Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 10
O Começo da História


Notas iniciais do capítulo

Olá! Mais um capítulo, com um título bem sugestivo. Foi uma parte da história que eu gostei especialmente de escrever e espero que vocês possam gostar também. Mais uma vez, obrigada aos comentários Rose, que é o que me faz voltar para cá ;)



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Março de 2005.

"Talvez o senhor devesse levar uma dessas aqui. É ideal para o combate dos invasores noturnos." Ginevra de Woodcroft desfilava entre os clientes da sua loja, oferecendo ajuda, ofertas e, muitas vezes, apenas uma conversa cordial.

"Será que preciso mesmo disso, Sra. Woodcroft?" O homem grisalho perguntou, coçando levemente o queixo, em dúvida.

"Claro que sim, segurança para sua família em primeiro lugar! Como é possível dormir com a desconfiança de que alguém pode entrar sorrateiramente na sua casa? Seu bairro não sofreu um caso assim, semana passada?" Ela disse com uma expressão de preocupação solidária, quase maternal. Seus anos atuando como vendedora a fizeram entender que exercia certa influência involuntária sobre os clientes. Mesmo vestida recatadamente, ela admitia que sua aparência jovial e chamativa, somada a uma atitude espirituosa, muitas vezes eram fatores que faziam com que eles se sentissem mais à vontade, mesmo que nem se dessem conta disso.

"Oh, vejo que tem razão, como sempre. Não vou perder mais uma noite de sono por causa disso e minha casa estará protegida." O homem disse, entusiasmado. "A propósito, Sarah exige sua presença para o jantar no próximo sábado, disse que não vai aceitar recusas. Será bom para nossas crianças se conhecerem, afinal. Com quantos anos seu rapazinho já está?"

"Aceito seu convite com muito prazer, Sr. Wilson! Seria muito bom visitar Sarah e as crianças" Ela sorriu radiante, mesmo que expor James não fosse uma das idéias que a deixassem mais à vontade. A cada dia que se passava, ele lembrava mais uma versão em miniatura de Harry Potter. Gina supunha que o cabelo mais claro do seu filho não era suficiente para afastar a semelhança com o pai. "James completou seis anos no mês passado."

Ele colocou a mão sobre o ombro dela, gentil. "Marcamos um horário então?"

Gina foi salva de uma resposta imediata quando Dave apareceu sorrateiramente, elegantemente vestido no seu novo uniforme da loja. "Sra. Woodcroft, sua presença está sendo requisitada com urgência no seu escritório."

Para fugir do convite sincero, porém inconveniente, Gina teria ido tomar chá com Pansy Parkinson; por razões óbvias, ela havia se tornado anti social e extremamente reclusa nos anos que se passaram. Ainda assim, sorriu amável para o Sr. Wilson.

"Me dê dois minutos, Sr. Wilson. A burocracia da vida de comerciante consome quase todo o meu tempo. Volto assim que puder, para acertarmos nossa agenda." Deu uma piscadela gentil e saiu apressada em direção ao andar de cima.

"Eu te agradeceria por me salvar, Dave, mas antes tenho que saber quem você deixou entrar no meu escritório sem a minha permissão, para saber se você realmente merece meus agradecimentos." Ela falou, meio séria, meio brincando.

"Eu não sei, senhora." O rapaz disse, penalizado. "Subi com James para pegar a lista de encomendas de poções e os dois homens estavam lá. Eu não queria chamar a senhora, disse que estava ocupada, mas um deles me ameaçou de colocar um caramelo incha-língua num orifício onde não há língua. Eu achei muito grosseiro, se quer saber, mas então desci e chamei a senhora, porque não sei o efeito que um caramelo incha-língua teria num lugar do corpo como esse." Ele completou, alarmado.

"Você deixou James sozinho com dois estranhos!?" Gina estava quase gritando e então assimilou a frase de Dave por completo; o rapaz, por sua vez, se encolheu visivelmente. Só depois de alguns segundos a razão ganhou o espaço do mau temperamento. "Você disse caramelo incha-língua?"

"Sim. Eles são horríveis, como a senhora sabe."

Jorge. E provavelmente outro conhecido. Gina ficou tranquila novamente.

"Pode deixar, Dave. Posso lidar com esses sujeitos com a varinha na mão esquerda." Ela disse, voltando a sorrir. "Volte para a loja e ajude os outros. Talvez eu demore um pouco." Quando o rapaz já estava se virando, ela completou. "E a próxima vez que deixar meu filho sozinho com estranhos, eu mesma vou usar todo meu estoque de caramelos incha-língua em você."

Ela entrou no escritório e fechou a porta, colocando um feitiço abaffiato na porta. Naqueles tempos, todo cuidado era pouco.

Havia dois homens encapuzados no recinto; um olhava incessantemente pela janela, como se estivesse sendo caçado – como realmente deveria estar – enquanto o outro jogava um James sorridente no ar. Quando a viram, pararam onde estavam. O que estava com James colocou o menino no chão e abaixou o capuz, revelando uma cabeça ruiva, sem uma orelha. Jorge.

"Mãããe! Esse moço me trouxe muitos doces de presente. Ele disse que sou quase um homem, logo poderei ter minha própria vassoura!" O menino falou, inflando o peito de orgulho. Virou-se para Jorge. "Você pode me ensinar a voar?"

Gina sentiu o coração se apertar e não pela primeira vez quis jogar tudo para o alto e voltar para a família. Privar James do contato com os tios era uma das coisas que mais doía. Mais do que nunca, ela se sentia impotente e frustrada.

"Claro que sim! Você vai ser um grande batedor, posso até te ver derrubando todos os sonserinos com tacadas mortais." Jorge disse, sorrindo. Isso pareceu tirar um pouco do brilho da situação para o menino.

"Quero ser um apanhador!" Ele fez um biquinho.

