A captura do tordo escrita por Maga Clari, Katsudon


Capítulo 3
Plano falho




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Não, eu não posso descansar em paz pois agora tenho meu inferno particular. Assim que acordei da minha inconsciência por rosas geneticamente modificadas, descobri que não estava apenas viva, como também nas mãos de Snow.

Ele tinha me levado para uma sala escura e úmida que não tinha um cheiro nada agradável. Meus braços e pernas estavam amarrados à cadeira onde me forçaram a sentar. Snow me encarava furiosamente com os olhos de cobra.

– De novo, senhorita Everdeen. – disse em tom de ameaça. – Qual é o plano dos rebeldes?

O Presidente já tinha me perguntado isso mil vezes e eu respondia que eu não sabia nas mil vezes que ele me perguntou – o que me fez ganhar alguns hematomas. Eu ficava irritada com o fato dele não acreditar em mim. Tínhamos combinados não mentir um pro outro, certo?

– Eu já disse que não sei! – gritei furiosa. Ele me deu um soco de tamanha força que me deixou confusa por alguns instantes.

– Primeiro: a senhorita abaixa o tom porque quem tem o poder aqui sou eu. – ameaçou. Chegou bem próximo a mim e apontou o dedo na minha cara. Que vontade de morder o dedo dele até se desmembrar da mão. Os olhos dele faiscavam de raiva, o que não me amedrontava. Eu o encarava de volta em desafio. – Segundo: Você mente.

– Pensei que tínhamos combinado não mentir um para o outro. – retruquei sarcasticamente e ri com escárnio.

– Pensei a mesma coisa. – riu sem humor. – E olha só onde estamos. Em uma guerra porque você prometeu acabar com os levantes, só que não o fez. – agora um sorriso vitorioso estava em seus lábios cheios – Eu ganhei de você, de qualquer maneira. Eu tenho o maior símbolo da rebelião, o Tordo, que no caso é você. Está subordinada a mim, senhorita Everdeen.

Foi minha vez de dar o sorriso vencedor.

– Você não ganhou, Snow. – falei. Por um instante a expressão dele vacilou – Os rebeldes tem Peeta. Ele é ótimo com as palavras, irá cativar a todos dando a faísca para a revolta explodir totalmente. Eles me usarão como algo pra se lutar, como um mártir. E você não ganhou de mim. – meu sorriso alargou-se. – Não tinha a mínima intenção de sair de lá viva. No Massacre queria que Peeta vivesse para ser um porta-voz da guerra, e eu morreria para ser uma mártir.

Queria jogar na cara do Snow que ele não conseguiu o que queria enquanto aconteceu exatamente o oposto

– Acho que nesse caso, nenhum de nós dois conseguiu o que queria.

Como? Eu ganhei! Consegui o que eu queria: Peeta a salvo.

– Seu plano podia ser manter Peeta a salvo. Okay, isso aconteceu. – meu sorriso ficou ainda maior. Só que o dele também. – Contudo, você continua viva, senhorita Everdeen, e pior ainda: você continua sob meu poder. – meu sorriso morreu, denunciando que ele estava certo. O presidente gargalhou maleficamente. – Pode ter certeza de que agora o seu plano será completado de uma forma bem lenta.

Droga, ferrou. Eu não consegui esconder minhas emoções para que ele não percebesse que me atingiu. Agora eu vou morrer (assim como eu queria), porém, de uma forma bem lenta e dolorosa. Começo a pensar em Peeta. Ele me ama. Ele faria qualquer pra me tirar desse inferno, certo?

Eu espero que sim...

Snow já estava saindo da sala quando parou e se virou para mim.

– Mais uma coisa: você acabou de confessar que fazia parte do plano rebelde.

...

De acordo com o relógio dentro do cubículo onde eu fora jogada, eram 6pm. Não fosse por isso, eu não teria ideia alguma, afinal de contas, não há janelas por perto. A noite está próxima, mas já cansei de dormir. Melhor curtir a madrugada insone do que ser despertada de pesadelos banhados por cheiros de rosa, sangue e podridão. Eu havia admitido nosso plano pro Snow; eu perdi o jogo onde eu aniquilei a mim mesma. Se eu me deixasse levar pelo cansaço do meu corpo, certamente mergulharia nas possibilidades infinitas de torturas que estavam à minha espera.

