Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 22
Sob Pressão


Notas iniciais do capítulo

Ladies, aí vai o capítulo, como o prometido! Levem em consideração o tempo curto de espera e me deixem seus comentários graciosos, haha!

Mais uma vez, obrigada a Rose, minha grande companheira nessa jornada.



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Gina estava com o espírito renovado.

As poucas horas conversando com a mãe, comentando sobre os irmãos e contando sobre as experiências de James nos últimos anos haviam sido um bálsamo para a sua alma.

Assim que Molly saiu - apressada por uma mensagem do patrono de Percy dizendo que ela não deveria perder a chave de portal que ele tinha preparado para ela – Gina se levantou por completo da cama, tomou um banho revigorante, foi ver James (que não cabia em si de alegria por vê-la novamente na ativa) e mandou um recado para Olívia, pedindo para que viesse vê-la o mais rápido que pudesse.

Era hora de se mexer e tirar Draco daquela prisão, afinal, ele fora parar lá por culpa dela, não era? Afastou da cabeça quaisquer razões adicionais para seu empenho e se deixou guiar apenas pelo instinto de acertar as contas com o ele.

Devia isso a ele.

Quando Olívia chegou e foi recebida no aconchego da íntima sala de estar de Gina, a ruiva já estava adequadamente vestida, com seu cabelo preso num coque que lhe dava um ar profissional e resoluto.

"Obrigada por ter vindo, Olívia." Ela cumprimentou a bruxa mais velha com um sorriso. "É muito importante para mim."

"Fico feliz por ver que você sobreviveu a uma ou outra fofoca que tenha ouvido."

Olívia deu seu grande sorriso e Gina ruborizou automaticamente.

"Calma, querida." Olívia se apressou em dizer, notando o embaraço de Gina. "Não foi tão ruim como poderia ter sido. Parece ser do interesse de Você-Sabe-Quem que a prisão de Draco fique no anonimato."

"Por quê?" Gina perguntou, desconfiada de qualquer atitude potencialmente benevolente de Voldemort.

"Draco vem desempenhando um papel satisfatório no departamento que dirige e um escândalo desses poderia riscar a imagem que as pessoas precisam ter daqueles que dirigem o Ministério."

Gina agradeceu pelo fato da amiga entender tanto da política dos Comensais. Aquele conhecimento – e fardo - era uma consequência natural de tantos anos convivendo diretamente com eles e Gina não pôde deixar de ser perguntar se também seria seu destino carregar aquela responsabilidade.

Se concentrando no problema mais imediato, ela se sentou no sofá, agora um pouco mais aliviada. A situação podia não ser tão ruim, afinal.

"Preciso tirar Draco da prisão. Não suporto a idéia de que ele tenha sido preso por um-" Ela procurou a palavra correta durante um tempo, antes de completar. "- descuido meu."

Se sentando graciosamente ao seu lado, Olívia a olhou com um brilho de divertimento nos olhos da cor de turmalina. "Digamos que eu não creio que haja inocentes nessa história... Todos foram descuidados." Contudo, no instante seguinte ela recuperou sua seriedade. "Mas você faz bem em querer tirá-lo de lá. Havia poucas pessoas no hall de Hogwarts naquele dia e, por sorte, ninguém que pudesse ser mais prejudicial ou ter a língua mais comprida. O assunto foi devidamente abafado sob ordens superiores - e também devido à influência das conexões de Blaise -, mas é preciso que você entenda que o Draco tem um posto invejável no Ministério, é um dos primeiros no comando. E tem inimigos, querida, nunca subestime isso."

"Mas…" Gina murmurou mais para si mesma, tentando organizar as ideias. "Pensei que todos eles estivessem sob uma causa comum."

Olívia suspirou levemente, como se Gina ainda fosse uma menina cheia de inocência com relação ao mundo.

"Não significa que eles não tramem e almejem se destruir, algumas vezes. Isso é política, afinal." Olívia pousou a mão sobre a de Gina, como se quisesse confortá-la.

Política, ela pensou com desdém.

Gina nunca havia gostado dela, definitivamente. Não tinha sido feita para as frias cortesias, para as alianças de interesse, para as traições iminentes, sempre à espreita esperando o menor deslize.

Ela deu uma risada amarga que traduzia seu estado de espírito. "É maravilhoso viver num mundo onde a base das alianças não é o respeito e afinidade, mas sim a união dos ódios em nome de um objetivo em comum."

"Mas assim é como o sistema funciona. Já viu como o jovem Goyle olha para Draco, por exemplo?" Olívia perguntou, tentando ilustrar seu ponto.

Quando Gina negou levemente com a cabeça tentando afastar as lembranças desagradáveis que tinha de Goyle – do corpo dele o sobre dela na Floresta Proibida, de como ele havia apalpado-a quando assaltara sua loja-, a bruxa mais velha prosseguiu com um sorriso triste.

"Abra o olho para as coisas ao seu redor, minha querida. Sorria, mas sem nunca dar as costas. Fale, mas sem nunca revelar demais. Ouça e se mantenha sempre alerta."

Gina se encostou no sofá como se tivesse perdido o ânimo e Olívia soltou sua mão, se levantando para espiar através das cortinas que tampavam as grandes janelas da sala confortável, como se tivesse receio de ser ouvida.

"Assim como ele, outras pessoas também querem tirar Draco do caminho. Acham que ele está prestigiado demais como chefe do principal departamento do Ministério e tem autonomia além do que seria adequado."

"E autonomia e independência nunca foram conceitos que agradaram Você-Sabe-Quem, com relação aos seus subordinados." Gina completou distraidamente, pensando em Snape não pela primeira vez depois de todos aqueles anos. E aquilo não a ajudou, de forma alguma.

"Exato." Olívia concordou satisfeita por Gina estar acompanhando corretamente seu raciocínio. "É provável que apareça uma palavra murmurada aqui, uma insinuação ali... E se isso conseguir fazer a mente ardilosa Daquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado começar a encarar a situação do seu marido de outra forma, talvez seja a perdição de Draco. As pessoas ao serviço dele não se aposentam, como você deve saber. São simplesmente descartadas…"

"Essa é a chance perfeita para desprestigiar Draco diante de Você-Sabe-Quem..." Gina constatou empalidecendo e Olívia assentiu levemente.

