A Bella e o Monstro escrita por Leprechaun


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Espero que vocês estejam gostando....



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Esme havia visto uma luz ao norte, onde não devia haver nenhuma. Uma mulher morta fora lançada na praia, resultado de algum acontecimento horrível.

Destruidores de navios.

Apenas uma vez havia experimentado uma sensação tão forte. Naquele dia, meu mundo balançara e tudo que eu considerava seguro e bom tinha se despedaçado em um instante. Lembrei da tempestade, da voz da minha mãe, que me chamava, do som agudo e da dor. Sim, lembrava bem da dor, assim como da minha amada mãe morta, quebrada como uma boneca de louça sobre as rochas impiedosas. Tudo por minha culpa.

— Não — sussurrei, afastando os pensamentos tristes e o sentimento de culpa, pois, se permitisse eu seria dominada e destruída por eles. Havia aprendido a controlá-los ao longo dos anos. Agora, angustia era antiga, pontuada por recordações agridoces, memórias nebulosas de alegria e calor temperando o horror da perda.

Virando-me, caminhei com passos incertos em direção à torre alta e quadrada que se via a distância. O caminho me era familiar. Pelo menos uma vez por semana, eu ia até o cemitério, que ficava à sombra da igreja.

Parei ao lado do muro alto que circundava o prédio e apoiei uma das mãos enluvadas na superfície fria, sentindo a dor sempre presente no joelho esquerdo. A umidade do inverno se infiltrava em minha articulação. Mal me lembrava de uma época em que a dor não fosse uma companhia constante.

Um barulho chamou minha atenção. Franzindo a testa, virei-me e olhei por sobre os ombros. Senti um calafrio, apesar de não ver ninguém. Permaneci ali mais um pouco, olhando para a trilha vazia, com a forte sensação de que não estava sozinha.

Abrindo o velho portão de ferro, ouvi o estridente ranger das dobradiças. As folhas do outono, marrons e avermelhadas, farfalhavam, agitadas pelo vento, conforme eu me dirigia ao cemitério. De repente, o vento morreu e o silêncio dominou tudo. Inquieta, olhei ao redor, pousando os olhos sobre um olmo, cujos galhos sem folhas tocavam as pedras do muro. Sobre um dos galhos, um corvo solitário.

Percorri os túmulos com o olhar. Havia algo estranho naquela manhã: o silêncio parecia que preparava a chegada da tempestade; o presságio da visão do corvo; as palavras de Esme; o sussurro fraco do canto mais escuro da minha mente me assombrava desde os primeiros raios da manhã. Havia um vento de mudança sobre Forks, carregado de ameaça e de perigo.

Gelada até a medula, fechei mais alguns botões da capa e ajeitei o xale nos ombros, enquanto me dirigia até o túmulo de granito de minha mãe. Ao chegar, tirei do bolso a concha rosada que havia pegado na praia. Com um suspiro, passei os dedos sobre as palavras gravadas na pedra:

Em memória de Renée Higginbotham Swan, esposa de Charlie Swan, desta paróquia, que partiu desta vida a dezoito de julho do ano do Senhor de 1802, com a idade de vinte e nove anos. Esposa e mãe terna e amorosa.

Lendo as palavras em silêncio, fechei os olhos diante da insidiosa onda de tristeza que inundou meu coração. Ainda havia dias em que eu acordava esperando ouvir a voz da minha mãe.

— Bom dia, mamãe querida — sussurrei, colocando a concha sobre a lápide.

Toquei a pintura em miniatura, coberta por um vidro, que meu pai mandara engastar na pedra. Apesar de ter sido uma despesa exorbitante, ele fizera questão. Notei que o vento frio havia rachado o vidro. Senti o coração apertado e uma lágrima correr por meu rosto, pois sabia que não teríamos dinheiro para consertá-lo. Passei os dedos pelas videiras entrelaçadas que tinham sido entalhadas para emoldurar o retrato de mamãe. O artista fizera um trabalho maravilhoso, pois a pintura se assemelhava a Renée Higginbotham Swan em todos os detalhes.

Eu era incrivelmente parecida com mamãe. Ambas tínhamos a mesma altura, a compleição esguia, o cabelo castanho, o sorriso fácil e os olhos escuros e brilhantes. Havia algumas diferenças sutis. Meu nariz era menor, os lábios mais carnudos e o queixo um pouco mais quadrado.

— Oh, mamãe. Sinto tanta saudade.

A única resposta foi o gemido do vento, que soprava com redobrado vigor. Com um grito e um forte bater de asas, o corvo voou de onde estava para percorrer, livre, o cemitério.

Oh, ser aquele corvo. Estar livre da situação em que meu pai me colocara. Livre de meu membro defeituoso. Livre para vagar pelo mundo e ver todo tipo de coisas maravilhosas.

