Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 18
Vive a tua Memória e Assombra-te


Notas iniciais do capítulo

Ladies! Esse capítulo veio rápido porque estou de féééérias! Ieeeeei! Isso também significa que vou tentar esboçar os capítulos finais em uma tacada só. Para um prognóstico mais otimista, o esqueleto de dez capítulos em duas semanas. Cruzem os dedos por mim.

Ah, o título do capítulo é uma frase atribuída a Jack Kerouac - que por sinal, recomendo a leitura. Achei bem condizente com o conteúdo ;)

Se você leu, deixe seu comentário ou crítica. É muito importante para mim.

Mais uma vez, o capítulo é para Rose, o sopro de inspiração e coerência da minha narrativa, e para Mary Weasley, com sua gentileza sem fim.



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Em algum lugar ao sul do Espanha.

Apesar da idade avançada, Augusta Longbottom apertou o passo pelo corredor bem iluminado da sua casa de campo, olhando de relance para as mãos contorcidas tanto pela idade e quanto por uma maldita artrite que a acompanhava há décadas. Sentia-se particularmente cansada ultimamente, mesmo não tendo feito praticamente nada nos últimos anos além de sentar, se consumir no passado, dar ordem aos empregados e sofrer com memórias indesejadas.

Adentrou um quarto abafado e sentiu a urgência de tirar a costumeira pele de raposa do pescoço, entregando-a para uma das suas empregadas trouxas que limpava o aposento e dispensando-a com um gesto impaciente da mão.

"Vaya, chica, quiero estar solo. No te voy a necesitar por ahora." Ela disse com sua voz rouca e menina saiu o mais depressa que podia, sem correr.

Era bom que ela se sentisse intimidada: no geral, Augusta se mantinha distante dos empregados para evitar problemas; essas meninas espanholas estava sempre prontas a ajudar, mas também a fazer mexericos.

Ela parou no meio do aposento, colocando as mãos na cintura e lançando um olhar avaliador ao redor, pela enésima vez. Era um quarto que possuía um ambiente bem iluminado, uma decoração bonita e confortável. Satisfeita com o que viu, olhou através da janela para os campos de trigo e a Serra Nevada ao fundo, banhadas pela fraca luz do sol do início do verão. Absolutamente belo.

Pensou que, se pudesse escolher um lugar para morrer, certamente seria aquele. Sua terra natal.

Afinal, além de morrer, o que restava para uma mulher que havia enterrado o marido e neto? Para uma mulher cujo filho vivia num estado vegetativo, com o corpo como uma casca vazia? Um filho que ela não podia visitar há tanto tempo…

Ela sentiu seus olhos arderam, mas há muitos anos não podia chorar. Chorar era um luxo que ela não queria – poderia – se dar.

Quando seus olhos se desviaram da paisagem para pousarem sobre a grande cama do quarto, automaticamente ela respondeu à si mesma a questão que havia se feito, sobre o quê ainda restava para ela.

Augusta sabia que não podia morrer ainda. Sabia que havia algo pelo qual ela deveria seguir adiante.

Harry Potter dormia sereno, como se estivesse tirando uma soneca depois do almoço, exatamente como seu Frank gostava de fazer. Olhando ao redor para saber se a garota trouxa já tinha mesmo partido, ela se permitiu dar um suspiro triste, ajeitando o lençol que cobria metade do corpo do homem na cama com um gesto firme da varinha.

Augusta se lembrava como se fosse ontem, do dia que eles trouxeram Potter. E Neville.

E, ao se lembrar do seu neto, dessa vez uma lágrima escorreu pelo rosto enrugado.

Hermione Granger e um dos garotos Weasley bateram na sua porta, trazendo dois corpos porcamente cobertos por aquela curiosa Capa da Invisibilidade. Como os outros, Augusta havia fugido de Hogwarts e tinha se refugiado num lugar seguro, longe das mãos repugnantes de Voldemort. Então, tinha se estabelecido numa das suas propriedades na Espanha - herdados pelo seu lado da família -, o que dificultaria muito a vida de Voldemort se ele checasse as propriedades e bens dos Longbottom. Duvidava que alguém sequer se lembrasse que ela só era Longbottom por causa do casamento.

"Sra. Longbottom." A menina havia dito, de olhos baixos e vermelhos. "Neville, ele-" Ela não conseguiu terminar de falar, mas tudo era muito óbvio para a velha mulher. "Eu sinto muito."

Sem se importar em responder a garota, Augusta se ajoelhou com dificuldade ao lado do corpo de Neville e enlaçou sua mão com a do neto.

"Como aconteceu?" Ela perguntou, sem olhar para a garota.

Ela fungou para reter o choro e Augusta viu como o menino Weasley passou o braço comprido pelos ombros dela. Foi ele que respondeu sua pergunta. "Ele morreu tentando proteger Harry."

Um silêncio mortal se abateu sobre eles e Augusta teve que se conter para não permitir que seu corpo convulsionasse num choro copioso.

"Meu pobre, pobre garoto corajoso... " Foi tudo o que ela se permitiu dizer, passando a mão pelo rosto redondo de Neville e sentindo que tremia com a intensidade de todas as palavras que ela não tinha dito para ele, todos os elogios que ela deveria ter falado para o neto em vida. Agora só podia rezar para que ele tivesse subentendido a verdadeira intenção do seu rigor, do seu silêncio As lágrimas pressionaram seus olhos, mas ela manteve sua postura rígida. "Uma pena que não tenha adiantado."

"Na verdade," Hermione limpou a garganta, subitamente mais constrangida. "adiantou sim. E é por isso que estamos aqui. Precisamos da sua ajuda, Sra. Longbottom."

Ela olhou fixamente a garota e viu como os olhos dela vagavam em direção ao corpo de Harry Potter, inerte ao lado do neto. E então ela entendeu, não evitando que seus olhos se arregalassem levemente.

"Precisamos que ele viva." O garoto Weasley manifestou em voz alta e firme o desejo de quase todo o mundo bruxo.

Então, desde aquele momento, ela tinha cuidado e tomado conta de Harry Potter, com a dedicação de quem cultivava a esperança em um solo infértil.

