A Natureza das Ondas escrita por Enki


Capítulo 7
Capítulo 07 - Tem uma Minhoca em Minha Cama




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Quando voltamos ao Penélope, o nosso navio, ninguém discutia abertamente sobre o brilho nas águas. Era provável que o Capitão tivesse ameaçado de abandonar na ilha qualquer um que comentasse sobre o clarão, a fim de evitar pânico entre os marujos. Dava, entretanto, para reparar nos olhares nervosos das pessoas para a água e em alguns murmúrios que haviam no barco. Tinha certeza de que Colby já tinha toda uma teoria do que seria a causa do brilho e logo estaria espalhando para todos o medo em massa. Deixei-o e fui conversar com o Peto. Meu Capitão estava na sua cabine, observando atentamente o mar em busca de alguma coisa incomum.

“Capitão? Nós já voltamos.” Falei.

“Aquela coisa que você ouviu...” ele falou “e provavelmente viu, sabe o que é?”

“Não. Você sabe?”

“Tenho alguma ideia.”

“Devemos nos preocupar?”

“Não. A prateleira de cima no armário a sua esquerda.”

Eu olhei o armário e abri sua porta. Minha mão caçou o que quer que houvesse na prateleira de cima pelo tato e voltou com uma garrafa de rum.

“Acha que é uma boa hora para beber?”

Ele se virou, se aproximou de mim a passos calmos e pegou a garrafa.

“Sempre é uma boa hora para beber, meu amigo.”

O capitão saiu da cabine pedindo para me acompanha-lo. Saímos do barco avisando Dale e fomos até o depósito outra vez. Os guardas já tinham ido para suas casas o que deixava o cais deserto. Cooper já estava andando meio sem equilíbrio quando nos aproximamos dos portões do depósito. Com uma agilidade que nenhum homem sob efeitos de álcool teria, ele escalou a grade do portão e pulou para dentro do lugar. Outra vez no chão, ele continuou andando como bêbado. Eu o segui e nós invadimos o armazém. De seu chapéu de couro, ele tirou um pequeno arame que prendia a pena de enfeite no chapéu e com o metal, abriu a fechadura. Nós invadimos o prédio. Achei que ele iria pegar alguma coisa que não tivéssemos conseguido comprar, mas me decepcionei quando ele parou em frente as caixas de bebidas.

“Eu não acredito que nós viemos aqui, invadimos o depósito correndo risco de sermos pegos só para você conseguir aumentar seu estoque de álcool!”

“Pare de reclamar, Ned.” Ele quase nunca me chamava pelo nome. Ou o álcool já estava subindo nele, ou então estava perfeitamente consciente do que estava fazendo. Não soube interpretar muito bem. “Venha, me ajude aqui. Leve essas duas caixas.”

“Não vou levar caixa nenhuma.”

Sua expressão de sorriso torto se desfez para formar uma expressão dura e assassina. Aquele olhar podia funcionar com o resto da tripulação, mas não funcionava comigo. Quando ele percebeu que era inútil, falou com calma e simplicidade:

“Tudo bem, se não quer me ajudar, eu consigo carregar isso para lá.” Ele pegou as duas caixas que me pedira para levar. “Não sei do que está reclamando. O que acha que fariam se nos pegassem? Prenderiam por invadir propriedade pública? Somos militares, esqueceu? Não piratas.”

“Não esqueci, mas acho que você esqueceu. Para resolver roubar por ai, com certeza esqueceu.”

“Pense o que quiser.” Ele caminhou com os caixotes para fora “Porém lembre-se de que eu sou o seu Capitão e, mais que isso, não alcancei esse cargo por acaso. Eu sei o que eu faço. Acredita mesmo que eu estava bêbado enquanto andava? Era uma desculpa para caso nos vissem.”

Dito isso, acabei levando, contra a vontade, mais dois caixotes. Quando chegamos ao navio, antes de subir, ele pousou a carga no chão, desembainhou a espada de com um golpe, quebrou a madeira. Depois pegou as garrafas, destampou e atirou–as na água.

“O que você está fazendo?” Perguntei.

“Vamos, me ajude.”

Comecei a atirar as garrafas abertas ao mar também.

“Qual o propósito disso?”

“Você logo verá.”

Atiramos os quatro caixotes e Peto, sem mais explicações, embarcou outra vez no Penélope. Eu o acompanhei. Já estava cansado para exigir alguma satisfação e, como se lesse meus pensamentos me mandou ir dormir. Não discuti. Desci até a minha cabine e deitei. O sono me pegou sem que eu percebesse, devagar e de repente. Nadei então num mar estrelado com uma não tão grande baleia dançando nas águas para mim. Peto mais tarde disse que quando foi me acordar, eu estava sorrindo. Não sei dizer os detalhes direito daquele sonho porque não me lembro, mas eu lembro que fora divertido.

