Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 15
Oclumência


Notas iniciais do capítulo

Olá a todos! E com esse capítulo, pelas minhas contas, atingimos mais ou menos a metade da história. UFA! É, eu sei que ela está (será) maior do que seria recomendado, mas as coisas foram fluindo quase incontrolavelmente.

Mas a verdade é que não sei ao certo como será daqui para frente, porque eu dei uma desanimada foda, com o perdão da palavra. Eu vejo que tem muita gente lendo, bem mais do que eu poderia supor que iriam ler a princípio, mas ninguém (com exceção da Rose, que é diva demais) pára dois minutos para dizer o que está achando. E isso me deixa MUITO desmotivada, porque não sei o que pensar sobre que rumo dar a história. Eu estou me esforçando para fazer updates rápidos apesar do tamanho grande dos capítulos, mas isso não está sendo o suficiente, eu acho. =/

Bom, foi mais um desabafo e um alerta de que talvez as coisas fiquem mais lentas agora.

Espero que possam gostar desse capítulo! Tem mais um big clichê nele, que eu não pude resistir, sorry. ~mhuahua~

Como já é tradicional, obrigada Rose!!



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Maio 2005

Gina refletiu por muito tempo se a atitude que tinha tomado com relação à declaração de guerra feito ao Malfoy havia sido a mais correta.

Com o passar dos dias, a ausência de Draco circulando pela loja, pela sua casa ou por qualquer outro lugar perto de Gina se fez evidente demais e ela começou a se sentir verdadeiramente desconfortável por causa disso.

Justificava essa sensação incômoda através da idéia de que era melhor manter os dois olhos bem abertos em cima da doninha branquela para investigar todos os seus movimentos e não deixá-lo muito tempo sem nenhum tipo de observação. Afinal, nunca poderia saber quando ele ia aprontar mais alguma coisa contra ela.

Havia se passado quase um mês após a recepção que ela dera na Mansão Malfoy e sua loja seguia a pleno vapor, acumulando um lucro - que ainda era pequeno comparado com a quantia que o Malfoy havia roubado -, mas já era um começo; em breve poderia voltar a ajudar a Resistência financeiramente.

Nesse intervalo de tempo, Ginevra Malfoy era cada vez mais vista entre os círculos íntimos de bruxos influentes, políticos e pessoas de sangue puro que comandavam a sociedade. E, cada vez que ela ultrapassava mais uma barreira social, mais ela sabia que estava segura, por mais paradoxal que aquilo pudesse soar.

Como ela tinha previsto, ninguém desconfiaria de uma bruxa respeitada, casada com o chefe do departamento mais importante do Ministério.

Entretanto, como tudo na vida, Gina também encarava alguns revezes, ainda que fossem um pequeno preço a ser pago. Se comportar como as pessoas que ela detestava nunca a deixava confortável e ela se sentia pouco à vontade comparecendo a eventos sociais daquela natureza.

E, naquele momento em que refletia sobre sua atual situação, lá estava ela, sentada numa poltrona da elegante Mansão dos Thicknesse, girando na mão uma taça cheia de firewhiskey na qual tinha dado poucos goles, vestida num belíssimo vestido branco que realçava o tom da sua pele, com os cabelos presos no alto da cabeça em um sofisticado penteado que Della insistira em fazer.

Ela desviou a atenção da taça e observou Olívia tomando conta de tudo, suntuosa, com tal maestria que ela ainda levaria anos para sequer compreender como se fazia aquilo. A mulher tinha força e graça, Gina admitia com simpatia. Já havia desenvolvido um carinho especial pela bruxa mais velha e sua companhia tornara-se muito bem-vinda. Tinha sido a única pessoa mais próxima de amiga que ela fizera naquele meio, onde sobravam frias cortesias e faltava diversão para gente como Gina Weasley.

Quase desejou que visse Draco com mais frequência nessas ocasiões, porque pelo menos com Malfoy ela podia brigar.

Quase.

Voltou à sanidade rapidamente sacudindo a cabeça.

Então, seus pensamentos foram interrompidos sutilmente por alguém que certamente ela não queria ter que lidar naquele momento.

"Por que essa expressão tão aflita?" Uma linda bruxa de cabelos castanhos e voz melodiosa parou ao seu lado e Gina se levantou num gesto de gentileza desnecessário, pondo sua taça sobre a bandeja de um elfo que passava.

Gina não gostava de Astoria Greengrass. E a recíproca parecia ser bem verdadeira.

Haviam se encontrado formalmente pela primeira vez há uma semana, numa pequena recepção oferecida na casa do Chefe do Departamento de Esportes. Ela tinha uma vaga lembrança de Astoria dos tempos de Hogwarts: a bruxa morena tinha estudado num ano abaixo do que a turma de Gina, mas, além de ser a irmã de Daphne Greengrass - uma das seguidoras de Pansy Parkinson -, Astoria não era nada mais para Gina; sequer se lembrava dela, antes do encontro frio e não muito amistoso da semana anterior.

Entretanto, agora era impossível ignorar a existência da bela bruxa morena, porque Gina havia tomado conhecimento de todos os murmúrios que tinham envolvido o casamento dado como certo entre a doninha branquela e a bruxa altiva, de olhar arrogante. Havia uma espécie de consenso de que Draco Malfoy e Astoria Greengrass foram feitos um para o outro e que a união entre as famílias seria apenas uma questão de tempo.

Gina chegou até a sentir um aperto de remorso ao saber que tinha posto a perder a possível felicidade da outra mulher, ao forçar Draco a se casar (mesmo que ela duvidasse que alguém pudesse encontrar o mínimo de felicidade ao lado de Draco Malfoy); entretanto, o sentimento solidário desapareceu assim que Astoria começou a enviar um recado claro de 'esse não é o seu lugar, nem o seu mundo. Volte para o buraco de onde veio' em cada gesto, em cada palavra.

