Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 16
Jogando Sujo


Notas iniciais do capítulo

Em primeiro lugar, obrigada pelos comentários! Que alegria!
Eles me dão um grau de motivação que vocês não fazem idéia, de verdade. Foi gentil e de uma sensibilidade ímpar; por isso, mil vezes obrigada.
Me dei conta, graças a uma leitora muito especial, que não vale a pena prejudicar uma parte de quem lê por uma maioria que não se manifesta.

De qualquer forma, espero que vocês continuem por aqui, me dando força para continuar. ; )

Eu gosto MUITO desse capítulo (foi bem divertido de escrever) e torço que vocês possam apreciá-lo também.

Em tempo: Uou, quase 100 mil palavras! Até eu fiquei surpresa! =P



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Gina chegou na sua casa muito tarde naquele dia, mas, estranhamente, não se sentia cansada.

Principalmente porque ela tinha em mente que retomar a direção da loja com afinco era uma das condições básicas para que ela voltasse a encher seus cofres no Gringotes, depois do desfalque causado pela doninha descarada. E dava um ânimo adicional saber tinha que dessa vez seria muito mais fácil; já tinha um nome, prestígio e clientela garantida, diferente do que tinha acontecido da primeira vez, quando ela ainda era uma jovenzinha adentrando no mundo do comércio, com um bebê no colo e apenas Dave e Della para ajudá-la em tudo.

Agora, só precisava continuar garantindo seu característico padrão elevado de qualidade e esperar. Ela sorriu satisfeita consigo mesma. Esticou braços e pernas, numa tentativa de se alongar e cantarolou baixinho. Ia pegar uma grande caneca de cerveja amanteigada, se sentar em frente à lareira e terminar algumas contas da loja que ainda necessitavam de atenção.

Mas primeiro veria James; nos últimos dias mal tinha ficado com o filho e ele ainda estava um pouco alarmado pelos efeitos que a aula de Oclumência com Draco havia causado nela.

Franziu a testa, levemente preocupada: precisava pensar num jeito de fazer com que seu filho ficasse mais à vontade com a pessoa que mais tinha razões para protegê-lo – depois da própria Gina -, mas era tão difícil considerando o comportamento intragável de Draco... Ela sacudiu a cabeça para espantar o pensamento. Lidaria com aquilo depois; não deixaria que o Sr. Mimado Malfoy acabasse com seu bom humor.

Ao passar pelo hall que dava acesso à sala, viu através da penumbra do ambiente um grande vulto sentado na sua poltrona predileta, com os cotovelos sobre as pernas e o queixo apoiados nas mãos, numa posição que dava uma áurea infantil ao homem, apesar do seu tamanho. Parecia quase uma criança entediada.

Gina pensou acidamente que, para pessoas que deveriam supostamente se esconder, seus irmãos estavam dando as caras demais em lugares não-seguros. Entretanto, não pôde evitar um sorriso ao entrar na sala.

"Boa noite, Rony." Sua voz saiu leve, como ela mesma estava se sentindo.

Seu irmão não se assustou, mas pareceu sem jeito, falando como se estivesse encontrado-a num parque. "Ah, olá Gin. Tudo certo?" seguiu-se um silêncio constrangedor onde Gina foi se sentar ao lado do irmão.

"Tudo certo, Rony." Ela disse ainda receptiva, embora com um princípio de receio de que ele estivesse ali para brigar ou irritá-la. Entretanto, quando percebeu que Rony estava tão disposto a falar quanto um sereiano fora d'água, ela resolveu tomar as rédeas da conversa. "Por mais que eu aprecie sua companhia, acho que você não veio aqui só para me ver, não é?" Ela deu um tapinha gentil na mão do irmão.

Mesmo no ambiente à meia luz, Gina percebeu que as pontas das orelhas dele haviam ficado vermelhas. "Bem, não exatamente. Da última vez não foi tão legal, não é?" Ele deu uma risada tímida e ela sorriu novamente. Rony sempre teria dificuldades para admitir que tinha agido como um idiota em alguma situação. "Então, como precisávamos te dar um recado, resolvi que eu viria. E aproveitaria para, bem, pedir desculpas... E para saber como o seu garoto está. Mamãe está louca atrás de notícias." Ele terminou, como se tirasse um peso das costas.

Gina pensou o quanto de influência de Hermione e de sua mãe haveria naquela atitude conciliatória, mas não se importou. A única coisa que contava é que Rony estava ali, ao seu lado, num partilhando um ambiente confortável que só era possível entre irmãos.

"James está muito bem. Queria que vocês tivessem mais tempo para passar juntos. Aposto que iriam se dar muito bem… Ele lembra muito Harry, na personalidade." Ela respondeu sonhadora.

"Nós poderíamos ter mais tempo para passarmos juntos, se você não tivesse se afastado…" Rony começou, levemente acusador.

Gina o interrompeu. "Rony, por favor, não agora. Estamos tendo uma conversa gentil que eu aprecio muito, depois de muito tempo. Só se lembre de que somos irmãos e eu amo muito você." Ela colocou as mãos sobre as dele e o gesto desarmou totalmente o rapaz.

"Queria poder te contar tantas coisas…" Ele disse fechando os olhos e sentindo o toque dela, com a voz um pouco emocionada.

Gina franziu a testa, estranhando a frase descontextualizada. Rony nunca tinha sido do tipo que guardava segredos, não é?

"Você sabe que pode me contar qualquer coisa." Ela falou, tentando persuadir o rapaz a se abrir.