"Você pode ser o que você quiser, meu amor." Gina se aproximou, fazendo carinho na cabeça do garoto. "Por que não vai buscar com Dave seu álbum de quadribol, para mostrar para ele?" Disse apontando Jorge com um sinal de cabeça.

"Sim! Você me espera?" Perguntou para Jorge, que assentiu ainda sorridente. Então, James pareceu se lembrar de algo importante. "Mas eu nem sei seu nome…"

"Meu nome é Jor…" seu irmão começou a dizer.

"O nome dele é Jor...dan! Isso, Jordan! Agora vá procurar seu álbum com Dave." Gina interrompeu, desajeitadamente.

O garoto saiu apressado, não sem antes olhar para trás e se certificar que Jorge não tinha desaparatado, ou algo assim.

"Jordan?! Não tinha algo melhor para inventar? Sempre achei que eu tivesse mais cara de Bradley, ou algo que soe como 'sou bonito, não sou?'." Jorge falou, assim que o menino saiu pela porta.

"Foi o melhor que eu pude inventar na hora. Suas visitas estão cada vez mais freqüentes. Ele vai precisar de um nome, para associar com a imagem de vocês. De preferência nomes que não sejam os verdadeiros." Ela fez uma careta.

"Estranho ouvir que você quer que ele faça qualquer associação conosco." O homem da janela falou, abaixando o capuz. Rony estava mais velho, ainda que tivesse acabado de completar apenas 25 anos. E mais cansado. De todos os irmãos, ele era o que ela via com menos frequência. O tom sarcástico na voz dele também não combinava em nada com o irmão que fora o mais próximo de Gina. "Ele está cada vez mais parecido com Harry."

"Também senti sua falta, Ronald. E sim, já pude notar a semelhança." Gina disse mordaz, desabando na sua poltrona favorita. "Por que vocês vieram?"

Rony tomou a palavra. "Jorge provavelmente veio para ver o menino. Eu só vim para buscar mais Poção Erumpente. Nosso estoque acabou."

Gina sentiu que o gênio estava começando a acender. "Não ouse insinuar que você não se importa com James, Ronald Weasley! Não finja que ele não significa nada para você! Ele é seu sobrinho! Eu terei o maior prazer em te fazer entender isso com um feitiço ou outro." Ela falou, com o dedo em riste apontado para Rony e uma mão na cintura. Seu irmão estava começando a ficar com as orelhas vermelhas e Gina imaginou que sua aparência não deveria ser muito diferente, mas já estava farta de atitude de Rony com relação a James.

"Você não quis que ele fosse parte da família! Afastou o menino de nós, de Harry!" Rony respondeu, no mesmo tom.

Os dois se levantaram ao mesmo tempo, prontos para relembrar os velhos tempos belicosos de infância.

"Oh-oh. Qual dos dois eu vou ter que estuporar primeiro?" Jorge havia se colocado entre os dois, girando a varinha entre os dedos, apontando ora para Gina, ora para Rony. "Talvez você, Gina? Seria bom dar uma chance para o Rony escapar daqui ileso." Ele disse, sem nunca perder o sorrisinho no rosto.

Ela recuperou um pouco do autocontrole; Rony nunca tinha aceitado o fato de que ela tinha precisado levar James para longe da guerra. Ele nunca entendeu que ela afastava o menino do que a imagem de Harry representava, não do pai em si.

"Não é necessário, Jorge. Ainda não é o momento de acertar minhas contas com Rony." Gina falou. Rony, por sua vez, lançava faíscas verdes com o olhar.

"Mal posso esperar." Ele respondeu, sentando de braços cruzados e com o mesmo bico que James tinha acabado de mostrar. Em outra situação, a atitude de Rony teria desencadeado uma gargalhada em Gina, mas ela ainda estava irritada demais para se deixar influenciar pela comicidade do gesto.

"Quanto de poção vocês precisam?" Ela perguntou, vencida definitivamente pela ameaça de Jorge.

"O quanto você puder fornecer. E mais um pouco. Estamos com mais pessoas e planejando uma ofensiva maior." Rony pareceu sair do seu transe de birra. "O idiota do Malfoy está tentando apertar o cerco desde que assumiu uma das chefias do Ministério, ano passado. Mas nós vamos dar para ele nosso cartão de visitas, finalmente." Ele disse, levemente empolgado.

Gina pensou por uns instantes antes de responder. "A Poção Erumpente que vocês usam é visivelmente mais robusta do que aquela que eu entrego para o Ministério e, por isso, demora bem mais para ser feita." Ela disse pensativa enquanto Rony e Jorge fecharam a cara visivelmente diante do fato de que Gina realmente fornecia poções para o Ministério. Poções que seriam usadas contra eles! Ela percebeu a nítida mudança de humor. "E não me olhem com essa cara! Já expliquei mil vezes que eu preciso me sustentar de alguma forma e o Ministério é um cliente e tanto. Além do mais, a poção que eu vendo para eles é muito mais fraca do que aquela que eu cedo para vocês." Ela falou, frisando bem o contraste entre os verbos 'vender' e 'ceder'.

"Isso não muda o fato de que eles usam suas poções contra nós." Rony disse, teimoso.

"Vocês sabem melhor do que ninguém como anular os efeitos das poções antes delas explodirem! Já passei as recomendações de como fazer!" Gina estava exasperada com a milésima vez que discutia isso, com diferentes parentes e amigos. O acordo chegado entre Gina e a Resistência era de que algumas poções usadas pelo Ministério obteriam seu intento, explodindo como o esperado, ainda que isso não machucasse propriamente alguém.

"Essa discussão de novo não vai nos levar a nada. A Gina é mais teimosa do que um ogro com dor de cabeça e temos uma chave de portal para pegar em alguns minutos, na parte trouxa de Londres." Jorge disse, estalando a língua no céu da boca, expressando sua desaprovação. "De quanto tempo você precisa?"

