Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 24
Interlúdio


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo do fundinho do coração! Contudo, antes da diversão, preciso fazer alguns esclarecimentos:

Brace yourselves!

Sobre Goyle: Algumas pessoas já me apontaram o quão nojento ele é e tem absoluta razão nisso. Essa era a intenção, haha. A verdade é que ele é efetivamente o vilão da história e, por sorte, é muito burro. Do mesmo jeito que vemos a evolução dos personagens do núcleo DG e da Resistência, achei razoável mostrar essa evolução do lado do Goyle também. Enfim, mostrar como pouco a pouco ele vai tomando conhecimento do que está acontecendo. Por isso ainda veremos mais algumas aparições dele, nesse capítulo inclusive. Sorry =/

Sobre o fim da história: Consegui finalmente esboçar o esqueleto do que eu queria e isso me trouxe aproximadamente dez capítulos adicionais, com mais ou menos a média de 7k palavras cada. A dúvida é, vocês terão saco para continuar nesse ritmo por mais dez capítulos ou preferem que eu condense as coisas? Também posso fazer alguns cortes ou quebrar em mais capítulos. A voz do povo é a voz de D'us e eu estou bem aberta à sugestões =)

Sobre o capítulo: Esse capítulo não foi planejado dessa forma à princípio, mas acabei escrevendo desse jeito porque, bem, me empolguei e estava com o espírito cor de rosa por esses dias, hahaha , está tudo beeem leve. :3

Como sempre, é dedicado à minha musa inspiradora, um tanto faladeira e absolutamente adorável. Obrigada, Rose, que acompanha essa história desde os primóóóórdios e que sempre me alegrou com seus comentários. O capítulo está tão doce quanto você, my dear. Obrigada!

Ufa, é isso! Enjoy!



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24 – Interlúdio

Outubro 2005

Sentada à cabeceira da sua mesa de jantar, Gina olhou desolada para o bolinho de caldeirão preso entre seu dedo indicador e o polegar. Seu quinto bolinho de caldeirão. Suspirou resignada e enfiou-o inteiro na boca, com a consciência tão pesada quanto julgava que ela própria estava.

Desde que conseguira convencer Draco a deixá-la na Inglaterra e voltado à sua vida normal (na medida do possível), seu apetite tinha aumentado consideravelmente. Assim, não precisando mais esconder a sua já evidente gravidez, ela se deu a liberdade de começar a comer o que queria. O que, de fato, não a ajudava na sua boa forma.

Por sua vez, James - sentando não tão comportadamente ao seu lado-, parecia contente com a ideia de ter um irmãozinho e era descaradamente indiferente às preocupações da sua mãe com relação ao aumento de peso como só as crianças de seis anos tem o direito de ser.

Ele abriu um sorriso, ainda com uma janelinha no dente da frente, se projetando para a frente na mesa onde estava servido o café da manhã que eles partilhavam.

"Ele vai ser meu presente de aniversário?" O garoto disse, apontando para a barriga avolumada de Gina.

"Vai nascer um mês antes." Ela respondeu engolindo o bolinho e dando um generoso gole no seu suco de abóbora, antes de completar. "Mas isso não significa que não seja um presente, de qualquer forma." Ela esticou o braço para passar a mão pelos cabelos lisos dele. "E você não sabe se é ele, realmente. Pode ser uma menina." Ela disse e piscou um olho cúmplice para James.

James torceu o nariz, tão parecido com o dela.

"Erc! Não pode ser uma menina!" Ele frisou a palavra com desprezo e balançou energicamente a cabeça. "Elas são chatas e estúpidas!"

Gina suspirou.

"Ah, excelente saber que é isso que você pensa de mim." Ela fingiu estar chateada enquanto escolhia sobre a mesa o próximo alvo do seu apetite.

"Mas você não é uma menina, mamãe." James explicou, pousando uma mãozinha sobre a dela. "E é muito bonita, diferente das outras."

Ela sequer teve tempo de responder ao elogio sincero do filho; primeiro, porque havia ficado emocionada o suficiente para não conseguir falar imediatamente; segundo, porque foi interrompida abruptamente por uma voz arrastada que ela já conhecia bem demais.

"Logo se vê que em breve o menino vai precisar de óculos também. A genética é mesmo infalível."

Os olhares de Gina e James se viraram automaticamente para a porta, onde Draco Malfoy estava parado de braços cruzados, com um sorriso de escárnio tatuado nos lábios; Della vinha logo atrás dele, aflita.

Gina se manteve calma; definitivamente não estava em vantagem para começar discussões com Draco. A situação dela não era das melhores com o rapaz depois do que havia acontecido na Romênia. E, além do mais, eles haviam dado uma trégua em nome do bebê, mesmo que o bastardo albino se esquecesse daquilo com frequência.

"No dia que você começar a se anunciar ao entrar na minha casa, aposto que Você-Sabe-Quem entrará dançando uma música d'As Esquisitonas logo atrás." Ela disse, enquanto começava a passar geleia calmamente numa torrada. "Della, pode se retirar. Não precisa ficar com medo toda vez que Draco se aproximar de James" Ela sorriu tranquilizadora para a elfo. "Concordo que ele parece um ogro que come criancinhas mal-criadas no café da manhã, mas dessa vez eu estou aqui para qualquer eventualidade."

Della deu um gritinho consternada antes de aparatar, James riu com o comentário já um pouco mais confortável com a convivência com Draco e este, por sua vez, apenas levantou uma sobrancelha muito loira.

"Apesar dessa minha má fama, você não parece estar assustada." Draco constatou displicentemente, enquanto se sentava com elegância – e sem ser convidado - na cadeira ao lado de Gina, de frente para James.

Ele olhou a mesa com a expressão crítica, escolhendo o que seria menos arriscado para comer na casa dela. Optou por pegar uma xícara de chá, o que certamente havia considerado o ato mais seguro para não contrair uma infecção qualquer.

"Por que eu deveria estar assustada?" Gina respondeu concentrada na sua torrada. "Apesar de ser hora do café da manhã, não sou exatamente uma criancinha."

Draco desviou o olhar da mesa para observá-la fixamente com os olhos como duas pontas de lanças que pareciam querer perfurá-la; Gina desejou fortemente desviar o rosto, mas não conseguiu, então, tudo que pôde fazer foi torcer para não ter ruborizado diante do da intensidade do olhar dele.