"Estou longe de estar aflita, Astoria." Gina deu seu sorriso mais falso. "Mas obrigada por se preocupar. É muito gentil da sua parte."

"Ah, não é gentileza… Me sinto na obrigação de velar pela sua felicidade." Astoria sorriu de volta e pareceu uma serpente, apoiando o queixo numa mão extremamente bem cuidada. "Ouvi muitos rumores de que você e Draco podiam não estar tão bem e fiquei preocupada. Parece que ele foi visto saindo da própria Mansão bem enfurecido no dia do seu evento de ajuda aos Testrálios…".

Gina ficou subitamente rígida. "Draco e eu estamos muito bem. Acho todos esses rumores muito infundados, na verdade." Ela tentou ser o mais cortês que podia, mesmo internamente desejando o contrário.

"Muito bom ouvir isso, o bem-estar da mulher de Draco me interessa muito. Você sabe, ele e eu, somos muito íntimos." Astoria falou a última palavra com tamanha luxúria e veneno que Gina sentiu que sua bochecha tinha ficado levemente corada. Não porque interessasse o que Malfoy fazia por aí, mas sim porque aquela mulher exalava uma sensualidade que ultrapassava a barreira de gênero.

Ela tentou morder a língua para evitar uma resposta a altura, mas falhou miseravelmente. "Pode se tranquilizar em relação a isso, Greengrass. Pouco me importa de quem Draco era ou não íntimo." Ela tentou usar o mesmo tom de Astoria na sua frase, mesmo sabendo que não teria tanto sucesso. "A intimidade vai e vem. Isso não." Ela ergueu casualmente a mão esquerda mostrando a aliança delicada, num gesto muito parecido com o que o próprio Draco tinha feito, semanas antes, para o oficial que os casara.

Gina viu um brilho de algo cruzando os olhos azuis de Astoria.

Competição? Raiva? Impotência?

Não se permitiu muito tempo para analisar os sentimentos da mulher morena, porque no instante seguinte ela se curvou num aceno de despedida formal e saiu, antes que pudesse chamar mais atenção para si.

Recusou-se a pensar mais sobre Astoria e Draco, e em como ela tinha se intrometido na vida de ambos. De certa forma, a separação que certamente havia ocorrido entre os dois só evidenciava mais as consequências das atitudes que a própria Gina tivera que tomar nos últimos tempos.

E isso fazia com que um nó desagradável se formasse na boca do seu estômago.

Estava procurando em vão um outro lugar em que pudesse se sentar para conter o leve mal-estar físico e psicológico que a abateu depois de ter que enfrentar Astoria e seu rancor, quando sentiu um braço enlaçá-la pela cintura, possessivamente.

"O que está achando da festa?" Disse uma voz arrastada ao seu ouvido, que ela já conhecia bem demais. "Não acha que pode se dar muito bem por aqui? Afinal, já aprendeu a se comportar exatamente como a maioria das pessoas desse lugar."

A voz era tão amável que Gina teve que piscar duas vezes para se certificar de que não estava sonhando com Draco ao seu lado, de cabelos mais curtos, deixados soltos e sem gel dessa vez, indo bater contra seu rosto esporadicamente. Ele sorriu com aquele sorriso sem brilho tão característico e firmou o braço ao redor da cintura dela, conduzindo-a.

Gina estava sem palavras; nunca esperaria essa reação, ainda mais depois do último encontro que eles tiveram.

Eles andaram daquele jeito pelo salão onde acontecia a recepção, em silêncio, até que a curiosidade dela venceu todas as barreiras do bom senso.

"Posso saber o que significa isso?" Ela disse, tentando se desvencilhar discretamente do aperto dele.

"É bastante óbvio, não?" Ele respondeu, ainda com a voz mais gentil do que ela já ouvira sair da boca dele. "As pessoas estão falando."

Gina entendeu prontamente a que ele se referia.

"Por que eu deveria me importar sobre o que as pessoas falam sobre nós?" Ela tentou soar fria. "Já consegui o que eu queria."

Draco bufou discretamente, irritado. "Ter passado fome na infância deve ter prejudicado seu raciocínio, de alguma forma." Ele disse voltando ao seu tom de escárnio habitual e ela enrubesceu. "Você quis entrar no seio da sociedade bruxa e ainda não aprendeu certas regras. Não queremos chamar atenção, não é? Para isso devemos ser a imagem do casal modelo." Draco falou e chegou mais perto dela, fazendo com que ela sentisse o hálito quente na sua bochecha num gesto surpreendentemente íntimo, quando ele inclinou o rosto em direção ao dela. "Ah, assim está perfeito! Nós vemos as pessoas e as pessoas nos vêem." Ele posicionou-a lateralmente, ainda com a mão na sua cintura.

Ela tentou com todas as suas forças desviar seus pensamentos – e sensações – do cheiro que emanava dele, de firewhiskey misturado com algo mais, algo gelado e atraente, algo que pertencia puramente a Draco Malfoy.

"Eu agradeceria se você não precisasse me apertar tão forte, doninha." Gina disse, concluindo que a atitude dele era, no mínimo, suspeita.

Um brilho de humor cruzou os olhos dele e Gina se surpreendeu com a pouquíssima quantidade de vezes que tinha visto aquilo. "Por que ficou tão tensa, Weasley?" Ele se inclinou mais, falando no ouvido dela e uma torrente de lembranças involuntárias percorreu sua mente; memórias de um passado cujo representante mais freqüente era o homem ao seu lado. Ela fechou os olhos e se lembrou de como ele tinha dito exatamente aquela mesma frase, com aquele mesmo tom, tantos anos atrás, no baile do seu sexto ano em Hogwarts.