Rony balançou levemente a cabeça, abrindo os olhos e encarando-a novamente. "Não é tão fácil assim, eu acho." Ele disse, com a voz ainda um pouco trêmula. Quando ela estava prestes a perguntar o que ele queria dizer com tudo aquilo, Rony falou primeiro que ela. "Sentimos sua falta, Gin. Merlin, eu sinto sua falta."

E aquilo desviou sua atenção de todas as dúvidas que o comportamento de Rony tinha levantado.

"Eu também sinto a falta de todos, o tempo todo. Mas eu não tive escolha…" No momento em que as palavras saíram, ela se deu conta de que aquela frase era tão habitual na sua boca que não sabia mais se ela sempre tinha sido verdadeira mesmo. "Mas já fico feliz em ter você aqui comigo, mesmo que seja por breves momentos."

Rony sorriu timidamente e Gina aproveitou o momento para acender a lareira com um gesto gracioso da sua varinha, deixando o ambiente ainda mais confortável e convidativo.

"Ele está te tratando bem?" Rony perguntou subitamente, depois de uns instantes em ficaram quietos, aproveitando a presença um do outro.

Gina não precisava ser muito esperta para saber a quem seu irmão se referia e tremeu involuntariamente.

Não mentiria para Rony, mas tampouco poderia adicionar mais uma coisa na lista de preocupações dele, que já não era nada pequena. Preferiu adotar uma estratégia cautelosa, que não fizesse Rony levantar dali com a varinha em punho e ir direto à Mansão Malfoy, com o intuito de 'exterminar doninhas'.

"Tão bem quanto ele pode tratar outra pessoa, eu acho." Gina suspirou e Rony a olhou atentamente, procurando por qualquer vestígio de algo que pudesse estar machucado nela, fisicamente ou psicologicamente, mas ela continuou falando bravamente. "Draco luta pelas coisas que lhe são caras, assim como nós lutamos pelas nossas."

Se a conversa não fosse séria, Gina teria rido da cara de Rony: ele deixou o queixo cair levemente e perdeu a voz por alguns instantes.

"Pelas barbas de Merlin, Gina! A cara que você fez! Você gosta dele!" Ele falou, elevando a voz, com uma nota de repulsa subjacente. "Depois de tudo o que ele fez!"

"Nós todos já fizemos coisas das quais nos arrependemos, incluindo você e eu…" Ela respondeu erguendo o queixo e viu o irmão hesitar levemente, como se estivesse se lembrando de algo ruim. Quando ela percebeu que não tinha desmentido Rony rapidamente, enrubesceu de imediato "E eu não gosto dele! Não seja estúpido, Rony! Apenas tenho que aturá-lo, porque ele é uma peça importante no papel que eu desempenho. E também porque ele dá segurança a James, que é a coisa que eu mais quero nesse mundo."

Rony pareceu desconfortável com a resposta, ainda que não tivesse se afastado da irmã. Então, de comum acordo e cada um com suas próprias razões, os dois preferiram ignorar o assunto incômodo, para o bem da conversa civilizada que estavam tendo.

Durante alguns bons minutos eles trocaram algumas informações (geralmente seus irmãos nunca diziam nada e ela aproveitou essa abertura de Rony o máximo que pôde) e Gina se sentiu feliz novamente, como se estivesse numa noite d'A Toca, esperando o jantar ficar pronto.

Então, ela se lembrou repentinamente do que ele tinha dito mais cedo. "Você disse que tinha vindo me dar um recado?" Ela disse, sem pensar.

E o encanto se quebrou automaticamente. Rony voltou a ser o duro líder do braço armado da Resistência: Objetivo e determinado.

"Sinto muito te incomodar com isso… Percy me disse que você está passando por um aperto financeiro..."

"Ah, isso." Ela ficou embaraçada. "Não é nada grave. Percy exagerou, como sempre. Vocês precisam de dinheiro?"

"Precisamos de poções, na verdade. Temos informações de que o Ministério atacará uma das nossas fontes de alimentos em breve. É através dela que tiramos alimentos que fornecemos para as comunidades trouxas mais atacadas por Você-Sabe-Quem, perto de vilarejos bruxos. Precisamos ter condições de defendê-la, do contrário passaremos por apertos significativos em relação à comida… Podemos multiplicá-la, é verdade, mas ainda assim precisamos manter em segurança o lugar de onde ela sai. Suas poções explosivas ajudariam bastante nisso."

"Como vocês obtém essas informações de dentro do Ministério?" Ela divagou curiosa e Rony claramente hesitou, como se na cabeça dele estivesse ocorrendo uma disputa ferrenha entre a imagem de Gina, sua irmãzinha, e Ginevra Malfoy, esposa do maior caçador a Resistência. Obviamente, Gina percebeu o dilema do seu irmão. "Eu sei exatamente o que você está pensando e mesmo que eu quisesse contar para ele, o que absolutamente nunca seria o caso, não poderia. Ele mal fala comigo." Ela completou com uma nota de irritação da voz que só percebeu quando as palavras já haviam saído.

Rony pareceu ceder diante do argumento dela. "Ainda temos boas pessoa infiltradas no meio do Ministério. Snape acabou sendo um grande exemplo para muita gente, inclusive para mim… De qualquer forma, se essa ajuda for te colocar em maus lençóis, podemos procurar outras alternativas." Ele completou mais baixo e Gina aceitou o fato de que ele tinha direito a ser reticente com relação à informação. Involuntariamente, ela se lembrou de Blaise, dizendo que as únicas coisas que importavam naquele mundo eram informação e conhecimento.