"Eu tenho uma entrega para o Ministério em dois dias. Posso adiar essa entrega e usar as poções que entregaria para eles como matéria-prima para as poções da Resistência." Gina disse.

"Isso não vai te causar problemas?" Jorge falou, com preocupada curiosidade.

"Estou relativamente segura, Jorge." Pelo menos eu acho que estou. "Tenho certo crédito com o Ministério e já adentrei a sociedade bruxa como uma viúva promissora no comércio. Acho que não temos com o que nos preocupar." Ela sorriu, sem saber se isso havia convencido o irmão.

Rony se levantou. "Acho que estamos acertados, então. Dentro de dois dias, mande as poções para esse endereço." Ele disse, entregando a ela um bilhete com algumas coordenadas rabiscadas. "Use um nome falso – outro nome falso – e envie tudo. Pegaremos pela madrugada."

Ela assentiu, levemente pensativa, sem deixar de notar o veneno nas palavras dele com relação à sua identidade falsa. Jorge foi até ela e a abraçou por um longo tempo.

"Fique bem e cuide daquele menino. Ele tem potencial." Ele disse perto do seu ouvido. "Voltarei assim que puder."

Rony se aproximou hesitante. "Hm, se cuida, Gina. Ia ser péssimo se tivéssemos que vir salvar você de alguma encrenca." Ele falou, atropelando as palavras e ela pensou num jeito de usar uma Maldição Cruciatus em Rony sem chamar atenção do Ministério.

Entretanto, preferiu engolir o insulto e perguntar pela família. "Como estão a mamãe e papai? E Gui? Hermione? Eu poderia ir dar um olhad..."

"Eles estão todos bem, Gi." Jorge a interrompeu. "E não, você sabe que não pode. Se você faz suas escolhas, tem que ir adiante com elas. Dar uma olhada neles iria expor a gente e você também, mais do que o necessário." Ele completou e Gina pôde sentir a tristeza de sua voz.

No momento seguinte, os irmãos ergueram os capuzes das capas, deram as mãos e desapareceram da sala, deixando para trás apenas o barulho peculiar da aparatação.

Gina se sentou na poltrona e colocou o rosto entre as mãos, já começando a sentir seu corpo ser corroído pela saudade quase insuportável que a acompanhava.

A Loja de Poções Woodcroft estava particularmente movimentada naquela manhã.

Há dois dias, a Resistência tinha feito um ataque muito ousado, alvejando um dos pontos de apoio do Ministério da Magia – usando uma poção misteriosa altamente explosiva – e matando sete aurores brutalmente no processo.

As pessoas reagiam de formas distintas ao caso. Sabiam que o Ministério era a autoridade vigente, mas, em contrapartida, também sabiam que ele estava nas mãos de bruxos das trevas, que ditavam o clima de tensão e terror em que as pessoas vivam nos últimos anos. Ficavam numa situação extrema onde torciam fervorosamente por um lado, mas não podiam abdicar das suas vidas, que dependiam do outro.

Gina se sentia muito simpática a esse tipo de reação.

Então, a solução encontrada pelas pessoas comuns fora se munir até os dentes de artefatos para a segurança, seja contra a Resistência ou contra o Ministério, o que fazia os cofres de Gina no Gringotes ficarem um pouquinho mais recheados.

E ela também se sentia muito simpática a esse tipo de reação.

Ela circulava indicando poções, fazendo gracejos, fingindo ruborizar diante de um elogio mais ousado dos homens, dividindo votos de um mundo mais seguro com as mulheres, fazendo brincadeiras ameaçadoras com as crianças que se atreviam a chegar perto demais das prateleiras perigosas. Se a saudade da família a impedia de ser feliz totalmente, Gina encontrava algum conforto no trabalho. E em James.

Alguma coisa dentro de si certamente não estava satisfeita com isso, mas ela fazia questão de ignorá-la, tal como ignorava mandrágoras com um tampador de ouvido. E como não tinha fones de ouvido para lidar com aquela irritante vozinha interna que dizia que ela precisava viver e não fingir que vivia, ela se jogava no trabalho.

Ela estava ocupada catalogando as poções restantes de uma prateleira quando um leve rebuliço tomou conta da entrada da loja. Três homens que Gina reconhecia como aurores do Ministério entraram no estabelecimento, vasculhando com os olhos possíveis fontes de perigo. Ela já vira isso muitas vezes nos últimos meses para ter medo. Se lembrava de que, nas primeiras vezes, ficara petrificada, com medo de ter sido descoberta pelo Ministério, imaginando mil e uma maneiras de escapar da Loja, pegar James e fugir dali. Mas não mais.

Como era de se esperar, as pessoas começavam a se dispersar, sair para outras lojas com o ambiente menos taciturno. Isso deveria irritar Gina - e ela realmente ficava irritada - mas sim com o fato de não se irritar. Antes que sua cabeça desse um nó lógico pelo pensamento, ela tentou manter alguns fregueses com a mente ocupada, longe da atenção despertada pelos aurores.

Ela sabia que não havia nada com que se preocupar. Pelo menos as pessoas que não tinham nada a esconder.

Era somente ele chegando.

Controlou com custo um frio que percorreu sua espinha. Certamente era o receio de se expor. Receio do passado.

Os aurores se posicionaram em cada batente da porta e um outro saiu da loja - provavelmente para guardar as costas do visitante ilustre e indesejável.

Ela se virou, tentando se concentrar na jovenzinha de aparentemente uns 17 anos, que queria comprar uma poção para defesa pessoal exclusiva de Gina, que causava ardência nos olhos da vítima.

"Meu pai vai ficar mais tranquilo se eu levar um desses na capa. Quem sabe ele pára de pegar no meu pé com relação aos meus horários." A jovem falou, balançando levemente o vidrinho.