Ela não se cansava de se surpreender com o fato de que ele ainda parecia se lembrar daquilo.

E também com fato de que ela se lembrava daquilo.

"Não estou tensa. É só esse ambiente abafado e sua presença ao meu lado que me causam mal-estar." Ela tentou alfinetar olhando diretamente para ele e Draco sorriu de novo.

O braço se tornou um círculo de ferro em torno da sua cintura. "Isso, me encare fixamente por mais alguns instantes e todos vão pensar que já fizemos as pazes."

"Me solta, Malfoy, vai acabar me sufocando!"

"Nada me daria mais prazer, Weasley. Mas não é o dia, nem o local adequado." Ele disse inclinando a cabeça com uma dica de sorriso nos lábios. Pela primeira vez, Gina percebera que o bastardo realmente tinha alguma coisa de bonito, ainda que não na sua concepção tradicional de beleza. O cabelo muito loiro dava um ar angelical e os olhos eram hipnotizantes, donos de nuances fantásticas que eram capazes de adquirir todas as tonalidades do céu, desde o límpido azul da manhã até a turbulenta cor do firmamento prestes a desabar uma tempestade.

Ela ofegou, revoltada consigo mesma. Pensamentos poéticos destinados a Draco Malfoy? Estava passando mal mesmo. Para seu alívio, ele voltou a falar e ela se obrigou a mudar o rumo dos seus pensamentos.

"Vamos para um lugar mais arejado, assim você pode recuperar um pouco de cor." Draco a examinou de perto, estreitando levemente os olhos. "Está com um aspecto horrível."

Gina rolou os olhos, impaciente. "Quando chegarmos num lugar menos movimentado, você vai ter uma escolha. Ou me solta ou acaba com a marca de um feitiço contra bicho papão na testa."

"Fique calma, Ginevra, eu não vou te machucar. Não em público, pelo menos." Ele continuou, impassível. "E eu detesto cicatrizes na testa."

Ela segurou uma réplica mal-humorada e continuou andando, com passos vacilantes.

Vendo o silêncio atípico de Gina, ele continuou a conversa parecendo estranhamente de bom humor e falante. Ela colocou o comportamento no crédito do firewhiskey.

"Vamos fazer uma avaliação da nossa guerra, assim nos distraímos do fardo da presença um do outro."

"Eu ficaria mais distraída se você sumisse da minha frente e me deixasse em paz." Ela falou acidamente.

Draco a ignorou sumariamente e prosseguiu na sua linha de raciocínio. "Parte um: Você ganha a primeira partida me obrigando sordidamente a casar com você. Eu ganho a segunda depois da pequena disputa na nossa noite de núpcias. Você venceu a terceira e decisiva me ameaçando infantilmente com a varinha na sua casa. Eu me inclino aceitando minha derrota e nós passamos para a parte dois." Ele se inclinou levemente, certamente zombando da situação e soltando a cintura de Gina no processo. "Eu ganhei a primeira partida roubando seu dinheiro do Gringotes. Você ganhou a segunda ocupando a Mansão contra a minha vontade e dando um jeito de burlar nosso contrato. Agora estamos novamente na terceira e decisiva partida. Em quem você aposta?" Ele falou, como se estivesse comentando um jogo de quadribol tedioso.

"Certamente não em você." Sem a presença dele tão próxima de si, Gina já estava se recuperando do mal-estar e voltando a raciocinar coerentemente. "Ganhar não está na sua natureza."

A resposta perspicaz fez o semblante dele escurecer, como se uma nuvem tivesse tampado o sol. "Poupe os seus esforços, Ginevra; no final, eu vou ganhar. Esses últimos anos provaram o quão obstinado eu posso ser." Ele tinha colocado mais uma vez a expressão fria e desdenhosa no rosto. "Quanto você aposta que consigo um jeito de te extraditar para algum lugar bem longe da Inglaterra, onde você e seu pirralho me deixarão em paz?"

"Quanto você aposta que vai desejar estar casado comigo?" Nem Gina entendeu porque falara aquilo. Não sabia se fora a pouca bebida que tinha ingerido, o mal-estar ou a sensação de ter alguém do lado dela de verdade. A sensação de que ela precisava provar que valia a pena estar junto dela, nem que fosse para Draco Malfoy. Só sabia que tinha se arrependido no momento em que as palavras saíram da sua boca. Entretanto, agora não retrocederia.

Draco estacou subitamente, respirando fundo, como se só a possibilidade daquilo ocorrer o deixasse sufocando de nojo. Gina deu dois passos para trás, para ficar ao lado dele e olhá-lo nos olhos.

Diante do silêncio característico dele, ela continuou, mais familiarizada com aquela reação silenciosa. "Então temos uma aposta. Se você ganhar e arranjar uma razão para que eu vá embora, a nova Sra. Malfoy sairá para longas férias fora do país. Ninguém vai te exigir explicações porque eu mesma direi que preciso de ares diferentes, do clima do campo ou da Itália, talvez. Deixo para você todos meus galeões, minha loja, tudo. Não vou precisar de nada disso para viver isolada do mundo." Ela riu diante da estranha imagem de uma vida reclusa que se formou na sua cabeça, sem saber exatamente a razão. Tinha certeza que era o riso daqueles que passam por situações estressantes, traumáticas.

