A Bella e o Monstro escrita por Leprechaun


Capítulo 9
Capítulo 9


Notas iniciais do capítulo

Consegui postar antes do previsto...



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Quando estramos na casa, Gianna se apressou em tirar minha capa. Moveu-se para a esquerda, para uma grande e arejada cozinha, e parou perto da janela que dava para o jardim da frente. Acompanhei o olhar dela, observando Edward e Jasper cuidarem dos cavalos.

— Ele é bom com os animais — Gianna disse, com orgulho. — Alguém esperaria isso de um homem que viveu tanto tempo no mar?

— Quanto tempo ele ficou no mar? — perguntei. Embora tentasse me convencer de que apenas queria obter informações sobre o inimigo, a verdade era bem outra. Queria desesperadamente conhecer Edward. Ele me intrigava e despertava emoções intensas no meu coração. Ele me fazia me sentir diferente, e não alguém definido pela perna defeituosa ou pelo papel de filha do estalajadeiro. Com Edward, eu não era a pobre Isabella, aleijada e digna de pena. Ele me enxergava como pessoa.

— É melhor que pergunte a ele a respeito dos seus anos no mar. — Gianna se ocupava em ajeitar a louça para o jantar. — Você não acha que ele deveria ter me contado sobre o casamento? — resmungou, entregando-me uma pilha de pratos.

Os peguei com cuidado. Eram de porcelana, notei, com lindos detalhes florais. Mancando, fui até o cômodo adjacente, a sala de jantar.

— Não sou esposa dele — disse, dispondo os pratos na mesa. — Sou apenas uma criada. Uma escrava. Ele me comprou e pagou. — Estremeci. As palavras soavam muito pior quando ditas em voz alta.

— Criada?

Erguendo os olhos, vi Gianna parada à porta da cozinha lançando-me um olhar interrogativo.

— A vida o ensinou a nunca fazer nada sem uma boa razão. Se você é criada dele... Bem, ele a tratará bem. Tudo dará certo no final, criança. Guarde minhas palavras.

Sensibilizada, piscando para não chorar, coloquei o último prato sobre a mesa.

Gianna achava que tudo daria certo no final, mas senti o desespero começar a me atormentar. Edward realmente me tratava muito bem e não precisei me proteger dele.

Era apenas meu coração que precisava de proteção, pois estava irremediavelmente atraída pela força e gentileza que ele demonstrava. Senti também a necessidade de cuidar dele crescendo dentro de mim.

— Estou apenas dizendo que ele não será uma ameaça para você — Gianna insistiu.

Maneei a cabeça diante da convicção da mulher. Como continuei em silêncio, Gianna prosseguiu:

— Bem, você o ouviu rir, o que é raro. Aposto que gosta de você.

Talvez, pensei. Como poderia gostar de qualquer outra propriedade.

— Ele não pode. Eu...

— Aqueles meninos querem comer, querida. Termine de pôr a mesa. Os talheres estão naquela gaveta.

Seguindo as instruções, abri a gaveta e fiquei pasma. Os mais finos talheres que já havia visto ou imaginado, ali, naquela humilde casa. Que ação trouxera tanta riqueza para aquelas pessoas? Certamente, não ações honestas, pois apenas um garfo daquele compraria alimento por um ano. Que tipo de mulher era Gianna McCarty?

Ouvi o som de rodas na estrada, seguido por um grito de homem. Olhei pela janela e vi uma grande carroça puxada por dois cavalos se aproximando da casa. Confusa, franzi a testa. Parecia a carroça que estava na Hospedaria Ephraim carregada de barris.

O cocheiro gritou um cumprimento e o segundo homem desceu da carroça. Meneou a cabeça, cumprimentando Edward com respeito e reverência, mas havia algo na postura dele que me chamou atenção, talvez o andar orgulhoso e a arrogância.

— Aqueles são os meus meninos — Gianna disse. — Seth é o que está na carroça, o mais moço, e Emmett é o meu bebê. Um pouco selvagem. Puxou ao pai, Deus proteja sua alma. — Suspirou. — Bem, é bom eu pôr a comida na mesa. Homens detestam esperar pela comida. Ficam irritados.