"Quanto mais tempo ele permanecer preso, mais poderosos se tornam os argumentos de que ele não é necessário e de que ele traiu a confiança do Ministério com uma transgressão primária… Tivemos sorte por isso não ter se espalhado ou caído na mão de pessoas inescrupulosas como Rita Skeeter."

Gina sabia que aquilo tudo era verdade e sentiu uma onda de simpatia enorme pela bruxa que se transformara no seu porto seguro, cheia de conselhos sensatos. Ainda assim, ruborizou novamente quando se forçou a trazer à tona o outro assunto que estava incomodando-a.

"Sobre Blaise, ele-" A voz dela morreu, quando não conseguiu uma frase ideal para expressar sua preocupação.

Olívia deu uma risadinha diante da reação de Gina.

"Ele estará bem e livre em pouco tempo, querida. Blaise tem a arma mais importante do mundo, seja bruxo ou trouxa: ele trabalha com informações. Tem muita gente que quer tirá-lo de lá; não porque gostem dele – ainda que ele seja um rapaz muito simpático e atraente," ela perscrutou Gina com olhos brincalhões e a ruiva sentiu vontade de esconder o rosto numa almofada. "mas sim porque essas pessoas devem muitos favores a ele."

Gina não pôde conter o suspiro de alívio. Ainda que Blaise tivesse sido um grande idiota ao ir atrás de Draco e desafiá-lo, ela ficaria mortalmente arrasada se ele ficasse preso também.

"E o que eu posso fazer por Draco?" Gina perguntou, mordendo o lábio inconscientemente.

Olívia pareceu pensar por um momento, antes de responder preocupada.

"Só há uma coisa, para falar a verdade. Você precisar ir falar com Pio, dar sua versão da história, dizer porque Draco entrou em um duelo ilegal. Basicamente, terá que transferir a culpa de Draco para você e se disponibilizar a assumir todas as consequências que isso traz."

"Com isso eu posso lidar." Gina afirmou, involuntariamente erguendo o queixo e se preparando para o que viesse. Aquilo não era nada além de justo, ela tinha cometido um erro com Draco e era sua obrigação repará-lo.

"Acredito que não vá haver uma punição especial, afinal, você é uma mulher de comensal." Olívia falou, bufando discretamente.

"E o erro deles é nos subestimar." Gina completou e a bruxa mais velha concordou em silêncio.

"Provavelmente eles considerarão que sua conduta é um problema que o próprio Draco terá que resolver... Pela lógica deles, se ele não for capaz de controlar e punir a esposa, não é apto a servir causas maiores e que exigem maior controle. No fim, acabará sendo um desafio para ele."

"E o que não é um desafio nessa vida?" Gina perguntou cansada, levando a mão até a testa. Ainda estava sentindo leves enjoos e a perspectiva de passar por aquela situação não era muito animadora.

"Há ainda algo mais." Olívia continuou, ignorando a pergunta retórica da ruiva. O olhar de Olívia era tão fulminante que Gina prendeu sua respiração, antecipando o que viria. "Possivelmente, você terá que fazer tudo isso na presença de Você-Sabe-Quem."

De repente, Gina sentiu um arrepio intenso percorrer sua espinha e uma vontade quase incontrolável de voltar para sua cama e dormir pelos próximos dez anos.

Fechou os olhos brevemente, dando-se tempo para sentir o medo que percorria seu corpo.

Quando os abriu, já tinha reforçado as suas resoluções.

"Me explique tudo o que eu preciso saber para tirar Draco da prisão e sair com todos os membros intactos do Ministério, Olívia."

***

Como Olívia tinha orientado, quem tratava desses assuntos considerados menores era realmente seu marido, que estava sob o Imperius de Yaxley. Assim, foi no gabinete do Ministro que Gina concentrou seus esforços.

Tinha torcido fervorosamente para que a curiosidade despertada pelos burburinhos fosse um incentivo para que aceitassem conversar com ela, ouvir a sua versão da história. Comensal ou não, as pessoas eram movidas pela necessidade de saber da vida do outro e nunca uma boa dose de fofoca tinha sido facilmente dispensada.

A demora em conseguir qualquer avanço com o Ministério quase fez com que ela perdesse a esperança; cada hora que passava a deixava mais angustiada com a ideia de Draco estar preso, ferido e precisando de ajuda. Somente sua ferrenha força de vontade a obrigou a levantar a cabeça e continuar mandando corujas, pedindo entrevistas e usando a 'amizade' das mulheres que reunira no encontro dos Testrálios ao seu favor. Elas, por sua vez, azucrinaram seus maridos para intercederem a favor da jovem Sra. Malfoy.

Gina, é claro, não revelou o motivo da necessidade da entrevista com o Ministro, mas era possível que uma ou outra dessas mulheres tivesse ficado com a impressão de que ela tinha ido buscar ajuda para a causa dos Testrálios.

Não que Gina tivesse deixado essa ideia no ar e elas morderam a isca. Não mesmo.

Assim, depois de infinitos chás, encontros, sorrisos e elogios, ela tinha feito bem o papel de mulher engajada, que só queria lutar pelos bons valores familiares.

E, depois de dois dias vivendo em intenso contato com as pessoas da alta sociedade bruxa em busca de um favor – situação que Gina carinhosamente apelidou de sétimo círculo do inferno - , ela conseguiu a maldita entrevista com o maldito Ministro.

***

Na manhã da sua entrevista, ela se levantou como se tivessem aplicado um feitiço pernas-bambas permanentemente nela e sua garganta arranhava diante da perspectiva de falar com o Ministro.

Diante da possibilidade de falar com Voldemort, ela se corrigiu e respirou fundo.

Obviamente, ela não tinha certeza se ele estaria realmente lá, mas, pelo que captou do que Olívia havia falado, a curiosidade em saber mais das pessoas que comandava, saber das suas vulnerabilidades e fraquezas, era um passatempo e tanto para o bruxo das trevas.

De qualquer forma, se ele estivesse mesmo presente, ela sabia que não veria o jovem do diário que atormentava suas lembranças e ainda lhe causava pesadelos, mas isso não melhorava sua situação porque ela inevitavelmente se depararia com a criatura de aparência ofídica e olhos vermelhos que havia matado Harry e Neville, acabado com a sua antiga vida.

E, de certa forma, aquela criatura também havia matado Gina Weasley.