Continuei observando a ave no céu até que desaparecesse de vista. E, então, estremeci, tomada novamente pela sensação de não estar sozinha. Devagar, baixei a cabeça. Minha respiração ficou presa na garganta e meu sangue pulsou rápido nas veias. Dando um passo para trás, senti a solidez do granito e recostei-me nele, tocando-o, ao mesmo tempo fascinada e aflita.

Não estava mesmo sozinha.

Ofegante, olhei para o muro que cercava o cemitério. Parado, do outro lado, havia um homem forte e alto. O muro de pedra, que chegava à minha cintura, não ultrapassava a altura das coxas dele. Devia ser o novo proprietário da Mansão Pattinson. Não podia ser outra pessoa. Sua postura altiva e orgulhosa, a elegância do corte de seu casaco, a autoconfiança que emanava dele, tudo exalava riqueza e poder.

O vento agitava o comprido casaco preto. Os cabelos ruivos, cor de ferrugem, chegavam à altura do pescoço. Apesar de extremamente sério, seu rosto era muito bonito.

Ele era uma visão de conto de fadas, pensei, um cavaleiro endurecido pelas batalhas. Um homem de névoa e sonhos.

Um herói. Engoli em seco, lembrando-me de que tais fantasias não eram para mim. Minha história não incluía um príncipe. Mesmo para os homens de Forks, que me conheciam bem, que riam de meus contos, que valorizavam minhas palavras gentis, eu era a filha aleijada do estalajadeiro. Certamente, nunca seria notada por um homem como aquele.

Imóvel, observei-o contornar o muro, abrir o portão e entrar, confiante. Movia-se com elegância, demonstrando masculinidade e força. Cada passo fazia com que meu coração acelerasse. Eu apenas esperei, como se estivesse grudada no chão.

— Boa tarde — cumprimentei, sorrindo. Anos de trabalho no bar de meu pai me tinham ensinado a saudar amigavelmente as pessoas, o que se tornara um hábito.

Parando a cerca de um metro de mim, ele inclinou a cabeça com educação, mas não retribuiu o sorriso.

— Não era minha intenção perturbá-la — disse.

O sotaque peculiar indicava que ele não era da região, mas eu não consegui identificar sua origem. A voz baixa e grave atingiu-me profundamente, me fazendo desejar me aproximar mais e tocar aqueles lábios macios para sentir as palavras sendo proferidas. Franzindo a testa, apoiei a mão sobre o frio granito às minhas costas, tentando afastar os estranhos pensamentos.

— O senhor não me perturba. — Apontei para a lápide. — Vim ficar um pouco com minha mãe. — Não tinha ideia do motivo de ter lhe contado aquilo.

Tentei pensar em algo para interromper o silêncio que tinha se abatido sobre nós.

— O senhor veio visitar alguém em particular? — perguntei, sem saber por que estava nervosa.

— Sim. — Ele me observava intensamente, mas não disse mais nada, nem se dirigiu a um dos túmulos.

Olhei para as nuvens distantes, evitando encarar aquele homem glorioso, cuja presença me deixava terrivelmente confusa.

— Temo que logo haverá uma tempestade. O senhor deve voltar para a Mansão Pattinson antes que o caminho fique intransitável. — Mal tinha pronunciado as palavras, me dei conta de que havia me entregado, revelando que presumira a identidade dele. Ao fitá-lo, deparei com uma expressão divertida, que quase não combinava com ele. Os traços do rosto lindamente esculpido revelavam um homem que quase nunca sorria.

— Eu poderia procurar abrigo na hospedaria de seu pai — ele disse, em um tom que beirava o sarcasmo.

A sugestão me lembrou da medonha incerteza da minha situação. Sim, por aquela noite e talvez nas próximas, a Hospedaria Swan pertencia a meu pai, mas um dia o débito seria cobrado. O que aconteceria, então?

— Conhece meu pai?

— Sim — ele confirmou, bruscamente.

— Ele não me disse.

Era estranho que papai não tivesse mencionado que conhecia o novo proprietário da Mansão Pattinson, pois aquilo atrairia muitos fregueses curiosos.

— Foi há muito tempo. — Ele esboçou um sorriso. — Duvido que ele se lembre.

Ergui a cabeça e nossos olhares se encontraram novamente. Os olhos dele eram uma atordoante mescla de verde e laranja, mutáveis e deslumbrantes, emoldurados por cílios espessos, sob sobrancelhas cor de ferrugem, ligeiramente mais escuras que o cabelo. Lindos, porém sombrios. Olhos que tinham visto muito; janelas para uma alma sofredora.

Estremeci, inexplicavelmente inquieta.

— Sinto muito. Acho que o senhor não se apresentou. — Franzi a testa, percebendo que ele sabia quem eu era e quem era meu pai, embora eu não lhe tivesse dito meu nome.

— Não, eu não me apresentei — concordou, muito sério.

