à luz. Primeiro, dizendo que a garota era familiar no dia em que ela gentilmente me visitou no Ministério. Depois, fazendo uma investigação profunda e inteligente." Ele usou a palavra com um sarcasmo evidente, mas que pareceu passar despercebido pelos ouvidos obtusos de Goyle.

"Só busquei informações nos lugares corretos, milorde." Goyle disse e abriu um sorriso horroroso que Draco teria prazer em destruir, dente por dente.

Della, quando finalmente percebeu a presença de Draco, se jogou aos pés dele, se batendo com os bracinhos finos. "Senhor, por favor senhor, me perdoe, eu não tive escolha, fiz como foi dito para Della fazer, elfos vivem para servir, Della-"

"Já chega." A voz de Voldemort ecoou friamente em todos os presentes e Della congelou no lugar, imóvel. "É graças a Goyle também que conseguimos o elfo. Gostaria de elucidar a situação ao Draco, Gregório?"

Goyle inflou como um pavão e, com um puxão brusco, jogou à frente o ser humano travestido de trapo que estava ao seu lado.

"É claro, meu Lorde. Quando percebi a gravidade da situação que Malfoy tinha se envolvido, sabia que teria que arranjar provas. E pensei que somente as famílias mais ricas e tradicionais tinham um elfo doméstico, então porque uma mulher vinda do nada o teria? Ela podia ter dinheiro, mas não pertencia ao nosso mundo, não deveria ter um elfo." Ele prosseguiu e Draco cerrou os dentes, para se impedir de azarar Goyle ali mesmo. "Descobri que o único elfo doméstico desaparecido e fora dos registros do Ministério era o elfo dos Quirke. Então não foi difícil descobrir o resto e fazê-la cooperar, não é Orla?" Ele terminou, se dirigindo à pessoa ao seu lado. "Foi só fazê-la convocar o elfo e pedir que ela contasse o que andou fazendo esses últimos anos. E, principalmente, com quem esteve."

O trapo, aparentemente Orla Quirke, uma garota que havia entrado na Corvinal alguns anos depois do próprio Draco, demorou uns instantes para falar com voz fraca. "Si-sim." Goyle pareceu se cansar de esperar e, com um safanão, a fez continuar falando para exaltar sua glória.

"Desembucha, garota. Não aliviamos as coisas para você em troca de nada!"

"Eu- eu convoquei Della e ela simplesmente apareceu. Não sabia onde ela estava e então me mandaram que eu perguntasse. Foi o que eu fiz e…" Ela suspirou, parecendo ter mais do que cinquenta anos, quando na verdade tinha pouco mais de vinte. "Me desculpe." Ela sussurrou fracamente.

Draco abaixou os olhos se sentindo derrotado e então Della começou a falar novamente.

"Della pertencia a outra família, tinha que obedecer outra família, mas sempre esteve com a senhora Ginevra, com James…" Ela guinchou se dirigindo a Draco. "Diga a ela, senhor, por favor! Diga ao senhor James que ele é muito bom, exatamente como era seu pai e-"

Voldemort sequer a deixou terminar de falar; com um brilho de fúria nos olhos vermelhos, ele sacudiu sua varinha e, no instante seguinte, Della jazia imóvel no chão, atingida por um clarão verde.

"Não terei uma palavra honrosa sobre o pai desse garoto aqui, ou sobre o garoto em si, ao que me consta." Ele disse secamente, certamente tentando obter alguma reação de Draco, ainda tentando penetrar sua mente. E cada vez era mais difícil de resistir. "Gregório, se livre disso." Ele cutucou o frágil corpo de Della com o pé descalço. "E se certifique que essa mestiça seja posta na prisão novamente." Ele completou autoritariamente e não escapou aos ouvidos de Draco como ele havia dito a palavra com absoluto desprezo.

"Mas eu-" Orla protestou fracamente. "Eu fiz o que me foi pedido. Eu-"

"Por isso, você tem minha gratidão." Voldemort sorriu friamente para ela. "E conseguiu manter sua vida, por enquanto. Isso é bem mais do que um sangue-ruim merece."

Com um gesto brusco, Goyle jogou o corpo de Della sobre o ombro e arrastou Orla para fora da sala, não sem antes sorrir maniacamente em direção a Draco.

"A gente se cruza por aí."

"Pode apostar todas as suas fichas nisso." Draco respondeu para as costas de Goyle, sentindo sua mandíbula ficar tensa.

Depois que eles se saíram, o bruxo das trevas voltou a se sentar, se concentrando em Draco novamente.

"Vê, Draco? Ela enganou a todos." Voldemort suspirou, como se estivesse preocupadíssimo. Para Draco, que graças a Merlin tinha permanecido impassível, a sensação daquele som era parecido com ser beijado por algo sórdido. "Mas a grande questão é, ela enganou você também? Alguns poderiam dizer que não, dada a intensidade e o empenho com o qual você está defendendo sua mente de mim, seu próprio senhor."