Entre as lembranças de Tom Riddle e Voldemort, Gina tremeu involuntariamente.

Não seria covarde, mas tampouco evitaria o medo; ele tinha sua utilidade porque a manteria em vigilância constante. A covardia, por sua vez, não.

Tomou coragem, se vestiu com um leve vestido que ocultava sua condição, jogando por cima de si uma grossa capa que batia nos seus tornozelos e amarrou os longos cabelos vermelhos de forma a ficarem escondidos embaixo de um discreto chapéu – não precisava chamar mais atenção para algo que era naturalmente chamativo.

Ficou uns momentos com James, tentando aliviar sua tensão através da vivacidade do menino, e se preparou mentalmente para partir.

Contudo, um pouco antes que ela saísse, uma coruja amarelada e estranhamente chamativa começou a bicar insistentemente na sua janela. Gina foi até ela, preparando o espírito para mais más notícias.

Deixou James alimentando animadamente a coruja, se sentou na cadeira mais próxima para ler o pergaminho e respirou fundo.

Ruiva,

Sei que deve estar morrendo de preocupação comigo e com a consciência pesada, já que fui preso graças à tentativa de dar um empurrãozinho na sua relação com Draco.

Pode ficar tranquila agora: Fui libertado noite passada, graças a ajuda de alguns amigos interessados, e já estou instalado na minha Mansão. Merlin sabe o quanto eu já estava com saudades do meu firewhiskey.

A má notícia é que não vou poder te ajudar muito nos próximos tempos– e, dadas as demonstrações que eu já tive, teria o maior prazer em fazer isso, acredite-, porque é recomendável que eu saia de circulação por algumas semanas, para tirar as atenções de cima de mim.

Penso que você, mais do que ninguém, me entenderá e poderá me perdoar pela minha ausência.

Em breve nos veremos.

P.S. Posso sentir daqui seu coração transbordando de alegria ao saber que estou livre.

P.S.2 Sinto muito pela intensidade do feitiço cortante que acabei lançando em Draco. Acho que a bebida não melhora nossas habilidades mágicas, por mais que eu tente provar o contrário.

B. Z.

Gina respirou aliviada, para na sequência ficar vermelha de raiva com a ousadia de Blaise. Tentara seduzi-la – e tinha conseguido disse a vozinha traidora na sua cabeça – e agora aparecia mais uma vez com aquela história de 'empurrãozinho'.

E, para seu desgosto, tinha realmente ficado mais tranquila e com a cabeça mais leve por causa do seu amigo.

Maldito idiota imprudente! Amassou o papel e o atacou longe, afastando a imagem de Blaise da cabeça. Teria seu momento de acertar suas contas com ele depois.

Assim, com um problema a menos para resolver, ela se despediu de James, se levantou, ajeitou a roupa impecável e aparatou próximo à entrada de visitantes do Ministério, com uma silenciosa prece presa nos lábios.

***

Gina caminhou apressadamente por vários prédios de escritório de mau aspecto até a cabine telefônica vermelha que dava acesso ao Ministério. Olhando para os lados nervosamente, ela se esgueirou para dentro e digitou no aparelho à sua frente o número 62442.

Magia.

A combinação de números com aquele significado poderia ser considerado um prenúncio do que viria, já que ela precisaria de cada pedacinho de magia que houvesse no seu corpo para bloquear sua mente. Lentamente, começou erguer suas barreiras mentais, uma a uma, num exercício que Draco tinha insistido em praticar.

Com familiaridade, segurou o bocal firmemente contra o rosto, se lembrando da sua experiência vivendo com os trouxas.

"Ministério da Magia, bom dia." Disse uma voz tranquila vinda do outro lado da linha que a fez pular de susto, como se tivesse sido pega em flagrante cometendo o grave delito de pensar na vida com os trouxas ao entrar no Ministério dominado por Voldemort. "Diga o seu nome e o motivo da visita."

"Ginevra Malfoy." Ela falou com uma convicção que não sentia. "Vim ver o Ministro da Magia."

Houve um silêncio momentâneo do outro lado, até que a voz se manifestou novamente. "Você acaba de receber o crachá de visitantes." No mesmo instante, um crachá prateado foi cuspido pela abertura de devolução de moedas e Gina o prendeu no robe. "Pedimos que use o crachá todo o tempo que estiver no Ministério. Tenha um bom dia." E com isso a linha ficou muda.

A cabine tremeu por completo e ela sentiu que estava se movendo para baixo vagarosamente no que pareceu uma eternidade até que luz criada magicamente começou a incidir dentro do cubículo e, depois de alguns poucos segundos, o movimento parou.

A porta da cabine se abriu e Gina deu de cara com o suntuoso Saguão do Ministério, de piso escuro de madeira e teto azulado, que instantaneamente trouxe memórias doloridas do seu pai.

O movimento era frenético como tinha sido na época anterior à guerra, com pessoas saindo pelas lareiras a cada minuto e filas se formando na área de utilização da Rede de Flu. Contudo, ela notou que agora todos se moviam com mais inquietação e urgência, como se tivessem com uma enorme criatura devoradora de bruxos perseguindo-os e não quisessem olhar para trás para saber o que aconteceria se desacelerassem o passo.

Ela não se permitiu observar mais – tudo era tão dolorosamente parte do seu passado - e se concentrou no que viera fazer, se encaminhando para a mesa sob a placa 'Segurança' e parando em frente ao bruxo mal-encarado que estava sentado ali.

"Sua varinha." Ele pediu com cara de poucos amigos.

Gina lhe estendeu o objeto de má vontade e o bruxo o colocou sobre um prato estranho, que analisou sua varinha emitindo uma tira de pergaminho através do estranho aparelho. O homem leu em voz alta.

"Vinte e quatro centímetros, flexível, mogno, em uso há sete anos. Está correto?"

Discretamente, Gina suspirou aliviada por ter passado pela primeira barreira.

"Sim." Ela respondeu nervosamente e agradeceu mentalmente ao Sr. Olivaras por ter feito uma nova varinha para ela, na casa da Tia Muriel, quando a antiga havia explodido num dos primeiros acidentes que ela teve criando poções. Não poderia correr o risco de ter sua varinha associada com sua antiga vida.

Com Gina Weasley.

"Ela será devolvida assim que for embora."

Gina assentiu polidamente e seguiu em direção aos elevadores.