— Não tanto quanto ficam irritados esperando pela bebida — repliquei.

— E como sabe disso?

— Ajudei meu pai no bar desde pequena.

— Bar... — A mulher arregalou os olhos e sua expressão mudou. — Eu devia ter imaginado. Você é ela. A garota do estalajadeiro...

— E a culpa disso não é dela.

O som da voz de Edward me fez estremecer e me virei para vê-lo à porta. Contra a vontade, meu coração traiçoeiro disparou. Ele afastou uma mecha de cabelo que caíra sobre a testa com um gesto de impaciência, e lançou a Gianna um olhar sombrio.

A mulher recuou e colocou as mãos atrás das costas.

Em silêncio, notei que um dos homens carregava um barril sobre o ombro. Eles estavam descarregando a carroça. Edward também carregava um barril.

— Vamos, mamãe está com o almoço pronto. — Emmett passou por Edward e olhou de soslaio pra mim. — Bem, quem temos aqui? — perguntou.

Eu senti um arrepio sob aquele olhar.

— Não me diga que está amarrado, homem! — exclamou ele, voltando-se para Edward.

— De certa maneira.

Percebendo que era observada por Emmett , ergui o queixo e os ombros. Tinha conhecido gente pior do que Emmett McCarty na minha vida e sabia que a coisa mais tola a fazer seria me encolher e demonstrar medo.

— Ah, bem, você poderá me contar enquanto comemos. — Emmett deu de ombros e atravessou o estreito corredor para desaparecer por uma porta.

Edward me olhou durante um momento, sua atenção deixando-me ainda mais confusa. Logo em seguida, também entrou na casa. Os dois foram seguidos por Seth e Jasper . Pela janela, observei até a carroça ser esvaziada e os homens darem a volta na casa, desaparecendo de vista.

Depois de se certificar de que Gianna estava ocupada com suas panelas, dirigi-me a uma sala de visitas, onde havia duas poltronas e um grande sofá. Em uma das paredes, uma enorme lareira. Não havia sinal dos barris e, aparentemente, também não havia outra saída. Confusa, olhei ao redor, mas não vi nenhuma evidência do carregamento do contrabando.

— A curiosidade matou o gato — Edward sussurrou no meu ouvido, a voz baixa e grave.

Assustada, gritei e me virei para ele.

— Aqui está você, Bella, curiosa como qualquer bichano.

— Eu estava apenas...

— Curiosa — ele completou.

Por um momento, eu não disse nada, o coração disparado, mas, por fim, acabei concordando.

— É. Acho que estou.

— Qual é a sua curiosidade? — ele perguntou, sorrindo.

Dei um passo para trás, e mais outro, na sala quase vazia. Edward avançava em minha direção a cada passo que eu dava. Deixando uma das poltronas entre nós dois, meneei a cabeça.

— Vamos. Pergunte o que quiser, doçura.

A lembrança do olhar que ele me endereçou na carruagem quando perguntei quem tinha assassinado James retornou à minha mente.

— Você é contrabandista? — perguntei por fim, olhando-o fixamente.

Edward deu um sorriso de predador, exibindo os dentes brancos e perfeitos.

— É claro. Como todos em Forks.

— Você não é de Forks.

— Mas faço minha cota de contrabando.

Bem, eu não deveria ter feito a pergunta se não quisesse ouvir a resposta. Esperei uma negação e agora não sabia o que dizer. Senti-me angustiada.

Imaginei por que Edward não mentiu em vez de assumir a culpa com tanta displicência. Não temia que eu fosse às autoridades para denunciá-lo? Ou tinha convicção de que eu nunca escaparia? Ele estava enganado.

— Não gosto de contrabandistas — sussurrei.

Por um momento, eu tinha novamente doze anos de idade e voltava para casa antes do crepúsculo. Um homem me pediu informações e eu, uma garota tola, havia parado para atendê-lo, confiando em um estranho, um contrabandista, descobri depois. Fui atirada contra as pedras, minha confiança e ingenuidade destruídas como porcelana. Não serviu de consolo saber que o mar tinha clamado pela vida daquele homem, pois as mesmas ondas agitadas haviam tomado a vida da minha mãe. Ela tinha saído à minha procura e me encontrara lutando com o contrabandista, meu vestido rasgado, minha pele exposta. Enquanto a tragédia transcorria, minha mãe havia atacado o homem com os punhos e com unhas e dentes, e nós três tínhamos sido sugados pelo mar. Apenas eu sobrevivi. A culpa por aquilo era um fardo que eu sempre carregaria.

