A Natureza das Ondas escrita por Enki


Capítulo 5
Capítulo 05 - O Baile




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Depois de derrotarmos o monstro, nós fomos atrás de Ariel que se aproximava de nós no bote junto com os covardes da tripulação. Não chegamos a encontrar outros sobreviventes além das duas nos destroços do navio naufragado. Tratamos, então, de seguir viagem o quanto antes afinal, havíamos afundado a fera, mas isso não significava que ela estava morta. Com muito azar nosso, ela poderia se libertar e voltar atrás de nós. Fomos para a capital do reino para que as princesas desembarcassem. Colby, o vigia, enviou uma mensagem via sua gaivota treinada Inis, avisando da nossa chegada no porto.

A capital do nosso reino era uma grande ilha no meio do oceano onde a terra era fértil e as baías, ricas em minerais. Quando nosso povo se instalou por lá, não haviam outros homens e nós colonizamos o local. Construímos as cidades, enraizamos o nosso recém formado povo. Curiosamente, três círculos de terra circundavam a ilha, intercalados por rios de água doce e salgada. Aproveitamos então os anéis de terra para fazer uma pequena muralha que deveria barrar o mar em épocas mais agitadas. Eu não tinha passado muito tempo em terra firme naquela época, não conhecia muito a metrópole da capital. Em nossas viagens, como já disse, pouco adentrávamos o continente. Não sabia muito bem o que esperar por ali, mas de qualquer coisa que eu pudesse esperar, jamais seria parecido com o que realmente aguardava por nós.

Eu ainda acreditava que pudéssemos deixar as moças lá e seguir com a vida normalmente, mas talvez não fosse o que o destino me havia reservado. Quando atracamos ao porto, uma multidão nos esperava, incluindo a guarda real, um aglomerado de barões, condes, viscondes, duques e mais um monte de intitulados que eu jamais ouvi falar até então, os próprios Rei e rainha e os militares de alta patente da marinha e exército. Comecei a me perguntar se não era estardalhaço demais, não tínhamos feito nada tão grande assim. Por outro lado, hoje eu sei que tínhamos “salvo” as princesas e, por causa disso, só por causa disso que deveria haver tanta gente ali. Não éramos heróis pelos nossos feitos, mas pelo fato de nossos feitos terem envolvido gente importante.

Haveria uma comemoração preparada para nossa chegada. Um baile real ao qual estávamos convidados. Nenhum de nós tinha uma roupa apropriada para a ocasião, mas isso não foi problema, pois conseguiram fardas da marinha para todos nós em poucas horas. O Capitão Cooper recusou que lhe trocassem seu chapéu de couro, mas aceitou a nova farda e até que lhe chamassem de Comandante, embora sempre tivesse preferido que se referissem a ele como Capitão. Já eu, também me arrumava quando uma visita inesperada bateu a porta do quarto. Eu abri e Ariel entrou dando uma boa olhada no lugar e, em seguida em mim. Confesso que fiquei um pouco avergonhado, pois não tinha deixado o quarto exatamente arrumado. Estava pouco contente de saber que ficaria mais tempo do que o esperado em terra, logo não me preocupei muito com detalhes de arrumação.

“Vim ver se você estava bem. Vejo que ficou bem a vontade em terra.” Ariel comentou.

Tudo que consegui fazer foi sorrir sem graça.

“Aqui, deixe-me ajuda-lo.” Ela colocou o lenço por dentro da jaqueta. Então levantou a cabeça e nossos olhos se encontraram.

Ainda hoje tenho dúvidas do que aconteceu ali ou do que Ariel estaria pensando sobre mim naquele momento. Ariel sempre foi um tanto misteriosa e fascinante para mim, principalmente com o seu olhar profundo. Ela sorriu e eu sorri de volta, ainda sem jeito.

Fomos interrompidos por um pigarro vindo da porta. O Comandante Cooper estava lá.

“O Rei gostaria de vê-lo agora se possível.” Ele informou.

Encarei Ariel buscando alguma explicação de por que o Rei iria querer me ver, mas ela apenas sorriu, me desejou uma boa tarde e foi embora. O comandante continuou me observado depois que ela se foi. Acho que ele iria falar alguma coisa, mas depois mudou de ideia, virou-se e foi embora também.

Segui para o quarto real, onde alguns guardas esperavam para avisar a minha chegada. Entrei e encontrei o Rei. Ele estava sentado em uma mesinha tomando algum chá enquanto um outro nobre conversava com ele de pé. Quando cheguei, o Rei dispensou a pessoa que eu não conhecia e me cumprimentou.

“Então você é o jovem de que me disseram?” Ele me perguntou.

“Excelência?”

“Falaram-me que a vitória contra o monstro foi sua. Devo-lhe a vida de minhas filhas a você.”

“Não foi nada demais. Eu apenas...”

“Estou um tanto intrigado. Diga-me, menino, porque você não seguia as ordens de seu Comandante como todo mundo?”

“Eu o conhecia bem. Vi que aquilo não funcionaria e era um caso de vida ou morte. Resolvi apostar na minha intuição. Meu Capitão confia em mim para me dar essa liberdade.”