"Não, não é." Ele respondeu friamente, tomando um gole de chá sem tirar os olhos dela. "E não acredito que eu pudesse me enganar a respeito disso."

Dessa vez, ela realmente ruborizou. Abriu a boca para responder, mas a fechou na sequência, sem resposta. Então, agradeceu a Merlin quando James entrou na conversa e suspirou aliviada.

"Minha mãe é uma mulher adulta, Sr. Malfoy." James interrompeu um tanto insolente, como se estivesse explicando algo óbvio para alguém muito idiota.

"Por outro lado, Ginevra," Draco continuou, ignorando totalmente o menino e continuando a se dirigir a ela. "Se você se comportar mal, talvez eu sinta a tentação de te com…"

"JAMES," Ela se levantou da cadeira, derrubando um pouco de suco de abóbora na mesa no processo e assustando o menino, que se sobressaltou na cadeira. "Acho que é hora de irmos para o Beco Diagonal. Eu tinha te prometido que mais tarde tomaríamos um sorvete juntos, não é?"

Draco manteve o sorrisinho idiota, enquanto o garoto pulava da cadeira, já excitado com a perspectiva de um grande sorvete.

"Siiim!"

"Peça a Della para arrumar suas coisas, sairemos em breve." Gina pediu e o menino concordou, exalando felicidade. Ele saiu saltitando da sala, sem lembrar de se despedir da mãe ou do padrasto.

Gina se sentou novamente quando James saiu e encarou Draco, agora ruborizada de raiva. Ele, por sua vez, tinha decidido que era seguro comer uma tortinha de abóbora e estava mastigando como se estivesse sentado à mesa da sua Mansão.

"Você é um bastardo." Ela tentou soar fria. Não toleraria facilmente que ele cometesse aquele tipo de grosseria vulgar na casa dela, ainda mais na frente de James.

"Minha mãe discordaria fortemente disso." Ele engoliu e deu um sorriso que Gina sentiu vontade de arrancar, dente por dente. "Minha linhagem é incontestável."

Gina rolou os olhos. "O que você quer aqui?"

"Vim te trazer a lista de curandeiros com os quais você deve entrar em contato. A maioria deles assistiu ao meu próprio nascimento." Ele falou com orgulho, como se trazê-lo ao mundo tivesse sido um grande feito e não uma tragédia para a humanidade.

"E por que você acha que eu vou fazer isso?" Ela cruzou os braços, belicosa.

Draco bufou, levantando alguns fios de cabelo que tinham ousado ficar em desalinho com o resto. "Estamos numa trégua, Ginevra, mas eu disse que ficaria de olho em você até que esse bebê nascesse. E é exatamente isso que eu vou fazer."

"Que sorte a minha!" Gina exclamou, não escondendo o cinismo.

"Além do mais, é do seu interesse que essa criança tenha o melhor atendimento disponível. Principalmente pelo fato de que esse atendimento foi negligenciado durante seis meses." Draco espetou, suas palavras carregadas de veneno.

Gina se encolheu levemente e colocou a mão sobre a barriga num pedido mudo de desculpas para seu bebê, sentindo a culpa invadi-la. Ele chutou forte e ela desconfiou fortemente que aquilo era uma repreensão da parte dele. Pequeno traidor, ela pensou consigo mesma e reteve uma careta.

"Se eu procurar esses curandeiros, você vai me deixar em paz?"

"Talvez." Draco respondeu sem revelar nada na voz.

Gina colocou a mão sobre o coração, numa atitude dramática. "Meu coração se enche de esperança!"

Rolando os olhos, ele se inclinou para frente para ficar mais perto dela e dar ênfase ao seu ponto; o gesto jogou para a frente seus cabelos, sempre compridos demais para o gosto dela.

"Guarde sua esperança para outras pessoas que também costumem cultivá-la, o que certamente não é meu caso." Os dois caíram num brevíssimo silêncio constrangedor que a incomodou, até que ele completou. "Eu só quero que você cuide dessa gravidez e se alimente direito." Ele apontou com a cabeça em direção a torrada que ela segurava. "Seria terrível se meu filho nascesse mal nutrido como toda a sua família."

Gina respirou fundo controlando o mau gênio, não cedendo ao impulso tentador de jogar a torrada na testa de Draco.

O Importante é que estava na Inglaterra e segura.

Segura...

Repentinamente, toda a raiva crescendo dentro dela murchou como se tivessem jogado um balde de água nas suas costas.

Indecisa, Gina mordeu o lábio inferior e, aproveitando que o idiota do Malfoy estava ali, ela se concentrou numa questão que vinha incomodando-a desde que Draco descobrira da gravidez, há quase um mês.

Depois de um silêncio que se estendeu por alguns minutos onde ele comeu e ela permaneceu com seus pensamentos, ela resolveu que era hora de trazer o assunto à tona.

"Draco..." Ela chamou a atenção dele para si, que aguardou impassivelmente que ela falasse. "Não aguento mais ficar presa em casa, tendo que trabalhar daqui..." Ela gaguejou e ele levantou uma sobrancelha indagadora, obrigando-a a se explicar melhor. "É que – bem, se eu sair, as pessoas vão perceber que estou grávida..."

"Sim, eventualmente vão perceber. Mas você sempre pode alegar que comeu bolinhos de caldeirão demais no café da manhã." Draco sorriu afetadamente. "É uma possibilidade."

Gina estreitou os olhos ameaçadoramente e Draco continuou a falar, se forçando a ficar mais sério.

"Se é só isso que te incomoda, eu posso mandar divulgar uma nota n'O Profeta Diário, assim todos já ficam sabendo de uma vez." Ele completou indiferente.

"Não é só uma questão de divulgação." Gina tentou explicar, agitando uma mão. "Além disso, todas as pessoas que importam já sabem."

Inevitavelmente, a mente dela voou em direção à sua família. Uns dias depois de ter revelado sua condição para Draco, Percy havia aparecido para vê-la e ela se obrigou a contar para ele, além de pedir que seu irmão desse a notícia a todos. A julgar pela reação do próprio Percy, que ficou de boca aberta e gaguejando sem conseguir formular nenhuma frase de efeito por um minuto completo, a reação da sua família não seria nada boa.

Ela espantou o pensamento sabendo que certamente falar na sua família não era algo que fosse agradar Malfoy e resolveu dar outros exemplos para ilustrar seu ponto.