Ela passou a mão pela testa fria do homem em coma, como se pudesse passar o resto da sua vitalidade para ele.

Que Merlin lhe ajudasse, ela pensou fechando os olhos.

Devia aquilo ao seu neto.

***

Beco Diagonal, Londres.

Draco Malfoy levantou o capuz do robe, cobrindo os cabelos muito claros que definitivamente não eram adequados quando o assunto era ser discreto. Já era de noite e, se há muito tempo ele tinha desistido de contar com a sorte, também não daria qualquer chance ao azar.

De braços cruzados, ele estava encostado numa parede no fim do Beco Diagonal, parcialmente encoberto pela fachada de um prédio e com visão panorâmica de todo o lugar.

Sentia uma leve irritação por estar há horas fazendo aquele trabalho tão baixo nível depois de subir tanto hierarquicamente no Ministério, mas não podia confiar em ninguém. Pelo menos não diretamente.

A contragosto, foi obrigado a mandar um auror para a Travessa do Tranco e outro para Hogsmeade, com a desculpa de que havia recebido uma denúncia anônima de que duelos entre bruxos sangue puro estavam marcados para aqueles locais e que eles deviam interrogar qualquer pessoa suspeita, comunicando-o imediatamente.

Aquela, entretanto, foi apenas uma medida preventiva. Ele sabia que era para o Beco Diagonal que ela viria e por isso estava ali pessoalmente. Não havia outra opção menos arriscada disponível.

Com a ajuda dos contatos fora dos registros que Blaise lhe trouxera, tinha investigado com afinco tudo sobre a fuga da pobretona de Glastonbury e tentado com mais afinco ainda abafar todo o caso. Subornou quem pôde, ameaçou o restante. Trocou favores e cobrou outros, tudo com a desculpa de que ele não queria que soubessem que sua mulher tinha sido desobediente.

Era melhor levar a fama de ser casado com uma mulher indisciplinada e vulgar do que com uma traidora, ele pensou torcendo o nariz.

E então só lhe restou rezar para que ninguém mais se interessasse por aquela investigação… Não era bom para ele que as atenções se voltassem para sua maldita esposa, mesmo que ela fosse idiota o suficiente para não perceber isso.

Tinha descoberto a garota que tinha sido incumbida de levar a comida para a Ginevra na prisão e só podia ter sido ela a ajudar a megera ruiva, não havia absolutamente mais ninguém que se encaixava na história. Os guardas e o porteiro pareceram bem assustados com relação ao nome Malfoy para ter colaborado com qualquer coisa na fuga da Weasley.

O pessoal de Glastonbury tinha sido incompetente e negligente, era verdade. Mas se ele fosse acusar de traição todos os incompetentes ao seu redor, metade da Inglaterra seria considerada desleal.

Tinha que ter sido a garota. E diferente dos guardas, ela estava desaparecida até aquele momento.

Um maldito aborto, ele pensou descruzando os braços e cerrando os punhos ao lado do corpo. Involuntariamente, se perguntou quem mais a Weasley-Fêmea seria capaz de conquistar para atingir seus objetivos. Se remexeu desconfortável diante do pensamento e voltou a se concentrar na sua investigação.

Tinha certeza que a Weasley, nobre, grifinória e insuportável que era, não deixaria o infeliz aborto desamparado. Anne – esse era o nome da garota, ele sem lembrou – logo viria até Ginevra. Ou melhor, até a Resistência. E Draco estaria lá para presenciar esse interessante encontro.

Depois de mais alguns minutos tediosos, ele percebeu uma figura encapuzada se encaminhar hesitante pelo Beco Diagonal. Uma figura pequena, claramente feminina, que exalava medo. Olhou mais minuciosamente, se aproveitando do fato de que ela estava alheia à observação dele. Era a garota. Ele podia se lembrar de cada detalhe do rosto sem graça, do cabelo loiro e opaco que escapava por baixo do capuz, do olhar oprimido e digno de pena que ele tinha memorizado da foto que os dirigentes de Glastonbury haviam lhe dado.

Draco não se esforçou para reter um sorriso vitorioso. Ele gostava muito da sensação de estar certo.

Esperou que ela entrasse n'O Caldeirão Furado e se preparou para segui-la. Seria ele próprio a abordá-la, junto com o seu contato. O contato da Resistência. O sorriso se alargou nos lábios pálidos ao pensar na cara que a Weasley faria quando ele lhe contasse que havia chegado até a garota.

Entretanto, seu estado de espírito mudou drasticamente quando ele viu uma outra figura se aproximando e sentiu sua mandíbula ficar tensa.

Era um ser grande, desengonçado e muito feio, Draco percebeu. Um ser que ele conhecia bem demais, para seu eterno desgosto. Fez uma careta.

Goyle aparentemente não tinha se dado por satisfeito pela investigação que Draco tinha feito. Queria ele mesmo fazer suas próprias perguntas, por razões que ainda eram nebulosas para Malfoy. E que não o agradavam, de jeito nenhum.

De alguma forma, parecia que o troglodita idiota tinha chegado até Anne, antes que Zabini pudesse apagar as pistas deixadas por Ginevra e a garota.

Draco olhou reprovador para o céu, como se pudesse descontar sua frustração em alguma entidade divina.

Merlin, não posso contar com um pouco de boa vontade do universo pelo menos uma vez?, ele pensou acidamente, se encaminhando até Goyle enquanto a garota-aborto se enfiava dentro d'O Caldeirão Furado, ficando cada vez mais longe do seu alcance.

Malfoy se sentiu frustrado e com vontade de chutar algo, mas não havia outra opção: nunca poderia permitir que Goyle ficasse sequer perto de saber a razão das atitudes intempestivas da Weasley-Fêmea.

Ele abaixou o capuz sentindo seus cabelos soltos baterem no queixo e bloqueou o caminho do ex-parceiro de sonserina, que o olhou com os olhos pequenos estreitados pela desconfiança.

"Boa noite, Goyle."

"Malfoy." Ele se limitou a grunhir quando o reconheceu, olhando por cima do ombro de Draco e tentando captar um vislumbre da garota encapuzada. Ele deu um passo lateral para desviar do loiro, mas Malfoy acompanhou o movimento, parando na frente dele mais uma vez.

