A captura do tordo escrita por Maga Clari, Katsudon


Capítulo 10
A verdade dói




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Eu estava chocado. Não sei se “chocado” é uma boa palavra para me definir neste momento. Ou talvez não seja a única coisa. Angustiado, triste, arrasado, quebrado, desesperado, perdido, inútil e devastado são ótimos adjetivos para me descrever.

Aparentemente, Katniss não me reconhece ou apenas me vê como um monstro. Mais provável a segunda opção. Por mais que ela não seja a garota mais receptiva do mundo, não fica tentando estrangular pessoas sem motivo.

Minhas mãos se fecham em punho só de imaginar o que Snow pode ter feito com a minha Garota em Chamas. Minha mente trabalha em divertidas e dolorosas formas de acabar com ele.

Balanço a cabeça. Não vou pensar nisso agora pois tenho uma coisa, ou melhor, uma pessoa pela qual a atenção deveria estar voltada.

Mas me aguarde, Snow.

Depois de dopá-la, levaram-na para a enfermaria do D13. Eu queria ir junto, mas eles - os médicos – não permitiram, disseram que ela poderia ter outro ataque que poderia ser fatal. Não me deixei convencer e eles também não. Infelizmente, eles ganharam. Trancafiaram-me no meu compartimento.

Por falar nisso, alguém o está destrancando. Preparo-me para sair correndo assim que abrirem-na. Paraliso no momento em que estava chegando na porta, percebendo ser Haymitch ali parado. Depois do plano rebelde, eu me recusara a falar com ele. Porém, nesse momento, ele parecia tão arrasado quanto eu.

Havia uma pequena parte em mim que acreditava que nosso mentor se importava com Katniss, que ele jamais faria algo que poderia machucá-la e que não teve opção ao escolher. Juro que essa parte existe em algum lugar dentro de mim.

Mas tem uma parte rancorosa – uma que eu nunca deixo se sobressair, a menos que seja algo que me afete profundamente – que simplesmente não acredita nele. Quer Haymitch o mais longe possível, principalmente da Katniss. Acredita que ele só se preocupa com essa revolução e não se importa nem um pouquinho conosco. Que durante esses dois últimos anos não nos tornamos uma família que eu acreditava ser.

Infelizmente, a segunda parte é maior.

— Então você pretendia sair correndo, e o quê? – ele começa, pensativo e irônico. – Caso não saiba, tem dois guardas aí fora.

— Não me importa. – esbravejo. – Aliás, o que faz aqui?

— Ui, quanta agressividade. Você tem passado muito tempo ao lado do caçador.

— Vá embora!

— Vim te dar notícias da docinho, mas já que não quer... – ele se vira para ir.

Queria ser uma pessoa orgulhosa a ponto de ignorar qualquer informaçãozinha sobre a garota que ama, mas não sou.

— Ei, espera.

Haymitch volta-se para mim com um sorriso presunçoso.

— Como você muda de opinião rápido, garoto. – diz sarcástico. Mordo minha língua para não dar uma má resposta. – Primeiro, tenho que falar outra coisa com você.

— A não ser Katniss, não tenho qualquer outro assunto para tratar com você. – cuspo. O vitorioso revira os olhos.

— Olha, sei que pensa que não tô nem aí para Katniss e blá, blá, blá. Mas, porra, é claro que eu estou. Você e ela são pessoas importantes para mim, aliás, as únicas.

Rio com escárnio.

— Vou fingir que acredito.

— Caramba! Quando você resolve ser chato é pior que eu. – murmura. Dou de ombros. – Se coloca no meu lugar. Eu estava no meio de uma batalha. Independentemente do campo que eu escolhesse, iria sair ferido. Tinha que escolher um dos dois para decepcionar.

— Você fez um acordo comigo. – acuso.

— Fiz um com ela, também.

— Ah, claro. Por que estou surpreso em você ter concordado com ela? Vocês sempre fazem planos onde minha opinião não importa. Desde sempre.