"Você está apostando tudo que tem e ainda está rindo?" Draco estreitou os olhos de forma descrente, como se estivesse procurando no rosto delas indícios físicos da loucura que certamente estava acometendo-a.

"Não se pode sempre chorar, Malfoy. E eu já chorei demais." Gina disse, mas no mesmo instante sentiu seus olhos se encherem de lágrimas que ela reteve com esforço. Parecia que ela estava sempre lutando contra alguém, contra algo, contra ele. "Mas, se eu ganhar, quero o colar das mulheres da família Malfoy. Não sei exatamente a razão, mas me encantei por ele. Edril me disse que tinha algo de mágico nele, que dava coragem às mulheres da sua família." Ela murmurou, se surpreendendo de novo. Nunca tinha gostado de joias, mas aquela especificamente tinha um simbolismo que a atraía.

A coragem sempre fora algo que Gina valorizava muito.

Eles ficaram em silêncio durante minutos que pareceram horas. Uma tensão implícita permeava o ar e Gina podia jurar que poderia tocá-la se erguesse a mão. Quando estava prestes a sugerir que eles esquecem aquilo, fizessem o caminho de volta e se misturassem aos outros convidados, Draco recuou, quebrando o contato visual com ela.

"Você não precisa daquele colar." Ele replicou bruscamente. "Já tem coragem suficiente."

E, retrocedendo e se encaminhando a passos largos para a porta do salão, ele a deixou ali, sozinha e extremamente intrigada.

***

Uma semana depois, ela estava estirada confortavelmente no sofá da sua casa, se perguntando como podia fazer tanto calor em maio. Ultimamente não tinha vontade de fazer absolutamente nada e aquele maldito clima só complicava ainda mais as coisas.

James brincava com uma varinha de brinquedo ao seu pé e comentava todos os detalhes da sua história mirabolante da luta contra os bruxos das trevas que ele criava com sua mente fértil. Gina sorria e acrescentava um ou outro perigo que pudesse tornar a luta do menino um pouco mais emocionante. Com o coração apertado, ela via seu filho crescendo e se tornando cada vez mais parecido com Harry, tanto em aspectos físicos quanto em aspectos emocionais.

E, pela primeira vez, se deu conta de que não pensava em Harry com uma saudade descomunal, mas sim com um carinho bem-vindo, que fazia as lembranças dele parecerem brisas refrescantes e não vendavais que a varriam psicologicamente e a destroçavam a cada lembrança de um beijo, de um carinho. Franziu a sobrancelha, em dúvida.

Estava realmente diferente.

Não conseguiu se aprofundar na sua descoberta porque James veio até ela, sorrindo encantadoramente.

"Mamãe! Você acha que eu posso ser um grande bruxo e aprender fazer muitos feitiços!?" Ele perguntou, com os olhos brilhando.

"Claro, meu amor! Eu tenho certeza que você tem muito talento!" Ela freou a vontade de dizer 'como seu pai'. "Se você se dedicar, pode ser um dos melhores." Ela completou, apertando o nariz arrebitado dele no processo.

Ele se contorceu, fingindo uma careta de dor diante da brincadeira dela. Então, pareceu se lembrar de algo muito importante. "Vou poder acabar com todos os bruxos malvados?"

Ela abriu a boca para responder, mas a voz de Draco vinda da entrada da sala foi mais rápida.

"Então se prepare, porque você vai ter um trabalho dos infernos." Gina viu que Malfoy levou a mão direita até o braço esquerdo - por sadismo ou por reflexo - tocando levemente o lugar onde deveria estar a Marca Negra. "Existem muitos deles por aí."

James se aproximou mais de Gina, com receio de Draco e o olhou com expressão cautelosa. A última experiência dos dois juntos não havia sido das melhores.

Gina rolou os olhos para Malfoy, num recado claro de 'você não sabe se anunciar?', mas preferiu se dirigir a James antes de dar atenção ao rapaz.

"Diga olá para o seu padrasto e vá pedir à Della que te faça companhia, enquanto eu ensino ao Sr. Malfoy um vocabulário mais adequado para se usar na frente de crianças." Ela falou, fazendo um carinho no menino e Draco bufou sonoramente.

James foi até Draco com passinhos receosos a princípio, pôs as mãos para trás e fez um leve aceno de cabeça, muito formal. "Olá, Sr. Malfoy. Espero que tenha um bom dia." Ele disse e ficou ali, enquanto esperava uma resposta. Gina se encheu de orgulho pelo comportamento adulto e corajoso.

Draco pareceu ficar extremamente sem jeito, e apenas grunhiu um 'bom dia' como resposta, fazendo um gesto para dispensar o menino. James, esquecida toda a formalidade anterior, correu para a cozinha para avisar a elfo que teriam visitas; as menores novidades eram capazes de deixá-lo excitadíssimo.

Draco se sentou com classe numa poltrona perto de Gina, não se antes se certificar de que estava limpa o suficiente para suportar seu traseiro de estirpe.

"Não precisa se inflar feito um pavão orgulhoso. O menino é educado, mas ainda é a cara do Cicatriz. Isso faz ele perder muitos pontos comigo. E com mais algumas pessoas importantes." Ele disse com um sorriso venenoso.

Ele sempre tinha que estragar tudo, lembrando do perigo em que James vivia, ela pensou com uma careta, mas estava tão letárgica naquele dia que apenas deu de ombros.

"O que você quer aqui?"

"Fui no Beco Diagonal te procurar, mas você não estava na sua loja." Ele respondeu, sem demonstrar nada.

Foi a vez de Gina fazer uma expressão de educada curiosidade. Desde quando Draco a procurava para alguma coisa? Estavam casados há pouco mais de dois meses e mal se viam.