"Seu pai tem razão em se preocupar. Não estamos vivendo tempos fáceis." Gina falou sorrindo, para amenizar a verdade das palavras. "Além do mais, os pais são assim mesmo." suspirou deprimida com o fato de que usava essa expressão de forma bem mais depreciativa antes de conceber James.

"Oh sim, eu sei…" A jovem interrompeu o que ia dizer quando a campainha sobre a porta indicou a entrada de um novo freguês na loja. Ela fixou o olhar em algum ponto acima do ombro de Gina. "Eu não sei porquê se preocupar, se temos alguém assim para nos proteger dos rebeldes." Ela completou, com um sorriso extremamente malicioso no rosto.

Mesmo já sabendo de quem se tratava, Gina se virou para ver o que chamara a atenção da jovem, mas não teve tempo hábil para completar o movimento discretamente. Draco Malfoy já estava ao lado dela, com os três aurores o cercando por todos os lados. Gina ficou tensa e ele dispensou os aurores com um gesto displicente da mão enluvada.

"Não vou precisar de vocês aqui dentro." Os três saíram sem mais uma palavra e ele se virou para Gina. "Sra. Woodcroft, sempre um prazer revê-la." Ele disse, sem parecer gostar de revê-la, especialmente. Os olhos cinzas pareciam registrar tudo a sua volta, com exceção da garota a frente de Gina, que o olhava com admiração.

O que pareceria um elogio ou uma galanteria na boca das pessoas normais, na boca de Draco Malfoy saía como cortesias frias, carregada de desdém pelo mundo e pelo interlocutor.

"Olá, Sr. Malfoy." Gina teve que treinar no espelho durante dias, até conseguir chamar Malfoy de senhor sem torcer o nariz sardento e arrebitado. "É sempre bom receber suas visitas."

Ele levantou uma sobrancelha e um levíssimo resquício de um sorriso cruzou sua boca, por um breve instante. Apenas Gina – e a jovenzinha que o observava tão atentamente – poderiam ter notado.

"Sim, imagino que seja do seu agrado ver sua clientela se espalhando pelas outras lojas por causa da presença indesejada de alguém do Ministério." Ele disse, voltando a ser impassível e Gina calculou o quão roxo o olho dele poderia ficar depois de um soco. Fez uma nota mental para tirar a dúvida com Hermione, algum dia. "De toda forma, não vim fazer uma visita; vim para ver o preparo para as poções do Ministério."

"Já imaginava." Ela respondeu, mordendo a língua. Ela fez um aceno para Dave, que se aproximou tímido. "Leve o Sr. Malfoy até a sala de poções e se certifique de que ele ficará confortável." Ela olhou significativamente para o rapaz, dando a entender que o 'confortável' significava 'não deixe que o bastardo toque em nada até eu poder ficar de olho nele' e torceu para que Dave entendesse as entrelinhas. "Logo estarei com ele."

Ela precisava de um tempo para respirar e se concentrar para não cometer nenhum deslize na hora de repassar as poções e ingredientes com Malfoy. Ela estava tendo muito trabalho ultimamente; entre fazer poções fortes para a Resistência, poções fracas para o Ministério e sobreviver as inspeções de Draco Malfoy – notadamente um sujeito conhecedor da arte de fazer poções – ela estava chegando no limite da sua paciência.

Ele começou a frequentar a loja poucos meses depois de ter sido designado como chefe do departamento de Execução das Leia da Magia e desde então era raro se passarem quinze dias sem suas 'visitas'.

No íntimo, Gina estava bem confusa com relação a atitude dele: em alguns momentos de insanidade ela poderia jurar que ele gostava de estar ali: que ele era um grande apreciador do assunto, isso era público – as melhores notas dele sempre foram em poções e seu bom desempenho não se devia apenas à proteção de Snape. Mas tinha algo mais; era como se ele apreciasse a companhia dela, a sua habilidade em fazer poções.

Algumas vezes, Gina chegava a perder a noção do tempo preparando misturas silenciosamente com ele, entre caldeirões fumegantes e ingredientes nojentos. Eles se entediam sem sequer uma palavra quando o assunto era poções. E então ficavam horas a fio nesse ritual ritmado e metódico do preparo poções. Nesses momentos ela nem conseguia lembrar do quão odioso ele podia ser quando queria.

Mas só nesses momentos.

E então ela recuperava a sanidade e o bom senso, se convencendo de que ele ia à Loja Woodcroft apenas por deveres do ofício. Ainda que ele fosse um funcionário gabaritado no Ministério - e que em teoria não devia fiscalizar e retirar poções de simples fornecedores, mesmo os mais exclusivos como Ginevra de Woodcroft - a fama dele de linha dura explicava, pelo menos em partes, o comportamento centralizador. E isso não combinava em nada com o Malfoy que ela havia conhecido.

Mas a pergunta a se fazer era: O quanto havia sobrado daquele garoto pálido que ele atingira com uma azaração para rebater bicho papão, quase dez anos atrás? Ele ainda era o Malfoy que ela conhecia?

Havia ainda os momentos sombrios em que Gina sentia que ele estava lá para investigá-la. Ele sabia que tinha algo errado com suas poções e certamente já havia identificado o padrão de ataque das armas da Resistência. Ele seria capaz de somar dois mais dois?

Ela não queria saber a resposta.

Gina suspirou alto, sentindo que nunca ia obter a razão do porquê Draco Malfoy insistia em não morrer, junto com seu passado.

"É, ele causa mesmo esse tipo de reação, não é?" A jovem deu uma risadinha, interpretando o suspiro de Gina de forma errada.

