“Você ainda estaria lá quando eu acordasse? Ainda estaria lá, Kaito?

Apesar de entender plenamente tudo que acontecia ao meu redor, eu não pude deixar de entregar-me à correnteza e ser gentilmente arrastado até o fundo desse mar de mentiras. O barulho das ondas batendo contra as rochas e destruindo toda a realidade era provocante demais para resistir, então apenas deixei que a loucura chegasse, tomando conta de tudo. Tomando conta de nós dois.

Na primeira vez que nos encontramos, suas palavras eram tão poucas e breves, eu não podia deixar de continuar falando, tentando ao máximo fazê-lo dizer algo mais, apenas para escutar sua doce voz, nem que fosse por breves instantes. Depois disso encontramo-nos varias outras vezes. Uma delas foi na casa de uma amiga minha, ela disse-me que apresentaria alguém especial, seu noivo. Nesse dia ela me apresentou você. Uma pessoa adorável, um tanto reservada, mas sempre o mais educada possível. Ela repetiu isso tantas vezes, que por alguns segundos não pude deixar de concordar, entretanto o Kaito que eu conhecia era um tanto diferente do que ela falava. A educação era algo desnecessário, e os gemidos e pedidos luxuriosos não eram tão reservados. Ao menos você continuava adorável.

É muito estranho eu estar escrevendo isso agora, que se dane, é como se o papel pudesse, de alguma forma, compreender as coisas que nem mesmo eu compreendo. Talvez compreender a forma caótica que tudo pareceu tomar, talvez compreender a tragédia do final, ou apenas escutar calmamente tudo o que tenho a dizer, tudo o que a caneta em borrões negros confessa.

Acho que sempre fui perfeccionista, até mesmo essas palavras escritas furiosamente são perfeitas. Você sempre foi a mais bela perfeição que encontrei, uma obra de arte. Uma obra de arte que pertencia apenas a mim, não deveria olhar para pessoa alguma além de mim e também não deveria ser admirado por outros, não deveria casar. Acho que fomos o tipo de conto de fadas que não deu certo.

As coisas não mudaram tão rapidamente. Aquele foi apenas o intermezzo de nossa tragédia. Provavelmente tudo ficaria bem, talvez nos tornássemos amantes. Mas o que seria de uma peça sem o clímax? Não posso deixar de rir ao pensar nisso. O fato de que não havia apenas nós dois na trama e que os personagens secundários podem ter línguas tão ferinas quanto o maior dos vilões. Rapidamente o povo assumiu sua principal tarefa: espalhar rumores. Rumores que se espalharam como fogo, em algumas semanas sua tão 'amada' noiva estava na porta da minha casa, motivo? Explicações. Ela simplesmente não entendia o porquê de todos estarem falando que seu noivo estava indo para a cama com outro homem, e o porquê desse outro homem ser eu. Adoraria ver sua cara enquanto eu tentava calmamente explicar para ela que nada disso nunca havia acontecido, entretanto acho que seu sorriso desapareceria quando perdi totalmente a paciência com ela e joguei toda a verdade em sua cara. Ela saiu correndo e xingando. Uma cena muito peculiar.

Depois daquilo, não demorou muito. Família e amigos já estavam todos atualizados sobre as novas. Ainda me surpreendo o quão o ser humano pode ser estúpido, esmagando qualquer beleza que encontra no caminho, e não haviam exceções nem mesmo para nós.

Mesmo eu sempre tentando ser o mais gentil possível com você, não pude deixar de gritar de volta para você no celular naquele dia. 'Acabar com tudo'. Aquelas palavras não faziam o menor sentido para mim. Tudo que consegui fazer foi te escutar por alguns instantes, quando finalmente compreendi o que dizia conheci o mais puro ódio. Mais por mim mesmo do que por qualquer outra pessoa. Eu deveria saber que aquilo aconteceria mais cedo ou mais tarde, deveria saber que aquilo terminaria.

Se fosse para acabar com tudo, então eu acabaria com nós dois também.

Então as cortinas caíram, anunciando o final da tragédia.

Infelizmente eu ainda estou aqui nos bastidores.”

Kamui Gakupo fechou os olhos por um segundo, olhando para o papel a sua frente. Era a primeira vez que fazia algo do gênero. Levantou-se calmamente e foi até a janela, sentindo a brisa refrescante contra sua pele.

Aquela seria a noite em que as cortinas cairiam para ele também.