— Bem, creio que preciso ir embora. — Após dar um passo, detive-me, incapaz de conter a curiosidade. — Como o senhor sabe quem eu sou? E que meu pai é o proprietário da Hospedaria Swan?

Ele fez um gesto para um ponto atrás mim. Virando, dei conta do sobrenome da minha família gravado na lápide da minha mãe.

— Oh, é claro. — O que eu tinha pensado? Que ele era vidente?

Ou que fora ele quem me observou do penhasco aquela manhã? A ideia era ridícula. Ele apenas lera o nome na lápide. Todos sabiam que meu pai era o dono da hospedaria.

— Já esteve na Mansão Pattinson, srta.Swan?

Virei para encará-lo de novo, e senti um estranho formigamento no corpo ao percebê-lo ainda mais próximo.

— O senhor quer dizer, dentro da casa? — perguntei, assustada com a ideia.

Ele ergueu as sobrancelhas, mas nada respondeu.

— Não, nunca estive em Pattinson. — Realmente, nunca estive na casa. E nunca mais fui até lá desde aquele dia fatídico, em que as ondas me tinham lançado contra as rochas, e a dor... Maneei a cabeça. — Eu era uma criança quando minha família se mudou para Forks. O antigo proprietário já havia desocupado a mansão quando chegamos. E nunca regressou. Pattinson esteve vazia até que o senhor, sr...

— Edward— ele completou. —Edward Cullen.

Achei que o nome combinava com ele. Edward Cullen . Definitivamente, um nome forte e elegante, perfeito para ele.

— Bem, sr.Cullen, devo confessar que apenas vi a Mansão Pattinson pelo lado de fora.

— Isso irá mudar.

— Como, senhor?

Sentir-me desorientada. Estaria ele me convidando a visitar sua casa? A ideia era extraordinária, inapropriada e assustadora. Enquanto os pensamentos se sucediam, desordenados, percebi como eram tolos. O mais provável seria que me chamasse para assumir uma posição na cozinha ou na copa.

Percebi que ele olhava para o céu e fiz o mesmo. Nuvens escuras indicavam que a tempestade estava cada vez mais próxima.

— Devemos ir embora — ele disse, pegando meu cotovelo com uma das mãos.

Ofeguei. Ele estava me tocando. E era um toque diferente de tudo o que eu já havia experimentado. Apesar da luva de couro que ele usava e das camadas de roupa que me cobriam, senti uma conexão profunda, como se, de algum modo, eu estivesse esperado por aquilo durante toda a minha vida. Um toque para aquecer-me, para incendiar minhas veias.

Senti minha respiração entrecortada diante da intensidade com que ele me fitava. Percebi que seus olhos escureciam de repente e, por um breve instante, detectei um brilho quase ameaçador, selvagem e estranhamente sedutor. Quando ele piscou, o lampejo desvaneceu, deixando-me, contudo, com uma sensação desconhecida, um desejo de que ele me olhasse daquela forma de novo.

— Devemos ir embora — ele repetiu, afastando a mão e interrompendo o contato. — Eu a acompanharei até a hospedaria.

— Não é necessário. Já percorri esse caminho muitas vezes. Não tem perigo. — O protesto não passou de um sussurro. Eu estava atormentada com a ideia de aquele homem se desviar de seu caminho por minha causa, a filha manca do estalajadeiro.

Fazendo um gesto para que eu o precedesse, Cullen meneou a cabeça.

— Eu insisto. Nunca se sabe o que pode acontecer a uma garota inocente em um lugar como este.

Dei um passo para trás, e meu sapato esquerdo entrou na terra com um ruído leve.

— Eu piso com firmeza — insisti, sentindo-me totalmente desajeitada, pois a afirmação contradizia minha evidente falta de estabilidade.

— Não me refiro a isso. Há perigos maiores por aqui do que um caminho irregular ou uma pedra solta.

As palavras dele me lembraram da mulher afogada. Estremecendo, cruzei os braços sobre o peito.

— Por favor — disse ele, fazendo, mais uma vez, um gesto para que eu o precedesse em direção à saída.

Decidindo que não valia a pena discutir, obedeci. Apesar de não compreender o motivo daquilo, não podia culpar um homem por agir com cavalheirismo. Ao passar por ele, senti uma suave fragrância cítrica e algo mais... Um aroma que não consegui identificar. Confusa diante do desejo súbito de apoiar-me no peito dele e aspirar seu perfume, abaixei a cabeça e continuou a caminhar.

Percorremos o trajeto lado a lado. Lancei lhe olhares furtivos, ainda curiosa sobre a insistência para me acompanha; meu coração mais acelerado que o normal, vendo-o adaptar o ritmo da caminhada aos meus passos desiguais. Queria encontrar algo sobre o que pudéssemos conversar, mas não consegui.


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Notas finais do capítulo

O terceiro já está a caminho, aguardem.
E comentem, quero saber a opinião de vocês!