"Bela noite para um passeio, não?" Draco disse casualmente, como se tivesse encontrado-o num parque. "Uma pena eu ter te designado para a coordenação de uma operação de reconhecimento em Winchester." Dessa vez ele sentiu sua própria expressão mudar, se fechando e se tornando a máscara fria a qual todos associavam com ele. "O que me lembra de te perguntar, o que diabos você está fazendo aqui?"

Goyle pareceu levemente constrangido e coçou a cabeça, esquecido temporariamente da garota. "Eu indiquei Rumlow para a tarefa... Ele partiu há duas horas e eu vim para cá para..." Ele parou, como se não soubesse o que dizer. Draco se sentiu enojado com tamanha dificuldade de raciocinar.

"Para...?" Malfoy incentivou.

"Para investigações adicionais de uma fuga em Glastonbury." Ele respondeu lentamente; a verdade, afinal, não demandava a criação de um cenário alternativo, algo com o qual Goyle certamente não podia lidar.

O semblante de Draco endureceu automaticamente e um brilho de preocupação cruzou a expressão bovina de Goyle.

"Eu achei que havia deixado claro nos meus relatórios que já tinha feito toda a investigação, que tudo não passou de uma confusão dos guardas e que, por se tratar de uma pessoa que só ficaria lá por um dia, a situação já tinha sido resolvida. Nenhuma fuga acontecerá novamente. Os responsáveis por Glastonbury já garantiram isso."

"Pensei que pudesse ajudar." Ele disse com um desafio incipiente na voz.

"Se dependêssemos da sua capacidade de pensar, estaríamos com sérios problemas." Draco respondeu com gelo na voz.

"Escute aqui, Malfoy-"

"Não, escute você. E escute bem." Ele adentrou o círculo pessoal de Goyle para fazer seu ponto ficar mais claro, mesmo ficando incomodado pela desvantagem com relação à altura. Definitivamente, Draco não estava acostumado a olhar para cima para falar com qualquer pessoa, mas Goyle parecia ser uma exceção à regra. "Em nome dos velhos tempos, eu vou desconsiderar tudo isso e não levarei a questão da sua intromissão ao Lorde das Trevas. Mas não vou admitir que você meta esse nariz feio nos assuntos do meu departamento no Ministério. Se você quer ajudar o Departamento das Leis da Magia, terá que fazer isso sob as minhas regras, sob as minhas ordens."

"Como quiser, Malfoy. Seu departamento, suas regras." Goyle disse depois de um longo momento e ficou com o rosto vermelho de raiva, parecendo empurrar as palavras por entre os dentes antes de completar. "Por enquanto."

Draco ignorou a ameaça subjacente e se afastou, sentindo uma urgência de sair de perto daquele homem. "Posso contar que você irá até Winchester?"

"Sim." Goyle assentiu. Virou as costas para Draco e teve que controlar a vontade súbita de envolver suas mãos calosas no pescoço fino de Malfoy, se encaminhando para longe.

"E Goyle...?" Draco chamou quando o comensal já se afastava. Goyle virou seu corpanzil para encarar Malfoy mais uma vez, com certa impaciência na postura.

"O que é agora?"

"Fique longe da minha mulher." Ele cruzou os braços e os dois se encararam fixamente durante um tempo, ambos se lembrando do assalto que a loja dela tinha sofrido, sob as ordens e com a participação de Goyle. Então o homem maior deu as costas e partiu, sem dizer mais nada.

Draco o olhou se afastar com passos lentos. Sabia que haviam resquícios de mágoa entre os dois, depois dos anos de Sonserina e, principalmente, depois da morte de Crabbe. Mas até onde Goyle chegaria para prejudicá-lo? Subitamente, ele não queria descobrir.

Quando entrou n'O Caldeirão Furado depois de alguns minutos, não havia mais nenhum sinal do aborto entre as mesas dispersas e os clientes meio bêbados.

A menina tinha escapado com a Resistência e Draco tinha o pressentimento que só voltaria a pôr os olhos nela quando a situação tivesse esfriado e as dúvidas tivessem morrido.

Ele se virou para ir embora, amaldiçoando sua má sorte mais uma vez.

***

Goyle cerrou os punhos ao lado do corpo e soube que seu rosto tinha se retorcido numa careta enfurecida, uma vez que estava assustando as raras pessoas que ousavam passar pela sua frente naquela hora tardia da noite.

Iria para Winchester como Malfoy queria, se mexeria conforme o movimento da varinha até seu momento chegar. O momento em que subiria mais no Ministério e tiraria Malfoy do seu caminho, obtendo assim dois grandes prazeres.

Teve que reprimir um gemido de desgosto por seus planos não terem dado certo, mesmo que ele não soubesse com certeza o que estava acontecendo. Mas que havia algo acontecendo, ah, isso ele podia jurar.

A verdade é que toda essa história com a fuga da mulher dele da prisão estava muito estranha, até mesmo para ele. Havia algo incomodando os limites da sua mente, mas ele não conseguia conceber o que era. Então resolveu que investigaria por seus próprios métodos.

Queria falar com a criada da prisão, interrogá-la, tentar entender como a viúva havia fugido e se havia algo que ele pudesse usar contra Malfoy.

Era relativamente normal que alguns dos comensais usassem Glastonbury para darem 'lições' nas suas esposas – o que fazia todo sentido para Goyle – mas não era normal que fizessem isso tão clandestinamente. E menos ainda que elas fugissem de lá. Havia algo estranho com aquela mulher de Draco…

Algo que o atraía e o enfurecia, ao mesmo tempo. Depois daquela noite na loja dela, ele raramente conseguia parar de pensar nela, com um misto de curiosidade, desejo, interesse… Saudades?

Sua mente deu um nó lógico, mas, abençoadamente, ele atingiu o ponto de aparatação e pôde simplesmente se concentrar em algo que não o intrigasse, que não o obrigasse a pensar.

Iria para Winchester e cumpriria suas ordens, sua missão para com o Lorde das Trevas.

***

Gina acordou na sua cama, com uma coruja muito pequena e cinzenta batendo insistentemente contra sua janela.