"Rony." Ela disse, pousando a mão no braço do irmão. "Eu nunca abandonei vocês, nunca abandonei a idéia de que o mundo precisa ser um lugar melhor no futuro. Mas, infelizmente, meu filho – o filho de Harry – nasceu antes da chegada desse futuro mais digno. Então eu tive que tomar decisões, algumas das quais eu não me orgulho, para o bem dele. Mas isso nunca vai tirar meu coração de perto de vocês, de perto da Resistência." Ele a olhava enigmático, como se quisesse contar algo, mas não conseguisse forçar as palavras para fora da boca. Ela não o esperou para completar. "Então vou ajudar vocês, em tudo que eu puder." Ela sorriu abertamente.

Rony suspirou entre triste e aliviado, e assentiu levemente.

***

Gina se espreguiçou na sua grande cama de casal, absolutamente satisfeita com seu dia.

Tinha conseguido comprar ingredientes para uma boa quantidade de Poção Erumpente destinada à Resistência sem dar um grande desfalque nas suas contas, nem levantar suspeitas sobre a quantidade adquirida. Tinha tomado o cuidado de agir através de fornecedores diferentes e o Ministério só descobriria quaisquer movimentações estranhas se analisasse os livros com as contas da loja, que por sua vez estavam bem protegidos pelo seu cofre. E pelo seu novo nome.

Malfoy.

Ela disse o nome em voz alta, como se estivesse tentando se acostumar com as letras na sua boca.

Não soava bem, de fato, mas isso era o que menos importava.

Não pela primeira vez, ela falou para si mesma que tinha feito o que precisava fazer e tentou embalar seu sono com esse pensamento consolando-a.

Depois de anos, muitos anos, ela tinha paz. Podia se deitar e dizer a si mesma que James estava o mais próximo de estar seguro. Agora posso tentar ajudar minha família com muito mais segurança, posso colher os frutos da minha nova atividade de comerciante, posso cuidar de James, ela parou, antes de completar que também podia se sentir completa.

No seu íntimo, sabia que faltava um aspecto da sua vida, que parecia ter se anulado em detrimento de todos os outros. Ela passou as mãos pelos cabelos lisos no escuro do quarto, muito mais sensível aos outros sentidos que não a visão; ele era macio e sedoso. Procurou seu cheiro, satisfeita com o perfume que ele emanava. Soltou um suspiro cansado, quando percebeu que era perda de tempo, que não havia ninguém a quem ela pudesse dedicar aquele tipo de atenção.

Há quanto tempo não se sentia como uma mulher de verdade? Não somente a mãe, a irmã, a filha, a rebelde, a comerciante ou quaisquer outras facetas que Gina encerrava dentro de si. Há quanto tempo não se sentia querida? Um mal-estar percorreu seu corpo quando se lembrou involuntariamente da sua lua de mel: Era certo que tinha sido desejada pela doninha, mas não era só aquele o tipo de coisa que faltava à Gina.

Nem vindo de Draco Malfoy, com certeza, ela completou mentalmente.

Rolou mais algumas vezes sobre a cama, constatando que pensar em Draco não tinha sido uma boa opção; sua alegria momentânea havia se apagado, como se estivesse sob o efeito de uma nuvem sombria. Relembrou os quase três meses que se passaram desde do casamento deles e a situação bizarra em que se encontrava, por culpa dela mesma. Não que o arrependimento pelo gesto estivesse tomando conta do seu pensamento. Tinha sido necessário.

Ainda assim…

Gina vinha trabalhando uma pequena ideia incipiente – e insistente –, de que ela tinha que arranjar alguma forma de amenizar sua situação com Draco; se redimir pelo fato de tê-lo forçado a se casar com ela. Entretanto, ele não tinha aparecido nos dias que se seguiram à primeira aula de Oclumência e Gina se perguntou se ele havia desistido. Bateu com o punho numa almofada acomodada ao lado do seu corpo quando percebeu que não queria que ele tivesse desistido. Obviamente, fechar sua mente para proteger James tinha um peso imensurável, mas a frustração da sua atitude era porque ela sabia que tinha algo mais.

O problema era identificar exatamente o quê era aquilo.

Grande porcaria de Draco Mal...

Seu fluxo de pensamentos foi interrompido quando seu ouvido captou um leve roçar de pés contra o chão de carpete do seu quarto.

"James?" Ela perguntou, levando a mão para baixo do travesseiro, procurando inutilmente sua varinha.

Só obteve silêncio em resposta.

Ela relaxou novamente sobre o colchão; só podia estar ficando louca. Tinha passado tanto tempo alerta, tanto tempo vivendo com medo, com receio, que seus músculos ficavam tensos no menor sinal de alguma coisa estranha. Pela primeira vez em muito tempo, ela se sentiu segura para ignorar seus instintos.

Se ajeitou sob as cobertas, decidida firmemente a dormir; o dia seguinte seria muito cansativo e se privar do sono era uma das coisas que ela não poderia se dar ao luxo de fazer.

Respirou fundo novamente, fechou os olhos e tentou conciliar o sono. Estava segura.

Suas convicções foram por água abaixo poucos instantes depois, quando ouviu mais uma vez o mesmo som. Ladrões novamente, ela pensou subitamente. Com a agilidade felina que lhe era peculiar, ela ficou de joelhos na cama num movimento rápido, apurando seus instintos em busca da direção do invasor.

Sim, porque finalmente ela tinha admitido para si mesma - com a respiração já acelerada pela adrenalina - que havia um invasor.