"Olívia me visitou com frequência nos últimos meses e já percebeu a gravidez, mas é discreta o suficiente para não perguntar nada diretamente. Blaise também sabe." Ela bufou, não entendendo como o bastardo abusado podia ter descoberto tão rápido. "Você contou?"

"Não tive a chance... Mas é natural que ele saiba: Blaise tem informantes em todos os lugares. É por isso que ele é extremamente necessário." Draco constatou um pouquinho entediado. "E irritante." Ele adicionou com uma leve careta.

Então Gina pareceu se lembrar de algo subitamente. De algo que a deixou irritada.

"Uma carruagem cheia de brinquedos e flores parou na porta da minha casa há dois dias, trazendo os cumprimentos dele e um bilhete descarado nos parabenizando pela concepção da 'feliz criança que teve o azar de ter sido gerada pelas duas pessoas mais teimosas e difíceis que ele já teve o desprazer de conhecer'." Ela recitou palavra por palavra a mensagem de Blaise e Draco quase se engasgou com chá ao ouvir aquela definição sendo aplicada ao herdeiro dos Malfoy.

"E há mais." Gina interrompeu antes que Draco pudesse dizer qualquer coisa. "Ele claramente deu a entender que seria o padrinho da criança. Terminou a mensagem mandando lembranças do 'mais novo padrinho da Inglaterra'."

Ela olhou fixamente para Draco em busca de alguma informação que confirmasse que ele tinha algo a ver com a constatação abusada de Zabini, mas Malfoy simplesmente deu de ombros, como se o fato de Blaise ser padrinho da criança fosse algo natural, incontestável.

Gina se exasperou.

Não pela primeira vez ela pensou que a relação daqueles dois era realmente estranha.

Estrategicamente e antes que ela pudesse fazer qualquer comentário venenoso ou explosivo a respeito, Draco chamou sua atenção de volta ao assunto principal.

"Se todas as pessoas que você considera 'importantes' já sabem." Ele frisou a palavra desagradavelmente, interrompendo seus pensamentos. "Então pode ficar à vontade para sair de casa, ir para a sua loja."

Gina lhe lançou um olhar avaliador. Draco tinha uma estranha habilidade de não deixar transparecer sua opinião em nada e Gina ficou em dúvida se a ideia de que ela saísse serelepe por aí o desagradava ou não.

Ela se remexeu na cadeira desconfortável e deixou aquele ponto para ser discutido depois. "Não é só isso."

"Qual é o problema, Ginevra?" Draco a interrompeu ainda com a voz estável, mas finalmente perdendo a paciência e colocando sua xícara na mesa.

"Tenho medo pelo bebê." Gina respirou fundo. "Tenho medo que, ao descobrirem que estou grávida, essa criança entre na mira das pessoas que querem te ver pelas costas. Tenho medo que queiram te atingir através dela." Ela balbuciou a parte final, mas não se importou. "Ele é o seu ponto fraco."

Draco franziu a testa preocupado por um segundo antes de conseguir mascarar a reação e Gina teve a nítida impressão que aquela possibilidade já havia cruzado a mente dele antes. Ela sentiu seu estômago afundar diante da constatação, mas ele fez um gesto disuassivo com a mão, como se quisesse convencê-la de que sua preocupação não era relevante.

"Desde que eu continue cumprindo satisfatoriamente com meus deveres no Ministério, não poderei ser atingido. Ninguém vai correr o risco de cair em desgraça diante dos olhos de Você-Sabe-Quem." Draco respondeu pensativo. "A sombra do Lorde das Trevas vai estar me protegendo enquanto eu for útil para os interesses dele."

"É um consolo pobre." Gina falou amargamente, antes que pudesse se conter.

"É o único disponível." Ele contra-argumentou friamente e ela o olhou com olhos escuros, céticos. Draco suspirou, aparentemente desgastado com a desconfiança dela. "Eu estou aqui, Ginevra, não vou deixar nada acontecer com meu filho. Ele está seguro."

E algum sentimento indefinido nos olhos cinzas – medo, receio, incerteza?- deixou Gina mais desconfortável do que nunca, mas ela não pôde identificar o que era, porque Draco desviou os olhos, voltando sua atenção para o chá mais uma vez.

Por mais que ele tivesse feito o possível para que ela acreditasse nele, o próprio Draco não parecia ter plena confiança nas suas palavras.

A Gina só restou torcer para que estivesse errada.

***

Novembro 2005

James corria através da grama do St. Jame's Park, levantando as folhas caídas das árvores. O auge do outono na Inglaterra exigia um passeio pelo famoso parque, com suas folhas coloridas, gansos, patos e pelicanos. Naquele dia, o parque era um local ideal para as atividades que Gina tinha em mente, uma vez que era suficientemente grande para abrigar uma parte dedicada aos bruxos, protegidos de trouxas por feitiços convenientes. Após passar por várias sebes de aspecto intimidante, os visitantes bruxos davam de cara com um belo espaço ao ar livre.

Geralmente, ela não tomava aquele tipo de cuidado. Um parque frequentado por trouxas podia muito bem ser frequentado por bruxos.

Mas aquele dia era diferente..., ela pensou sorrindo, olhando para a vassoura que carregava na mão direita.

James voaria sozinho, pela primeira vez.

O menino não cabia em si de tanta alegria, saboreando o momento esperado por meses, com uma excitação que fazia com que Gina gargalhasse, depois brigasse com ele para que não corresse para longe dela, falasse rápido demais ou ficasse demasiado perto do lago.

"Podemos agora, mãe?" Ele parou de correr perseguindo pássaros e voltou para junto dela, para olhá-la com cara de vella apaixonada.

O coração dela se apertou, mas Gina foi firme. "Vamos comer primeiro. Estou morrendo de fome e sua irmã está matando minhas costas." Ela se espreguiçou para se alongar, deixando a vassoura no chão.

"Meu irmão." Ele corrigiu automaticamente. Os dois já tinham se acostumado tanto a travar aquela pequena disputa amistosa que ela nem precisou responder. "Sempre tenho que esperar." Ele se sentou meio emburrado na grama, onde Gina, depois de conjurar a comida que Della havia preparado, esticava a toalha para o piquenique que eles fariam.

"Sem caretas, rapazinho. Voar requer plenas condições físicas." Ela disse e James engoliu uma resposta malcriada, enfiando a mão na sacola de comida para buscar seus feijõezinhos de todos os sabores. "E nem pense em comer porcarias primeiro!" Gina repreendeu enquanto arrumava a comida, sem nem sequer precisar olhar para o menino.