Pichitinho!, ela reconheceu, se levantando rapidamente.

Ainda ébria de sono, ela se arrepiou com a brisa mais fria que entrou quando abriu a janela. Como era costume, a coruja ficou extremamente feliz quando Gina retirou o bilhete da sua pata e ela fez um carinho saudoso na cabeça do animal.

"Obrigada, Pichi." Gina sorriu. "Também senti sua falta." A coruja se eriçou antes de partir, bicando levemente o dedo de Gina.

Quando ela se foi, Gina desenrolou o pergaminho com um recado codificado de Rony e, reconhecendo o padrão típico de um bilhete do seu irmão, ela se sentou na cama e o segurou com mãos trêmulas.

Sra. Malfoy,

Está tudo certo com o seu mais antigo e precioso estoque.

Nenhum vidro de poção para o qual você me recomendou cuidado especial foi quebrado, sequer arranhado. O objetivo foi alcançado com sucesso, apesar de algumas pequenas perdas que esperamos recuperar em breve.

Você vai ficar feliz em saber que recebi sua encomenda n'O Caldeirão Furado e ela já está conosco, devidamente estocada e longe de ameaças, como umidade e calor.

É sempre um prazer fazer negócio com você.

Ela quase riu de felicidade ao pensar que estava tudo certo com sua família e que eles conseguiram entrar em contato com Anne... Então ela estava com a Resistência. Gina suspirou aliviada e agradeceu mentalmente a garota mais uma vez.

Nem Draco nem o Ministério conseguiram prendê-la, ela pensou com uma pitada de júbilo por ter levado a melhor sobre Malfoy.

Era verdade que agora Anne teria que sair de cena por alguns meses até que a poeira daquela fuga assentasse, mas aquele era o menor preço a se pagar: sua nova aliada estava segura, até que Gina pudesse retribuir melhor a ajuda que a jovem mulher havia lhe dado. Talvez um dia até pudesse chamar Anne para trabalhar na loja e ficar mais perto dela…

Quando ainda estava perdida em seus pensamentos, James entrou como um furacão no quarto pulando sobre ela e Gina finalmente pode desfrutar de um momento de paz. Sua atenção era toda de James quando ele estava por perto. Não se permitiria dar menos do que isso para o filho.

"Mamãe!" O garoto disse, pulando sobre ela e a envolvendo com os braços finos. "Não te vi ontem o dia inteeeeiro-" Ele esticou a palavra para dar ênfase ao argumento. "Fiquei preocupado! E a Della também ficou, por mais que ela não diga nada." Ele disse, com a expressão desconfiada. Como Della era praticamente a única companhia diária de James, ele tendia a se interessar consideravelmente pelas diferentes nuances do comportamento dos elfos.

"Eu estava resolvendo uns problemas na loja." Ela bagunçou os cabelos castanhos e escuros. "Mas prometo que vou passar o dia com você! E quer saber? Amanhã também!" Ela sorriu radiante. "Nós merecemos uns dias de férias, o que você acha?"

"Demais! Podemos tomar sorvete e ver um jogo dos Chudley Cannons!" Ela rolou os olhos e James fez sua melhor expressão de menino abandonado. "Por favor, mamãe, é o melhor time do Universo… Depois das Harpias, claro!" Ele completou rapidamente, ao ver a careta de Gina. Ela riu e se jogou na cama abraçando o menino.

Decidiu que dedicaria o dia ao filho sem se preocupar com mais nada, nem com o futuro da sociedade bruxa, nem com os humores de um marido comensal, tampouco com a família rebelde.

Seriam só Gina, James e o bebê, no qual ela pensava com carinho, pondo a mão sobre a barriga que, ainda estivesse longe de ser evidente, já era suficiente para alimentar seus instintos mais maternais.

Naquele momento, ela tinha tudo o que precisava ao alcance das suas mãos.

***

Nos primeiros dias que se seguiram ao seu momento com James, o estado de espírito de Gina estava tão mais leve que ela sequer se importou com a possibilidade de se reencontrar com um Draco raivoso e rancoroso, devido ao incidente da fuga da prisão.

E, inevitavelmente, eles tiveram que se encontrar para as aulas particulares de Oclumência. Então, como ela esperava que seria, ele reapareceu na sua casa. Na sua loja. Na sua rotina.

No fim, essas aulas forçaram encontros periódicos entre os dois, que também poderiam ser simbolicamente chamados de Terceira Guerra Bruxa.

Ela ficava irritada com as indiretas, com a postura arrogante, com o prazer em ser desagradável que ele tinha.

Eles brigavam.

Ela prometia a si mesma que se controlaria da próxima vez.

Ele voltava.

Ela ficava irritada.

Eles brigavam.

E assim pareciam formar um círculo vicioso que Gina tinha certeza que só terminaria quando ela esganasse a doninha branquela com as próprias mãos.

As conversas eram sempre permeadas por provocações, acusações, ofensas, lembranças… E essa última era a parte que mais incomodava Gina; havia lutado por anos para se desligar, pelo menos em parte, de um passado que só fazia com que ela sofresse, mas lá estava Draco Malfoy, com sua postura arrogante, seu olhar de gelo, sua zombaria fria, para lembrá-la de todas as coisas que ela queria esquecer.

E assim eles seguiam, sem chegarem num consenso, tampouco conseguindo se afastar.

Certa vez, para seu eterno desgosto, enquanto ele discorria sobre a importância de se fechar a mente para as invasões externas pela vigésima segunda vez naquela semana e salientando com prazer todos os pontos nos quais Gina não era boa, ela se revoltou realmente. Não com ele, especificamente.

Sentada numa poltrona confortável da sua sala, com o queixo apoiado na mão, Gina pensava distraidamente sobre qual parte do corpo de Malfoy ela poderia abrir mão mais facilmente. Ficou mortalmente revoltada consigo mesma quando seus olhos percorreram involuntariamente as pernas longas, cruzadas, subindo para as coxas, passando pelo tórax, pelo peito liso que ela conhecia - e odiava admitir que conhecia -, passando pelo pescoço delgado, alvo, chegando no rosto comprido, passeando pela boca, pelos dentes muito brancos e alinhados, pelo nariz longo e aristocrático, pelos cabelos tradicionalmente um pouco mais compridos do que eram em Hogwarts, que caiam displicentemente pelo seu rosto e faziam com que ele tivesse que jogá-los para trás ocasionalmente, num gesto entediado.