Ele dá um tapa na minha cabeça.

— Larga de ser mané. Eu sofreria da mesma maneira se fosse você, e Katniss também. Eu escolhi o que parecia ser certo. – eu fico em silêncio. Ele suspira. – Sei que para você isso não serve. Para a Katniss também não.

Silêncio.

— Okay! O que eu vim te falar, na verdade propor; é uma trégua dessa sua criancice para que eu possa te ajudar. Porque você querendo ou não, eu sou a pessoa mais influente em que você pode confiar nesse Distrito.

— Será mesmo? – indago irônico. Ele parece ofendido.

— Olha, façamos assim: você aceita a trégua e eu faço tudo o que estiver em meu alcance para proteger Katniss. Que tal?

Haymitch estende a mão. Olho vários segundos para ela ponderando minha opções. Por fim, aperto-a.

— Não que eu confie em você, mas é minha melhor opção.

Haymitch estava prestes a responder com uma ironia, porém ele só balança a cabeça e murmura “crianças”. Ele descreve brevemente que Katniss acordou desorientada e confusa, precisando ser novamente dopada e que eles irão fazer um teste.

— Que teste?

***

A pequena enfermaria em que Katniss estava tinha um câmera escondida para que pudesse ser observada. Um cara que estava lá dentro com ela perguntou secamente se estava com fome enquanto Katniss o olhava como um amigo do Snow.

Finalmente o doutor entrou e se apresentou. Depois ele mandou um cara alto, moreno e de olhos cinzentos entrar.

— Conhece este garoto, Katniss?

Queria dizer que fiquei feliz com a reação dela, porque essa seria a primeira vez que reagiu de forma positiva. Mas essa não é a verdade. Essa é a verdade: fiquei enciumado por ela correr para abraçá-lo, como se ele fosse a última coisa em que pudesse se agarrar no mundo. Senti-me traído por ela tentar me estrangular (de novo), mas em Gale dar um super abraço. Fiquei com raiva de mim por nunca ser o suficiente para ela, apesar de todos os meus esforços.

Resolvo dar uma caminhada para esfriar a cabeça, mas praguejo ao lembrar que aqui, no D13, tudo é artificial. Pelo menos ainda temos uma cópia do que seria o céu, lá fora. Nossa, quantos dias fazem que não respiro ar puro?

Perdemos um pouco a noção do tempo, envolvidos em tantas ordens comandadas pela Presidente Coin; planejamentos, treinos, resgates... Tudo toma tanto tempo que não faço ideia do mês em que me encontro.

Ignorando esse pensamento, desço à área subterrânea onde há um pátio projetado. Este tem sido meu refúgio, onde venho sempre que volto à minha costumeira melancolia. Ninguém fez qualquer objeção, afinal de contas, meus superiores sabem da importância em me manter são para liderar o levante. Infelizmente, não fui o único a adotar este lugar.

— E aí, tá tudo bem com você? - escuto uma voz doce surgir atrás de mim, e me assusto quanto sinto as mãos frias de Delly tocarem meus ombros.

— Pareço bem, por acaso? - respondo, secamente. Não que eu despreze a preocupação dela, mas eu realmente queria ficar sozinho...

— Você gosta muito dela, né? - Delly suspira e senta ao meu lado, no banquinho próximo à fonte.

Balanço a cabeça afirmativamente e a coloco entre as mãos. Permito, pela primeira vez, dar vazão àqueles sentimentos mais profundamente enterrados, despejando-os para fora através das minhas lágrimas. Minha única amiga do Distrito 12 puxou-me para os seus braços, e eu me encolhi como um passarinho assustado, debaixo de suas asas. Delly tentou me acalmar, falando palavras de incentivo, e balançando o meu corpo, quase como se quisesse me ninar. Aos poucos, consegui, de fato, respirar mais devagar.

— Ela não se lembra de mim, Del - digo, com a voz embargada - Mas do caçador ela se lembra. Abraçou-o com carinho, Del. Por que nada dá certo pra mim?