Ele bufou sonoramente e ela se ajeitou na grama, se acomodando como podia com sua barriga de longos oito meses de gestação.

"Hmm, você parece estar doente hoje." Ela disse, com o dedo no queixo, pensativa. "Não sei se é adequado para voar."

"O quê?!" James arregalou tanto os olhos que eles pareciam dois pratos cor de esmeralda. "Não estou doente, mãe. Olha aqui, olha!" Ele falou enquanto deu um pulo para se levantar e fazer movimentos com os braços e pernas, para mostrar sua vitalidade. Gina reteve a risada.

"Está sim!" Ela disse tristemente e ele a olhou desolado. "Parece ser Rabugice Crônica. Uma doença grave que deixa a pessoa muito chata. É quase mortal." Gina balançou a cabeça, dramática. James abaixou os ombros como se tivessem jogado um balde de água gelada nas suas costas. "Mas espere! Acho que tem uma cura!" Os olhos verdes do garoto brilharam com esperança e Gina, com a pouca agilidade que tinha, puxou o menino até que ele tivesse debruçado sobre ela e o encheu de beijos. "Muitos, muitos beijos!" Ela disse entre um beijo e outro.

"Sua trapaceira!" James exclamou tentando resistir e segurando a risada.

"Isso não é trapaça!" Gina fingiu indignação. "É justiça."

E o menino se rendeu, gargalhando.

Assim eles passaram a hora seguinte, entre brincadeiras, comida e amenidades. Finalmente, depois que já tinham comido e descansado, Gina resolveu que já era uma hora adequada para o voo.

Ergueu a vassoura em direção a James e os olhos dele brilharam. "Voe baixo, devagar e cuidadosamente. E, principalmente, não caia. Eu não vou poder te ajudar." Ela apontou a barriga com falsa exasperação e James pulou, pegando a vassoura e dando um beijo estalado na bochecha dela.

"Vou fazer direitinho, mamãe!" E pulou na vassoura, impulsionando com uma graciosidade que fez Gina se lembrar de Harry automaticamente.

E a lembrança não doeu.

Ela sorriu para si mesma, um pouco aliviada com a nova sensação.

Respirou fundo o ar frio e sentiu-o percorrer seu corpo. Sempre tinha considerado o outono como uma época de recomeço, de jogar fora as coisas que incomodavam… E ela realmente levava isso a sério. A chegada desse bebê havia dado a ela uma nova energia, nova disposição para viver, novas perspectivas.

E agora ela, ex-mãe solteira, casada por interesse e vinda de uma família de fugitivos, podia quase dizer que estava feliz.

Quase.

Porque sua felicidade começou a se abalar quando ela viu um homem muito loiro, alto e estranhamente esnobe, com um rosto pontudo não muito amigável, se aproximar apressado com seu robe negro esvoaçando ao vento, seguido de perto por três aurores.

"O que você pensa que está fazendo?" Draco perguntou quando chegou perto o suficiente para ser ouvido, fuzilando-a com o olhar. Com um gesto impaciente dispensou os aurores, que pararam a uma distância respeitosa dos dois. Ele havia parado próximo a ela, mas Gina não se deu ao trabalho de levantar do chão para cumprimentá-lo e permaneceu sentada no chão com a mão sobre a barriga.

"Um alegre piquenique no parque." Gina disse, levantando os olhos para a alta figura à sua frente e fazendo um gesto para mostrar a toalha e a cesta de comidas. "Agora não mais tão alegre." Ela espetou.

"Piquenique?" Draco zombou, contendo com esforço a vontade de sacudi-la para colocar algum juízo dela. "Na sua casa há dúzias de mesas, cadeiras, sofás e você prefere comer no chão?"

"Há algo que você queira, Malfoy?" Gina o fuzilou com o olhar. "Além de me irritar, é claro."

Draco cruzou os braços, numa atitude tipicamente belicosa.

"Fui à sua casa te comunicar que designei dois aurores para te acompanhar daqui em diante e, veja que surpresa, você não estava lá."

Gina se empertigou olhando de soslaio para o grupo de aurores, com um calor raivoso emanando do centro do ser até todas as extremidades do seu corpo; soube instantaneamente que estava ficando vermelha.

"Desde quando eu preciso de cães de guarda?!" Ela fez um gesto depreciativo em direção aos aurores, que estavam imóveis. "Eu sei me proteger muito bem, obrigada. E por que infernos você não sabe avisar com antecedência que vai na minha casa? Uma coruja já serviria."

Draco rolou os olhos, mantendo sua posição e ignorando a última pergunta. "As pessoas já começaram a desconfiar da razão pela qual você anda por aí, sem segurança. Minha posição exige que você seja protegida, ainda que meus inimigos sejam provavelmente seusamigos." Ele sorriu cheio de cinismo. "Além disso, nunca se sabe o que você pode aprontar. Eu não vou deixar você fazer nada que coloque meu filho em risco." Ele completou calmamente e ela ficou claramente surpresa.

"Do que você está falando?" Ela franziu a testa.

"Ora, não faça essa cara de surpresa." Ele explicou no tom de quem ensinava transfiguração para um trasgo. "Aquela sua elfo desagradável me disse que vocês tinham vindo para o St. James's Park voar."

A pronúncia da última palavra tinha sido feita como se ela significasse matar ou roubar.

"Eu não vim voar! Vim trazer James para praticar!" Ela se defendeu, sem saber o porquê. "Draco, olhe para mim. Sequer consigo me levantar sem ajuda e estou andando como uma pata muito pesada. Como você quer que eu suba numa vassoura?" Ela perguntou com a voz carregada com escárnio. "E, por Merlin, você acha mesmo que eu faria alguma coisa para prejudicar meu filho?" Ela perguntou sentindo os olhos marejados, com a raiva de instantes anteriores sendo provisoriamente escondida por trás de uma sensibilidade não desejada.

Obrigada hormônios!, ela pensou com que restava do seu lado racional. Preciso pôr logo essa criança no mundo, ou vou enlouquecer. Logo se vê que estou carregando mesmo o filho de Draco Malfoy, que está me deixando maluca antes mesmo de nascer.

A famosa vozinha na cabeça dela dizia que Draco tinha certa razão em desconfiar, uma vez que ela já tinha posto sua gravidez em perigo, mas Gina manteve a atitude de dama ofendida.

