Lia,

Sei que combinamos escrever no diário, mas acho que não posso fazer isso. É humilhante pra mim ter que escrever pra um diário. Então eu vou escrever pra você. Não, você não pode escrever pra mim. Você tem que continuar escrevendo para o diário. Eu sei que você ainda acha essa minha ideia ridícula, mas desde que começou a escrever tem estado melhor. Veja, agora você tem um foco na sua vida. Escrever nisso.

Eu lembro que quando você era mais nova você queria ser escritora. Lembra disso? Você queria ser jornalista, trabalhar numa revista, em qualquer lugar em que pudesse escrever. Aqui vai uma confissão minha: Eu pensei que você iria amar essa ideia. Depois passei a achar que talvez tivesse odiado. Mas você está voltando, aos poucos. Imagina a minha reação ao acordar, entrar na minha cozinha e ver você no fogão cozinhando. Foi surreal.

Não estou dizendo que você deveria cozinhar pra mim, mas você sabe que sou péssimo com essas coisas. E eu estava a base de comida congelada. E graças a esse diário você está cozinhando. Eu espero que continue, porque não quero voltar aos enlatados.

E quando eu resolvo passar a tarde com você e pela primeira vez, uma surpresa: você não está deitada na sua cama debaixo dos cobertores chorando ou com aquela cara de não sei de nada. Você está de pé limpando a casa. Eu espero que isso continue.

Mas não gostei daquela indireta. Como pode ter a coragem de querer me expulsar do seu próprio apartamento?

Ps: Pode me expulsar o quanto quiser. Lembre-se, eu tenho a chave.