"Tirei o dia de folga." Ela disse, distraída, olhando pela janela e vendo o sol que incidia gloriosamente sob o jardim.

"Ser seu próprio patrão tem suas vantagens." Ele concluiu, olhando pensativo para o mesmo ponto que ela.

Gina se intrigou ainda mais. Ter aquela conversa 'civilizada' com Draco era algo que ela não imaginou nem nos seus maiores sonhos.

Pesadelos, ela se corrigiu mentalmente.

O clima sem animosidade a lembrava dos meses anteriores em que ele visitava o laboratório da loja, entre frases cordiais - ainda que espirituosas - e silêncios confortáveis.

Parecendo ultrapassar a barreira da cordialidade desinteressada pela primeira vez naquele dia, ele foi direto ao ponto. "Precisamos começar com a Oclumência. Para cada vez que você se expõe ao meu mundo, mais protegida sua mente precisa estar."

Gina queria tudo, menos ter aulas. Preferia conversar, mesmo que fosse com ele.

"Quem te ensinou Oclumência?" Ela perguntou, balançando o pé descalço para fora do sofá, ritmicamente. Não sabia se era o calor, a letargia, o conforto, mas não havia hostilidade no ambiente.

Os olhos cinzas de Draco se fixaram no movimento dela, como se não houvesse mais nada ao redor.

Draco sabia que estava evidente que os olhos dele estavam presos pelo ritmo do pé muito branco, com as unhas bem formadas e que, ainda que não tivesse marcas de vaidade, era tão...hipnotizante. Ele subia e descia com uma graciosidade natural, cadenciada, que o fazia ter vontade de continuar ali, sentindo as horas passarem num único ritmo: o balanço do pé da pobretona. Ele engoliu em seco. Precisava voltar à realidade e sair daquele torpor.

"Minha tia. Era uma das melhores." A simples menção a Bellatrix Lestrange fez o sangue de Gina gelar. Rapidamente ela se sentou numa posição ereta quebrando a intimidade do momento e Draco percebeu a mudança de reação, levantando uma sobrancelha. "Não faça perguntas se você não quer saber as respostas." Ele falou sério e se sentou de frente para ela, sem esperar réplica. "Está pronta?"

Gina não cansava de se surpreender com como Draco parecia ser mais velho do que realmente era. E de como os olhos dele pareciam tão vazios de qualquer coisa. Ela descobrira que não gostava dessa visão e tampouco entendia porque ele se sentia assim, quando o lado dele havia ganhado, quando ele tinha prestígio e sua família voltara a ser poderosa no círculo mais íntimo de Voldemort.

"Acho que não tenho muita escolha." Ela disse e ele balançou negativamente a cabeça, confirmando a idéia.

Draco olhou diretamente nos olhos dela e um arrepio percorreu a sua espinha. "Eu aprendi como proteger minha mente e devo admitir que eu sou muito bom nisso."

"Eu posso me lembrar, Sr. Modesto." Gina falou, birrenta. Automaticamente, ela se lembrou do quinto ano dela em Hogwarts – sexto dele – quando Draco Malfoy conseguiu esconder seus planos da escola inteira, inclusive do Professor Snape.

Ele ignorou a interrupção com um gesto displicente. "Eu quero que você tente fechar sua mente para mim. Eu vou procurar acessar suas lembranças, me aproveitar das suas fraquezas. Quanto mais agitada você estiver, mais território eu ganho. Quanto mais coisas estiverem aí dentro, melhor para mim. Entendeu?"

"Acho que entendi." Ela hesitou um momento, antes de responder.

"Não há espaços para o achar, Ginevra. Tenha certeza, seja firme, domine sua mente."

Ela quase rolou os olhos. Desconfiou que, ao lado de poções, a Oclumência era uma coisa da qual ele gostava muito.

Nem pôde se concentrar realmente quando ouviu a voz arrastada se pronunciar num murmúrio. "Legilimens"

A última coisa que viu foi o olhar prateado penetrante e o rapaz segurando a varinha fortemente com as duas mãos, um pouco à frente do nariz pontudo.

Não havia mais sala. De repente, tinha voltado a acariciar sua barriga que crescia, dividida entre o amor profundo e saudade devastadora, a beira da praia no Chalé das Conchas. Ela sentia que chorava, diante da perspectiva de ser mãe pouco depois de ter completado 17 anos. Quando tudo rodou, já estava com James recém-nascido nos braços enquanto via Hermione, diante de si, olhando o bebê com olhos marejados também pela saudade de Harry; as duas então se abraçaram, com o pequeno pacotinho que era James se interpondo confortavelmente entre elas.

Então o mundo se dissolveu numa neblina e ela estava de volta no seu apartamento na parte trouxa de Londres, brincando com um James numa cadeirinha de bebê, dizendo que ele ia ser tão grande quanto o pai se comesse todas as coisas verdes que ele tinha no pratinho a sua frente - mesmo que ela não soubesse para que todas aquelas coisas serviam - e pensava preocupada sobre qual seria seu próximo emprego para sustentar James.

Era uma sensação diferente do que aquela de rever uma memória através da Penseira; quando se usava o artefato para se observar uma lembrança era como se estivesse vendo um filme trouxa, um agente externo a cena. Mas aquilo – ter alguém invadindo sua mente - era diferente: ela estava revisitando suas próprias memórias, vendo o passado através dos seus próprios olhos.

Subitamente, sua sala confortável estava novamente à vista e ela voltou a si, olhando um Draco Malfoy muito contrariado na sua frente, pressionando os lábios numa linha fina e pálida. Obviamente, ele havia parado de sondar sua mente.