"Não é nada disso! Bem, é só... Ah, esqueça." Ela deu de ombros, já se preparando para enfrentar o dragão. Mudou de ideia no meio do caminho e se virou para responder. "E se quer saber, ele não é nem bonito, com aquele rosto pontudo e tudo mais." Ela falou, gesticulando para dar ênfase ao seu julgamento.

A jovem deu uma sonora gargalhada. "Não parece mesmo um deus grego. Mas não é só isso que conta, não é? Aquele ali tem charme! Deve dar um parceiro e tanto para certas atividades!" Falou dando uma piscadela cúmplice para Gina e se virando, em direção ao caixa, deixando Gina vermelha, sem nenhuma razão aparente.

Gina chegou na sala em que preparava poções meia hora depois.

Havia deixado-o esperando de propósito, um capricho em nome da agressividade dos velhos tempos.

Ele estava sentado de braços cruzados numa cadeira num canto da sala, de pernas cruzadas elegantemente. Um pé balançava sistematicamente, indicando que ele estava impaciente. Sua capa preta se arrastava sobre o chão reluzente do laboratório de Gina e ela ficou com pena dos elfos que deveriam lavar as roupas dele. O cabelo, ainda mais longo do que Gina acharia razoável, caíam sobre os olhos cinzas e, somado ao leve ar emburrado, formavam a imagem de uma criança mimada esperando por uma atenção que não viera na hora esperada.

Ela teve que morder o lábio para não dar risada da cara dele.

"Desculpe a demora, Sr. Malfoy. Sabe como é, os clientes costumam dem..." Ela começou a dizer.

"Não estou interessado nos seus clientes." Ele a cortou, se levantando emburrado. "Podemos começar?"

Gina ficou levemente contrariada, mas ainda estava sobre o efeito do bom humor causado pela risada mal contida.

"Claro que sim." Ela respondeu, solícita. "Desde a última vez que você esteve aqui, desenvolvi mais um jeito eficaz do preparo de algumas das poções que discutimos. Gostaria de ver?"

Ele assentiu silenciosamente e assim eles passaram as duas horas seguintes, discutindo sobre as propriedades de ingredientes e qualidades de marcas de caldeirões. Tudo era mais fácil, quando estavam naquela sala, como se não existissem guerras, fingimentos, problemas.

Ficavam lado a lado e a figura dele, por vezes, a intimidava. Ele realmente estava do tamanho de Rony e, usando o irmão como referência, devia ter perto de 1,85 de altura. Gina nunca se sentira intimidada por homens grandes - dado o tamanho dos seus irmãos -, mas desde que pudesse usar uma varinha contra eles e não fosse parar em Azkaban por isso.

Malfoy apenas observava atentamente o que ela fazia; o movimento das suas mãos cortando, picando e amassando parecia hipnotizá-lo. Ela sentia os olhos cinzas pairarem sobre os gestos, como se ele estivesse vendo alguma dança altamente chamativa. Ela estava ficando tensa diante da muda atenção, que só parecia crescer com o passar das 'visitas'.

Ele estava tentando descobrir alguma coisa ou simplesmente deixá-la incomodada?

"Sei que não é muito agradável..." Ela falou, se referindo à lesma que picava com destreza com uma faca de prata, para quebrar a tensão.

Ela podia perceber algumas coisas dessa versão adulta do inimigo sonserino.

Draco Malfoy era um homem muito calado, que desconfiava - e não gostava - das palavras, como se elas fossem armadilhas mortais e não uma forma de comunicação. Onde e como ocorreu a transição do garoto falastrão e exibido para o adulto taciturno e desconfiado, Gina não saberia dizer. Ele se utilizava do silêncio do mesmo que jeito que as pessoas normais se utilizavam da linguagem. E isso a deixava alarmada, uma vez que ela tinha crescido n'A Toca, o reduto mais barulhento de Ottery St. Catchpole.

Quando ele abriu a boca, Gina foi pega totalmente desprevenida.

"São muito bonitas..." Ele falou distraído, ainda olhando para as mãos dela.

Ela parou abruptamente e ele percebeu que havia pensado em voz em alta, mas já era tarde. Um leve rubor deu um tom rosado para o rosto pálido.

"As lesmas! As lesmas são bonitas de se olhar." Ele se atrapalhou, parecendo muito menos perigoso do que realmente era. Ainda assim, tentou manter o tom arrogante na voz, o que deixou a situação ainda mais engraçada para Gina.

Gina sorriu abertamente pela primeira vez, se esquecendo de todos os problemas que a doninha branquela poderia lhe trazer.

"Sim, são. Principalmente por causa da viscosidade e da falta de articulação." Ela disse, já não contendo a risada.

Ele se recompôs bravamente; se afastou com toda sua dignidade que restava, encostando-se em um armário com utensílios, cruzando os braços. E, com uma frase, apagou todo sorriso do rosto de Gina.

"Sabe, eu estive pensando sobre a Poção Erumpente..." Ele deixou a frase no ar, para medir a reação de Gina. Ela se manteve estática, concentrada na 'beleza' da lesma. "Talvez pudéssemos deixá-la mais forte."

É claro que podemos deixá-la mais forte, idiota!É isso o que eu venho fazendo há anos para a Resistência! Ela pensava freneticamente, tentando arranjar um jeito de sair satisfatoriamente da situação.

"Ah é? Como?" Ela perguntou, fingindo estar distraída. E isso era difícil, quando suas costas começavam a suar.

"Podemos acrescentar ovos de fada para deixar a poção mais estável e aumentar o tempo de preparo. Se expusermos a mistura a temperaturas mais elevadas, durante mais tempo, é provável que consigamos extrair melhor o sumo dos outros ingredientes." Ele parecia satisfeito com sua idéia.

Ela fez um esforço descomunal para não deixar transparecer nada do seu desespero. O problema era justamente o fato de ele estar certo. Justamente o fato de ela fazia essa exata combinação para melhorar o desempenho da poção. Precisava distrai-lo, ganhar tempo,respirar.