Então, Draco fez algo que ela nunca esperaria que ele fizesse naquele momento: ele hesitou e pareceu levemente sem jeito pela sua atitude, como se estivesse um pouco – só um pouquinho – arrependido.

E, para surpreendê-la ainda mais, ele se sentou na toalha ao seu lado, cruzando as longas pernas com certa graciosidade, como se aquilo fosse muito natural.

Permaneceram em silêncio, no qual Gina fez questão de pôr em prática todo resignação teimosa que tinha à sua disposição.

"Ok, pontos esclarecidos então." Ele falou finalmente - pela primeira vez nervoso com o silêncio-, e Gina rolou os olhos para ele, como se estivesse dizendo 'esperava desculpas melhores'.

Draco entendeu o recado e ficou um pouco emburrado. "Certo, certo. Eu me precipitei. Achei que você estivesse por aí, em cima de uma vassoura, fazendo piruetas e indo salvar o mundo." Ele fez um gesto expansivo com as mãos, para dar ênfase às palavras.

"Sempre pensando o melhor de mim. Você não me surpreende." Ela alfinetou, dividida entre a tristeza - irracional - pela desconfiança dele e a alegria – também irracional – por ele ter demonstrado um pouco de preocupação, mesmo que fosse exclusivamente com o filho.

Mas ela não deixaria aquilo transparecer, por nada nesse mundo.

Caíram mais uma vez num breve silêncio, observando James voar a um metro do chão, fazendo percursos irregulares e tentativos.

"Você, por outro lado, me surpreende desde que me forçou a me casar." A voz fria a arrancou dos seus devaneios e ela ficou rígida subitamente. "Desde antes, talvez."

"Está exagerando mais uma vez, Sr. Malfoy." Ela falou amigavelmente e fez um gesto com a mão, meio tentando desconversar, meio tentando quebrar a tensão. "Pensei que eu fosse aquela inclinada aos exageros." Gina zombou.

Gina achou que a conversa tinha chegado ao fim, mas, como péssimo especialista das relações sociais que era, Draco continuou falando, como se fosse absolutamente convencional ter aquele tipo de diálogo com ela.

"Você me chantageia, me faz duelar com meu melhor amigo, te salvar. É fértil o suficiente para engravidar em uma tentativa, me faz ficar num parque com você e seu filho enquanto gente importante me espera no Ministério." Ele torceu o nariz, como se estivesse contrariado. "Cada vez que te encontro, você aparece com algo novo. Cheguei a pensar que não tinha me casado com uma mulher, mas com uma poção incendiária." Gina prendeu a respiração e ele concluiu. "Você é bem desagradável, na verdade."

Para os padrões de Draco Malfoy, Gina tinha quase certeza que aquilo era o mais próximo de um elogio que ela receberia. Tinha a mais absoluta convicção de que ficaria da cor dos cabelos em cinco segundos, mas foi salva pelo gongo quando James pousou com graciosidade ao lado deles.

"Vocês viram aquilo?!" Ele não se deu ao trabalho de cumprimentar Draco, que olhou o menino com profundo desagrado, com a boca formando uma linha fina cheia de contrariedade. James, com a típica sensibilidade aguçada, olhou do padrasto para a mãe e foi até ela cochichar no seu ouvido. "Mamãe, você acha que o Sr. Malfoy também está sofrendo com Rabugice Crônica?" Ele perguntou baixinho, cheio de inocência.

Gina gargalhou diante da expressão interrogativa de Draco e ruborizou fortemente na sequência, pensando na possibilidade de James sugerir que ela desse a Draco o mesmo tratamento de beijos que havia recebido da mãe.

"Não, não é tão grave." Ela respondeu sorrindo. "Só está assim porque ele não sabe jogar quadribol, nem voar. Lembra?" Ela piscou para o menino. "Aí ele fica com essa cara de quem comeu um feijãozinho de sabor errado."

Draco se empertigou, como se tivesse levado um tapa. "Isso é uma ment-"

James interrompeu Draco, quando levou sua mão bronzeada e pequenina até os dedos longos e pálidos do rapaz. Draco arregalou os olhos e Gina prendeu a respiração.

"Vem, Sr. Malfoy." Ele disse e Draco não poderia ficar mais surpreso se tivessem dito que ele era filho biológico de um hipogrifo. "Eu posso te ensinar." James disse suavemente e Gina discerniu uma centelha de expectativa vinda do garoto que fez seu estômago afundar.

Como se tivesse levado um choque, Draco retirou sua mão da do menino rapidamente e Gina sentiu seu coração despedaçar com o olhar de James, que pareceu bem decepcionado. Ela sabia que seu filho estava procurando uma figura substituta para um pai e que devia interromper aquela cena porque Draco não tinha nenhuma obrigação naquele sentido, mas simplesmente só pôde ficar imóvel e devastada diante da expressão desolada do filho.

Draco também percebeu o olhar do menino e pareceu hesitar. Olhou para Gina e depois novamente para James, parecendo um pouco mais assustado do que ele se permitiria demonstrar em condições normais. E então, com um suspiro resignado e audível, assentiu para o menino e se levantou.

"Vamos. Acho que posso te ensinar uma ou outra coisa sobre voar. Faria bem ao meu ego, pelo menos." Ele disse com um sorriso zombeteiro e Gina sabia que ele estava pensando em como seria gratificante ensinar ao filho de Harry Potter a atividade em que o pai tinha sido melhor em vida.

"Draco, você não precisa fazer isso e…" Ela tentou dizer, com a voz fraca.

"Eu posso lidar com seu filho, Ginevra." Ele a interrompeu frio como sempre, tirando a capa e entregando a Gina para que ela tomasse conta e afrouxando a gravata na sequência. "Ele tem seis anos. Com essa idade já se é quase humano."

E ela viu, estupefata, Draco subir na vassoura e permitir que James se acomodasse diante de si – não sem antes fazer uma leve careta -, para então levantar voo, fazendo piruetas e acelerando quando o menino menos esperava.

James ria verdadeiramente como há muito tempo não fazia e, embora não sorrisse, Draco estava mais corado e Gina podia jurar que naqueles momentos, toda a tensão contida no corpo dele tinha se dissipado.

E, apesar das manobras mais arriscadas do que ela teria desejado, Gina não tinha medo de que ele machucasse James ou o deixasse cair. Se deitou parcialmente no chão, ficando mais cômoda para observar, pousando a mão na barriga quando sentiu o bebê chutar.