Tentou ouvir algo mais que não fosse seu coração batendo no peito violentamente, mas não havia nada. Se jogou em direção à almofada, procurando a varinha no escuro absoluto, mas já era tarde demais:, sentiu um braço forte enlaçando-a pela cintura, puxando-a para fora da cama. Uma outra mão veio para tampar sua boca, antes que ela começasse a gritar; ela se debateu com toda a força que podia e conseguiu acertar uma cotovelada no nariz do homem que a puxava. O homem gemeu com a dor súbita e a soltou para colocar a mão no nariz, muito provavelmente para conter o sangue que escorria. O infeliz tinha subestimado-a ao não tentar dominá-la com a varinha, achando que poderia dar conta dela sem se esforçar muito.

Ela agradeceu mentalmente o descuido dele, enquanto revirara as almofadas em busca da sua própria varinha.

Não teve muito tempo para se dedicar a tarefa quando o homem, ofegando razoavelmente, a segurou por um braço novamente. Ela se virou e, com o braço livre, mirou um soco num lugar que ela supôs que a cabeça dele deveria estar. Infelizmente, ele já estava alerta para as reações de Gina e segurou seu pulso evitando o golpe. Ele pareceu dar um suspiro exasperado quando puxou o pulso frágil de Gina e a jogou bruscamente contra a parede. Ela bateu a lateral da testa em cheio na superfície e sentiu que tinha ficado tonta.

Estava perdida.

Não ia conseguir resistir por muito tempo, seu adversário tinha uma varinha enquanto ela não tinha nada além da sua ferrenha força de vontade. Entretanto, isso não foi suficiente quando o mundo começou a girar ao seu redor e sua cabeça latejou violentamente. Vou morrer azarada por um ladrão! Que coisa mais estúpida! Ela precisava gritar por ajuda, chamar por Della, mas seu raciocínio não era coerente e sequer percebeu quando as palavras saíram da sua boca.

"Draco! Me ajude!" Ela exclamou, certamente mais baixo do que deveria.

E no momento seguinte, o mundo se desvaneceu quando ela foi atingida por um feitiço.

***

Parecia que o universo conspirava contra o seu sono.

Merlin sabia o quanto ela queria dormir, apesar do gosto ruim na boca seca, da dor de cabeça constante e da cama totalmente incômoda.

Vencida pela curiosidade, ela abriu os olhos com dificuldade, sem a menor ideia de onde poderia estar ou de quem tinha levado-a até ali. Repentinamente, se lembrou da noite anterior e se deu conta que havia sido somente estuporada.

Merlin, como minha cabeça está doendo, ela pensou, passando a mão pelo corpo para se certificar de que tudo estava no seu devido lugar.

Gina se ergueu sobre os cotovelos, inspecionando a cama com interesse – se é que aquilo poderia ser chamado de cama, para começar. Ela torceu o nariz para o catre coberto com um colchão velho, parecendo estar cheio de palha. Levantou da cama o mais rápido que pôde, para evitar o contato com aquela superfície; ela sempre tinha sido acostumada com a falta de luxo, mas aquilo ultrapassava seus limites de higiene.

Levou exatamente um minuto para inspecionar o cubículo onde estava; continha sua 'cama', uma cadeira e uma pequena arca vazia. Ela viu que a luz do sol nascendo entrava por uma pequena janela coberta com grades, no alto do quarto; Gina tentou alcançá-la infrutiferamente, subindo na cama. Na sequência, se amaldiçoou por ser tão pequena: sequer tinha conseguido encostar na janela com as pontas dos dedos.

Desistiu, descendo da cama e bufando; quase não se deu ao trabalho de ir até a porta para se certificar de que ela estava trancada: quem quer que fosse que tivesse levado-a até lá não o fizera para que ela saísse pela porta livremente. E, como ela tinha previsto, a porta estava realmente selada.

Um desânimo mortal se abateu sobre ela e Gina se jogou na cama novamente, prostrada, dividida entre a vontade de azarar alguém e chorar. Queria voltar para James e precisava preparar as poções para a Resistência. Enrijeceu subitamente, quando se deu conta de que não poderia entregar as poções prometidas para Rony; a maior quantidade de ingredientes que ela usaria para fazer as poções da Resistência devia estar chegando na sua loja naquele exato momento e ela sequer tinha conseguido despachar o pouco de poção que já tinha feito. Conteve as lágrimas com esforço, tentando arranjar um jeito de sair dali.

Passou a hora seguinte tentando encontrar uma ideia que a tirasse do cárcere, mas sempre acabava o pensamento com 'mas eu estou sem varinha'. Estava quase arrancando uma mecha de cabelo num ataque de raiva quando ouviu passos se aproximando da porta e seu coração falhou uma batida devido à antecipação. Eram passos firmes, decididos, reveladores, que a fizeram levantar da cama, sem se importar em parecer uma garotinha ansiosa.

Ela mostraria a quem quer que fosse que não iria ser rendida tão facilmente; preparou os punhos e se posicionou como se fosse duelar sem uma varinha.

Quando os passos cessaram e a porta se abriu repentinamente, a visão que ela teve desarmou toda sua postura combativa: Draco estava parado na porta do cubículo, olhando-a com uma expressão divertida no rosto aristocrático, certamente por ter notado a posição hostil que Gina se encontrava. Ela ignorou todos esses pequenos detalhes ao ver o rapaz a sua frente e uma onda de alívio invadiu seu corpo, relaxando todos os seus músculos. Estava salva.

E estava feliz.