Voltando a pensar na sua entrevista, ela sabia que seu poder era limitado e que só tinham concordado com esse encontro por curiosidade, para saber o que ela falaria, como reagiria. Ainda podia se lembrar das palavras de Olívia ecoando na sua mente, enquanto explicava os prováveis eventos da entrevista e como Gina deveria reagir.

Você-Sabe-quem sempre se mostrou curioso com relação as pessoas que o cercam, use isso ao seu favor.

Ela daria seu máximo, limparia sua mente.

Hoje ela seria Ginevra Malfoy, de corpo e alma.

Entrou no elevador sentindo o ambiente terrivelmente diferente e incapaz de reconhecer qualquer uma das pessoas. Até os memorandos – antes tão frequente na época do seu pai -, agora eram escassos e quase... tímidos.

Nível 7, Nível 6, ela estava ficando realmente nervosa e resistiu a vontade de roer a unha e de pousar a mão sobre a barriga, Nível 5, Nível 4, o elevador tinha parado em algum lugar? Nível 3, Nível 2, aquele era o andar de Draco e pessoas entravam e saiam até que-

"Nível 1, Ministro da Magia, Serviços Auxiliares e Comissão de Registro dos Nascidos Trouxas e Mestiços." Disse uma voz onipresente dentro do elevador.

Ela estremeceu, mas precisava ser firme. Saindo do elevador, se dirigiu ao secretário do Ministro que a olhou de forma ridiculamente esnobe e indicou que ela entrasse, com um gesto indiferente.

Entrou na sala mal iluminada do Ministro e lá haviam três criaturas – dois homens e algo mais.

Ele estava lá.

Merlin, Gina pensou sentindo um pavor invadir sua mente, não permita que eu fraqueje agora.

Ela parou no meio da grande sala e embaixo do lustre, se posicionando no único ponto com mais iluminação e se pondo em evidência. Esperou, observando discretamente ao redor para ocupar a mente.

O marido de Olívia estava sentado atrás de uma enorme mesa de mogno, com o olhar vazio parado num ponto atrás do ombro de Gina, com as mãos entrelaçadas sobre a superfície que chegava a brilhar, mesmo com a meia luz do ambiente.

Atrás dele, praticamente escondido nas sombras, um homem grande e feio estava sentado com as longas pernas esticadas confortavelmente, olhando para Gina com os olhos cintilando de curiosidade e malícia.

E você deve ser Yaxley, ela registrou a informação automaticamente.

No outro canto da sala, percebeu com sua visão periférica um vulto se mexer com dois orbes vermelhos e uma palidez doentia, enviando uma onda de mal estar que ela teve que reter com esforço.

Ela não podia sob hipótese alguma pensar nas presenças adicionais da sala; então levantou o queixo e se focou no Ministro, mesmo sabendo que era Voldemort a quem ela deveria convencer, não seu fantoche. Qualquer que fosse a decisão, seria do bruxo das trevas e não de Pio Thicknesse.

Um passo de cada vez, ela pensou e se obrigou a sorrir meigamente.

"Boa tarde, Sra. Malfoy." Thicknesse cumprimentou mecanicamente com um meneio de cabeça e a voz fria. "Espero que não se importe com a presença de convidados."

"Não há problema, senhor." Ela respondeu servilmente, sabendo que Voldemort e Yaxley estavam medindo todos os seus movimentos. "A vida de um bruxo ou bruxa de sangue puro é um livro aberto para o Ministério."

Thicknesse pareceu ficar feliz e Gina relaxou um pouco mais, mesmo sentindo os olhos de Voldemort na sua nuca. Podia imaginá-lo retorcendo a boca fina sem lábios, com os olhos vermelhos brilhando de curiosidade e fixos nela; teve que barrar com muito esforço as memórias do seu primeiro ano de Hogwarts, sabendo que aquilo poderia desestruturá-la ainda mais.

"Ótimo ouvir isso, Sra. Malfoy." O Ministro afirmou com os olhos anuviados. "E a que devemos a honra da sua visita?"

Como se o filho da puta não soubesse, ela pensou mordaz. Entretanto, sua resposta foi suave e continha um tom particularmente feminino, indefeso.

"É muito gentil ao perguntar, Sr. Ministro." Ela fungou, demonstrando uma fragilidade falsa. "Vim interceder pelo meu marido."

Thickesse esboçou um leve sorriso condescendente, como se Gina fosse uma adolescente pedindo permissão para ir para Hogsmeade sem autorização formal dos pais.

"Sra. Malfoy, considero sua atitude muito nobre, mas o Ministério tem que lidar com transgressões o tempo todo e se fizermos concessões para todas as esposas dedicadas que vem interceder pelos seus maridos-"

Não podia deixar Yaxley seguir por aquele rumo, ela sentiu uma onda de desespero. Ousadamente, ela não deixou que Thicknesse completasse a frase, cometendo seu primeiro erro.

"Mas o Ministro tem que concordar que esse não é um caso que acontece o tempo todo."

Ela olhou diretamente para ele, olhos claros opacos, sem vida. Subitamente, sentiu pena de Olívia, por ter que ver seu marido diariamente naquele estado. O Ministro – Yaxley – esperou polidamente até que ela terminasse.

"Tenho que concordar?" O Ministro perguntou impassível, com uma nota de desagrado subjacente que não escapou aos ouvidos de Gina. "Dificilmente eu tenho que fazer qualquer coisa, minha senhora."

Sem precipitação, Gina!, ela se repreendeu mentalmente, respirando fundo para manter a calma.

Aquele foi o único momento da sua vida que ela desejou ter características mais sonserinas: astúcia, engenhosidade e frieza lhe cairiam bem naquela oportunidade. Entretanto, na evidente falta delas, sua bravura inconsequente deveria lhe bastar.

E foi exatamente essa bravura que fechou os olhos de Gina para o perigo conforme a ruiva dava um sorriso tímido e cheio de doçura falsa.

"Tem razão, Sr. Ministro. Só quis reforçar sua perspicácia – e das pessoas ao seu redor - para lidar com fatos que são evidentes." Ela esperou um momento para que o elogio se assentasse na mente deles e então continuou. "Draco inegavelmente tem prestado bons serviços ao Ministério e é um rosto necessário para o nosso regime."

"Entendo." Thicknesse falou e a voz dele parecia tão morta quanto os olhos. "E isso nos leva a...?"