Decidiu que a parte de Malfoy que ela menos sentiria falta era o cérebro e o pensamento a deixou sem fôlego.

Rony estava certo: ela tinha perdido o pouco de juízo que tinha. Apreciando as formas físicas de Draco Malfoy!

Como tudo sempre pode piorar, ele tinha notado o olhar avaliador que ela havia lançado na direção dele tão descuidadamente. A boca dele se elevou nos cantos numa indicação de um sorriso zombeteiro, daqueles que ela decididamente odiava.

"Gosta do que vê, Weasley?" Ele perguntou, sem disfarçar o sorriso idiota.

Ela voltou a si rapidamente, a tempo de conter o rubor que certamente entregaria uma resposta afirmativa à pergunta dele.

"Entediada com o que eu vejo, na verdade." Ela respondeu rapidamente, fingindo escárnio. "Você já me falou sobre essa parte um milhão de vezes." Rolou os olhos se referindo à Oclumência, numa tentativa clara de mudar de assunto.

Como ela esperava, ofender a habilidade de Malfoy em fazer qualquer coisa despertava nele o instinto de se provar certo e, por consequência, ele esqueceu momentaneamente o incidente da olhadela furtiva.

"Eu não tenho culpa se você não é inteligente o bastante para aprender." Ele disse de maneira desagradável. "Estamos tendo aulas há dias e você ainda permite que eu penetre na sua mente."

"Se é tão fácil, por que não me deixa tentar com você?" Gina rebateu, perdendo a paciência.

Ele levantou uma sobrancelha interrogativa. "Você sequer sabe como se defender desse tipo de invasão, o que te leva a acreditar que vai conseguir me atacar?"

Bastardo egocêntrico, ela pensou, retendo uma careta.

"Bom, já vi você fazendo várias vezes. Sei o feitiço e o que devo fazer. Acho que é só uma questão de praticar." Ela deu de ombros.

Draco sorriu da maneira que ela jurava odiar e apontou o longo dedo indicador para a sua testa, indicando que ela era convidada a tentar.

"Nem nos seus melhores sonhos você vai entrar na minha mente, Weasley."

"Nos meus piores pesadelos, você quer dizer."

Ela não esperou pela réplica; caminhou até onde ele estava sentado, puxou a cadeira mais próxima e sentou frente a frente com ele, para melhorar seu contato visual. Ela sabia que precisaria de toda ajuda que dispusesse para fazer aquilo dar certo.

Draco adotou uma postura rígida, subitamente alerta, como se a simples proximidade de Gina fosse suficiente para ofendê-lo e ela suprimiu algo no seu íntimo que ficou levemente contrariado com aquilo. Os joelhos deles estavam se tocando e, mesmo continuando sendo mais baixa que ele nessa posição, conseguia ter uma boa visão do seu rosto.

Da covinha de um lado que se acentuava nos raros momentos que ele ria, da pele pálida, com uma leve cicatriz acima da sobrancelha direita, dos olhos que escureciam no menor sinal de intensidade. Agora eles estavam límpidos, demonstrando mais curiosidade do que vigilância.

Ela expulsou os pensamentos sobre o rosto de Draco Malfoy e se concentrou muito no que tinha que fazer.

"Legilimens." Ela falou baixinho apertando sua varinha entre os dedos e, de repente, um formigamento estranho percorreu o seu corpo, como se ela fosse mais forte do que realmente era. Como se seus átomos quisessem fugir do lugar onde estavam para entrar em outro, romper barreiras, passar quaisquer fronteiras que se apresentassem.

Então se concentrou em Draco e sabia que ele era a verdadeira barreira a ser rompida. Ela se sentia como um martelo, batendo insistentemente contra um muro indestrutível, estocando paredes feitas de diamantes. Quase se desconcentrou ao pensar que não conseguiria…

Mas não daria aquele gostinho a ele, não tão facilmente. Deveria haver um jeito…

Eles estavam com os olhares presos um no outro, mogno colado no prata, num desafio silencioso cheio de tensão e expectativa; desconfortavelmente, ela desconfiou que mesmo que quisesse não conseguiria quebrar o contato visual. E os olhos deles escureceram, tomando aquela tonalidade de prata fundida que era sinal de algo estava agitando-o, incomodando-o, tirando-o da sua zona de conforto.

A sensação era de que ela era uma gata, tentando pegar um pequeno rato bem escondido na sua toca; ela cercava-o por todos os lados, cobria todas as possibilidades, mas não conseguia entrar…

Então era preciso fazer o rato sair!, ela pensou mais determinada.

Sim, era preciso.

Ainda sob o efeito da concentração obstinada, ela se inclinou levemente para frente, erguendo o rosto. Sem saber ao certo como, seus lábios estavam sobre os dele, percebendo-os gelados, secos. E então ela sentiu como se uma corrente elétrica tivesse passado pelo seu corpo, vindo diretamente do dele, do contato com seus lábios. Ele arregalou os olhos claros, mas não recuou; Gina supôs que ele tinha ficado chocado demais para demonstrar qualquer outra reação.

Gina sentiu que as barreiras mentais de Draco ruíram tão rápido que ela se viu sugada para dentro da mente dele, como se estivesse descendo num grande ralo. De repente, não eram somente os olhos cinzas arregalados pela surpresa que estavam na sua frente e ela pôde registrar os sentimentos dele.

Sentiu raiva, medo, indignação, inveja. Sentiu o orgulho quando ele pensava na Sonserina e nos seus capangas de Hogwarts e, ao mesmo tempo, viu solidão.

Ele era sozinho? O garoto que tinha tudo era solitário...

Vislumbrou as saudades que ele sentia do pai, e era culpa dela também o que tinha acontecido com Lúcio, não era? Mas não havia tempo para pensar nos seus próprios pensamentos, porque tudo que ela sentia era Draco; fisicamente, com a boca colada na dele, e psicologicamente, com todas as fotos de memórias há muito tempo confinadas dentro dele.

