A captura do tordo escrita por Maga Clari, Katsudon


Capítulo 4
O tordo líder




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/499813/chapter/4

Aquele cheiro de alvejante misturado que exala por toda área hospitalar me deixa enjoado, não o suficiente para vomitar, mas ainda sim enjoa. Por ser “Mentalmente Desorientado” – não faço ideia da onde tiraram isso – não posso andar livremente pelo 13.

Ainda estou chocado por descobrir que o Distrito 13 existe. Katniss tinha me contado sobre as garotas que o procuravam, mas não botei fé nisso não. Achei que era imaginação das duas ou que elas estavam correndo atrás de falsas esperanças. Agora posso ver que estava redondamente enganado.

Nesses últimos dias minha vida ficou totalmente de cabeça pra baixo. Tinha um plano na minha cabeça e saiu totalmente desacordo com o planejado. Haymitch me traiu e quem pagou o preço da traição foi Katniss. Estou no Distrito 13 contra minha vontade, sem entender o que faço aqui. Contaram-me que Distrito 12 não existe mais. Minha família não sobreviveu. Meu pai, minha mãe e meus irmãos, todos mortos.

Ainda não me recuperei de tais notícias, porém minha mente não se desliga da pequena discussão entre Gale e eu. Quando me contou que Katniss foi capturada e que provavelmente estava morta, meu coração afundou e eu perdi o controle. Saí da sala possesso atrás de Haymitch ou qualquer ser poderoso para eu dar uma surra e xingá-los de idiotas. Infelizmente, algum guarda viu meu estado e me nocauteou antes que pudesse fazer qualquer coisa.

Estou novamente preso à maca, sobrevivendo ao meu luto e controlando meu desespero. Não vi Haymitch desde o episódio do resgate e prefiro assim. Confiei nele e ele quebrou minha confiança.

O médico de cabeça aparece diversas vezes tentando me avaliar, contudo permaneço em meu silêncio. Sinceramente não respondo porque não o escuto. Minha mente fica tão fixada em Katniss e na morte de meus familiares que ela se desligou do mundo. Tento prestar atenção, mas meu cérebro se recusa.

Novamente estamos os dois neste quarto, ambos em silêncio, ele aguardando minha resposta à pergunta que eu não dei à mínima. E como todas às vezes, depois de longos minutos ou horas, ele vai embora. Estava com o sono e deixei me levar por ele. Eu dormia o menos possível porque toda vez que fechava os olhos, tinha pesadelos, dessa vez não foi diferente.

Quando acordo, Prim está aqui. Ela não percebeu que acordei.

– Hey - Minha voz sai falha e rouca pela falta dela.

Prim se assusta e vira-se para mim abrindo um pequeno sorriso vindo se sentar na cama perto de mim

– Hey. Tudo bem?

– Acho que poderia estar melhor. – não tinha me dado conta do que falei até o momento em que vi os olhos dela entristecer. – Desculpe, ao pensei antes de falar.

– Tudo bem. Eu concordo com você. Eu queria... queria tanto.. que ela estivesse aqui.

Ela começa a chorar e eu abraço, não demora muito pra ela retribuir o abraço.

– Eu ainda tenho a esperança de ela estar viva.

– Eu também. E se seve de alguma coisa, meu coração me diz que ela está. – ficamos em silêncio mais um tempo. – Vem cá, você ficar andado pela ala hospitalar.

Ela dá um pequeno sorriso e revira os olhos.

– Disse-lhe que não sou criança. Eu ajudo no hospital, então posso ficar andando por ai. – nós dois rimos. – Parece que você gosta de ficar aqui.

– Como assim?

– Você ignora o Dr. Aurelius e só ele pode te liberar daqui, mas ele não pode fazer isso se você não colaborar.

Pergunto a ela o que eu tenho pra fazer fora daqui, afinal minha família está morta e talvez Katniss o esteja também, não tenho motivos para viver. Prim se aproxima de mim, como se estivesse contando um segredo e diz:

– Talvez se você conversar com o Doutor ele possa te falar sua importância.

Refleti um pouco e acho que ela possa estar certa; fiquei com aquele comentário na minha cabeça por um bom tempo... minha importância? Qual seria a importância significativa para que Haymitch me escolhesse no lugar de Katniss? Eu não tenho esse espírito de liderança ou audácia. Eu tenho medo. Eu tenho o que perder caso faça algo de errado. Odeio receber ordens. Odeio ser conduzido nesse joguinho, isso me perturba desde o começo...

Ainda estou de cabeça baixa, pensando em todo esse dilema, quando ouço uma batida na porta. Alguns guardas do D13 vão à porta trazer mais uma vez o tal médico da cabeça; assim como nas outras vezes, ele se prosta ao meu lado, em pé, e começa a fazer anotações em sua prancheta. Olho para ele de esguelha e espero as perguntas de praxe:

– Como está se sentindo, Peeta?

Silêncio.

– Algum tipo de pesadelo... dores?

Silêncio.

Penso no que Primrose me disse. Ela é a irmã de Katniss, acho que talvez eu deva parar de ser egoísta e pelo menos tentar cooperar para sair daqui. Talvez, só talvez, eu consiga de alguma forma trazê-la de volta. É o mínimo que eu posso fazer por Prim. Ela me ajuda tanto aqui e toda vez que eu a vejo chorar sinto como se uma faca cortasse meu peito; é como se a própria Katniss estivesse chorando. E talvez esteja. Se ela estiver viva. Mas eu só saberei se me liberarem da ala hospitalar. Não é?