"Milorde, faço apenas pela força do hábito, pelos anos de treinamento. Eu aprendi com a melhor." Draco afirmou, pensando que a menção à sua tia pudesse fazer o lunático se distrair de alguma forma. Ele levantou os olhos, numa última tentativa de mostrar que não devia nada, mas o desviou rapidamente e mudou de assunto. "Tenho certeza que há uma explicação para tudo isso. Eu nunca me ligaria a alguém em quem eu não confiasse, alguém que não fosse digna de carregar o nome da minha família."

"É muito gratificante ouvir isso, Draco. Gratificante saber que você pode não ser tão fraco como seu pai." Voldemort se inclinou para frente e pousou a mão no braço de Draco, que achou que fosse vomitar com o contato. "Isso significa que você ainda tem minha confiança." Ele arreganhou os dentes e Draco sorriu fracamente em resposta, se apegando à esperança de que Voldemort estava falando a verdade como Goyle se apegaria a um bolinho de caldeirão. Até que Voldemort abriu a boca novamente. "Desde que possa provar que a merece."

Draco engoliu em seco e só então percebeu como sua garganta estava seca, dolorida. "Eu provarei, meu Lorde. Investigarei a situação da minha mulher e a do meu enteado; se encontrar algo errado ou minimamente estranho reportarei imediatamente. Só preciso de tempo para levantar todas as informações e-"

Voldemort fez um gesto dissuasivo com a mão. "Para que perdermos tempo? Não, não é necessário todo esse trabalho; meu desejo é muito mais simples e tenho certeza que, dada a lealdade que você tão fortemente alegou, poderá resolver hoje mesmo."

"Tudo que meu senhor desejar." Draco disse e fechou os olhos brevemente, se encostando na cadeira. Por quanto tempo mais aguentaria aquela maldita pressão mental? Sentia sua camisa molhada de suor, seus membros tensos, sua mente cansada.

Ele sorriu de novo e Draco queria não ter visto aquilo, porque sabia o que vinha na sequência.

"Quero o fruto de Harry Potter. Quero o que gerou esse fruto. E quero tudo que foi gerado por ele." Ele esperou para ver a reação de Draco, que permanecia impassível como uma pedra, pelo menos por fora. "E quero que seja você a trazê-los para mim."

James. Ginevra. Aries. E ao levá-los, Draco recebia outra punição, por ter se deixado 'enganar'.

Ele queria aparatar para um lugar longe, se esconder em algum buraco, queria fugir.

A faceta mais egoísta dele mesmo – e que por coincidência era a que tinha o maior instinto de sobrevivência - gritou um sonoro 'Entregue todos!', mas que foi abafada por uma ainda mais veemente que disse 'Proteja todos!' e Draco só conseguia pensar em Aries, Gina, James, sua mãe.

Era um inferno. Passar por todo aquilo conflito interno e ainda ter que blindar sua mente era quase desumano.

Tentando pensar racionalmente, ele começou a traçar suas opções para se salvar.

E para salvar sua família.

Não poderia aparatar ali; Voldemort se certificara de que teria o controle sobre a aparatação na sua casa.

Se ele saísse porta sem o consentimento de Voldemort, seria morto. E certamente de uma maneira cruel.

Se saísse com o consentimento do bruxo das trevas, com certeza não teria mais autonomia para fazer qualquer coisa. Voldemort designaria alguém para fazer o serviço com ele, provavelmente Goyle. Possivelmente, ele até já tivesse enviado alguém para a Mansão Malfoy enquanto conversava com ele.

Usar sua vassoura que estava no térreo estava fora de cogitação se ele não conseguisse sair do quarto, então ele a riscou das suas opções.

Não poderia permanecer ali porque se ficasse na presença de Voldemort por mais um minuto, colocaria tudo a perder.

Ele estava perdido; se aquele bruxo havia duelado de igual para igual com Dumbledore e indiretamente causado sua morte, o que ele, Draco Malfoy, poderia fazer?

Então, ele tomou sua decisão. Não havia escolha.

"Assim eu farei, meu Lorde." Ele se levantou sob o olhar avaliador de Voldemort. "Trarei todos até o senhor. Inclusive-" Ele engoliu em seco. "Inclusive meu bebê...?" A última frase foi dita num tom intermediário entre uma afirmação e uma pergunta. Era sua última cartada, precisava cimentar sua decisão. Se certificar de que não havia mesmo outro jeito.

"Me recordo ter dito que queria tudo."

Draco assentiu silenciosamente. "Alguém me acompanhará?"