Sentiu o amor pela mãe, a necessidade de mantê-la afastada e a dor que isso causava nele. Viu um lapso de uma imagem de Astoria sorrindo e sentiu seu estômago afundar, sem saber ao certo o porquê. Sentiu um medo absoluto ao ver Voldemort… Ela sabia agora que a fidelidade dele era baseada no medo, no instinto de autopreservação... Teve a confirmação de que Draco Malfoy só era fiel a si mesmo e à sua família…

Tudo girava e Gina, que fazia aquilo pela primeira vez, não estava preparada para filtrar o que era relevante, fazer o que Draco costumava fazer, buscar algum ponto especifico da mente dela e aproveitá-lo da melhor maneira.

De forma contrária, ela era bombardeada com uma torrente de imagens, Draco criança, ganhando vassouras caras, brincando com sua mãe; Draco indo para Hogwarts, crescendo esnobe em Hogwarts, dominando a Sonserina à sua maneira. E ela viu Blaise dizendo 'ela se foi...'.

Era em Hogwarts! Era Blaise com os elegantes trajes do baile, o baile que ela tinha sido obrigada a ir com Draco! O baile onde ela tinha pensado nele pela primeira vez como um ser com sentimentos. E Blaise repetia 'ela se foi...'. Draco havia ficado triste, com alguma coisa, mas com o quê? E então ela viu que ele procurava alguém fora do salão e a voz constante de Blaise vinha mais uma vez, 'ela se foi'...

Ele estava procurando-a!

Quando ela saiu correndo, ele a procurou!

Ela ofegou violentamente buscando ar e não houve mais tempo para sentir nada.

Draco a empurrou bruscamente espalmando uma mão em cada braço de Gina e levantando-se rapidamente, quase derrubando a cadeira em que estava sentado.

"O que você viu?" Ele perguntou depois de um momento, mais frio do que nunca. Gina podia ver que ele tremia levemente e que suas mãos estavam fechadas ao lado do corpo, exalando tensão.

"Nada." Ela respondeu prontamente, desviando o olhar.

Estava mentindo e ele sabia. E os dois preferiam assim.

"Ótimo." Ele disse, olhando fixamente um ponto na parede atrás dela. O cabelo loiro começava a grudar na testa devido ao suor, indicando que a experiência fora mais tortuosa do que o que ele estava deixando transparecer. "A propósito, isso foi um golpe baixo. Você sabe o quão desagradável para mim é chegar perto de você." Ele disse, reprovador. Estava retomando seu controle novamente.

De alguma forma, as palavras machucaram mais do que Gina queria admitir. Ela tentou desviar os pensamentos das palavras, se atentando ao fato de que ele quase tinha feito um beicinho ao falar, como criança contrariada. Ela teve que morder o lábio para não rir.

"Pensei que você fosse adepto da idéia de que nós usamos as armas que temos para ganhar." Ela disse calmamente e ele cruzou os braços, possivelmente para evitar que eles estrangulassem o pescoço de Gina.

"Você não tem o menor pudor, Weasley!" Ele disse escandalizado. "Espero que você comece a levar essas aulas a sério. Não é só sua vida que está em jogo."

"Eu levo a sério!" Ela respondeu exasperada, levantando as mãos num gesto de impaciência. "Tudo isso é porque você não está aceitando o fato que eu fui capaz de entrar na sua mente."

"Com trapaça!" Draco rolou os olhos. Dessa vez Gina riu abertamente, realmente achando que agora ele parecia um daqueles meninos que eram donos da vassoura nos jogos de quadribol e que ameaçavam ir embora da partida quando algo era do desagrado deles.

Ele reagiu à expressão dela com repúdio. "Pode tirar esse sorriso descarado do rosto, não vai acontecer de novo. Amanhã continuaremos, até você conseguir aprender alguma coisa que valha a pena." Ele disse e saiu na seqüência, não esperando pela resposta dela, nem que ela parasse de rir.

O que não aconteceu durante uns bons minutos depois que ele partiu.

***

A verdade é que Gina estava ficando realmente boa em Oclumência.

Ela tinha certeza que seria ainda melhor se eles não passassem metade do tempo que tinham juntos se alfinetando, se espezinhando, se ofendendo e se irritando mutuamente. Por vezes ela suspirava, cansada; ele não perdia a chance de ser desagradável e ela não conseguia controlar seu gênio explosivo, o que era uma combinação perfeita para os desastres disfarçados de aulas de Oclumência.

E, apesar de todos os contratempos, ela estava melhorando a cada dia. Malfoy já não conseguia entrar na sua mente com facilidade e por vezes precisava de um contato visual muito intenso para conseguir; esses eram os momentos dos quais Gina menos gostava: olhar dentro daqueles olhos a incomodava desde que ela tinha dezesseis anos e a sensação não parecia tê-la abandonado com o passar dos anos.

O incidente do beijo roubado – ou o que Draco tinha chamado gentilmente de trapaça suja e imoral – foi devidamente ignorado, esquecido e trancado a sete chaves, como tudo que envolvia os sentimentos e situações com as quais ela e Draco não conseguiam lidar propriamente. E o que ela tinha visto nas memórias dele…

Sacudiu a cabeça para espantar o pensamento e recapitular a sete utilidades de sangue de dragão para manter a mente focada.

Não conseguiu.

Por que infernos ele tinha procurado-a, depois de ofendê-la no baile?! E por que Blaise não mencionou nada nesse sentido?

Quase se beliscou para voltar a se focar em questões mais práticas com relação às aulas particulares e sua importância, que aumentava a cada dia por razões que Draco não podia sequer desconfiar.

Uma das coisas que a incentivava a se esforçar por um bom desempenho na arte de bloquear sua mente para invasões externas era o fato de que ela não podia entregar seus pensamentos e sensações sobre a gravidez para Malfoy. Por vezes, ela tinha que frear o instinto natural que a impelia a colocar a mão sobre a barriga alisando-a quando estava na presença dele. E isso ocorria com uma frequência cada vez maior porque, quanto mais eles se viam, mais relaxada ela ficava na presença de Draco, apesar das desavenças dos dois. E Gina sabia que isso era perigoso; abaixar sua guarda para ele era quase a mesma coisa que ofender um hipogrifo e ficar perto dele para contar a história.