Meu médico já estava saindo, cansado, em direção à porta. Não sei porque ele ainda se preocupa em vir aqui se ele sabe que eu nunca respondo; será que tem a ver com a tal importância que eu tenho pro D13? Será que eles o obrigam a vir, todo santo dia? Os guardas abrem a porta, outra vez, quando eu digo, tentando o mais alto que minha voz rouca pode fazer:

– Ei, espera!

Ele se vira.

– Posso fazer uma pergunta? – minha voz está quase sibilante

O médico volta calmamente à beira da minha cama. Põe a mão esquerda na minha testa e olha pra mim de modo inquisitivo.

– Ainda bem que começou a colaborar, Peeta - ele se permite sorrir antes de continuar - O que você quer saber?

– Eu.. hum - tento achar as palavras mas elas parecem querer brincar de pique-esconde comigo. Fecho os olhos e respiro fundo numa tentativa de encontrá-las - Você tem alguma informação do porquê me escolheram ao invés dela?

– Dela quem? - ele falou e eu acho que fez de propósito; ele queria testar meu cérebro, porque é claro que ele sabe de quem estou falando.

– Katniss, obviamente.

– Já chega por hoje, não é Mellark?

– Por favor.

Sussurro de modo suplicante, enquanto agarro a barra do jaleco branco dele. O médico suspira por um longo segundo. Certifica-se de que ninguém está nos ouvindo e então se aproxima de mim. Talvez nem mesmo as formigas escutem-nos de tão baixo que nós estamos conversando.

– Escuta - ele fala apressadamente - Você precisa melhorar. E rápido. A presidente Coin acha que Katniss seria uma ameaça para nós, do D13. Ela é impulsiva e indosmeticável. Uma hora ela mesma destruirá a Capital estando lá. E você, conosco, só facilitará as coisas.

– Mas...

– Olha, eu preciso mesmo ir antes que escutem-nos. Só registre uma coisa nessa sua cabeça, Peeta. Você é o nosso líder perfeito. Quando finalmente cooperar e melhorar, você irá convencer todos os rebeldes com suas palavras persuasivas e o reino do Snow terminará.

Não tenho tempo de responder nada, porque praticamente na mesma hora um dos guardas põe a mão no ombro do médico e o conduz, obrigando-o a deixar a ala hospitalar. Não sei o porquê, mas algo me deixou conturbado depois dessa curta conversa; o modo como ele saiu, apressadame te também. Mas, em todo o caso, vejo que pela primeira vez cogito a ideia de prestar mais atenção nas minhas consultas médicas.

...

Um dia se passou, e finalmente sou autorizado a dar um passeio. Um dos guardas do D13 sai comigo, monitorando meus passos. Isso irrita. E muito. Já é grande coisa poder sair sem ser escondido, mas acho que eles têm medo de me perder e do que eu possa fazer se estiver sozinho. Quando chego ao jardim artificial, à procura de Prim, tento estabelecer um diálogo com o tal guarda.

– Hey - eu o assusto, com minha voz sibilante - Qual é o seu nome?

– Dylan - ele diz.

– Peeta - estendo a mão.

– Eu sei.

Desisto de estabelecer contato, vendo a forma seca com que ele me responde. Dylan senta num banco enquanto eu me aproximo de Prim e Gale. Infelizmente, não posso querer que ela pare de conversar pra me dar atenção, eu é que devo me juntar.

– Olá - cumprimento os dois.

– Oi - Gale fala com desdém

– PEETA! - Prim se levanta, animadamente, e me dá um abraço apertado - Que bom que te deixaram sair, né?

Esboço um sorriso e sento ao lado deles. Fico a maior parte do tempo fora da conversa, um pouco pensativo. Em certo momento, resolvo me meter na discussão:

– Eu continuo achando que podemos revolucionar sem violência, Gale.

– Fica na sua, Mellark - ele me corta - Já falamos sobre isso antes.

– Ei, ei, ei - começo a falar, franzindo a testa - Caso você não saiba, o novo tordo sou eu. E eu não aprovo essa ideia de jeito nenhum, eles me escolheram justamente por acharem que posso convencer os rebeldes sem usar a força.

– Ah, eu já me cansei de você, Mellark - Gale jogou as mãos pesadas dele nos meus ombros, me fazendo cair com violência - Você não se cansa, não? Já não basta ter sido o responsável por Katniss estar lá?

– GALE!

Prim vai ao meu encontro, mais uma vez, assim que eu caio no chão. Sinto algo machucar minhas costas, e então rastejo para o lado e vejo que era algo parecido com um botão. Gale continua.

– Por mim você poderia ter comido as amoras idiotas desde o início, ou pior, ter sido pego pela Capital ao invés dela. É tudo culpa sua...

– Gale... - tento interrompê-lo, com um olhar de urgência. Ele ainda não percebeu que eu acionei a rede televisiva sem querer. A voz dele se amplia enquanto algumas pessoas começam a se aproximar.

– ... faça pelo menos um favor pra nós e colabora com nossas decisões, pode ser? Eu, como um dos chefes, posso usar uma das armas quando bem entender!

E então tudo fica em câmera lenta.

Sinto as mãos dele vindo em minha direção, começo a revidar, escuto os gritinhos agudos de Prim e os guardas, incluindo Dylan, aparecendo de repente. Alguém enfia uma agulha no meu ombro esquerdo e perco os sentidos aos pouquinhos.

Depois de tantos morfináceos aplicados assim, subitamente, já sabia que era isso segundos antes de apagar. Mas talvez Gale estivesse certo, se eu tivesse apagado antes, desde o começo, as coisas andariam de um modo melhor. Mas agora não tem jeito, não tem volta. Pegaram o meu tordo. E o que os tordos chefes fazem? Defendem a sua fêmea e seu bando. E é isso que eu devo fazer.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A captura do tordo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.