"Calma aí, bebê." Ela sorriu para a barriga. "Logo você vai estar aqui fora para aprender a voar também."

Estava tão tranquila quanto alguém feliz poderia estar, sem nem sequer querer descobrir a razão.

***

Dezembro 2005

Draco estava definitivamente incomodado, apesar da poltrona confortável na qual estava sentado, precisamente localizada no térreo de uma conceituada loja no Beco Diagonal.

Tinha hesitado durante alguns discretos minutos, nos quais ele passara em uma dolorosa dúvida que consistia em saber se ele deveria entrar na loja ou não.

Por fim, com uma resolução certamente tomada por um lado idiota (até então desconhecido), ele havia fechado os olhos - desejando fortemente que ninguém tivesse visto-o andando em círculos em frente a loja como uma quimera desorientada - e entrado no estabelecimento com seu típico ar de 'me atenda agora ou pague por isso mais tarde'.

Ele tinha ido até a loja Madame Malkin – roupas para todas as ocasiões – com esperança de comprar algo especial.

Entretanto, já estava sendo consumido pelo arrependimento. Com esse tipo de atitude tão excêntrica da sua parte, ele só estava dando combustível para todas as manifestações violentas que estavam ocorrendo dentro dele nos últimos tempos.

Há muito tempo, Draco tinha aprendido que as emoções eram a força mais poderosa do mundo. Eles podiam construir ou destruir um homem; assim, aquele que podia controlar suas emoções, escondê-las dos outros, tinha a vantagem. As pessoas que não conseguiam fazer isso eram previsíveis, fáceis de compreender, fáceis de manipular.

Lutara durante tantos anos para colocar todas as suas emoções em algum lugar escondido, protegido; levara tanto tempo para se anestesiar, para não se abater, para sempre racionalizar. E agora…

Chegar naquele nível havia custado a ele muitas humilhações, agressões de todos os tipos, a privação da convivência com a mãe… E estava pondo tudo isso em risco, deixando que alguns traços de sentimentos aflorassem.

Quando tomava aquele tipo de atitude, de sair para comprar coisas especiais, ele pensou com desprezo, dava um passo temerário em direção a perda do seu controle.

Ele passou uma mão sobre os olhos num gesto cansado. Ter pensado na mãe não ajudou em nada, para começar. Estava postergando uma visita a ela desde que se casara, sabendo que não poderia esconder isso dela – Narcissa era a única pessoa para a qual ele não conseguia mentir. Sequer sabia ao certo como ela reagiria à notícia de que havia se casado.

E com quem havia se casado, ele pensou amargo.

O rompimento do acordo tácito que tinha com Astoria podia não agradar sua mãe.

Certamente não iria agradá-la, ele se corrigiu, mal-humorado.

Draco suspirou, resignado.

Como bem apontava sua querida esposa sempre que tinha a oportunidade, ele era essencialmente covarde demais para lidar com certos aspectos da sua vida. Esquecia deles até que eles se convencessem de que não eram importantes e sumiam, como se tivessem aparatado para um mundo escondido e inexplorado chamado 'problemas de Draco Malfoy'.

Passou a mão pelos cabelos para afastar os pensamentos preocupantes enquanto balançava o pé impaciente diante de cada minuto adicional de espera, até que a dona da loja pessoalmente trouxe o que ele estava esperando.

"Sinto tê-lo deixado esperando, Sr. Malfoy, mas levei mais tempo para buscar o que tenho de melhor." Madame Malkin disse, com um certo tom de frieza na voz que não passou despercebido por Draco.

Ele supôs que ela nunca havia se esquecido do encontro dele com o Cicatriz tantos anos atrás, quando ele não deixou que ela levantasse a manga da sua blusa, com receio de expor a Marca Negra no braço. A morcega velha tinha fama de ser bem rancorosa com aqueles que se mostrassem grosseiros e briguentos na sua loja.

Nada que uma quantidade escandalosa de galeões não pudesse resolver, é claro, ele pensou e sorriu desagradavelmente para ela.

"Isso é tudo." Fez um gesto com a mão, como se o atraso não tivesse importância. Como se a dona da loja não tivesse importância. "Quando me decidir, voltarei a falar com você."

"Certamente, Sr. Malfoy." Madame Malkin afirmou e colocou com reverência algumas peças de roupa diante dele.

Roupas de bebê.

"A propósito, meus parabéns pela criança." Ela disse por formalidade e se retirou para dar a ele a privacidade desejada.

Draco a ignorou, olhando para as roupas à sua frente.

Ele tentou desviar os olhos do real significado daquilo, mas foi infrutífero; resolveu então que seria no mínimo mais coerente dar uma olhada nelas, já que tinha sido idiota o suficiente para entrar ali.

Algumas eram cópias exatas das roupas bruxas que os adultos usavam, com alguns toques que davam um ar mais infantil. Outras, eram as roupas típicas dos bebês, com direito a todos babados e detalhes que pudessem conter. Ele passou uma a uma, se perguntando o porquê dos pais perderem tanto tempo escolhendo roupas que logo seriam perdidas. Seria muito mais fácil liberar uma quantia escandalosa de dinheiro e contratar alguém para fazer aquilo.

Rapidamente - e para o seu desagrado-, ele soube a resposta; ele próprio estava ali, disposto a gastar o tempo necessário para dar algo para seu filho. Dar algo para ela.

Ele fez uma careta, passando as pontas dos dedos pálidos pelas peças de roupa, sentindo a textura. Não havia gostado especialmente de nenhuma das peças. Nada era suficientemente… bom. E ele queria algo único.

Mas por quê?, ele sentiu a urgência de afrouxar a gravata, subitamente se sentindo sufocado.

Era certo que Ginevra já estava cuidando de todos esses detalhes nas últimas semanas, andando para lá e para cá pelo Beco Diagonal, como se a barriga de quase nove meses não fosse mais do que um pequeno contratempo. Ele havia tentado dizer a ela que aquilo não combinava em nada com a esposa de um dos chefes do Ministério, que ela deveria estar em casa, com todos os confortos que o dinheiro poderia pagar, mas, mais uma vez, ela tinha feito o que queria.

Como ela sempre fazia, ele pensou com uma careta.

Ele mesmo já vira algumas coisas do enxoval do filho e também já havia providenciado galeões suficientes para vestir vinte bebês. Então por que diabos estava ali, sabendo que seu herdeiro já estava suficientemente resguardado?