– Senhorita Everdeen? - escuto alguém tirar-me dos meus devaneios. Olho para o relógio novamente. Ele marca 8:15pm. Por quanto tempo eu sonhei acordada?

– O que é? - respondo, com ferocidade

– O presidente exige a sua presença - levanto a cabeça e encaro o pacificador com meu melhor olhar de ódio. Ele continua: - Recebo ordens para levá-la à Flavius e Venia. Você terá uma entrevista hoje.

Levanto desajeitadamente e me encosto na porta de vidro. Minhas mãos ainda estão algemadas.

– Eu não vou dar entrevista nenhuma! - grito.

– Estou muito comovido, senhorita Everdeen, mas essas são as ordens.

Vejo o pacificador passar um sensor em toda a extensão do vidro; instantaneamente aparece uma saída à minha frente. O vidro se desintegrou. Outro pacificador aparece por trás daquele outro e agarra meus ombros com violência. Sou conduzida por um corredor extenso e subimos algumas escadas. O elevador não chega ao subsolo, obviamente. Mais uma das milhares formas de evitar possíveis fugas.

Quando alcançamos o térreo pegamos o elevador. Um dos pacificadores aperta o botão "terceiro andar". Sinto uma incômoda sensação de claustrofobia; a viagem parece demorar mais do que o normal. As portas se abrem, enfim, e caminhamos ao lugar onde seria meu "camarim". Ou qualquer nome que eles gostem de chamar nessa brincadeira cruel de faz de conta.

"Toc Toc"

Um terceiro pacificador aparece à porta e assume o lugar. Os que ficaram para trás montaram guarda do lado de fora, só por precaução. Assim que Flavius e Venia notam minha presença, tentam agarrar-me num abraço, mas são impedidos pelo pacificador.

– Controlem-se - ele diz - Primeiro vamos tirar essas algemas. Depois, concentrem-se apenas na entrevista. Temos pouco tempo.

Sinto um alívio ao ter meus pulsos livres. Infelizmente, de livre só isso mesmo. Minha alma fora vendida ao Snow. Mas eu fiz tudo que ele queria, continuei com a baboseira dos "amantes desafortunados"; fui honestamente boazinha até demais. Mas agora Peeta está a salvo. Haymitch fez o que eu pedi. Ou melhor, obriguei. Se ele não o fizesse, eu mesma colocaria fogo nos armazéns e pagaria uma boa grana para os fornecedores não venderem NADA -absolutamente nenhum álcool à Haymitch.

– Meu amor... - escuto um murmúrio de Venia em meus ouvidos. Ela está escovando meus cabelos e diz num tom cansado: - vai ficar tudo bem. Nao precisa chorar...

– Eu não estou chorando - minto descaradamente. Não gosto da ideia de parecer fraca, muito menos perto daquelas pessoas bobinhas da Capital que nunca entenderão à gravidade dos meus problemas

– Não há porquê ter vergonha, Katniss - ela tornou a murmurar com sua voz doce - Eu sinto muito mesmo... aquele garoto, o Mellark, está em boas mãos, não está?

Não respondo. Ela continua.

– Prontinho - ela guardou a escova e me girou. Venia me conduz ao espelho e eu encaro o meu reflexo - Veja como você está linda!

Infelizmente, não vejo beleza alguma. Há apenas uma garota assustada e maquiada para esconder os traços de cansaço. Fico agradecida pelo costumeiro excesso de rímel e sombra nos olhos, porém, ainda consigo enxergar as olheiras e hematomas. Me pergunto se está tão à vista assim ou se meus sentidos estão aguçados demais. Talvez eu veja mais facilmente por ser a pessoa em questão, afinal de contas, eu sei que aqueles traços existem. Mas e quem não sabe?

Pra ser sincera, estou torcendo para que eu esteja errada; adoraria ver a cara do Snow caso eu tivesse uma aparência derrotada e fracassada na entrevista. Por falar nisso, que será que ele pretende que eu diga ao Ceasar? Que eu briguei com meu noivo? E quanto ao "bebê"? Sou impedida de continuar a divagar sobre isso porque sinto um dos pacificadores me puxar outra vez para que eu deixe o salão. Murmuro um adeus e dou uma última olhada nos meus amigos; Flavius solta um beijo silencioso e Venia apenas acena hesitantemente.