Entretanto, as aulas que se seguiram foram mais tranqüilas e Gina teve que deixar a modéstia de lado para admitir que já estava muito mais segura para se defender de ataques à sua mente.

Mas ela não pôde evitar pensar que aquilo parecia com a calma que antecede a tempestade.

***

Gina aparatou perto de casa um pouco mais tarde do que o previsto. Aquele fora um dos dias que definitivamente tinha dado tudo errado. Perdera uma boa quantidade de Poção Erumpente por causa de um lote de ovos de fada estragado e tinha ficado retida com problemas burocráticos. Quando chegou em casa, a única coisa que queria era tomar um banho, comer algo bem gorduroso, sentar diante da lareira com James e conversar sobre amenidades com o garoto.

Quando entrou na sala de casa da sua casa, se deparou com uma cena que não esperaria ver jamais. Draco estava sentado na poltrona, visivelmente incomodado e tentando a todo custo não olhar para James, que por sua vez estava sentado em outra poltrona, balançando os pezinhos a esmo como se aquilo fosse algo realmente interessante para se fazer. Os dois pares de olhos se viraram na direção dela quando ela entrou na sala e o único sentimento que pôde captar de ambos foi alívio; Gina teve que se concentrar muito para não rir da situação.

James correu ao seu encontro, como se fosse a coisa mais importante do mundo, enquanto Draco apenas revirou os olhos, impaciente.

"Olá, mamãe!" O menino disse, depois de abraçá-la forte. "Vim fazer companhia para o Sr. Malfoy até você chegar." Ele falou, dando uma olhada de soslaio para Draco, antes de completar sussurrando. "Della disse que, quando você não está, devo ser o jovem mestre da casa. Então tentei fazer companhia para ele, mas acho que não deu muito certo…"

Gina passou a mão pelos cabelos do filho e respondeu sorrindo, no mesmo tom. "Della tem razão, meu querido. E eu estou muito orgulhosa, você se comportou muito bem." Tinha orgulho do filho por ele ter tido coragem o suficiente para deixar para trás a experiência horrível do primeiro encontro entre Draco e ele. Aliás, coragem era uma característica que ele parecia ter herdado em abundância, dela e de Harry.

James pareceu indeciso e lançou outro olhar suspeito em direção a Draco. "Quis mostrar para ele minha coleção de figurinhas de sapos de chocolate e as vassouras que eu gostaria de ter, mas ele não parece gostar muito de chocolate e quadribol." Ele disse, mais baixo ainda, como se não fosse aconselhável, sob hipótese alguma, confiar em pessoas que não gostassem de chocolate e, principalmente, de quadribol.

Gina, que tinha certeza que Draco tinha ouvido tudo, levou um segundo antes de responder. "É que ele não sabe jogar muito bem." E dessa vez a vontade de rir foi mais forte quando ela notou que Draco tinha ficado consideravelmente vermelho e inquieto.

"Ahh," James disse, como se estivesse realmente tocado pela causa das pessoas que não são boas jogando quadribol. "Assim que eu aprender, posso ensinar para ele, assim ele não vai ser mais tão triste." O menino completou pensativo.

"Acho uma grande idéia, James." Ela sorriu abertamente para o garoto, que abandonou a expressão pensativa para corresponder ao gesto da mãe. "Mas, para isso, primeiro você precisa aprender e isso inclui saber todas as regras do jogo. Pode começar pesquisando naquele livro sobre quadribol que eu te dei semana passada. O que acha?"

James suspirou, não muito à vontade com a idéia de aprender quadribol através de livros e não de prática, mas se deu por vencido ao olhar para a mãe, depois para Draco. "Quando eu aprender, vou poder praticar numa vassoura?" Ele perguntou, esperançoso.

"Pode apostar." Gina respondeu, piscando para o filho.

O garoto fez uma reverência formal para Draco antes de sair em busca do seu livro, excitado demais para abaixar a voz. "Vou aprender tudo para ensinar ao Sr. Malfoy!"

Mal tinha terminado a frase e já estava passando rapidamente pela porta, esquecida toda a formalidade do momento anterior.

Sorrindo, Gina se sentou na poltrona que James tinha deixado livre e tirou os sapatos, começando a fazer massagem circularmente no pé; a gravidez definitivamente estava começando a cobrar seu preço. Ela estava muito cansada e com fome.

"Você demorou." Malfoy disse, com olhos fixos nos movimentos rítmicos das mãos delas.

Que Draco Malfoy estivesse inteirado dos seus horários já era estranho o suficiente, mas que cobrasse dela já era demais.

"James estranhamente gosta de você…" Gina comentou, preferindo ignorar as implicações do comentário dele. "Ele foi um bom anfitrião na minha ausência?" Ela sorriu abertamente, testando a paciência dele.

Draco bufou. "Certamente foi. Fiquei muito à vontade na presença dele." Ele respondeu cinicamente, ficando pensativo antes de completar. "Eles são muito parecidos. É como se eu tivesse olhando para um maldito fantasma."

Gina não precisou pensar muito para descobrir que ele estava se referindo a Harry e que, possivelmente, essa era uma visão que não agradaria Draco em nada.

"É assim que eu me sinto, muitas vezes. Mas não deixa de ser um jeito de matar as saudades." Gina respondeu, ruborizando um pouco e ele se remexeu na poltrona, levemente incomodado. "Veio para mais aulas? Não sei se mais delas é realmente necessário… Acho que eu já consigo me virar bastante bem em Oclumência." Ela mudou de assunto, estrategicamente. Falar sobre Harry, com Draco de todas as pessoas, não era uma das suas atividades favoritas.

Ele deu seu típico sorriso zombeteiro e Gina parou de massagear os pés, se sentando corretamente na poltrona. Seria uma looonga noite.

"Já está tão confiante assim? Nem parece que eu consigo entrar na sua mente no momento em que eu quiser..."