Gina foi firme. "Vim pedir para que Draco seja libertado por todas essas razões e, principalmente, porque a culpa do incidente que o levou até a prisão foi minha."

Esperou reações que não vieram da forma que ela havia previsto e, para complicar, podia sentir os olhos de Voldemort sobre ela. Sendo a única pessoa totalmente iluminada do ambiente e parada bem no meio de um círculo de luz, Gina não pôde deixar de se sentir mais do que desconfortável.

Ela se obrigou a continuar, interrompendo o silêncio que se seguiu.

"Eu estava conversando de forma inadequada com o Sr. Zabini, num canto afastado da confraternização em Hogwarts e, para evitar falatórios, Draco teve que defender minha honra, o que é o que todo bruxo da alta sociedade deveria fazer, defendendo os valores de uma família pura, limpa e tradicional." Ela disse rápido e abaixou a cabeça. "E eu estou profundamente arrependida pela minha indiscrição."

O Ministro pareceu divertido e ela soube que Yaxley estava se divertindo por trás da sua marionete.

Então ela ouviu algo sibilar atrás de si na primeira intervenção de Voldemort e Thicknesse rapidamente soube como agir, sua postura ficando subitamente mais rígida na cadeira.

"Ah, isso me leva a perguntar: por qual dos dois você veio realmente interceder... Zabini ou Malfoy? Porque seria adequado que eu a informasse - no caso de você mudar de idéia sobre quem defender – que o Sr. Zabini foi libertado noite passada..."

Gina ruborizou tão forte que parecia que alguém havia jogado um caldeirão de poção fervente no seu rosto.

"Senhor!" Ela exclamou, sabendo que devia se controlar na sequência e abaixando o tom de voz. "Meu único interesse é defender meu marido. Nada mais importa além disso." As palavras saíam estranhas da sua boca, como se elas não devessem estar ali, em condições normais.

Ainda assim...

Se concentre!, ela pensou e ouviu o sibilar mais uma vez, vindo do canto mais escuro da sala.

A marionete de Yaxley pareceu entender a vontade de Voldemort novamente.

"Uma pena você não ter pensado dessa forma antes..." Ele insinuou e Gina agradeceu profundamente por estar sem sua varinha.

Estava distraída com instintos homicidas quando foi totalmente surpreendida pela pergunta seguinte do Ministro.

"Vocês se amam?"

Gina levou em consideração se desmaiar seria uma boa opção naquele momento.

Quando chegou à conclusão que não era, se deu conta de que precisava pensar rápido.

Se respondesse que eles não se amavam, poderia por tudo a perder, levantaria questionamentos, curiosidades. Exporia Draco e a si mesma ainda mais ao ridículo e não teria argumentos mais fortes para tirá-lo da prisão.

Se respondesse que eles se amavam, Voldemort certamente usaria isso como um ponto fraco de Draco, colocando o relacionamento dos dois sob sua mira. Talvez até pudesse machucá-la para agredir Draco quando fosse necessário – e aquele era um cenário que não agrava Gina, sob hipótese alguma.

Voldemort já havia provado no passado as consequências que o amor – na ocasião, de Lilian por Harry – tinha trazido para ele. E Gina tinha certeza de que ele não suportava a idéia desse sentimento ao seu redor, não depois de ter fracassado matar Harry da primeira vez.

Além de que, responder que eles se amavam era simplesmente uma mentira idiota.

"Sim, nós nos amamos." Ela respondeu rápido e sem hesitar, sabendo que não tinha escolha. E que deveria parecer convincente. "Eu o amo desde que ele começou a frequentar minha loja há alguns meses, em nome do Ministério. Nos apaixonamos nos momentos em que passávamos no silêncio cúmplice da minha sala de poções, através dos olhares que nós trocávamos, nas vezes que roçávamos as mãos em toques não intencionais, sutis..."

Gina fechou os olhos e invocou a imagem de Draco, para dar mais veracidade à sua mentira. Viu o sorriso meio torto, cáustico e atraente. Viu os olhos que mudavam de tonalidade, dependendo da luz do ambiente. Viu a postura arrogante que ela adorava desprezar. Viu Draco sendo exatamente quem ele era.

E, inevitavelmente, ela sorriu.

Como uma adolescente idiota, ela sorriu.

Gina ofegou, não sabendo se dava os parabéns a si mesma ou um soco, por ser tão convincente.

Um silêncio estranho permeou o ambiente e ela viu de relance quando Yaxley revirou os olhos, num claro gesto de exasperação.

"Mulheres!" Ele bufou baixinho e desdenhoso, na sua única manifestação direta até ali.

Mas a atenção de Gina estava concentrada em outra coisa; ela podia ouvir os trajes de Voldemort farfalharem enquanto ele circulava pela penumbra da sala, com movimentos leves, quase graciosos.

Ela só conseguia utilizar sua visão periférica e se deu conta que ele tentava usar legilimência, mas sem fazer contato visual.

Ela sequer tinha certeza se ele poderia fazer aquilo sem olhá-la nos olhos, mas, de qualquer forma, deduziu acertadamente que era hora de pôr em prática seu treinamento.

Mesmo sem cruzar o olhar com o dela - e Gina agradecia a Merlin por isso, do contrário estaria perdida -, o avanço era infinitamente superior aos ataques que Draco costumava usar nos treinamentos e ela sentia o formigamento familiar de alguém que circulava sua mente, tentando invadi-la e subjugá-la, como um ladrão perito tenta abrir portas e janelas.

Sob pressão, Gina limpou sua mente. Como se ela estivesse no meio do nada, olhando para um horizonte sem fim. Não havia sensações boas ou ruins. Não havia nada, além de um buraco onde costumava estar a mente de Ginevra Malfoy. E, com isso, ela soube que tinha construído bem as barreiras contra invasões indesejadas.

Ela fez uma prece mental quando o Ministro mudou de assunto, retomando a conversa. Ainda sentia que Voldemort tentava entrar na sua cabeça, mas com um pouco menos de intensidade, como se não estivesse com a atenção totalmente focada nela.

"Acho que alguns dias a mais de meditação em Glastonbury fariam bem para o Malfoy..." Ele disse com a mão sob o queixo, falsamente pensativo. Gina olhou instintivamente para o outro homem nas sombras, desejando azarar Yaxley dolorosamente.