Sem nem pensar, se jogou nos braços de Draco, passando os próprios braços pelo pescoço dele. O rapaz ficou tenso na mesma hora, como se não esperasse aquilo, de forma alguma.

"Draco! Eu nunca fiquei tão feliz em te ver." Ela disse, com a voz abafada pelo peito dele, onde ela escondia o rosto. Lutou a todo custo para conter as lágrimas de alívio. "Eu fui sequestrada e me trouxeram para cá, eu não sei onde estou ou quem fez isso comigo e..." Ela se interrompeu, ao perceber a incongruência da situação.

Por que Draco estaria lá?, ela pensou franzindo a testa.

Lentamente, Gina retirou os braços do pescoço dele e se afastou desconfiada, vendo que o rosto dele voltara a ficar relaxado, com uma expressão de zombaria invadindo suas feições aristocráticas. Seus olhos estavam quase da cor do céu e ela se questionou como algo tão bonito poderia pertencer a um rosto tão frio.

"Eu acho que posso esclarecer esse pequeno ponto. Foi um auror do Ministério, mandado para que te trouxesse para cá." Ele parou momentaneamente, antes de completar, reprimindo um leve sorriso. "Sob as minhas ordens." Ele disse com uma calma que fez Gina ferver de raiva.

O quê?!

"Por que inferno você fez isso?" Ela conseguiu dizer, quando suas cordas vocais voltaram a obedecê-la.

"Tem certeza de que você não sabe, Ginevra?" Ele perguntou, lançando um olhar entediado ao redor do cárcere de Gina e passando um dedo sobre a velha arca ao lado da porta, para em seguida limpá-lo na capa com uma careta de repulsa. "Eu te avisei que faria qualquercoisa para te tirar do meu caminho. Ou do caminho do Ministério."

A verdade tão evidente explodiu sobre ela dolorosamente. Com os pés descalços e uma camisola fina, caminhou até o ponto onde a luz do sol incidia sobre o chão de pedra da cela, como se estivesse buscando sua liberdade inconscientemente. "Você fez isso para que eu não conseguisse terminar a poção para os meus irmãos..."

"Como você é inteligente!" Ele respondeu indiferente, ainda parado na porta da cela.

"Como você sabia?" Ela perguntou ignorando o sarcasmo e evitando olhar para ele.

"Foi um palpite muito bom, na verdade. O Ministério fará o ataque essa madrugada e é evidente que a Resistência tem informantes dentro do Ministério, ainda que eu não tenha conseguido identificá-los." Ele disse, franzindo levemente a testa, como se aquilo realmente o incomodasse. "De qualquer forma, era questão de tempo até que a informação chegasse até seus ouvidos e você, viborazinha que é, não demoraria a querer ajudar os coelhos que chama de família. Então eu simplesmente fiz o que tinha que fazer."

"Quanto tempo eu vou ter que ficar aqui, enquanto você brinca de gato e rato com a minha família?" Ela perguntou com os dentes cerrados e cruzando os braços belicosamente.

"Você deveria me agradecer, Ginevra. Estou dando a você um tempo para meditar e a oportunidade de fazer uma jornada de auto conhecimento, num lugar tranquilo e isolado." Dessa vez Gina percebeu que ele estava contendo a risada com esforço. Procurou alguma coisa no quarto para atacar naquela cara branquela, mas o ambiente era realmente minimalista. "Alguns dias, pelo menos..." Ele se deu ao trabalho de responder a pergunta dela, já mais contido.

"Eu te odeio!" Ela bateu o pé. Foi uma manifestação infantil e idiota, mas não menos verdadeira por isso. Ela lutou contra as lágrimas de raiva, não querendo dar a ele o gostinho de vê-la chorar.

E ele riu, de verdade.

A surpresa da reação dele até despertou o interesse de Gina que, por alguns segundos, esqueceu da sua raiva monstruosa e se perdeu no primeiro sorriso verdadeiro que Draco havia dado diante dela. Os olhos dele brilharam e, por alguns instantes, ele voltara a ser o mesmo garoto que ela tinha conhecido em Hogwarts; um bastardo idiota e mimado, mas que ainda assim demonstrava alguma alegria, mesmo que fosse quando Harry se encrencava de alguma forma. Mas foi rápido e ele se recompôs, voltando com algum esforço ao ar taciturno que havia se tornado sua marca registrada.

"Você reage graciosamente." Draco disse ainda com os olhos brilhando, escondendo atrás da ironia o momento de alegria que tinha se passado. "Vale a pena te contrariar."

Então a raiva dela voltou para o lugar de onde não devia ter saído. "Você chama isso de me contrariar, sua doninha descarada!? Invasão, sequestro, agressão." Ela levou a mão involuntariamente ao ponto dolorido na testa, onde sabia que havia um pequeno galo, resultado da disputa com o auror na noite anterior. "E pensar que foi o seu nome que eu chamei para me ajudar quando achei que aquele seu capanga idiota iria me matar!" Ela não controlou a altura da sua voz.

Draco suprimiu toda a postura divertida que tinha insistido em ficar e inclinou a cabeça, como se estivesse examinando-a, arqueando uma sobrancelha. Se aproximou lentamente dela, que recuou dois passos inconscientemente. Draco fixou os olhos no ponto roxo na lateral da testa dela, onde ainda não havia reparado.

"O imbecil exagerou." Draco fez uma leve careta de descontentamento diante do machucado dela. "Mas eu apostaria cem galões que você deve ter dado mais trabalho do que ele esperava." Ele rolou os olhos. "Eu ordenei que tudo fosse feito com a maior discrição possível, mas acho que ele acabou interpretando mal. Da próxima vez, eu farei recomendações para que não haja violência." Ele disse, com um semi sorriso voltando ao rosto.