"Você é um fracasso nisso!" Ele fez uma careta de desgosto.

"Você viu tudo o que eu vi?" Ela perguntou ignorando a crítica, passando a mão pelos cabelos nervosamente.

"Para minha satisfação, não. Se eu quisesse ver pobreza e miséria bastaria sair caminhando pelas ruas do subúrbio de Londres. Mas pude captar suas sensações, alguns momentos do que você viu. É como se pudesse ver pequenas fotografias desfocadas da sua mente. Não é ver tudo, mas para alguém que saiba interpretar, isso é o suficiente para reconstruir cenários, situações e, principalmente, sentimentos."

Ela havia ficado surpresa. Não estava acostumada a lidar com um Draco tão eloquente. Se corrigiu na sequência, pensando que não estava acostumada a lidar com nenhum tipo de Draco.

"Essa foi minha primeira vez!" Ela protestou. "Além do mais, o que você queria? Não me disse o que tinha que fazer!"

"Óbvio que disse." Ele retrucou, parecendo ofendido. "Falei para esvaziar sua mente. Não sentir. Nem coisas boas, nem coisas ruins. Nada."

"Para você é muito fácil, já que é uma pedra de gelo ambulante!" Gina começava a perder a paciência

"Vou entender isso como um elogio." Draco retrucou mal-humorado. "E, em nome de Merlin, não pense no seu filho. É por causa dele que estamos aqui. Ele é sua primeira fraqueza e o que mais deve ser protegido." Ele completou sério e Gina teve que abafar uma centelha de carinho que sempre surge nos corações das mães quando encontram pessoas que querem proteger seus filhos. Entretanto, racionalmente, ela sabia que os motivos de Draco para proteger James eram tudo, menos nobres. E com isso se resignou mais uma vez, assentindo afirmativamente com a cabeça e ouvindo-o dizer novamente. "Legilimens"

De repente, estava novamente n'A Toca e seu coração se encheu alegria ao ver sua casa mais uma vez. E via o mundo com os olhos de uma menina de quatro anos, que puxava os cabelos muito ruivos de um Rony de cinco anos, brigando por uma vassoura de brinquedo. Então seu pai - mais jovem, mais magro, mais feliz– aparecera como um gigante e levantara as duas crianças, uma em cada braço, apartando-as e rindo, enquanto distribuía beijos em Rony e depois nela. O mundo rodou, e lá estava Gina, mais crescida, de mãos dadas com Molly, embarcando os gêmeos pela primeira vez no Expresso de Hogwarts, em King's Cross. Ela acenava e Jorge acenava de volta, enquanto Fred se encarregava de deixar sorrateiramente um pacotinho com bomba de bosta nas bolsas e pastas dos azarados pais que cruzavam o seu caminho e ela ria e ria.

Em outros momentos, ela se viu jogando quadribol com os irmãos, sendo selecionada pela Grifinória e achando um diário entre as suas coisas. Um diário onde ela escrevia seus maiores medos, seus maiores segredos. Com quem ela compartilhava a esperança infantil de ter o carinho de Harry Potter. Subitamente, ela viu novamente a alma de Voldemort contida no diário se manifestar e obrigando-a a cometer coisas horríveis…

"Não!" Não precisava rever tudo aquilo. Não queria rever tudo aquilo. Quando deu por si, Draco a olhava com uma expressão interrogativa, ainda imóvel do outro lado da mesinha central da sala. "NÃO!" Ela disse mais alto dessa vez, para ter certeza de que estava na sua sala e não na Câmara Secreta. Seus cabelos estavam grudados na testa e na nuca, enquanto ela lutava para respirar com dificuldade.

Ouvindo seu grito, James reapareceu na porta da sala depois de uns instantes, apreensivo. Della vinha na sequência, com as orelhas de morcego eriçadas de curiosidade.

Draco guardou lentamente sua varinha no bolso interno da capa e a olhou friamente. "Se você tem algo que não quer que eu veja ou, principalmente, que você não quer ver, não deveria deixar que eu sequer chegasse perto disso."

"Eu estou tentando!" Ela gritou, ainda descontrolada. James estremeceu diante da porta e correu até ela, abraçando-a calorosamente e olhando feio para Draco.

"Não, não está!" Ele rebateu, incomumente no mesmo tom que ela. "E é teimosa demais para admitir isso. Quanto mais orgulhosa e sentimental você for, mais suscetível vai ser para a Legilimência. Esperar que você controle esses sentimentos parece ser um pouco demais."

"Vá embora!" Ela estava prestes a soluçar e apertou mais James contra si.

"Sim, mas só porque você não tem a menor condição de continuar com isso. Tente praticar e nós voltaremos a nos encontrar em breve." Ele falou, se levantando. "Da próxima vez, tente encontrar um lugar em que possamos ficar a sós e não sermos interrompidos." Ele fez um gesto com ar esnobe, apontando James - que ainda o olhava belicosamente - e para Della.

E o leve rubor que subiu ao rosto dela à insinuação dele de ficarem a sós, mesmo que sem segundas intenções, foi suficiente para deixá-la ainda mais transtornada. Deu graças a Merlin que Malfoy havia ficado muito contrariado para perceber e saído da sala, deixando-a com James agarrado à sua mão, como se, naquela idade, ele quisesse passar tranquilidade para sua mãe.

Ela se obrigou a sorrir para o menino, apesar de tudo. Draco escolheu exatamente aquele instante para bater a porta da frente da casa, como um furacão.

Fechando os olhos brevemente, ela prometeu a si mesma que aprenderia a grande porcaria da Oclumência.

Mostraria para a doninha saltitante do que Gina Weasley era capaz de fazer para proteger o filho.