Apoiou as costas no encosto da cadeira, fechando os olhos momentaneamente. Sequer sabia o que escolher, que cor levar. Bufou angustiado, voltando a olhar para as roupas.

Observou um pequeno robe rosa, decorado com o desenho de um caldeirão e uma varinha. Experimentou a idéia de ter uma menina e não foi nada ruim, no fim das contas. Sua mãe ficaria muito feliz por ter uma menina na família, finalmente. A Mansão ganharia um toque de feminilidade e ele tinha que admitir que ficaria encantado com uma garotinha loira correndo pelos cantos da sua casa.

Se ela fosse loira, ele pensou, torcendo o nariz.

Se ela puxasse a mãe, certamente teria uma aparência escandalosa, chamativa, indesejada, linda e-

Em choque, ele afastou o pensamento e a roupinha, balançando a cabeça o mais violentamente que pôde sem parecer que estivesse louco.

O que aquela maldita mulher estava fazendo com ele? Draco franziu a testa, sentindo o princípio de uma dor de cabeça se aproximando. Estava deixando que a megera ruiva perturbasse o comportamento dele. E havia jurado que não permitira isso; não permitiria que seus sentidos fossem alterados de qualquer forma, ainda mais por ela.

Não, havia uma explicação, tinha que haver: Por causa do bebê, estava passando tempo demais com ela. Isso devia estar afetando negativamente seu cérebro.

Satisfeito com a justificativa, ele voltou a se concentrar na questão do vestuário infantil e no sexo da criança, tentando não pensar exclusivamente na megera ruiva por alguns instantes.

Ginevra parecia ter um palpite muito forte de que seria um menino. É claro, como ela amava contrariar tudo e todos, tinha espalhado aos quatro cantos que teria uma menina, mas Draco sabia melhor.

Ele tinha percebido que aquele comportamento era só para provocar o filho do Cicatriz.

Já tinha observado como ela se inclinava inconscientemente para brinquedos e cores tipicamente de meninos quando escolhia coisas para o bebê…

E vindo de Ginevra, uma mulher que pertencia a uma família de coelhos com trinta e quatro filhos por geração, aquele tipo de instinto não podia ser simplesmente ignorado.

Se repreendeu mentalmente por reparar nas pequenas nuances do comportamento dela, mas, na sequência, pensamentos similares logo repovoaram sua mente.

Como ela mordia o lábio quando tinha algo a incomodando, como ela ajeitava o cabelo sempre que estava pensando em algo sério, como ela tinha uma facilidade incrível para rir das coisas mais idiotas, como ela ficava atraente quando ruborizava, de raiva ou de vergonha.

Vencido diante dos pensamentos, ele teve que admitir que queria mais do que dar um presente para seu filho. Por alguma razão inesperada, desconhecida e indesejada, também queria que ela ficasse contente. Com mais freqüência do que estava disposto a reconhecer, ele se perguntava como tinha sido a primeira gravidez dela e queria que essa fosse diferente.

Primeiro, porque agora ela carregava o seu filho, o que era muito mais importante do que carregar o filho do Cicatriz.

Segundo, porque ele queria que ela se sentisse segura dessa vez. Parecia ser o mais adequado.

Passou uma mão sobre uma das roupinhas, especulando, se questionando como seria se eles pudessem pelo menos tentar levar uma vida normal, em nome da criança.

Não... Ele estava desejando que eles pudessem tentar…

Afastou a mão da roupa como se tivesse levado um choque, sentindo seu maxilar ficar tenso.

Não poria tudo a perder por causa daquela mistura de sentimentos detestáveis e inconvenientes.

Seu filho já tinha tudo, o próprio Draco tinha garantido tal condição. O bebê não precisava de nada especial. Ela não precisava de nada especial.

Draco se levantou num movimento cansado, saindo rapidamente da loja, sem levar nada e carregando consigo apenas os sentimentos que ele queria desesperadamente deixar para trás.

***

Dezembro 2005

Gregório Goyle alongou seus largos ombros, sentindo seus músculos doloridos por ficarem muito tempo na mesma posição. Olhara muito concentrado para sua caneca de cerveja amanteigada durante tempo demais, mais uma vez, como era seu costume. Levantou os olhos para explorar despretensiosamente o lugar ao seu redor.

O ambiente d'O Caldeirão Furado, sujo, mal frequentado, era aquele que ele se sentia mais à vontade, aquele em que ele não era incomodado ou importunado por seus grandes períodos de silêncio, onde ele se isolava do mundo.

Constantemente, ele se pegava simplesmente não pensando em nada, encarando algum ponto fixamente; era um bom passatempo porque pelo menos nesse canto obscuro e vazio da sua mente, ele não era obrigado a pensar, obrigado a raciocinar. Seus pais e amigos sempre haviam dito que ele era lento e burro, mas já não se importava com isso; ele havia chegado longe e alcançado um bom status mesmo não sendo tão brilhante.

E ainda queria mais, visava mais. Porque ele podia não ter as habilidades de raciocínio que os outros consideravam essenciais, mas tinha ambição.

Mesmo com todas as ofensas contra sua capacidade intelectual, ele não era mais aquele cachorrinho que tinha sido nos tempos de escola. Ele crescera como comensal, tinha um bom cargo no Ministério, podia se divertir treinando feitiços em trouxas e colher os frutos do seu poder.

E subiria ainda mais, se pudesse tirar as peças certas do caminho.

Malfoy, para começar, ele pensou dando um grande gole na sua bebida.

Uma tarefa que seria mais do que necessária. Seria prazerosa.

Ele sorriu, sabendo da qualidade de uma boa idéia assim que se deparava com uma.

A morte de Crabbe fora culpa dele, ele estreitou os olhos para o nada.

Vicente fora a única pessoa que não tinha obrigado Goyle a se comportar como alguém diferente de quem ele realmente era. E agora ele estava morto, graças ao Malfoy. Goyle fechou os olhos, como se pudesse sentir com força total as dores dos últimos anos sem Crabbe.

Em contrapartida, tudo havia dado certo para os Malfoy, mesmo sendo de uma família de traidores. O pai dele fracassara muitas vezes antes de morrer ridiculamente e a mãe dele tinha algo de estranho, como se nunca tivesse se comprometido realmente com a causa do Lorde das Trevas.