"Próxima vez?" Sua voz estava esganiçada, Gina sabia. "Você só pode estar ficando louco!"

"Enquanto você não aprender a se comportar e valorizar o nome que carrega, não me restam outros artifícios." Ele falou, fixando seus olhos nos dela. "Eu vou domar você, Ginevra."

Gina se arrepiou. Era o frio, ela pensou com absoluta certeza.

"Prefiro morrer." Gina levantou o nariz arrebitado, num gesto hostil e cruzou os braços mais uma vez.

"Prefiro que você se submeta." Ele respondeu, glacial. "Vou te deixar agora, para sua meditação. Terei um dia muito cheio e acho que você não tem mais nada para me dizer."

"Sim, tenho!" Ela perdeu o pouco controle que restava. "Eu detesto você com toda a minha alma! Detesto seu nome, sua expressão de desdém eterno, sua covardia! Detesto tudo que vem de você!" Não pôde evitar de completar a frase mentalmente com um estranho'Detesto tudo que te faz diferente de Harry!'

"Isso ainda não é nada. Vai chegar o dia em que vai se arrepender verdadeiramente de ter cruzado meu caminho." Ele levantou uma sobrancelha, novamente. "Você me humilhou de todas as formas que estavam ao seu alcance, nada mais justo que você receba exatamente o mesmo de mim."

"Ah claro! Por que não usar Maldições Imperdoáveis ou me atirar logo na fogueira de uma vez? Seria mais fácil." Ela retrucou sarcástica.

Draco descartou a idéia dela com um gesto displicente da mão muito branca, como se estivesse espantando um mosquito impertinente. "Não vou chegar a tanto... Não gostaria de ter cuidar do seu filho no seu lugar se algo acontecesse com você. Por isso tenho certa inclinação a apreciar seu bem-estar físico. É claro que também poderia achar outras razões mais… agradáveis, para que você permaneça fisicamente intacta." Ele disse, medindo-a dos pés descalços ao cabelo ruivo solto e bagunçado, passando pelo generoso decote da camisola que ela vestia, num olhar avaliador.

Gina sabia que ele só tinha falado aquilo para provocá-la, para fazê-la se lembrar de coisas que ela não queria, mas isso não evitou que um súbito rubor subisse até as bochechas dela, impedindo-a de falar por alguns segundos e dando tempo suficiente para que Draco desse a conversa por encerrada. Ele se virou e já estava saindo da cela quando ela recuperou a voz.

"Sério? Você demonstra isso com tanta frequência!" Ela se arrependeu das palavras sarcásticas assim que elas saltaram para fora da sua boca. Maldito gênio, ela pensou, prendendo a respiração. Não soube o que a levou a dizer aquilo, nem pensou antes de responder. Só queria ter a última palavra na discussão, mas acabara metendo os pés pelas mãos.

Draco, que já estava com a mão na maçaneta da porta, se voltou com olhos semicerrados, mais escuros, perigosos.

"Isso foi uma reclamação, Ginevra?" Ele se virou completamente e se aproximou lentamente dela, com um sorriso zombeteiro brincando nos lábios. "Sentiu tanto a minha falta assim?"

Gina recuou mais um pouco, até sentir que não havia mais espaço atrás de si, só o velho catre. Sentia-se nua sem sua varinha e com aquela camisola simples, que mal chegava aos joelhos.

Por sua vez, Draco ficara realmente surpreso com a declaração dela, mas ficara ainda mais surpreso com a sua própria reação. Ele só queria assustá-la um pouco, chegando ameaçadoramente perto dela, invadindo seu espaço pessoal, demarcando território; mas quando chegou mais perto e sentiu aquele perfume que já reconhecia como dela, a ameaça sutil deu lugar a algo mais.

Algo mais que ele simplesmente odiava.

Seu coração se acelerou e havia algo no olhar dela que não ajudava a acalmar as coisas.

Pelo contrário.

Draco queria dizer alguma coisa ofensiva, vulgar. Queria dizer que ele nunca iria querer se aproximar dela novamente, que ele havia dormido com ela contra a vontade, mas percebeu que sua respiração ficou mais densa, agitada, e ele se sentiu incapaz de afastar os olhos do rosto redondo, das sardas, do nariz arrebitado, do cabelo vermelho, dos lábios cheios.

Precisava dizer algo que a machucasse. Não era por isso que tinha resolvido ficar mais um pouco? Abriu a boca para falar, mas todos os argumentos pareceram muito distantes, intangíveis e dispersos, como se pertencessem a outra pessoa, a outro tempo.

Tinha prometido a si mesmo que nunca mais colocaria as mãos naquela pobretona suja, mas lá estava ele, se aproximando cada vez mais dela, até ficar frente a frente com o corpo que era pelo menos uma cabeça mais baixo do que o dele.

Dessa vez, ele pensou com rancor, estou completamente sóbrio e não há mais a obrigação de me aproximar dela daquele jeito.

Não havia desculpas para aquele comportamento odioso. E esse fato o deixava com um princípio de mau humor que com certeza se manifestaria violentamente mais tarde, quando ele parasse de olhar para aqueles olhos escuros que estavam hipnotizando-o.

"Me deixa em paz, Malfoy." Ela falou e ele percebeu que ela estava assustada, mas, ainda assim, tentava soar forte. Era uma mulher incrivelmente teimosa e por mais que Draco odiasse admitir - e não o fizesse conscientemente - o rubor de raiva e expectativa que marcava o rosto dela a deixava absolutamente atraente.