***

Algum lugar no sudoeste da Inglaterra.

Ele estava sonhando.

E, por mais incoerente que isso fosse, ele sabia que estava sonhando. Dentro daquelas regras desconexas que regem os sonhos, ele revisitava um cenário que queria esquecer, que não queria ver de novo.

Tinha ciência de que estava se virando na cama desesperadamente, mas isso não fazia que sua consciência - tão teimosa quanto seu dono - tomasse o controle da situação.

Rony Weasley se viu novamente na Floresta Proibida, na batalha que definira os rumos da guerra. Ele não fora rápido o suficiente para desviar Harry do jato mortal que saíra da varinha de Voldemort, mas, no seu sonho, seguindo uma lógica sádica, ele via a cena com a velocidade reduzida, como se pudesse parar a Maldição da Morte com sua mão nua.

Tentou acordar – de novo. Infrutiferamente – de novo. Já tinha passado por aquilo e sabia como terminaria, tanto o sonho como a realidade, mas isso não serviu de estímulo para que ele acordasse do pesadelo.

E então Hermione estava ajoelhada ao lado dos corpos inertes de Harry e Neville. Dois grandes amigos mortos, corações mortos, Harry morto, esperança morta.

Não havia mais freio em Rony e sua varinha parecia soltar feitiços sozinha, como se precisasse apenas de um braço para guiá-la e tinha resolvido pegar o de Rony emprestado; da ponta do objeto, saíram feitiços que ele nunca pensou que fosse capaz de utilizar.

Mas a verdade era outra.

Ele queria usá-los. Ele queria muito. Nunca tinha pensado que usaria uma Maldição Imperdoável, mas naquela noite ele sabia que havia querido. Pela primeira vez, mas não pela última, Rony Weasley tinha matado. Para defender Harry e Hermione.

Não notou que seus irmãos tinham ido, nem notou quando a cavalaria chegou, tarde demais.

Eles foram deixados provisoriamente em paz, parados no centro da clareira, alheios a tudo que acontecia em volta deles. Ele sentia os olhos arderem, contendo as lágrimas que ele não iria derrubar, não ali, não na frente dos malditos comensais; queria consolar Hermione e ficar de luto pela morte dos amigos, mas a adrenalina da batalha ainda percorria suas veias. Segurava a varinha com tanta força que as unhas se enterravam na palma da mão.

Graças a chegada de algumas pessoas da Ordem, havia agora mais feitiços cruzando o ar, mais cheiro de sangue. Não conseguia ver Voldemort em nenhum lugar; ele parecia ter se retirado depois de cumprir o seu 'dever'. Sentia vontade de ir ele mesmo atrás do bruxo quando sua atenção foi chamada por um sussurro fraco.

"Rony…"

Ele não deu atenção, mantendo sua atenção fixa na batalha que se seguia a sua volta. Não queria olhar na direção do chamado de Hermione, porque sabia que isso significaria olhar para Harry. Isso era tão ruim quanto a sensação de ter perdido Fred e ele não queria lidar com aquilo de novo.

Não mesmo.

"Rony!" Ela levantou a voz, insistente. Dessa vez ele a olhou a contragosto e viu que ela estava com os braços em volta do corpo de Harry. Havia uma trilha de lágrimas nas bochechas coradas da garota e Rony sabia que ela estava tentando pensar em algum plano, pela expressão do seu rosto. "Precisamos tirá-los daqui."

Ele sabia que ela tinha razão. Por mais que estivessem mortos, seus corpos não mereciam ficar a mercê de Comensais da Morte. Então se abaixou e tateou em busca da capa da invisbilidade que Harry havia levado e cobriu rapidamente os corpos.

"Mione, flutue eles. Eu dou cobertura para você. Precisamos sair da clareira e, de preferência, achar uma saída de Hogwarts, para aparatarmos." Ele olhou em volta, a batalha voltara a ser feroz, mas Rony sabia no seu íntimo que a Ordem não resistiria por muito tempo; a perda de Harry havia significado a perda de um mundo para eles. "Vamos!" Viu Hermione assentir e levitar uma massa disforme coberta pela capa da invisibilidade.

Eles andaram a passos rápidos para fora da clareira, com Rony protegendo-os de feitiços e, quando possível, azarando outros Comensais. Um deles havia se atirado na direção do pequeno grupo de Rony, mas o garoto partiu de encontro a ele, chocando-se contra o Comensal. Se sentiu absolutamente primitivo; ali não havia espaços para varinhas, somente os dois homens se enfrentando com as mãos. Rony estava consumido pelo ódio e deixou que esse sentimento guiasse seu corpo. Numa das poucas vezes que tinha feito isso, fez valer seu tamanho e força acima da média.

Se atiraram um contra e outro e rolaram pelo chão. Rony conseguiu desviar de alguns golpes e então imobilizou o comensal, dando sucessivos socos no rosto do adversário e só parando quando ouviu Hermione gritar seu nome e vendo que a máscara do comensal fora destruída pelos seus golpes, transformando o rosto do homem numa massa amorfa e vermelha. Olhou para suas mãos, horrorizado.

Estavam cobertas de sangue.

"Rony, precisamos ir!" Hermione estava quase gritando. Ele se levantou com dificuldade, deixando-o Comensal inconsciente para trás.

Eles andaram rapidamente, sentindo que os olhos das criaturas da Floresta Proibida estavam pregados neles e ele sentiu um arrepio involuntário. Seguiram até uma das margens da Floresta Proibida, extremamente cansados física e emocionalmente.