Então, a despeito do seu bom senso, ela resolveu jogar sujo.

"Sr. Malfoy, pode vir aqui um instante?" Gina perguntou, ignorando a sugestão dele.

Ele estranhou por um instante e levantou uma sobrancelha, mas seguiu até o lado dela.

"Acha que essa lesma está mesmo no ponto para o corte? Note como a viscosidade dela não é a ideal. O que você acha?" Obviamente a ideia o desagradava, mas ele se aproximou mais lateralmente, se abaixando um pouco para ver o pobre animal. Ele fez uma careta.

"Parece estar tudo certo com ela." Draco disse, a contragosto.

"Não, não. Assim você não está no ângulo certo! A luz não está incidindo corretamente na lesma. Fique atrás de mim, assim vai conseguir ver melhor." Ele se posicionou atrás dela, visivelmente contrariado. "Assim está melhor. Está vendo agora? A tonalidade está estranha e parece que foi contaminada por alguma espécie de fungo…"

Nem prestava mais atenção no que ela mesma dizia, sentindo a presença dele atrás de si. Tinha certeza que ele tentava olhar por cima do seu ombro, também incomodado pela proximidade indevida. Gina não pôde evitar se lembrar das palavras de Blaise Zabini, ditas tantos anos atrás. Ou talvez ele apenas não tenha jeito com as mulheres.

"Está bem aqui, olhe." Ela se afastou da mesa com o 'intuito' de deixá-lo ver melhor e chegando mais próximo ainda do corpo dele atrás de si. O topo da sua cabeça roçou no queixo com a barba bem feita. "Ah, parece que o fungo está bem escondido…" Ela se abaixou, deixando seu quadril roçar levemente no de Malfoy. Ela sentiu que ele havia ficado mais tenso, se é que era possível.

Ela fechou os olhos, apavorada; precisava de um jeito de sair dali, antes que ele a agarrasse, a amaldiçoasse, a repelisse, risse da cara dela ou desmaiasse. Gina não sabia como reagiria a nenhuma dessas situações. Pegou uma espátula e fingiu tentar levantar o corpo da lesma morta. Então, como se a alavanca com a espátula tivesse saído do seu controle, jogou a lesma para trás, rezando para sua pontaria ainda ser a mesma.

Ainda era.

A lesma, no auge na sua viscosidade, atingiu Malfoy bem na testa e escorreu pelo lado direito do rosto, batendo nas caras vestes negras até cair no chão, deixando um rastro nada agradável e gelatinoso por onde passou.

Gina virou automaticamente, ficando frente a frente com a figura de preto, que tinha o olho direito fechado, devido à gosma esverdeada que cobria esse lado do rosto. O olho que ainda estava aberto, tinha a tonalidade do céu prestes a começar uma tempestade.

Gina começava a desconfiar que isso não era boa coisa. Nem a boca apertada numa linha fina.

"Hm, acho que não tinha fungo mesmo." Ela tentou soar natural, dando de ombros.

Ele inclinou o corpo, se aproximando mais dela. Gina ficou petrificada e fechou os olhos. Não tinha nada de covarde, mas sabia que tinha ultrapassado alguns limites daquela vez. Sentiu o rosto dele melecado grudar na parte direita da sua face e ouviu sua voz arrastada, particularmente baixa e ameaçadora, colada ao seu ouvido.

"Eu vou embora agora. Mas não ouse pensar que eu vou me esquecer disso. E nem da nossa breve conversa sobre o melhoramento da poção." Um arrepio percorreu o corpo de Gina de uma extremidade à outra, não sabia se pela ameaça ou pelo contato com o corpo de alguém – mesmo que fosse da doninha branquela-, depois de tantos anos.

Ele aparatou sem sequer olhar novamente para ela, com o rosto ainda sujo e o orgulho ferido.

Gina tirou um lenço da capa e limpou o rosto o melhor que pôde; depois de um momento, os vestígios da lesma tinham ido embora.

O único problema era aquele perfume que lhe era estranho, que insistia em não se desvanecer no ar, como seu dono.

Passaram alguns dias e Gina deu por esquecido o incidente, onde 'esquecido' significava 'proibido pensar'. Lidaria com Draco Malfoy quando fosse a hora; não ficaria sofrendo por antecipação.

Naquele exato momento, precisava de um jeito de fabricar um grande lote de poções para seus irmãos e enrolar o Ministério por mais alguns dias, até conseguir usar o lote que já tinha ali como matéria prima. Iria ter que trabalhar durante horas seguidas. Andava de um lado para o outro do escritório da pequena loja, como se a solução pudesse vir através dos passos que ela dava no chão de carpete. James, que aquela dia estava com ela no escritório, estava sentado na beira da sua mesa, balançando as perninhas enquanto abria embalagens e mais embalagens de sapos de chocolate, alheio as preocupações de Gina.

Ela olhou pela janela. A noite já avançava cerrada! Tinha perdido a noção do tempo… James já deveria estar na cama há horas! Se sua mãe soubesse que ela tinha esse tipo de descuido com os horários do seu filho, já teria enviado um berrador diretamente ao escritório de Gina, mandando às favas a guerra.

James a tirou dos seus pensamentos. "Mamãe! Olha a figurinha que eu achei!" James falou, depois de um sapinho de chocolate ter saltado, batido no pequeno nariz arrebitado do menino e pulado para fora do alcance dele. "Hen..." Ele começou a ler com dificuldade. "Hengisto de Woodcroft... Sei ler o nome dele, porque é o meu nome também…"Ele ficou pensativo e levantou aqueles olhos verdes e brilhantes em direção a ela, fazendo Gina sentir seu coração apertar, quando viu um brilho de esperança nos olhinhos que ela amava. "Ele era da nossa família?"