"Quanto mais eu olho para você, menos vontade eu tenho de te deixar em paz." Ele disse baixo e arrastado, sem nem pensar.

Há anos ele tinha adotado a política de nunca falar sem refletir, de nunca se manifestar sem necessidade. Tinha descoberto que o silêncio era um aliado poderoso e que era desprezado pela maioria das pessoas. Entretanto, aquela mulher fazia com que ele fervesse com sentimentos tão intensos - que iam do ódio ao interesse em cada detalhe dos seus movimentos - que fazia com que ele acabasse falando mais do que gostaria. Mais do que deveria.

Não teve tempo para se arrepender de dizer aquelas palavras e só torceu para que elas tivessem soado como uma ameaça, porque, no instante seguinte, ela ergueu o rosto surpresa. Podia sentir o cheiro dela, o hálito quente no seu rosto, e Draco perdeu o que restava de controle sobre seus atos. Ele a enlaçou com os braços, apertando-a contra seu corpo e pousou os lábios nos dela, macios, quentes.

Antes de demonstrar qualquer reação, Gina sentiu os lábios dele pressionados contra os seus e um maldito arrepio percorreu seu corpo.

Estava em choque pela atitude dele. Por alguns instantes ela tinha pensado que ele a agrediria ou usaria algum feitiço infantil e humilhante, como era típico dele, mas ele tinha feito uma outra escolha e agora ela estava sem reação. Quando a língua dele pediu passagem através da boca dela, foi como se a Gina racional tivesse sido posta de castigo em algum recanto escondido da sua mente e o lado que ela amaldiçoava todos os dias correspondeu ao ímpeto dele.

Era um beijo possessivo, forçoso, exigente, como se não houvesse espaço nem tempo para a palavra 'carinho' no vocabulário amoroso de Draco. Ele a segurava como alguém comandado pelo desejo, mas que - graças aos tombos e à violência física e mental de alguns aspectos da sua vida - houvesse perdido o hábito de reservar espaço para o sentimento. Estranhamente, ela não se importava tanto quanto deveria e nem se deu conta quando suas mãos se guiaram até os cabelos lisos e sedosos, envolvendo o pescoço dele.

Draco a apertou mais forte entre os braços e deslizou a boca pela curva do pescoço dela, deixando uma trilha de beijos sobre a região alva; não pensava em nada que não pudesse ser definido como fome. Estava odiosamente faminto por aquela maldita mulher! De novo! Mal podia respirar enquanto sentia que ela estremecia levemente com cada beijo, como se os lábios dele causassem pequenos choques na pele delicada. Como se cada beijo gerasse um alerta de aviso, um indício de que os dois não deveriam estar fazendo aquilo.

E Draco concordava plenamente com a idéia.

Mas, assim como ela parecia estar entorpecida, com os olhos cerrados tremendo sob as pálpebras fechadas e com as mãos entrelaçadas firmemente através do seu pescoço, ele também não conseguia fazer com que aquela loucura parasse.

Decidiu que definitivamente gostava de como ela ficava quando se sentia livre e segura, sem todas as proteções que ela tinha imposto a si mesma e que a transformavam numa víbora chantagista. E, pela primeira vez, ele não pensou no apelido com ódio.

Ela deixou escapar pequenos gemidos da garganta e Draco teve que se esforçar para não se perder naquele som. Todo o seu corpo formigava, quente e frio ao mesmo tempo; sua mente estava na boca. Era como se nunca tivesse beijado uma garota antes.

Mordiscou o lábio inferior da mulher, querendo experimentar o gosto dela de verdade, sem a resolução e a objetividade da primeira vez. Agora, ele só queria senti-la, ver como ela reagia às suas carícias exigentes. Fez o caminho inverso sobre o pescoço, sempre procurando cobrir de beijos a maior parte de pele exposta possível, passando pela bochecha direita corada, a região atrás da orelha onde o cabelo vermelho se aninhava, passando pelos olhos fechados, pela testa que estava levemente machucada…

Beijá-la era como se vida e calor estivessem sendo soprados para dentro do seu corpo.

Nesse momento, várias coisas aconteceram ao mesmo tempo.

Draco congelou apavorado diante do pensamento, Gina gemeu sem saber se pela dor do contato com a parte machucada da testa ou pela ausência dos beijos do marido e ambos estacaram, como se suas consciências tivessem voltado para o lugar de onde nunca deveriam ter saído. Rapidamente, Draco deu um pulo para trás, como se ela estivesse cuspindo lesmas ou algo assim.

Gina desviou o olhar, incrivelmente envergonhada; se deixara levar pela carência mais uma vez, na melhor das hipóteses. Na pior, estava realmente se sentindo atraída por Draco Malfoy. Sentiu uma leve náusea, como se fosse a reação do seu corpo dizendo 'Você está louca!'.

Por um instante maluco, tinha jurado que ele havia tido um gesto de carinho ao beijar a testa que ela tinha machucado por culpa dele.

Não, não podia ser, ela pensou, levando a mão aos lábios levemente inchados, sentindo o gosto dele.

Provavelmente aquilo fora fruto da imaginação de uma mulher que há anos tinha abdicado da sua feminilidade. Quando olhou para ele novamente, com os braços inertes do lado do corpo ainda sem ter se afastado muito, viu que os olhos dele estavam mais claros e, pela primeira vez desde que haviam se casado, Draco parecia realmente confuso. Ela se sentiu um pouco mais reconfortada, uma vez que não era a única a querer se enfiar num buraco até o fim dos dias.