Depois de um bom tempo andando, Hermione pousou os corpos no chão, como se estivesse muito exausta pelo esforço, ainda que tivesse usado magia o tempo todo. Descobriu os corpos e olhou para eles, com os olhos marejados. Rony desviou o olhar da cena e tentou engatar um assunto, para aliviar a tensão.

"Erm, Mione, talvez seja melhor cobri-los…"

Assim talvez eles não peguem um resfriado, sua mente zombou da sua pobre tentativa de distrair Hermione. De qualquer forma, ele nunca fora bom em quebrar tensão.

Hermione agora estava sobre o corpo de Harry e chorava copiosamente, chegando a soluçar. Ele resolveu mudar de tática. "Acho que devemos tentar entrar pelo Salgueiro Lutador e ir para a Casa dos Gritos. De lá podemos aparatar para um lugar seguro. E precisamos achar a avó de Neville…" Dessa vez fora sua vez de sentir uma lágrima teimosa escorrer pela sua bochecha; ele usou as costas das mãos para secá-la com raiva.

Ficaram ali, parados por alguns minutos. O choro de Hermione tinha diminuído gradualmente, para então se tornar um silêncio perscrutador, que Rony sabia que antecedia alguma outra coisa importante.

"Rony..."

"Mione, precisamos ir. Não temos muito tempo."

"Rony! Ele… Harry…" Ela parou e examinou mais um instante. "Não está morto…" Ela sussurrou, com medo de que, ao falar as palavras, elas não seriam mais verdade.

"O quê?"" Chocado, ele foi até o corpo do amigo, examinando de perto. Experimentou chamá-lo baixinho; o resultado foi nulo. Colocou a mão no peito de Harry e sentiu com uma assombrosa alegria que ele estava vivo. Não aguentou e, sob os protestos de Hermione, levantou o corpo inerte e o abraçou. Não conteve mais as lágrimas.

"Consigo sentir a respiração dele, Mione! Está muito fraquinha, mas ainda está aí! Veja, veja!" E puxou a mão da namorada de encontro ao nariz de Harry. Sacudiu o amigo, como se para tirá-lo de um sonho ruim. "Harry! Harry!" Ele gritou e sentiu que Hermione iria impedi-lo de fazer algo mais, mas não deu atenção à garota. Sacudiu com um pouco mais de violência.

"Pare!" Ela disse, voltando a ficar desesperada. "Ele não vai acordar assim!"

"Temos que acordá-lo, Mione! Voltar para salvar os outros e…"

"Não!" ela parecia convicta, com seus cabelos rebeldes esvoaçando com o vento daquela hora da manhã, que apenas começava. "Precisamos levá-lo para um lugar seguro, examiná-lo, e tentar entender..."

"Não há nada que precisamos entender, além do fato de que Harry está vivo!" Ele a interrompeu, ignorando o ponto dela.

"Rony... Você não percebe?" Ela disse, subitamente cansada novamente. "Não percebe que Neville fez por Harry exatamente o que Lílian havia feito pelo filho? Deu a vida pelo Harry…" Lágrimas voltaram a correr pelo rosto de Hermione e Rony soltou gentilmente o corpo de Harry para ir abraçar a garota. "Neville morreu, para que Harry vivesse. Mas sem o pedaço da alma de Voldemort a alma do próprio Harry estava instável e agora…" Ela fungou, aninhada no peito de Rony. "Ele tem vida, mas não sabemos se ele poderá sair desse estado fragilizado algum dia. A alma dele precisa se regenerar, aprender a viver sem a parte da alma de Voldemort."

Rony suspirou, resignado, embalando a namorada gentilmente. Pela primeira vez, desejou que a capacidade de Hermione de estar certa fosse menor, mas sabia que havia uma altíssima chance daquilo ser verdade.

"É... Acho que entendi. Só nos resta esperar e torcer para que as coisas melhorem." Ele disse, se sentindo extremamente desanimado. "E procurar um lugar seguro para que ele possa ficar."

Hermione pegou na mão dele, olhando-o nos olhos e Rony se perdeu naquele olhar quente, carinhoso. "Vamos procurar a avó de Neville. O mínimo que podemos fazer e devolver o corpo do neto dela; e rezar para que ela aceite mais uma tarefa."

E foi com essa sensação que Rony acordou, se sentando subitamente na cama. Suado e atormentado com o mesmo pesadelo, por sete anos. Sentiu a mão da esposa, acariciando gentilmente a sua.

"O mesmo pesadelo?" Hermione perguntou, com a voz rouca devido ao sono.

"Sim..." Ele disse angustiado, se deitando novamente, aninhando gentilmente a cabeça dela no seu ombro.

Era bom sentir Hermione ali, sua companheira de tantos anos

"Toda vez..." Ele começou, mas a voz morreu na sequência. Rony pigarreou para dizer aquilo que o atormentava há anos. "Toda vez eu me pergunto se fizemos a coisa certa, ao esconder de todo mundo… Ao esconder da Gina…"

Hermione permaneceu em silêncio por uns instantes, antes de responder. "É uma dúvida muito justa. Eu também sou atormentada por ela. Mas você sabe o quanto de perigo Harry correria se soubessem que ele ainda está vivo, ainda que em coma. E o que poderia representar para a esperança das pessoas, um herói que nunca poderá ser acordado." Hermione acariciou o peito do marido, tranquilizando-o. "Nós fizemos o que é melhor para todos, Rony. Mesmo que tenhamos sacrificado nossa paz de espírito no processo." Ela suspirou, triste.

"Fizemos a coisa certa..." Ele disse em voz alta. E repetiu mentalmente, dezenas de vezes até adormecer de novo, se apegando a idéia de que, se ele repetisse a frase muitas vezes, aquilo se tornaria verdade.


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