Apertou com mais força a caneca que estava entre suas mãos, contendo a frustração pela injustiça da situação.

No instante em que ele remoía as lembranças do passado, Astoria Greengrass entrou n'O Caldeirão Furado, com seu habitual ar entendiado e postura esnobe. Obviamente, aquilo atraiu os olhares de todos os presentes, inclusive de Goyle.

Era realmente linda, ele pensou com a ansiedade que lhe era característica quando se tratava de mulheres.

E estava solteira. Goyle sorriu bobamente, nem desconfiando do aspecto bovino que a expressão lhe conferia.

Ele podia não ser inteligente, mas era forte e poderoso, e podia ser atraente para as mulheres, não podia?

Animado pelas doses de bebida que já havia ingerido, ele se levantou lentamente e se dirigiu até ela.

Malfoy tinha surpreendido todo mundo quando resolvera se casar com a Viúva das Poções, deixando a bela senhorita, de olhos azuis e lindos cabelos castanhos à disposição dos seus admiradores. Não que ela parecesse interessada em qualquer um deles, mas Goyle ignorou o fato se enchendo de esperança.

Crabbe tinha morrido por causa do bastardo Malfoy, então parecia justo que Draco também perdesse tudo, até mesmo aquilo que aparentemente não queria mais. Goyle sabia que Malfoy ficaria altamente incomodado se ele conseguisse fisgar uma antiga 'posse', enquanto não podia por as mãos nas novas. Ele salivou, ao pensar na atual esposa de Draco, mas se forçou a se concentrar na mulher à sua frente.

"Boa tarde, Astoria." Ele disse, tentando manter a voz estável. "Não imaginei que você fosse freguesa d'O Caldeirão Furado também."

Astoria se encolheu diante das palavras dele, torcendo levemente o nariz.

"Eu não sou, Goyle. E evito frequentar qualquer lugar que possa me colocar no mesmo nível de pessoas como você." Ela falou, desviando o olhar dele e procurando algo ao redor. "Entrei aqui para esperar meu contato do Ministério."

"Eu posso ser seu contato no Ministério." Ele constatou simplesmente.

"Nem que você fosse o último funcionário de todos os Ministérios da Magia da Europa." Astoria sorriu friamente, um sorriso ácido, cortante. "Vim aqui para que me trouxessem a chave de portal para minha viagem. Decidi sobre ela em cima da hora e não tive tempo de obter uma chave pelas vias formais e demoradas. E como você não é do Departamento de Transportes..." Ela fez um gesto para que ele saísse da frente dela, dada sua inutilidade no caso.

Parecendo não entender a ofensa explícita e sem se mexer, Goyle se focou em manter a conversa com ela. "Está indo viajar mesmo?"

Astoria rolou os olhos e ainda assim permaneceu linda, na opinião dele. "Vou para a França. A Inglaterra se tornou subitamente insuportável para mim."

"Ahhh," Ele exclamou depois de alguns segundos de um silêncio entediante para ela, investigativo para ele. "Se refere ao casamento do Malfoy… Pegou todos de surpresa realmente. Ouvi dizer que a mulher dele está enorme, prestes a dar à luz." Ele comentou lentamente enquanto pensava na imagem da Sra. Malfoy grávida e estranhamente desejável naquele estado. "Malfoy não perdeu tempo, realmente."

Astoria fechou o semblante automaticamente. "Seu tato para o convívio social é tão lento quanto o seu raciocínio, Goyle. Faço muito bem em sair do país, para evitar situações como essa." Ela fez menção de se afastar, mas Goyle bloqueou seu caminho.

"Você ainda gosta dele…" Ele disse pensativo, não escondendo o fato de sentir levemente ofendido com a descoberta.

Como uma mulher como ela podia gostar do Malfoy, sendo ele o fraco e covarde que sempre tinha sido?

Quando ela se eriçou pelo comentário e começou a sair do caminho dele, continuando seu trajeto, ele segurou firmemente no frágil braço dela. Foi irracional, mas ele não queria que ela se afastasse dele.

"Eu sugiro que você me solte agora mesmo, Goyle." Ela disse estreitando os olhos azuis em direção a grande mão que a segurava. "Meu pai não vai gostar desse seu comportamento e, principalmente, eu não sou uma viúva indefesa que você pode intimidar."

Os olhos dela brilhavam com a malícia de quem sabia o que estava acontecendo. Era como se dissesse 'eu sei que foi você que invadiu a loja da mulher do Malfoy e poderia deixar que todos soubessem disso.'

"Quão bem você acha que repercutiria com a população saber que funcionários do Ministério roubam e invadem casas de pessoas inocentes, de bem?" Ela levantou uma sobrancelha sarcástica.

Ele soltou o braço dela, reconhecendo a verdade das suas palavras. Não era tão fácil lidar com as pessoas que não estavam abaixo dele na escala social e, infelizmente, ainda não tinha descoberto um meio eficiente de fazer isso. Mas isso não o inibiu de fazer mais uma pergunta.

"Se você ainda o quer, por que simplesmente não eliminou a viúva, a tirou do caminho?" A pergunta foi feita com a inconsciente impressão de que, se Astoria se dispusesse a entrar nessa batalha, ela ganharia Draco e ele poderia ter a viúva ruiva à sua disposição, o que lhe agradava bastante.

Ela não era tão esnobe e intocável como Astoria.

E, definitivamente, era mais apetitosa, ainda que Astoria fosse mais bonita, no sentido mais clássico da palavra.

Astoria o encarou, nitidamente considerando-o estúpido. "Não é tão fácil tirar do caminho pessoas que são sangue puro, pelo menos isso você deve saber." Ela disse, ajeitando o robe e se preparando para deixar a presença dele. "Ainda assim, eu poderia tentar se houvesse pelo menos alguma coisa que soubesse contra ela. Mas não tenho sequer um cheiro." Ela admitiu sua impotência à contragosto e se desvencilhou bruscamente dele sem sequer olhar para trás, saindo d'O Caldeirão Furado e aparentemente mudando de idéia sobre o local onde encontraria seu contato do Ministério.

Goyle permaneceu uns instantes no lugar, como se tivesse dificuldade para andar e pensar ao mesmo tempo.

"Nem um cheiro…" Ele repetiu baixinho para si mesmo as palavras de Astoria.

E a ideia incompleta e instigante ficou no fundo da sua mente, esperando o momento oportuno para ser destrinchada.


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