Ele também quer que o Draco saia da jogada, ela pensou, ficando mais uma vez inquieta e aflita.

"Eu peço que reconsidere, Sr. Ministro." Ela ousou mais uma vez, dessa vez sabendo como conduzir a conversa. "Leve em consideração que meu marido é uma peça chave na luta contra a Resistência. E que vem fazendo um bom trabalho."

Instantaneamente ela soube que tinha tocado num ponto chave. Voldemort parou de se mover subitamente, ainda nas sombras, e Gina sentiu os limites da sua mente sendo deixados em paz finalmente.

Pôde comprovar a veracidade das palavras de Olívia – a destruição da Resistência era uma verdadeira obsessão para Voldemort, ainda que a razão de tamanha fixação estivesse longe do entendimento dela.

"A jovem tem razão, Pio." Ela ouviu aquela voz conhecida, suave, e sentiu um arrepio eriçando os pelos dos seus antebraços. "Draco deve ser libertado para cumprir com suas obrigações mais primordiais…"

Gina sentiu um alívio tão grande que parecia que o mundo saíra das suas costas, apesar da situação perigosa.

Contudo, Voldemort seguiu falando e a tirou dos seus devaneios mais tranquilos.

"Evidentemente, isso não quer dizer que ele não precise ser lembrado de como deve se comportar. Algum tempo fora dos confortos da Inglaterra e longe da sua graciosa esposa farão bem a ele e talvez o ajude a controlar sua intempestividade."

Gina abaixou a cabeça, sabendo que não havia mais nada a dizer.

Voldemort acha que vai punir Draco ao afastá-lo de mim, só porque eu falei que nos amamos?!, ela se surpreendeu, retendo um sorriso sem humor. Provavelmente seria uma espécide recompensa para Malfoy, não o contrário.

E ela se forçou a não dar a menor atenção para a sensação de vazio que se abateu sobre ela diante da certeza de que Draco não nunca tinha desejado nada além do que distância dela, ainda mais depois do que tinha acontecido em Hogwarts...

No fim das contas, tudo tinha acabado saindo melhor do que o esperado: Draco ficaria um tempo fora do país – e longe dela, a vozinha impertinente acrescentou –, mas estaria livre.

"Entretanto, é preciso lembrar ao jovem casal Malfoy que a tolerância é a virtude do fraco." Voldemort completou suavemente, antes de continuar numa voz fria e sem vida que enviou calafrios por todo corpo de Gina. "E eu não aceito fraquezas ao meu redor."

Um explícito 'não haverá mais tolerância para vocês dois', ficou claramente impregnado no ar.

Era um recado óbvio de que aquela seria o último deslize de Draco. E que se ele fosse tolerante com o comportamento de Gina também estaria encrencado.

Gina engoliu em seco e assentiu mais uma vez, não confiando na sua voz para dizer qualquer coisa.

"Você pode ir, Sra. Malfoy." Thicknesse falou depois de um momento de silêncio tenso. "Acho que estamos todos satisfeitos."

"Obrigada, Sr. Ministro." Ela afirmou, com a voz fraca. "Tem a gratidão e lealdade da família Malfoy."

E aquilo não era uma mentira, pelo menos não na parte que se referia ao Draco.

Saindo da sala, ela praticamente voou para o elevador, sem se importar se estava esbarrando em alguém ou se não tinha se despedido do secretário esnobe. Quando saiu do elevador, pegou sua varinha sem esperar pela permissão oficial do funcionário e quase correu pelo Átrio como um balaço.

Na saída do Ministério, ela se apoiou na parede mais próxima, suando frio e tremendo. A oclumência havia sido crucial para não ser desmascarada.

Através dos seus ensinamentos, Draco havia salvado a vida de Gina. Mais uma vez.

Aquele estava se tornando um hábito muito desagradável, ela tinha que admitir para si mesma.

Ela afastou os pensamentos do que poderia ter dado errado naquele encontro maluco com Voldemort, sabendo que o que importava era que Draco sairia da prisão e tudo ficaria bem.

Tinha que ficar.

***

Muito ocupada em sair do Ministério como um Grindylow foge de uma gaiola, a jovem Sra. Malfoy estava totalmente alheia ao um par de olhos escuros e pequenos que a observava atentamente, cujo dono estava preguiçosamente encostado ao lado de uma lareira no Átrio do Ministério.

Eles captavam seus movimentos fluídos, felinos, as curvas mais acentuadas que estavam escondidas por baixo de camadas e camadas de roupa, como se ela estivesse engordado, mas não perdido a graciosidade, de forma alguma. O cabelo chamativo estava ocultado por um chapéu bonito e ele achou aquilo uma pena. Por alguma razão, gostava de quando eles estavam livres e soltos.

Gregório Goyle coçou a cabeça quando aquela sensação incômoda de nostalgia e desejo o atingiu de novo.

Por que aquela era uma mulher diferente?, ele pensou e respirou fundo, inquieto com a razão pela qual a resposta daquele enigma continuava parecendo algo tão inatingível.

***

"Hey, Malfoy." Alguém com uma voz familiar gritou perto dele. "Acorda!"

Draco ouviu as palavras bruscas ao longe, aos poucos voltando à consciência. Ele lutou sem sucesso para abrir os olhos e por um momento só ficou ali, deitado no frio chão de pedra que, por mais estranho que pudesse parecer, era uma ideia mais atraente do que se levantar.

Merlin, havia dor em toda a parte!, ele se deu conta com um sobressalto e finalmente conseguiu abrir os olhos, levando um momento para que eles se habituassem ao ambiente escuro.

Tentou regularizar a respiração e sentiu o ar entrar em seus pulmões como milhares de agulhas penetrando-o. Logo descobriu que aquela tinha sido uma má ideia: o movimento acabou num acesso de tosse que não melhorou em nada as dores no corpo. Quando finalmente sua visão entrou em foco, ele se lembrou de onde estava. De tudo que havia ocorrido.

Draco Malfoy, ele pensou zombando de si mesmo, você é a definição de alguém fodido.

Ele soube desde o começo que não passaria somente algum tempo em Glastonbury.

Não, ele não era qualquer um para simplesmente passar alguns dias lidando com encarceramento como uma criança posta de castigo, esperando que a fúria ultrajada de Você-Sabe-Quem diminuísse de alguma forma.

Ele teria que receber sua parcela da intolerância do Lorde das Trevas.