— Porque você não deveria ter desistido daquelas amoras, pra começar.

Levanto os olhos e encaro a expressão fria de Gale Hawthorne. Ele fica lá de pé, imponente, assim como todo soldado deve ser. Realmente, ele era muito melhor do que eu. Não sucumbia a cada derrota, desumanizando-se, assim como acontecera comigo, enquanto buscava acalento nas asas de Delly. Não... O soldado Hawthorne sempre tivera aquela postura firme e forte, como uma muralha. Talvez fosse isso que tanto atraía Katniss. Gale nunca fora um moleque indefeso e fraco. Mas eu também não era, afinal. Eu venci os Jogos Vorazes.

— Ah, é? Se eu as comesse, ela também o faria. Era isso que você queria, Hawthorne? Katniss morta?

— Pelo menos não estaria telessequestrada! - ele grita, sem pensar.

Um silêncio brota do chão até nós enquanto Gale toma conhecimento da asneira que havia acabado de dizer. É claro que ele não pensava aquilo. Até eu conseguia compreender aquele sentimento que ele tinha; o sentimento perverso de achar que era melhor que ela não precisasse ser torturada. Mas todos nós sabemos o quanto ela faria falta.

Começo a lembrar de uma vez quando ela disse que queria morrer. Ela me disse, secretamente, que achava que a morte dela seria um marco para os rebeldes e até ajudasse na luta contra a Capital. Katniss achou que um tordo vivo não seria considerado mártir. Mas ela estava redondamente enganada. Todos nós nos agarramos à imagem dela, até mais do que deveríamos.

— Você não quis dizer isso. - Delly afirma, incrédula, claramente me defendendo das garras fortes do caçador.

— Oh, que lindo! - Gale sorri um sorriso de deboche, batendo palmas sarcásticas - Então o amante desafortunado já desistiu do casamento, assim tão rápido?

— Fala logo o que você quer, Gale - ela rebate, novamente.

— Na verdade, eu nem vim atrás de vocês. Mandaram chamar o Finnick. Mas acho que Katniss adoraria saber mais sobre a nova namorada do tributo/bestante/noivo, não acha? - ele deu uma piscadela e gingou até alguns metros atrás de nós, onde Finnick Odair se encontrava.

— ELA NÃO É MINHA NAMORADA! - grito, alto o bastante para ele me ouvir de lá - QUE CULPA EU TENHO SE VOCÊ NÃO TEM AMIGOS?

Gale se vira, devagar, claramente ofendido. Ele estreita os olhos e penso, com meus botões, que aquele é o primeiro sinal de uma briga pela qual eu não tinha forças para lutar. Não falo de força física, mas sim mental. Minha mente estava completamente esgotada por causa da Revolução, do meu papel como Tordo e principalmente por causa de Katniss.

Entretanto, diferentemente de mim, o Hawthorne parecia muito disposto para tal. Sua fisionomia entregava isso: olhos estreitos e raivosos, mãos fechadas em punho, mandíbula travada e completamente rígido. Da última vez que brigamos acabei sendo dopado. Agora tinha um acordo me protegendo contra isso.

Tinha dito que não tinha cabeça para isso, porém, ao olhar para Gale e lembrar das coisas que ele me disse, uma raiva súbita se apoderou de mim. Eu queria brigar. Queria descontar minha frustração em alguém e Gale se voluntariou a isso.

Ele tinha vantagem sobre minha força e tamanho, embora fosse só isso. Sabia que tinha ajudado nas estratégias da guerra, mas eu apostava que quando ele entrava em uma luta corpo a corpo só sabia desferir socos onde pudesse acertar. Por outro lado, eu era um dos melhores nisso, perdendo apenas para meu irmão mais velho - que estava morto, o que fazia de mim o melhor.