Draco se virou de costas, muito para esconder o pânico crescente de que aquela mulher mexesse mais com ele. De todas as bruxas ao redor dele, tinha que ser justamente ela? Quase praguejou em voz alta. Passou a mão pelos cabelos, até vestir a máscara de indiferença que lhe era peculiar. Andou até a porta, sem nunca olhar para trás.

Se olhasse estaria perdido.

Resolveu que a melhor tática era voltarem aos negócios e simplesmente ignorar que aquilo havia acontecido. Ignorar a situação, principalmente porque não aconteceria de novo.

"Eu sugeriria que você não gritasse, nem gastasse suas forças para tentar sair daqui, mas sinta-se à vontade para fazê-lo, se quiser." Ele falou já na porta, ainda de costas, e ela sentiu vontade de torcer o pescoço dele, por simplesmente ignorar que eles tinham literalmente se atracado e se beijado como dois adolescentes. "Você está em Glastonbury, cercada e protegida. Ninguém vai poder te ajudar, ou melhor, ninguém vai querer te ajudar. Aproveite sua estadia." Quando ela fez menção de falar alguma coisa, ele saiu, sem nem olhar para trás.

Praticamente fugiu de mim!, Gina pensou, ficando literalmente de boca aberta.

"Bastardo!" Ela gritou e se sentou bruscamente na cama, cruzando os braços e duvidando que as paredes grossas tivessem possibilitado que sua ofensa tivesse chegado até Draco, mas, ainda assim, ela tentou por mais algum tempo. "Covarde! Egoísta! Doninha!"

Depois de perder mais uns minutos forçando sua garganta com insultos que deixariam Fred e Jorge com as orelhas vermelhas, Gina se resignou, se recusando a pensar em qualquer coisa relacionado ao estúpido imbecil que atendia pelo nome de Draco Malfoy.

Se ele pode simplesmente ignorar o que aconteceu, eu também posso. E vou, ela pensou, determinada a se concentrar no seu problema mais imediato: sair daquele maldito lugar.

Glastonbury...

Gina sabia que essa prisão que Voldemort destinava às pessoas de sangue-puro, ricas ou influentes demais para serem simplesmente jogadas e esquecidas em Azkaban. Não, Azkaban era destinada aos nascidos trouxas, aos abortos, aos mestiços e, principalmente aos traidores de sangue.

Ela desconfiava, não sem alguma razão, que havia uma cela reservada para cada um dos seus irmãos e para seus pais naquela prisão, se eles tivessem sorte. Com um mal-estar crescente, ela pensou que era mais provável que eles fossem entregues para os dementadores, para um apetitoso banquete com as suas almas.

Se obrigou a se tranquilizar um pouco, constatando que em Glastonbury eram colocadas as pessoas que incomodavam o regime, mas não o suficiente para serem verdadeiramente riscadas do mapa, mais comuns em casos de duelos entre puros-sangue - terminantemente proibidos pelo regime -, em casos de pessoas que se recusavam a pagar impostos abusivos ou para aqueles que se abusavam um pouco além da conta das bebidas. Era como uma espécie de aviso, do tipo 'Você é um sangue-puro influente, então se comporte como tal, antes que façamos algo pior.'

Mas o sentimento de alívio momentâneo deu rapidamente lugar a um desânimo avassalador: estava bem ao sul da Inglaterra, numa cidade absolutamente minúscula, sem sua varinha e não podia contar com qualquer pessoa para ajudá-la.

Ela entrou num estado de letargia absoluto, ora pensando em como sair dali, ora pensando no beijo de Draco. Nesses momentos, ela se beliscava para se garantir que sua mente voltaria até o lugar que lhe era devido: trabalhando para sair daquele lugar. Permaneceu por muito tempo imóvel, se embrulhando no cobertor de origem duvidosa, mas, ainda assim, conseguia sentir o cheiro dele nas suas roupas e em si mesma. Sentia-se lânguida e sem esperanças.

O que havia passado na noite anterior, somadas à irritação habitual em que Draco a deixava e aquele beijo inesperado, fizeram que seus nervos ficassem a flor da pele. Seu corpo tinha mergulhado num entorpecimento e ela sentiu que estava suando frio. Uma nova náusea, dessa vez mais súbita e inesperada subiu pela sua garganta e ela se sentou por um momento, suando em abundância, lutando contra a sensação.

Caiu de costas na cama novamente, se sentindo mais deprimida do que nunca.

Já estava na hora de encarar a verdade e parar de subestimar o que ela vinha sentindo há um mês, mas que agora não havia mais como ser negados ou ignorado – mal estar frequente, calor atípico, letargia, seu atraso. Ela uniu todas as peças num quebra-cabeça lógico, pela primeira vez encarando as coisas de frente.

A noite de núpcias que ela evitava a todo custo se lembrar e que a fazia ruborizar tinha rendido frutos.

Estava esperando um filho de Draco Malfoy.

Sentiu a raiva crescer dentro de si mais uma vez. Atacou o amontoado de tecidos que servia de travesseiro no chão, querendo quebrar algo - ou alguém.

Não acreditava no seu azar descomunal: Tinha feito sexo apenas duas vezes na vida, com dois homens diferentes, e engravidado nas duas! Teve que morder o pulso para não gritar de frustração.

"Maldita fertilidade Weasley!" Foi tudo que ela conseguiu dizer sem gritar de raiva.


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