Por um milésimo de segundo, invejou Blaise – com certeza não pela cena que ele ainda tinha vívida na cabeça, do melhor amigo pairando sedutor sobre Ginevra, tão entregue, tão dócil – mas sim porque Zabini certamente estaria livre para sair da prisão em breve, sem maiores complicações. Principalmente porque Blaise era um bastardo que sabia fazer favores, mas também sabia cobrá-los na hora certa.

E ele não era um Comensal da Morte, afinal. Não era um dos principais Comensais do Lorde das Trevas.

Blaise, assim como as outras pessoas normais, podia se dar ao luxo de falhar.

Repentinamente, o homem – Rodolfo Lestrange, Draco reconheceu quando se ergueu sobre os cotovelos e levantou a cabeça dolorida – cutucou a lateral do seu corpo com a ponta da bota e Malfoy estremeceu violentamente com a dor de alguma costela quebrada.

Draco afastou o pé com um safanão, tentando ficar numa posição onde mantivesse um mínimo de dignidade.

"Realmente ele caprichou com você dessa vez, garoto." Lestrange comentou com sua típica expressão vazia, observando Draco estatelado no chão com a curiosidade indiferente de quem já tinha visto cenas parecidas muitas e muitas vezes.

"Olá para você também, tio." Draco respondeu com a voz rouca pela falta de uso – ou por ter gritado demais, ele não saberia dizer-, frisando o parentesco com sarcasmo. "É sempre um prazer te encontrar"

Rodolfo ignorou o tom insolente enquanto Draco tentava se sentar, sentindo todos os seus membros ficarem tensos pela dor dos movimentos. Notando que estava sem camisa, ele levou os dedos até o corte que Blaise tinha causado, reparando que ali era o único lugar do seu corpo que não doía. Fez uma nota mental para agradecer Ginevra pelos seus primeiros socorros, valiosíssimos naquele momento.

"Pode andar?" Rodolfo perguntou, dando a volta no cubículo minúsculo – um exemplar mais mal iluminado e sujo da cela onde a própria Ginevra tinha ficado -, para analisar o estado do comensal mais jovem com mais propriedade.

"Claro!" Draco respondeu tentando por o máximo de animação cínica que conseguiu na voz. "Estou me sentindo tão disposto, já que o Lorde das Trevas se incomodou em trazer seu traseiro branco para Glastonbury, só para me torturar pessoalmente com os feitiços mais criativos que pôde inventar."

"Garoto-" Lestrange falou num tom de aviso.

Draco fez um gesto dissuasivo com as mãos, sabendo que aquele era um tom de conversa perigoso para se ter. Ele fez um esforço para conter sua raiva e colocar o juízo no lugar.

"O que você quer?" Draco desviou o assunto bruscamente, como se estivesse na sala de estar da Mansão Malfoy e não quebrado numa cela de Glastonbury. Finalmente, ele conseguiu encostar completamente as costas na parede mais próxima, estremecendo levemente por causa do frio.

"Vim te pegar para levar até o curandeiro da prisão." Rodolfo falou, analisando-o friamente como se estivesse calculando quanto tempo seria necessário para consertá-lo por completo. "Você precisa estar curado e saudável para continuar desempenhando seu papel no Ministério. Será libertado ainda hoje."

Draco não ficaria mais surpreso se dissessem que ele seria o novo vocalista d'As Esquisitonas e estava atrasado para sair em turnê naquele momento.

Se ainda não tivesse perdido a noção do tempo, estava preso somente há quatro dias e tinha deduzido que ficaria ali sendo torturado ainda por um bom tempo. Afinal, a intransigência do Lorde das Trevas com os erros alheios não era tão fácil assim de ser dissipada.

"Por quê?" Ele perguntou, não conseguindo esconder a nota de desconfiança da voz.

"Ordens do Lorde." Lestrange se encaminhou até a porta da cela e a abriu para que houvesse mais uma fonte de luz para o lugar pavoroso. "Parece que sua esposa foi bem... persuasiva com as pessoas certas."

Mascarando a surpresa inicial diante da idéia de que Ginevra estivesse se mobilizando para tirá-lo da prisão, Draco estreitou os olhos perigosamente para o homem à sua frente, mesmo que fosse pouco provável que sua expressão fosse intimidante, dadas as circunstâncias.

"Se tem algo para dizer, fale diretamente." Ele afirmou friamente, fingindo indiferença e desviando os olhos de Lestrange com a desculpa de buscar apoio para se levantar. "Como vê, estou meio ocupado em fazer meu corpo me obedecer adequadamente e não quero perder tempo com indiretas."

Preferia decepar sua mão da varinha com uma faca de cortar lesmas a demonstrar sua insegurança para um comensal do seu nível, principalmente no que se referia à dúvida do que Ginevra poderia ter feito para tirá-lo dali.

"Ora, Malfoy. O que eu poderia dizer?" Rodolfo perguntou num tom de malícia condescendente que irritou Draco até o último fio de cabelo. "As informações não chegam tão completas quanto nós gostaríamos. Merlin sabe o que ela teve que fazer..." Ele olhou para Draco - claramente se divertindo -, antes de completar. "Ou quem ela teve que fazer."

Ele não soube se foi a pressão dos últimos dias, a dor, o cansaço, a perda do controle sobre sua mente ou as palavras venenosas em si, mas a verdade é que, de repente, Draco Malfoy não tinha mais domínio sobre suas ações.

Sem nem se dar ao trabalho de compreender o que estava fazendo e ignorando toda a dor que estava sentindo, ele se jogou para frente em direção ao rosto de Rodolfo.

Racionalmente, não entendia de onde tinha tirado força para levantar num pulo, muito menos o que faria se conseguisse agarrá-lo.

Nunca tinha sido do tipo que usava a agressão física como recurso – tivera Crabbe e Goyle para isso quando era criança, depois, seus próprios aurores e comensais na fase adulta.

Mesmo sem compreender totalmente o que estava fazendo, ele projetou a mão direita fechada em direção ao rosto de Lestrange e jogou seu corpo para frente, querendo derrubar o homem e rolar com ele no chão, visando saciar algum desejo primitivo de sangue e vingança.

Contudo, o outro comensal, apesar de ter mais que o dobro da idade de Draco, contava com uma vantagem imensurável: tinha uma varinha. Com um assustado movimento da varinha e um feitiço não-verbal, ele jogou Draco na parede oposta, fazendo-o colidir na superfície com um baque surdo.