Cruzei os braços sobre o peito, sentindo-me gelada como se estivesse no fundo do mar.

— Contrabandista. Pirata. Embora eu prefira o termo corsário — ele afirmou, sem nenhum remorso. — Comerciante é ainda melhor — acrescentou, jocoso. — Mais alguma coisa?

É um destruidor de navios? Não, eu não faria aquela pergunta, pois tinha medo da resposta. Considerar a possibilidade já era uma tortura, e não gostaria de ver minhas suspeitas confirmadas. Portanto, me controlei e apenas perguntei:

— Onde estão os barris?

— Escondidos até que eu precise deles.

— Por que me conta isto? Eu poderia denunciá-lo.

— Aos cobradores de impostos?

Aproximando-se, ele passou o dorso da mão em meu rosto e roçou meu lábio inferior com o dedo, antes me agarrar pelos pulsos, prendendo-os atrás das minhas costas, de uma forma que quase beirava a dor. Oh, o modo como me olhava! Com voracidade, com olhos de caçador, de um assassino. A minha respiração era pouco mais do que atormentados suspiros e o sangue gelava em minhas veias.

— Você me denunciaria, Bella? — Aproximou-se ainda mais, a voz rouca e profunda. — Gostaria de me ver enforcado? De ouvir o barulho do meu pescoço se fraturando? Sentiria prazer em ver meu rosto ficar vermelho e minha língua inchar?

Senti meu estômago revirar ante a cena horrível que ele descrevia. Consegui visualizar a multidão ansiosa pelo enforcamento, o cheiro dos corpos sujos e do medo.

Me afastei, agarrando às costas da poltrona para me manter de pé. Amaldiçoei minha vivida imaginação e meu coração, que não se conformaria com a morte dele. Não podia imaginar, porque aquela visão era tão terrível.

— Por que eu deveria me importar com o seu destino? —perguntei. — Não é meu inimigo, o homem que virou meu mundo do avesso?

Ou seria ele o benfeitor que me salvou dos demônios que me perseguiam nos sonhos? Erguendo os olhos para fitá-lo, soube por que não podia aguentar a ideia de vê-lo enforcado. Aquele belo homem representava meus sonhos, com o rosto perfeito, a alma ferida e o ar mortal, que eu temia e ao mesmo tempo me fascinava. Ele era o príncipe das minhas fantasias de criança transformado em um homem com os próprios demônios. Como eu. Ele também carregava um terrível sentimento de culpa. Eu podia sentir.

Se eu pudesse redimi-lo, talvez também me redimisse.

— Eu paguei a conta antes de cometer o crime. Vejo minhas ações como uma forma de equilibrar a balança — ele disse.

— Não entendo —balbuciei.

— Eu sei. — Ele sorriu. — Além do mais, doçura, mesmo que você me denunciasse, necessitaria de provas do meu crime, e você não as encontrará. — Ele parecia ao mesmo tempo ameaçador e jovial.

Uma incrível e perturbadora combinação.

Nos dois dias que se seguiram, trabalhei lado a lado com Gianna na cozinha e no jardim. Com as mãos ocupadas, concentrava-me nos afazeres domésticos, afastando da minha mente as incertezas a respeito do futuro. Apesar da desconfiança que Gianna demonstrou ao descobrir minha identidade, ela era amigável e gentil.

Edward cavalgara na primeira manhã ao lado de Jasper. Não disse para onde iria ou o que faria, mas tinha dado instruções específicas para que não me afastasse da casa.

— Você sabe atirar? — ele perguntara.

Diante da confirmação, tinha me entregado uma arma e avisado que eu tomasse cuidado, pois estava carregada. Esme havia me ensinado a atirar depois da morte da minha mãe, para que eu não ficasse indefesa novamente.