Gina desviou o olhar. Abriu e fechou a boca antes de responder. Quando havia tomado coragem para dizer qualquer palavra que distraísse James da pergunta, ouviu um vidro se quebrar no andar de baixo, onde ficava a loja e a sala de fabricação de poções. Inconscientemente, puxou sua varinha da parte interna da capa. Estava com as roupas que vestia usualmente na loja, usando uma saia que ia até joelho; aquelas roupas não iriam facilitar em nada se tivesse que lidar com algum gatuno. Ela suspirou e resolveu agir o mais rápido que podia.

"Meu amor, mamãe vai ter que descer para ver se tem alguma coisa errada lá na loja…"

"E se tiver algum monstro lá embaixo?!" o menino a interrompeu alarmado, subitamente esquecido da pergunta sobre a família.

Gina teve que sorrir. "Se houver um monstro, eu vou fazer questão de dizer a ele para se retirar da nossa loja e ficar longe do meu filho." Ela beijou o topo da cabeça do garoto.

James esboçou um sorriso. "Se eu fosse o monstro, não provocaria você." Ele completou, dando uma risadinha, certamente lembrando-se dos momentos em que Gina deixava seu mau gênio aflorar.

"Engraçadinho." Ela disse em tom de falsa repreensão e abraçou o menino antes de sair do escritório.

Desceu as escadas o mais silenciosamente que pôde, aguçando seus instintos para tentar ouvir o que acontecia. Ouvia um leve barulho de passos vindo da sala de fabricação de poções. Precisaria ser cautelosa agora: dava um passo silencioso atrás do outro; sua agilidade tipicamente felina a colocava em vantagem em relação aos seus oponentes. Saiu do ambiente onde as poções estavam expostas e seguiu para a sala de poções, onde as misturas eram também engarrafadas.

Estava muito escuro, mas ela não se atreveu a usar sua varinha para iluminar o ambiente e chamar atenção para si; abriu a porta sorrateiramente e entrou devagar, pisando no chão sem fazer barulho, até que sentiu um braço enlaçar sua cintura.

"Você não é tão esperta quanto pensa, viuvinha." Ela sentiu um homem alto e forte com hálito de firewhiskey falando perto da sua orelha. Controlou a repulsa natural e com agilidade soltou o braço livre e deu uma cotovelada certeira no nariz do homem. Ele a soltou na mesma hora, com um grito abafado de dor e ela pôde correr para atrás de algum lugar para se proteger. Ela passou derrubando armários com a varinha para dificultar a passagem do seu aniversário. "Sua puta! Vai pagar por isso! Está me ouvindo, sua vadia?!"

Gina estava ofegante, mais pelo susto do que pelo esforço. Na penumbra do ambiente não conseguia ver nada, só vislumbrar contornos de móveis e o brilho dos vidrinhos com poções. Por que, em nome de Merlin, aquele infeliz estava ali?

Ela viu o jato de um feitiço verde passar pela sua cabeça e ricochetear na parede, onde fez um buraco com um barulho considerável. Ela respirou fundo e tentou adivinhar onde o troglodita estaria. Lançou um feitiço estuporante, mas não acertara nada.

O idiota tinha que estar encurralado no canto da porta. Gina tinha fechado um lado com móveis caídos, que denunciariam a posição dele, se ele tentasse se mexer. Do outro, havia os pesados armários nos quais ele esbarraria se tentasse passar por ali. Gina conhecia à sala de olhos fechados após tanto tempo trabalhando dia e noite ali.

Foi como ela previra: ele se precipitara pelo único caminho possível para ele. Gina deu a volta, sabendo que daria de cara com ele. Notou vagamente que ele tinha um corpanzil desproporcional, como se fosse um gorila e estava ofegante, como se persegui-la dentro daquele ambiente relativamente pequeno já tivesse demandado esforço. Ela sorriu; acabaria com aquele idiota.

Apontou a varinha para o sujeito, que parou repentinamente. Gina se aproximou e a varinha dela se afundou na banha que o homem tinha embaixo do queixo. O homem estava mascarado como um maldito Comensal da Morte, mas suas vestes tinham a insignia de um funcionário do Ministério. Ela quase conseguiu rir da ironia: Ministério ou Comensais, dava no mesmo hoje em dia.

"Eu estava ouvindo. Mas ainda estou esperando para saber como vou pagar." Ela falou, sem esconder a raiva na voz e afundando mais a varinha no pescoço do homem. Ela sentiu que ele tremeu levemente e se preparava para imobilizá-lo, quando foi interrompida.

"Talvez não precise esperar muito, moça." Uma voz falou atrás dela. Ela virou o rosto bruscamente e encontrou mais dois mascarados. E, para seu desespero, um deles trazia James, flutuando e amarrado atrás de si. Gina gemeu. "Solte sua varinha." Um dos novos mascarados falou e ela obedeceu prontamente.

James estava com os olhos tão grandes como dois pratos verdes; estava todo amarrado e amordaçado, como um animalzinho. Gina sentiu uma raiva absurda crescer dentro de si.

Aproveitando a distração dela, o homem grande a sua frente inverteu as posições e, com um safanão, jogou Gina contra a parede, enquanto dava um chute na varinha, para afastá-la da sua dona. Gina bateu a cabeça na parede, quado ele se projetou para a frente e pressionou o corpo dela contra a parede.

"Vamos ver o que é capaz de fazer sem sua varinha." Ele apoiou o peso do próprio corpo nela e a pressionou ainda mais; sua boca estava bem perto do ouvido dela. "Aposto que você pode ser bem dócil, com o devido tratamento." Vagamente, Gina viu James tentando se soltar das cordas e tentar falar alguma coisa, mas sua voz foi abafada pela mordaça.