Não era verdade! Gina respirou fundo. Ele só estava fazendo o que fazia de melhor: provocando-a. Ela estava começando a desconfiar que ele tinha algum prazer mórbido em vê-la perder o controle. Quase ruborizou ao se lembrar que ele já tinha confessado algo naquele sentido, no dia em que ele a deixou na prisão, antes que eles trocassem aquele beijo…

Gina sacudiu a cabeça. Não lembraria daquilo novamente.

"Talvez eu esteja convivendo demais com você e me tornando uma pretensiosa idiota." Ela falou mantendo a calma e deu uma leve piscadela para ele.

Ela estava esperando uma réplica maldosa, um comentário impertinente ou que ele fizesse seu biquinho típico dos mimados, mas Draco não fez nada disso: com uma rapidez surpreendente, girou a varinha numa mão, preparando-se para usá-la e com a outra puxou o braço de Gina com uma força incrível, tirando-a da poltrona e fazendo-a cair de joelhos na frente dele.

Ele sorriu diabolicamente, apontando a varinha para ela. "Legilimens."

Gina sabia que não devia se perder dentro dos olhos cinzas. Sabia que deveria resistir e que ele fizera aquilo para se vingar da pequena trapaça dela. Sabia que ele só queria irritá-la.

Só precisava respirar fundo… Ele não estava mais conseguindo penetrar na sua mente quando queria, então ela só precisava respirar fundo e resistir. É claro, além de desviar os pensamentos dos dedos longos e fortes que apertavam seu braço direito.

Mas estava tão cansada, com tanta fome… Queria sua cama, ficar em frente à lareira, descansar os pés… E nem bem terminou essa linha de raciocínio e a prata havia se fundido à cabeça dela, inundando seus pensamentos.

Merda!, ela ofegou, buscando fechar sua mente como uma pessoa se afogando buscava a superfície da água. Entretanto, já era tarde.

Causava sempre uma sensação estranha, como se ela estivesse mais leve, mais aberta… E então alguns pontos da sua vida passavam pelos seus olhos, involuntariamente. Dessa vez tinha voltado para a época em que estava confinada em Hogwarts, fazendo poções com o Professor Slughorn, tratando do feio ferimento de Sibila Trewlaney... O que teria acontecido com ela, depois que eles tiveram que evacuar Hogwarts?

Logo suas memórias a levaram para as tardes em que planejaram o ataque à clareira de Voldemort e angústia ao tentar se aproximar de Harry… Não, não queria que Draco visse isso! Mas as lembranças vinham num fluxo incontrolável, como se elas escapassem pelos seus dedos quando ela tentava segurá-las.

E novamente se viu nos braços de Harry, sendo carregada para os dormitórios da Lufa-Lufa e enterrou o rosto no pescoço do namorado (ou seja lá o que Harry fosse para ela, naquela época), sentindo o cheiro tão familiar, tão íntimo. Eles se beijaram, desejando um ao outro.

Gina queria parar, controlar, impedir que Draco visse mais, mas no momento seguinte da sua lembrança, ela e Harry já estavam deitados em uma das camas do dormitório em forma circular, com Harry passando a mão por todo o seu corpo com o que parecia reverência tímida e Gina, tremendo levemente, esperava ansiosa o próximo passo que viria. Harry, aparentemente, era tão inexperiente quanto ela e hesitava em cada gesto, como se estivesse com medo de machucá-la, de alguma forma.

Ela sabia que deveria fechar os olhos, mas não podia; entre o toque de Draco no presente e o toque de Harry no passado, tudo era confusão, tudo era angústia, como se dois muros implacáveis estivessem se fechando em torno dela, prensando-a, esmagando-a. Quando a lembrança chegou no momento onde Harry estava por cima dela, no instante angustiante e excitante que antecede a primeira penetração, Draco e Gina reagiram ao mesmo tempo.

Ele a soltou bruscamente e ela quebrou o contato visual, desabando sobre os próprios calcanhares e apoiando as duas mãos no chão, ainda em frente a ele. O rapaz saltou da poltrona como se tivesse levado um choque e Gina abaixou a cabeça, tentando regularizar a respiração, sentindo o suor escorrer pelo seu rosto.

Se amaldiçoou. Três vezes. E mais uma, por não entender ao certo a razão por ter se amaldiçoado.

Só depois de alguns poucos minutos foi que ela retirou do rosto os cabelos ruivos que caíam em cascata e levantou os olhos para o homem a sua frente, de pé, olhando para ela com seu olhar de gelo imutável.

Gina vasculhou o rosto dele, em busca de zombaria, cinismo, sarcasmo, humor por ele ter presenciado - ou no mínimo sentido - o momento mais íntimo entre Harry e ela, entretanto, não encontrou nada. Ou melhor, nada do que havia esperado.

Ele estava controlado, como quase sempre. E silencioso. Mas emanava dele uma raiva gélida, implacável; uma fúria que era quase palpável, que saía dos olhos cinzas e invadia o corpo dela, destruindo todo o auto controle que ela poderia possuir.

Mal sinal, mal sinal!

Quando ele falou, sua voz era estável, impassível, desprovida de sentimento e antinatural. "Você tinha razão. Nossas aulas já não são mais necessárias; você está realmente apta a se virar sem a minha ajuda."

"Draco, espere. Eu, eu-"

Por que estava com vontade de pedir desculpas? O que ela tinha feito de errado, dessa vez? O que ela devia para aquele homem, afinal?, ela se questionou, com os pensamentos perdidos num mar de confusão.

Malfoy a interrompeu antes que ela transformasse o gaguejo numa frase que fizesse o mínimo de sentido. "Você está por sua conta, Ginevra."

E saiu sem olhar para trás com o robe esvoaçando atrás de si, como se ela não valesse a mínima despedida vinda dele.

Há tempos, ela não se sentia tão humilhada, contrariada, abandonada.

Não fiz nada de errado!, ela pensou, se revoltando quando seu raciocínio voltou a ser um pouco mais coerente.

Se ela não soubesse melhor, diria que a reação dele tinha sido algo parecido com... ciúmes.

Merlin, para onde ela e Malfoy estavam indo? Ainda no chão, encostou a testa onde ele havia sentado e sentiu seus olhos queimarem com lágrimas de desespero e dúvida que ela se negava a despejar.


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