Não tive motivos para duvidar dos avisos de Edward. Mais de uma vez, notei que Emmett me observava com um olhar suspeito. Desde então tomei cuidado para evitar sua companhia.

Na manhã do terceiro dia, me levantei disposta. Edward tinha retornado no dia anterior. Ao vê-lo chegar, não consegui desviar o olhar, nem conter a alegria. Após arrumar o quarto, decidi caminhar um pouco. Sabia que, se não exercitasse a perna doente, pagaria o preço da imobilidade e da dor. Atenta à recomendação de Edward para que não me afastasse, dei apenas alguns passos e voltou ao pátio.

— Bela manhã.

Assustada, ergui a cabeça e vi Emmett encostado na parede da casa, observando-me.

— Sim, é uma linda manhã — respondi.

— Está tomando um pouco de ar? — perguntou, desencostando-se da parede e se aproximando.

— Sim, estou.

Nossos olhares se cruzaram. Nos anos em que trabalhei no bar com papai, sempre conheci homens daquele tipo, que fingiam um comportamento jovial, mas tinham um prazer secreto em tiranizar e amedrontar as pessoas. Decidida a não demonstrar medo, prossegui:

— E, se você se afastar do meu caminho, concluirei meu passeio.

— Passeio... — ele zombou. — Não há nada para você ver nesse caminho. — Inclinou-se, ameaçador. — Uma garota esperta ficaria no quarto, mantendo os olhos na própria cabeça.

Instintivamente, recuei.

— E onde mais meus olhos poderiam estar a não ser na minha cabeça? — perguntei, olhando para a faca na cintura dele.

De repente, lembrei-me da mulher morta na praia e de suas órbitas oculares vazias. Suspirando, dei outro passo para trás, pressionando os dedos contra o pescoço no momento que detectei uma centelha de maldade em seu olhar.

— É bom ver que você levou meu aviso a sério — ele disse, passando os dedos pelo cabo do punhal. — Rosalie. O nome dela era Rosalie. Era uma garota curiosa e acabou morta.

Aquelas palavras não deixaram dúvida. Senti náusea e um frio que chegou até meus ossos. Agarrando a saia com as mãos, vacilei, a boca seca, o coração disparado. Queria fugir dali. Teria sido Edward quem o incumbira daquela brutal missão?

— Por que... Por que me contou isso?

— Sei que você anda bisbilhotando aqui e ali, procurando por coisas que não lhe dizem respeito. Você já custou a vida de um homem.

Ele falava de James e me culpava por sua morte. Por quê?

— Eu... — Ao olhar por sobre meus ombros, Emmett fechou a boca.

Um movimento chamou minha atenção, virei a cabeça para ver Edward a uma certa distância. Descontrolada, cruzei os braços sobre o peito, minha voz traindo a repulsa e o desespero.

— Você estava em La Push na semana passada? Foi você...

— Mulheres estão sempre bisbilhotando e fazendo perguntas. — Emmett franziu o cenho e passou a mão pelos cabelos escuros. — Sei o que está querendo saber, moça, e lhe direi de modo que possa entender. Se o sr. Cullen quiser alguém morto, ele mesmo o fará. Ele pode matar a sangue frio e com as mãos nuas, mas também é exímio no manejo do punhal.

Tentei controlar o tremor que me dominava. Ele se aproximou, e deu uma risada sinistra.

— O sr. Cullen sente prazer nisso — sussurrou. — Prazer com uma luta mortal e o sangue escorrendo por seus dedos. Pense nisso. E nunca duvide que curiosidade excessiva é um bom convite à lâmina do punhal dele. Ou do meu.


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Notas finais do capítulo

Acho que já está esclarecido o mistério sobre o abuso de Bella. Não, ela não foi abusada sexualmente, sua mãe chegou antes que o pior acontecesse. As lembranças que ela guarda são da humilhação e a culpa por o fato ter desencadeado a morte da mãe. Além de que ser atacada, sexualmente ou não, marca a vida de qualquer pessoa, e é natural que ela ainda sofra com o ocorrido.
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imagem:http://mindlesscreativity.deviantart.com/