“Lealdade e astúcia... Precisávamos de mais homens como você. No baile, eu irei condecorar-lhes com uma medalha de agradecimento, a você e a seu Comandante. Eu estou dizendo para que não sejam pegos de surpresa. Você deve receber, agradecer e continuar aproveitando a festa, estamos entendidos?”

“Sim, majestade.” Estranhei. “Mas não precisava se dar ao trabalho de me chamar aqui. Você poderia ter feito a surpresa.”

“Prefiro coisas organizadas previamente. Não posso prever a reação das pessoas então prefiro combinar antes para que tudo saia certo. E muito obrigado pelo resgate as minhas filhas. Era só isso. Pode ir.”

“Sim, majestade.”

Sai do aposento. Aquilo fora estranho, porém considerando que era o Rei, ele deveria preferir mesmo controlar as coisas. Não sabia o tipo de pessoa que eu era ou o que eu faria, era quase compreensível ele querer evitar algum evento inesperado. Deixei isso de lado pelas horas seguintes.

A festa veio e tinha tudo para ser agradável, menos o fato de não ser o nosso ambiente. Não ficávamos a vontade num salão cheio de pessoas nobres, ricas que nunca encontraram uma serpente marinha na vida. Cooper me puxou para algumas rodas de conversa volta e meia e me apresentou com o maior orgulho. As pessoas sorriam, me parabenizavam e perguntavam para eu contar como derrotei a lula do mar. Eu lhes contava a história. Nunca fui um bom contador de histórias também, até hoje tenho problemas com isso. Deixo para os mais criativos espalharem meus feitos, já que não conto como o público prefere ouvir, mas como realmente aconteceu.

Aquela vida de alta sociedade tinha apenas um dia e meio mas já estava me cansando. Eu fugi. Andei pelos salões do palácio em busca de um lugar que pudesse ficar sozinho. Fui resgatado pelo jardim de hortênsias onde encontrei, sentada num banco, a princesa Ariel.

“Olá.” Cumprimentei.

“Olá. O que faz aqui?” Ela estranhou.

“Eu não... Quis ficar um pouco sozinho.”

“Ah sim, eu entendo.” Ela me fitava. “A nossa vida não te agradou muito, certo?”

“Acho que não é pra mim.” Confessei.

Ficamos nos encarando por alguns segundos até que ela deu um espaço no banco e me deixou sentar ao seu lado. Ela havia conhecido como eu era de verdade, por trás daquelas roupas bonitas e tudo mais, não havia sentido em tentar disfarçar o que pensava.

“E você, porque está aqui longe de todos? Também ‘não lhe agrada muito’ essa vida?” Tentei puxar assunto.

“Em verdade? É cansativo. Meu pai é um tanto controlador, sabe?”

“Eu imagino.”

“Ele espera que sejamos a família perfeita. Eu e irmã, as princesas graciosas, delicadas e encantadoras, como ele acha que as princesas devem ser. Nós nos esforçamos para ser o que ele deseja que sejamos. Chega uma hora que, se você olhar bem, se dá conta de que passou tanto tempo tentando ser o que os outros esperavam que você se esqueceu de quem é.” Ela olhou para cima, para as estrelas. “Então você percebe quem não passou de um rostinho bonito e nem o que mais você quer ser.”

“Jamais pensaria que vocês eram assim. Vocês com certeza escondem muito bem isso. Eu conheci sua irmã e ela não me pareceu ter essas questões todas.”

“Não acho que ela tenha exatamente esse problema. Quero dizer, ela tem uma personalidade muito presente. Faz coisas com a sua magia que eu nem sonharia em fazer e está destinada a ser a rainha. Somos ambas muito controladas sim, mas ela é muito mais do que o rostinho bonito da ruivinha caçula.”

Eu ri. Com isso, ela ficou irritada.

“Por que está rindo? Está caçoando de mim?”

“Estou rindo da ironia. Estamos em um jardim de hortênsias.”

“Que ironia? O que as hortênsias têm a ver?”

“Quando você planta uma hortênsia em um lugar pela primeira vez, nunca dá para saber que cor serão suas flores.” Contei. “Sua coloração depende do solo em que é plantada. Se for um solo ácido, elas serão mais vivas, com um tom azul e violeta. Agora se você as pôr em um solo alcalino, elas não terão o mesmo vigor visual, mas serão rosadas ou até mesmo brancas, dependendo do forte for o alcalino no solo. No fim, você nunca sabe o que ela vai ser. Precisa esperar que ela germine, cresça e enfim de flores para saber como ela é de verdade.”

A ruiva ficou me observando. Ainda me pergunto o que ela estaria pensando naquele momento. Por fim, sorriu e se levantou.

“É melhor voltarmos para a festa. As pessoas começarão a me procurar.” Dirigiu-se a entrada, mas parou antes de abrir a porta. “Obrigada. Você é mesmo um fofo.”

Esperei mais um tempo antes de voltar. Olhei para cima e me lembrei de um sonho que na época era menos distante do que hoje. Lembrei-me de uma deusa e uma breve conversa sobre as estrelas. Levantei e voltei para os salões.


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Notas finais do capítulo

Eu disse que voltaria a postar, então aqui está. Boa leitura e fiquem bem.