Chegamos ao prédio do estúdio e os pacificadores me jogam num corredor sinistro. Eles ficam de guarda na única saída de lá e, tão rápido quanto um homem perverso pode andar, encontro Snow à minha frente. Ele sorri aquele sorriso falso que eu odeio com todas as minhas forças. Devolvo com minha melhor expressão de indiferença.

– Senhorita Everdeen, - ele começa - eu realmente espero que me obedeça dessa vez. Você vai entrar lá no palco, enrolar o pessoal com uma historinha de traição, ressentimento e culpa pelo que o Mellark fez com você. Diga-lhes que sente-se deixada para trás e toda essa baboseira de garotinha inocente.

– Já cansei de bancar a mentirosa, Snow - respondo desdenhosamente

– Esse é o espírito! - ele tenta parecer empolgado, mas falha consideravelmente - Acho que de agora em diante a senhorita vai parar de joguinhos comigo, sim? Além disso, não estará mentindo. O garoto realmente a deixara para trás.

– Ele não fez de propósito.

– Que meigo - ele desdenha. Percebo um ligeiro desvio de foco; acho que já deve estar passando da hora da minha entrada - Escuta, Everdeen, você vai fazer o que mandei. Nós não temos o dia todo. Estamos entendidos?

– O que faz você achar que vou te obedecer?

– Estamos entendidos? - repete.

"E voltamos com mais uma das nossas entrevistas. Por favor, venha ao palco Katniss Everdeen!"

Escuto a voz empolgada de Ceasar e saio das cochias relutantemente. Chego a tempo de ver um sorriso de vitória no rosto de Snow. Idiota. Só não dou meia volta e faço um escândalo aqui porque sei que se ainda houver alguma chance de mudar o lado desse jogo, não ganharemos nada se eu estragar logo assim, desse jeito.

– Boa noite, Katniss!

– Boa noite Ceasar! - uso um dos meus sorrisos falsos

– Me diz aí, como anda o casal favorito de Panem?

– Ah, ele está ótimo, Ceasar, continuamos super apaixonados. Ainda bem que tudo isso acabou. - toco instintivamente na minha barriga antes de continuar - Espero que os próximos idealizadores não inventem de nos colocarem lá outra vez.

Arranco alguns risos propositais por causa do meu comentário anterior. Continuo bancando a garotinha bobinha e apaixonada. Ceasar abafa uma última gargalhada e então se aproxima de mim, como se esperasse uma fofoca daquelas!

– Me diga uma coisa, Katniss, quais as novas do bebê? Quero dizer...ainda haverá casamento não é?

– Bom... - olho de esguelha para o presidente prostado de frente pra mim, nas cochias - se fosse por mim, nos casariamos hoje. Só que...teremos que esperar a poeira baixar, sabe como é.

Snow chega ao limite das cortinas, de modo que fica a um centímetro de ser visto pela platéia. Ele balança a cabeça, provavelmente contendo um colapso nervoso. Quase que de repente, vejo a mão dele escorregar para o bolso da camisa e tirar de lá uma flor; não uma flor qualquer, como suas costumeiras rosas. Ele a cheira com gosto e depois amassa até ela despedaçar. Contenho um berro de susto ao presenciar a cena.

– Mas onde está o garoto Mellark, afinal? - Ceasar me faz piscar os olhos, saindo do transe - Acho que todos nós estamos ansiosos para ver o desfecho dessa história sofrida de vocês. Não é mesmo, pessoal?

Ele aponta para o público, o qual vibra em afirmativa. Ainda tremendo internamente, dou a resposta que odeio ter dito. Mas caso eu tivesse entendido o sinal, - e eu costumo entender os sinais doSnow perfeitamente bem - eu precisava mesmo fazer isso.

– Tenho que ser sincera com todos vocês, Panem - então eu olho atentamente para a câmera mais próxima - eu perdi o bebê. E pior que isso, o Peeta se recusou a voltar pra Capital. Ele.. ele... ei, o que é aquilo?

Todos nós nos viramos e descobrimos que as câmeras da Capital foram tomadas; no telão atrás de mim, uma imagem faiscava tentando aparecer. Por mais que dissessem "corta", ou tentassem tomar o controle de volta, não havia jeito. E em menos de 5min, foi ao ar o que eu mais e menos queria ter visto.


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