Quando acordei, as coisas não pareceram mais tão divertidas assim. Comecei a despertar com um pequeno desconforto no peito que em seguida estendeu-se para meu ombro. Devo ter resmungado alguma coisa e acho que ouvi a voz de Cooper me chamar distante. O formigamento que sentia ficou mais vivo, como pinicadas em minha pele. Quando abri os olhos, deparei-me com uma criatura que jamais tinha visto em cima de mim. Era cumprida como uma minhoca, mas revestida de uma armadura de quitina como a das lagostas. Tinha o tamanho de uma serpente ou uma enguia e a grossura da minha coxa. Talvez mais. Várias agulhas afiadas saíam de sua carapaça, como um porco espinhoso e não tinha olhos. Milhares de perninhas afiadas me pinicavam fazendo o desconforto que tinha me acordado e só um bico indicava a sua cabeça. A criatura abriu o bico recurvo como de um papagaio e o cravou em meu peito. A dor foi lancinante e se alguma parte de mim ainda não tinha acordado, naquela hora com certeza despertou. Eu gritei sem reação e fui salvo pelo meu Capitão que arrancou o bicho de cima de mim. Ele esperneou enquanto Cooper o jogava para o lado. O bicho, não satisfeito de ter levado parte da minha carne, parecia querer o resto e ficou guinchando até o Capitão o acertar com a espada e mata-lo.

“Você está bem?” Ele me entregou uma garrafa de bebida.

“Acho que sim.” Falei tentando me levantar. Dei um gole na garrafa para entorpecer um pouco os meus sentidos e diminuir a dor.

“Não é pra beber.” Ele falou. “É para você jogar no ferimento. O álcool evita que o veneno se espalhe. Você ainda não tinha entendido o porquê de eu jogar a bebida no mar?” lançou-me um olhar e reprovação. “Era pra eles ingerirem junto com a água, Imediato.” Ele abriu a porta da minha cabine para sairmos.

Eu joguei a bebida no meu ferimento e o segui para o convés. Umas três ou quatro dezenas de bichos semelhantes andava pelo navio atrás das pessoas ao passo que mais delas subiam pelo barco. Sob a luz da lua, elas tinham uma curiosa florescência esverdeada.

“O que são essas coisas?”

“Vermes d’Água! Já os encontrei antes.”

“Como os vencemos?”

“VAMOS, SEUS MACACOS DE CONVÉS!” O Capitão gritou para o resto da tripulação do navio enquanto desembainhava a sua espada. “TAQUEM AS TRIPAS DESSAS MINHOCAS NO MASTRO! TEMOS UM PURÊ DE BACALHAU MOFADO PARA FAZER!!”

Nós lutamos. Combatemos os vermes do mar e suas agulhas com nossas espadas. Eram muitos e chegavam mais a todo instante. Então meu capitão finalmente mostrou-me a resposta de como acabar com aqueles bichos de vez. Quando estourou uma garrafa de rum em um do vermes e derrubou uma lanterna sobre ele, o fogo se espalhou rapidamente em cima do bicho que guinchou e secou caindo morto. Se álcool era o antídoto que lavava o veneno deles, fogo era o os fazia cair no chão. Peguei uma corda e pulei do barco para o cais, onde muitos mais vermes se concentravam. Cooper me viu e me acompanhou. Nós chegamos até os caixotes que tínhamos trazido e um deles ainda não tínhamos jogado na água. No caminho, Cooper arranjou uma tocha que iluminava a ponte pois eram tantos que estávamos sendo cercados. A tocha afastou a maioria, mas alguns ainda ousavam avançar para nos devorar. Eu derramei a bebida sobre a corda e tratamos de voltar ao navio. Colocamos fogo nela para então jogar ao mar contornando nosso navio. Estávamos com um círculo de chamas a nossa volta flutuando na água. Logo pudemos reparar que os vermes paravam de subir e nós pudemos enfim acabar com os que já estavam no convés.

Acabamos com todos em questões de minutos. Ao fim, tínhamos um tapete de carcaças no nosso chão. Nós tínhamos vencido, sem baixas. Eu matei um dos últimos quando Cooper se aproximou de mim.

“Vencemos!” Exclamei para ele. “Conseguimos nos livrar do problema.”

“Problema?” O Capitão riu. “Ah não. Esses bichos não eram o problema...”

Ele foi interrompido pelo mesmo som inumano que havíamos escutado horas atrás. Muito mais alto agora, como um grande rugido, ele ecoou das águas e formando ondas no mar. Fui para a beirada do navio. Toda a tripulação ouvia quando o vimos a mesma luz surgir no meio do mar escuro da noite. Emergiu das águas uma criatura pavorosa. Seu corpo segmentado parecia uma armadura pelas placas rígidas que possuíam uma florescência verde como uma mistura de crustáceo e inseto brilhante. E grande. Muito, muito grande. Em cada segmento do corpo, saía uma pata em formato de garra ou pinça e, na sua cabeça, várias projeções do mesmo tipo contornavam sua boca e se debatiam em frenesi, pedindo por comida. A criatura me lembrou uma lacraia, mas muito mais feia e assustadora devido ao seu tamanho, a sua luminosidade própria, ao seu estrondoso guincho e, claro, ao fato de estar seguindo direto para nós.

O capitão veio para o meu lado e completou:

“O problema mesmo é a mãe deles.”


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Notas finais do capítulo

Obrigado a todos que leram e quem puder, por favor, comentem. Nada é mais incentivador do que um retorno de nossos leitores. Obrigado mais uma vez e fiquem bem.