Malfoy sentiu como se repentinamente todo o ar do mundo tivesse sido sequestrado e posto num lugar onde ele não tinha acesso. Seus olhos arderam quando suas costas bateram na parede e tudo que ele pôde ver por alguns segundos foi uma mancha negra onde deveria estar Lestrange. Seus ouvidos zumbiam enquanto o mundo girava e girava. Ele virou para o lado para vomitar, mas se conteve com um último suspiro de dignidade.

"Se você tentar mais alguma gracinha, juro que o Curandeiro da prisão terá muito trabalho para te consertar." Rodolfo disse com uma voz agitada depois de um momento, como se estivesse espantado com a reação de Draco.

Ele observou Draco lutar para se recompor por mais um momento, antes de continuar falando com a voz cheia de incredulidade. "Merlin, Malfoy, você está aqui por causa dela! Estão comentando sobre o que te levou a duelar, sobre como ela e o Zabini estavam fod-"

"Eu não vou ficar em desvantagem para sempre." Draco o interrompeu polidamente quando conseguiu falar novamente, como se tivesse encontrado o homem num parque. Ele sabia que era exatamente aquela atitude fria e impessoal que enervava e amedrontava seus interlocutores, numa postura que ele tinha aperfeiçoado através dos anos. "Então eu sugiro que não termine esse raciocínio na minha frente. Ou melhor, na frente de mais ninguém. Do contrário, quando eu retornar para o lugar de onde não deveria ter saído, farei questão de me lembrar de cada palavra e de todos que as espalharam."

"Está me ameaçando, garoto?" Lestrange cruzou os braços e o encarou friamente.

"Não." Draco respondeu calmamente, sem alterar o tom de voz. "Só estou permitindo que você saiba haverá consequências."

Os dois se encararam fixamente num silêncio tenso, carregado com uma ameaça subjacente. Lestrange desviou os olhos primeiro.

"A escolha é sua, Malfoy." Ele deu de ombros, como se não se importasse com o que realmente tinha acontecido entre a Sra. Malfoy e Blaise Zabini. "Mas, como não quero ouvir o nome dos Lestrange associados com deslizes cometidos por parentes distantes, eu te concedo um último conselho: trate de domar sua mulher e colocá-la no seu devido lugar."

"Aceitarei seu conselho, tio." Draco respondeu prontamente, esfregando as mãos sujas e ensanguentadas no que restava da calça, como se com aquilo pudesse deixá-lo mais limpo. "Afinal, você é um grande especialista em dominar a esposa e fazê-la se comportar, não é?"

Um brilho de raiva cruzou os olhos escuros de Rodolfo, mas ele nada respondeu. Simplesmente virou as costas com o robe negro esvoaçando atrás de si, passando pelo batente da porta e deixando a passagem livre para que Draco o seguisse em direção ao curandeiro, não se importando se o rapaz conseguiria andar ou não.

O assunto Bellatrix Lestrange ainda parecia ser um grande tabu entre os comensais, inclusive para o homem que tinha sido seu marido por tantos anos. Era assim para o próprio Draco algumas vezes.

A morte dela, ao lado da morte daquela cobra gigante asquerosa, pareciam ter sido as únicas coisas que o Lorde das Trevas lamentava. E isso abria margem para muitas fofocas e comentários sobre a relação da sua tia e Você-Sabe-Quem. Comentários que certamente não agradariam Rodolfo Lestrange.

Teve que reprimir um calafrio ao pensar onde - e como - todos estariam se a tia ainda estivesse viva. Por um lapso de segundo - que escondeu devidamente nos recantos mais íntimos do seu subconsciente -, ele agradeceu mentalmente a Weasley-Mãe por ter tido a coragem e habilidade de fazer o que ninguém mais tivera. E obtido sucesso na sua tentativa.

"Venha rápido, Malfoy." Rodolfo disse de costas e andando rapidamente, enquanto Draco tentava dar seus primeiros passos depois de se levantar com a ajuda da parede. "Você tem ordens de ir para os Estados Unidos ainda hoje."

Draco levantou uma sobrancelha diante da novidade, mas levou poucos segundos para que ele entendesse o que estava acontecendo.

Serei exilado por um tempo até o escândalo morrer e melhorarei as relações diplomáticas do Ministério da Magia da Inglaterra com um aliado forte, ele pensou dando um sorriso sem vida. Engenhoso. Dois hipogrifos com um feitiço só.

Lestrange escolheu aquele exato momento para interromper seu raciocínio.

"Parece que sua mulher vai ficar solitária por algum tempo, pobrezinha." Ele disse, virando a cabeça para Draco pela primeira vez desde que tinham saído da cela, com um sorriso malicioso estampado no rosto. "Bem, talvez não tão solitária, considerando os últimos eventos…"

Draco sentiu sua mandíbula ficar tensa, mas não soube se era pela dor ou pelas implicações da frase do seu maldito tio. Respirou fundo controlando toda a fúria explosiva que estava gritando para que ele se jogasse mais uma vez sobre o homem na sua frente, pegando-o desprevenido.

Quando tudo foi devidamente escondido sob inúmeras camadas de indiferença, tudo que Draco fez foi dar um meio sorriso cínico, como se o que fosse acontecer dali para frente não tivesse o poder de causar nenhum efeito sobre ele, além de entediá-lo até a morte.

"Não poderia me importar menos..." Draco respondeu com a voz irritantemente arrastada.

"Você quer que eu acredite nisso, depois de ter tentado me atacar por causa de um comentário parecido?"

"Não poderia me importar menos com o que você acredita também." Draco escolheu o sorriso superior mais desagradável da sua vasta coleção para presentear o tio e recebeu de Lestrange um último olhar cético e avaliador, como se ele estivesse tentando decifrar a verdade por trás das palavras e da atitude do rapaz. Quando não conseguiu, deu de ombros e voltou a olhar para frente.

O rosto de Draco perdeu toda o ar entediado e o sorriso morreu assim que Lestrange se virou. No lugar, assumiu uma expressão vazia, quase dolorosamente abandonada.

Talvez não fosse tão má ideia sair da Inglaterra por uns tempos, afinal, ele concluiu, afastando os pensamentos de tudo que pudesse machucá-lo.


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