"Goyle, chega. Isso só traria mais problemas." O outro homem, que prendia James, falou. Gina viu ele se virar para o outro acompanhante, mais baixo e também mascarado. "Vá pegar o que viemos buscar." O homem mais baixo saiu do seu campo de visão e, algum tempo depois, ela pôde ouvir o barulho das coisas reviradas. Estavam atrás das suas poções. Agradeceu a Merlin por não ter começado a fazer as poções para a Resistência; tinha só alguns frasquinhos com ela, o que não era suficiente para incriminá-la de nada, ainda que fosse suficiente para alguém com mais inteligência fazer as associações corretas. Certamente não alguém como Goyle. Mesmo depois de tantos anos, aquele idiota ainda aparecia para infernizar sua vida.

"Não é dessa vez que teremos nossa conversinha, docinho." Ele havia se afastado um pouco, mas ela ainda podia sentir o hálito detestável na sua bochecha. "Dá próxima, a gente termina o que começou." ele passou a mão por toda a parte externa da sua coxa, levantando sua saia no processo e causando uma onda de repulsa que percorreu todo o corpo de Gina.

O mau gênio saiu do controle de Gina; ela virou diretamente para o grandalhão mascarado e cuspiu tão forte que faria os irmãos se sentirem orgulhosos. O jato de cuspe o atingiu no olho, escorrendo pela máscara – e por dentro também, ela supôs com satisfação.

"Sua vadia!" Ele puxou Gina pelo braço e a jogou no chão. Ela tentou procurar a varinha com os olhos, mas o escuro impossibilitava qualquer ação nesse sentido; tentou se levantar, mas Goyle apontou a varinha direto para ela. "Crucio!" Ele berrou e a última coisa que Gina viu antes de cair novamente no chão foi o rosto aterrorizado de James.

Ela nunca tinha passado por aquilo. Parecia que estava sendo desmembrada. Como se a pressão do ar tivesse aumentado exponencialmente, fazendo seus órgãos explodirem. Não era possível respirar, se mexer ou reagir. Só gritar.

E ela gritou da primeira vez. Da segunda vez que foi atingida pela maldição, apenas gemeu dolorosamente. Na terceira, ela não viu mais nada.

Ela abriu os olhos lentamente, incomodada pelos primeiros raios de luz que se infiltravam pela janela da sala de poções; fechou-os novamente, fraca demais até para realizar os movimentos mais simples. Sentia que tinha sido atropelada por uma manada de testrálios; todas as terminações nervosas do seu corpo estavam hipersensíveis e ela tinha a impressão que qualquer movimento fosse descolar os músculos dos ossos. Permaneceu ali, flutuando entre a consciência e a inconsciência, ouvindo vozes que pareciam vir de longe…

"Já pegamos tudo? Temos que ir embora rápido! Se as pessoas erradas do Ministério descobrirem que estivemos aqui…" Um dos invasores deixou a conclusão da frase no ar.

"O Malfoy está sendo muito frouxo com essa aí." Ela reconheceu a voz odiosa de Goyle. "É mais do que justo pegarmos todo o estoque de poções dela. Ela sempre enrola o Ministério para entregar as poções e não podemos nos dar ao luxo de ficar sem as poções dela contra a Resistência, não depois do último ataque deles. Não esqueça que não estamos dando conta de prepará-las nós mesmos."

"E se ela abrir a boca?"

"Não vai abrir. Não se tiver um pouco de juízo na cabeça. Nós somos a Lei agora." Goyle falava com orgulho, que revirou o estômago já debilitado de Gina.

"O que vamos fazer com o menino?" Essa era uma voz diferente.

"Apenas deixe-o aí. Já pegamos o que viemos buscar."

Gina tentou abrir o olho novamente, mas uma série de caixas – suas poções – bloqueavam sua visão; eles já se preparavam para partir, levando-as. Estava perdendo a consciência de novo e sentia vontade de gritar pelo filho, saber onde ele estava, se ficaria bem.

E foi com esses pensamentos desesperadores que ela mergulhou na penumbra da inconsciência mais uma vez.

Gina acordou plenamente com os bracinhos de James envolta de si e o rosto dele sobre a sua barriga. Ele soluçava dolorosamente e, ao ouvir, ela quase soluçou com ele.

"Está tudo bem, meu amor. Mamãe está aqui." Ela falou com a voz rouca e cansada, tentando acalmar James, que chorava copiosamente. Olhou para os pulsos do garoto que pareciam estar quase em carne viva. Nunca vira um feitiço como aquele. Com uma criança ainda! Ela se sentou com muita dificuldade, pondo James no colo, balançando-o como ela fazia quando ela ainda era um bebê.

"James, olhe para mim." Ela ergueu o rosto do menino com um leve toque no queixo. Ele estava com os olhos verdes inchados e brilhantes com as lágrimas que caiam. "Eu prometo que nunca mais alguém vai te machucar ou te assustar assim. Você está me ouvindo?"

James parecia ter bem menos do que os seus seis anos quando respondeu baixinho. "Eu sei que você vai me proteger, mamãe." Ele abafou o rosto contra seu colo, como se tivesse encabulado pela sua próxima afirmação. "Só não queria mais ter medo."

Ela o apertou com mais força contra si.

Naquele dia ela tinha sido humilhada, tinha sofrido com maldições imperdoáveis, havia apanhado, tinha sido roubada descaradamente. Mas nada havia machucado mais do que ver seu filho naquele estado.

Ela ficou ali sentada com James colado a si durante muito tempo, até que o menino adormeceu no seu colo.

Quando o dia raiou, Ginevra de Woodcroft já tinha delineado um plano ambicioso. E perigoso.

Um plano que certamente Gina Weasley reprovaria com todas as suas forças.

Porém, se tudo corresse como ela queria, ela e seu filho estariam protegidos. E essa era a única coisa que sempre havia importado.


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