Gale fez justamente o que eu queria, avançou sobre mim com o punho já pronto para me acertar. Eu podia vê-lo em câmera lenta. Uma fração de segundo antes que ele pudesse me acertar, desviei meu corpo dando um passo rápido para o lado. Gale cambaleou para frente e quase caiu.

Em algum lugar distante, na minha mente, eu tinha consciência de que Finnick e Delly estavam ali, e a última soltou um gritinho apavorado. Mas era um lugar distante.

Um sorriso de vitória brotou em meus lábios. O caçador levou alguns segundos para se recompor, não acreditando que ele tinha errado. Vi a fúria acendendo em seus olhos, o que fez meu sorriso alargar e a raiva dele aumentar. Preparei-me quando ele começou a vir na minha direção.

O movimento que planejei podia ser minha ruína. Ou não.

Apoiei-me sobre a perna mecânica e levantei a outra colocando força nela. Meu pé acertou o ponto onde suas costelas se encontravam. Gale caiu no chão segurando onde estava ferido.

Se eu tivesse colocado toda minha força poderia tê-lo matado, pois as costelas poderiam se romper e perfurar os pulmões, ou mesmo o coração.

Gale arfava com dificuldades para respirar. Parecia está realmente ferido, o que me deixou com uma pontada de culpa. Delly correu até ele, ajudando-o a se levantar.

Dava para perceber que ele tava mordendo o lábio para que nenhum gemido escapasse – para não demonstrar fraqueza diante de mim.

Quando estava de pé, dispensou Delly, mal-educadamente, fazendo-a ir para trás.

— Seu idiota, ela estava tentando te ajudar! – gritei. A culpa tinha sumido.

— Não pedi... a ajuda... dela. – falou orgulhoso entre lufadas de ar. – E eu... vou acabar... com... você.

— Desse jeito? Vai muito! – ironizei.

Ele já ia avançar novamente quando Finnick se colocou entre nós.

— Já chega! – gritou imponente e olhou para mim – Você está maluco, Peeta? Poderia tê-lo matado.

— Maluco? Eu? Foi ele que veio aqui me provocar. Só respondi às provocações dele. – respondo, indignado. – Ele decidiu mexer comigo, então ele que aguente as consequências. – disse, dando de ombros.

— Você só me pegou desprevenido. Poderia acabar com você com as mãos...

— Cala a boca, Hawthorne. – Finnick o interrompeu. – O que vocês acham que Katniss pensaria sobre isso?

Sei que Katniss não é miss paz e amor, mas odiaria uma briga entre mim e Gale. Se bem que no momento ela sentiria muito por eu machucar o caçador.

O pensamento me trouxe ânsia.

— Você por provocar – continuou apontando o indicador para Gale - e você por respondê-las tão violentamente. – apontou o dedo para mim e baixei os olhos.

A raiva foi sumindo, aos poucos, à medida que a culpa recaía sobre mim, outra vez. Não por causa de Katniss - pelo menos não inteiramente - mas por causa de meu pai e de quem eu sou. Meu pai nunca incentivou a violência; mesmo quando estivesse certo, teria que arranjar uma solução pacífica para o problema.

Papai estaria decepcionado comigo.

Não faço ideia do que se passava pela cabeça de Gale – e na verdade não me importava –, mas seja o que for, fez com que ele refletisse.

Ainda respirava com dificuldade. Eu queria pedir desculpas, mas as palavras recusavam-se a sair de meus lábios.

Resolvi que o melhor era eu voltar para meu compartimento. Senti meus olhos arderem. Eu precisava extravasar o estresse, a raiva, a mágoa e a culpa de alguma forma. Meus passos eram rápidos.

— Sabe, Peeta, você tem razão. Não tenho amigos, mas... – ele disse neutro, como se não se importasse com o que dizia. Finnick o reprovou e foi ignorado. Pensei que mais nada me abalaria, mas as palavras proferidas a seguir, por Gale, entraram como adagas afiadas no meu coração: – Bom... Pelo menos eu tenho Katniss.


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