"Certamente." Foi a resposta acompanhada de um olhar curioso do bruxo das trevas. "Goyle terá prazer em te acompanhar assim que você sair-"

Na atitude mais ousada que tomou nos últimos anos, Draco não esperou Voldemort terminar de falar. Com um suspiro profundo e fixando seu olhar no de Voldemort, baixou todos os seus bloqueios mentais – com exceção daquele que protegia uma única informação-, e se sentiu subitamente mais leve, liberando todas as informações que Voldemort queria, todas as confirmações que ele ansiava tão desesperadamente.

A traição da sua mãe, a verdadeira identidade de Ginevra, todos aqueles meses dos dois juntos, a extensão do sentimento dele, a revelação sobre Harry Potter.

Sim, Potter está vivo, seu filho da puta nojento, Draco não se conteve e viu como Voldemort pôde ler claramente o que havia pensado. Um pequeno consolo para quem está prestes a morrer, ele pensou e sorriu de forma desesperada.

Teve certeza que todas as informações inundavam a mente do bruxo das trevas como a água liberada de uma represa gigantesca.

Voldemort estacou, recebendo todo o fluxo de informações da mente de Draco, provavelmente lendo tudo como se fosse um livro escancarado na sua frente. Enquanto captava tudo o que Draco havia tentando esconder, suas feições se modificaram, mostrando primeiro surpresa, depois desprezo, raiva, ódio.

E Draco, aproveitando hesitação infinitesimal de Voldemort - como aquela que ocorre quando uma pessoa ouve uma notícia chocante-, fez o que também tinha se especializado durante anos: se preparou para fugir.

Se levantou o mais rápido que pôde, derrubando a cadeira no processo e, com uma agilidade de apanhador que ele nem sabia que ainda tinha, correu para o canto do quarto e se jogou pela grande janela, quebrando o vidro com um movimento da varinha e se lançando no espaço vazio com toda a força que lhe restava.

Pela primeira vez em muitos anos, Draco se sentiu livre, como se nada pudesse segurá-lo, como se nada pudesse prendê-lo numa realidade que não o agradava. No seu salto, tropeçou e caiu de lado em direção ao nada, com sua cabeça latejando pelo esforço de manter Voldemort fora da sua mente.

Então começou a cair efetivamente. Rápido demais. As laterais da Mansão recém-construída dos Riddle passavam a toda a velocidade – rocha cinza, musgo verde, retalhos de madeira, tudo girando ao redor de Draco.

O vento chicotava seus olhos, puxava a longa capa, arrancando seu fôlego e ele sentiu um feitiço da morte passar a centímetros da sua cabeça.

Tinha que pensar rápido, aproveitar os milésimos de segundos onde ele pudesse raciocinar antes do impacto, aproveitar o momento em que Voldemort estivesse pensando que, num ato de covardia, ele tinha se jogado para morte.

E, ao deixar Voldemort ver minha mente, não tinha mesmo me jogado para a morte? Ele riria da situação naquele momento, se pudesse.

Então, juntando todo o fôlego que lhe restava, ele segurou mais forte a varinha na mão e gritou. "Accio vassoura!"

Depois, só pode fechar os olhos e esperar, girando no ar com os braços se sacudindo descoordenadamente, se sentindo apavorado demais – livre demais – para gritar.

Quando viu o objeto se aproximando rapidamente, foi como se tivesse nascido de novo. Já devia estar no nível do segundo andar da casa quando esticou o braço e fechou os dedos longos em torno do cabo da vassoura, sorrindo abertamente e montando-a com a naturalidade de quem tinha feito aquilo a vida inteira. Naquele momento, sua vassoura era a coisa mais preciosa que havia na sua vida.

Agarrou-se a ela como um doente se agarrava a vida, se abraçando com o cabo dela no meio dos braços e encostando o rosto na madeira.

Mas não havia tempo para demonstração de amor pelo objeto. Se afastando, ele pôde ver mais feitiços sendo atirados da janela do cômodo acima dele; naquela hora, todo o casarão já deveria ter recebido o alerta de que ele havia fugido. Precisava voar o mais rápido que pudesse, até atingir uma área onde pudesse aparatar.

Se permanecesse na vassoura, Voldemort poderia alcançá-lo voando. Ele se arrepiou ao lembrar de que o bastardo realmente podia voar, sem ajuda de nada mais do que a varinha.

E enquanto acelerava sua Nimbus o máximo que podia, ele decidiu que algo era mais importante do que chegar num ponto de aparatação. Sabia que os feitiços de proteção da Mansão Malfoy eram inteligentes e retardariam a ofensiva daqueles que fossem prejudiciais para os Malfoy. Naquela ocasião, os comensais, para começar.

Durante algum tempo, Ginevra, os meninos e sua mãe estariam seguros. Mas não por muito tempo.

Então, puxando de novo sua varinha, ele tentou conjurar seu patrono uma segunda vez na vida e fechou os olhos, rezando para que desse certo.

A vida da sua família dependia disso.

E isso era tudo que importava.


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